XXIV ENANGRAD ADP – Administração Pública A ORGANIZAÇÃO INSTITUCIONAL DO PLANEJAMENTO DENTRO DE UM GOVERNO: CARLOS MATUS E A MATRIZ OPERACIONAL DA SEPLAG NO RIO GRANDE DO SUL Fernando Maya Mattoso Maurício Fernandes Pereira Florianópolis, 2013 ADP - ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA A ORGANIZAÇÃO INSTITUCIONAL DO PLANEJAMENTO DENTRO DE UM GOVERNO: CARLOS MATUS E A MATRIZ OPERACIONAL DA SEPLAG NO RIO GRANDE DO SUL 0 Resumo Mais do que um exercício de previsão relacionado a determinado cenário futuro, o ato de planejar se constitui em uma busca por maiores graus de liberdade na ação humana. No caso do setor público, onde o planejamento visa implementar um futuro legitimado por um desejo do todo social, esse ato torna-se ainda mais relevante. Tendo como referência os conceitos desenvolvidos por Carlos Matus, neste artigo se buscará entender como ocorre o processo de planejamento em determinado órgão do setor público, e como esse processo se relaciona tanto com os objetivos do órgão, como com os objetivos mais gerais de um governo eleito. Mais especificamente será estudado o caso do processo de elaboração da Matriz Operacional da Secretaria do Planejamento, Gestão e Participação Cidadã (SEPLAG) do Estado do Rio Grande do Sul. Assim sendo, é intenção deste artigo, com base no exemplo da SEPLAG, entender se o órgão consegue traduzir o programa de governo em termos de método, e, se a utilização de um planejamento complementar pode auxiliar em refletir de fato a ação desse órgão, e, consequentemente, o programa de governo. Abstract More than a forecasting exercise related to a particular future scenario, the act of planning searches for greater degrees of freedom in human action. In the public sector, where planning aims to implement a future legitimized by the social desire, this act becomes even more relevant. Using the concepts developed by Carlos Matus, in this article we will try to understand how the planning process occurs in a particular department of the public sector, and how this process relates the objectives of the department, as with the more general objectives of some elected government. More specifically, will be studied the building process of the Operational Matrix of the Planning, Management and Citizen Participation Department (SEPLAG) of the State of Rio Grande do Sul. Therefore, it is the intention of this article, based on the example of SEPLAG, understand if the department attempt to translate the program of government in terms of method, and, if the use of a supplementary planning can help to reflect the action of the department, and, thence, the government program. Palavras Chave: Planejamento Público; Planejamento Estratégico Situacional; Carlos Matus; Matriz Operacional; Rio Grande do Sul. 1 INTRODUÇÃO Mais do que um exercício de previsão relacionado a determinado cenário futuro, o ato de planejar se constitui em uma busca por maiores graus de liberdade na ação humana. É o intento de se chegar até aquilo que foi pré-concebido, sem desconsiderar os limites objetivos de determinada realidade, construindo os elementos para a sua superação. Assim, planejar é antes de tudo criar, é transformar, é construir o futuro não passível de predição. Pode-se retirar dessa ideia que, em diversas dimensões de nossas vidas, o ato de planejar e as técnicas de planejamento se tornam não apenas úteis, como imperiosas para que os objetivos pretendidos sejam alcançados. A alternativa ao planejamento desnuda-se na forma do improviso sem horizonte, na qual o ato sobre determinado objeto pode levar a cenários imprevisíveis, relacionados ou não àqueles a que os sujeitos que realizaram esses atos intentavam chegar. Melhor dizendo, a ausência de qualquer planejamento pode levar ao caos da ação humana, onde cada ato leva a cenários não previstos, e, portanto, não intencionados. O ato deixa de ser uma ação sob determinado objetivo e passa a ser uma ação aleatória, que retira a liberdade do sujeito em caminhar rumo às suas pretensões. Por isso a importância de planejar, seja da forma que for, com os objetivos mais grandiosos ou mais modestos, da forma mais complexa ou mais simples. Desse modo, o planejamento pode contribuir para a vida privada de um ou mais sujeitos em suas tarefas diárias, para o desenvolvimento e ampliação da lucratividade de uma empresa, para a melhoria de indicadores sociais via ação do setor público ou até mesmo para a ruptura de determinada ordem social e construção de um novo modelo de sociedade. E, para cada objetivo distinto, o planejamento pode tomar diversas formas, tendo o próprio ato de planejar um conteúdo pertinente ao seu objetivo. Provavelmente não será o mesmo instrumental de planejamento, por exemplo, que servirá para elevar o lucro de uma empresa ou para erradicar a miséria sob um viés redistributivo. Neste artigo se buscará entender como ocorre o processo de planejamento em determinado órgão do setor público, e como esse processo se relaciona tanto com os objetivos do órgão, como especialmente com os objetivos mais gerais de um governo eleito dentro dos padrões estabelecidos na atual democracia brasileira. Especificamente será estudado o caso da secretaria do planejamento, gestão e participação cidadã (SEPLAG) do Estado do Rio Grande do Sul. No âmbito do planejamento público, uma grande inovação teórica se dá com o chileno Carlos Matus (2007) com a sua concepção de planejamento estratégico situacional (PES). Nesse, o autor, em um movimento duplo, rompe tanto com a concepção determinista do planejamento tradicional, do diagnóstico e ação economicista, quanto com a visão de que o planejamento desenvolvido pela iniciativa privada, empresarial, pode ser aplicado ao setor público com poucas ou nenhuma adaptação. É possível entender que parte dos conceitos hoje aplicados no setor público tem forte influência da elaboração teórica de Matus (2007). No entanto, esses conceitos desenvolvidos pelo autor não são objeto de uma reflexão capaz de compreender os avanços e limites dessa proposta, a qual pretende definir a posição e o objeto do planejamento na estrutura governamental. Enquanto que o PES será objeto de reflexão da primeira seção deste artigo, na segunda seção serão descritos e será feita uma breve análise, sob a perspectiva do PES, dos atuais instrumentos de planejamento na administração pública do Rio Grande do Sul, tanto do Estado como um todo, quanto dos demais órgãos da administração. Nessa seção também se buscará entender quantas lacunas existem entre eles e o planejamento operacional de determinado órgão, propondo a necessidade de uma escala de planejamento que complemente esses instrumentos. 2 Mantendo como referência os conceitos desenvolvidos por Matus (2007), a última seção constituirá em uma análise da proposta elaborada na SEPLAG para um processo complementar, que dê sequência às construções anteriores. Destarte, será feito um exame de como se relacionam os instrumentos de planejamento hoje utilizados pelo Estado com qualquer programa de governo eleito, e, mais especificamente, com os objetivos de um órgão emblemático para a disseminação de um processo que hoje não está claramente definido em nenhuma legislação, mas que apesar de ser peculiar para cada órgão, pode ser benéfico se generalizado metodologicamente. Assim sendo, é intenção deste artigo, com base no exemplo da SEPLAG, entender como o órgão traduz o programa de governo em termos de método, e, se a utilização de um planejamento complementar pode auxiliar em refletir de fato a ação desse órgão. Busca-se assim, iniciar uma reflexão acerca da melhor forma de operacionalizar e transformar em ato concreto aquilo que foi concebido como visão social a ser implementada pelo governo, e, consequentemente, sobre se o órgão cumpre com a sua parte nessa relação. CARLOS MATUS E O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO SITUACIONAL Tendo como grande experiência o fato de ter sido ministro do planejamento no governo de Salvador Allende no Chile, Carlos Matus (2007), na sua produção teórica, foi um autor que buscou entender as peculiaridades do planejamento no setor público. Com a queda do governo por um golpe de Estado, Matus passa a refletir sobre quais foram os erros que levaram ao fim prematuro da experiência, principalmente sobre quais pontos, na ótica do planejamento, podem ter contribuído para essa derrocada. A partir dessa experiência, Matus busca subsídio para sua reflexão não só no governo do qual fez parte, mas dos fracassos de muitas experiências, das mais distintas matizes ideológicas, de diversos governos na América Latina. Melhor dizendo, Matus constrói um conjunto de técnicas e ferramentas, que, apesar de não serem neutras, se organizam em torno de um espectro comum, o planejamento público governamental, independente do conteúdo conceitual/ideológico de quem ocupa o governo. Em sentido contrário, o autor também reflete sobre como as técnicas de governo, para serem eficazes, devem estar totalmente associadas à ação política, entendida como um espaço de construção e de transformação de determinada realidade. De tal modo, é possível identificar os erros em que incorriam os planejadores que na sua grande maioria permaneciam presos a uma visão dogmática e economicista da sociedade, e também daqueles que entendiam o público e o planejamento público como uma extensão do privado. Enquanto os primeiros não conseguem compreender as possíveis reações dos diversos atores sociais, nas quais o planejamento imposto nada mais é do que a ação e visão de um, ou de um grupo de atores também incluídos no objeto planejado, os segundos não entendem as diferenças entre os objetivos e complexidades do público em relação ao privado, e, as consequentes interações resultantes desses distintos objetivos. Para essa nova visão de planejamento, Matus dá o nome de planejamento estratégico situacional ± PES. Desse modo, tanto um grupo quanto o outro teriam como resultado planos fadados ao fracasso, o que seria observado constantemente nos governos latino-americanos. Segundo de Toni (2013), o planejamento para Matus ³QmRpXPULWREXURFUiWLFRRXXPFRQKHFLPHQWRTXHSRVVDVHUUHYHODGRDDOJXQVHQmRDRXWURVPDVXPD capacidade pessoal e institucional de governar ± que envolve a um só tempo perícia e arte -, de fazer política no sentido mais original deste termo. O processo de planejamento não substitui a perícia dos dirigentes, nem o carisma da liderança, ao contrário, aumenta sua eficácia porque coloca estes aspectos a serviço de um projeto político coletivo. Neste modo de ver a política, o governo e o planejamento, ninguém detém o monopólio sobre o cálculo estratégico e sistemático sobre o futuro, há uma profunda diferença em relação DRDQWLJR³SODQHMDPHQWRGRGHVHQYROYLPHQWRHFRQ{PLFRHVRFLDO´WmRFRPXQVQRVyUJmRVGHSODQHMDPHQWR de toda América LatiQDHSDUWLFXODUPHQWHQDWUDGLomREUDVLOHLUD´ Sintetizando a construção que Matus fez sobre as complexidades do planejamento no setor público, pode-se trabalhar fundamentalmente com três de seus conceitos, o de cintos do governo, o de triângulo de governo, que seriam a base para viabilizar determinado planejamento, e, o de problemas estruturados e quase-estruturados, que daria corpo à complexidade do objeto sobre o qual se planeja no setor público. 3 Conforme posto, o primeiro conceito a ser destacado nessa linha é o de cintos do governo, que são os resultados de um governo ordenados em relação a três balanços: o de gestão política, o de gestão macroeconômica, e o de intercâmbio de problemas (Matus, 2007, p. 30-31). O balanço de gestão política é aquele que responde às demandas políticas dos atores sociais, atuando, por exemplo, VREUH D ³TXDOLGDGH GD GHPRFUDFLD R UHVSHLWR DRV GLUHLWRV KXPDQRV D GLVWULEXLomR GHVFHQWUDOL]DGD GH SRGHU ´, entre outros (Matus, 2007, p.30). O Balanço Macroeconômico incidirá sobre os resultados econômicos que influenciam na vida dos atores sociais, como R³HPSUHJRRHTXLOtEULRQRFRPpUFLRH[WHULRUHDWD[DGHLQIODomR´(Matus, 2007, p. 31). O balanço de intercâmbio de problemas se refere às políticas públicas consideradas finalísticas, ou seja, reflete o saldo do governo na solução dos problemas identificados em setores que impactam diretamente a população, como saúde, segurança, habitação e educação. O ponto para o sucesso de um governo é manejar esses balanços no sentido de que determinado déficit em um deles seja compensado por um sucesso em outro. Um governo que tenha problemas nos três balanços é um governo fracassado e um governo que consiga um saldo positivo de compensações, é, como regra geral, um governo bem conduzido. Com relação ao segundo conceito fundamental, o triângulo de governo, o mesmo é constituído por três variáveis, que seriam os pilares fundamentais para o êxito na aplicação de determinado plano de governo, sejam elas: o projeto de governo, a governabilidade e a capacidade de governo, conforme figura abaixo. Figura 1 ± Triângulo de Governo: Fonte: FIOCRUZ, 2013. O projeto de governo se caracteriza como ³RFRQWH~GRSURSRVLWLYRGRV3URMHWRVGH$omRTXHXPDWRUSURS}H-se realizar para alcançar seus objetivos. A discussão sobre o projeto de governo versa sobre o tipo de sociedade, as reformas políticas, o estilo de GHVHQYROYLPHQWRDSROtWLFDHFRQ{PLFDHWF´(Matus, 2007, p. 51). Assim, o projeto de governo reflete a seleção de problemas realizada por determinado governo, e, portanto, HVWiWDPEpPVXEPHWLGRDRVVDERUHVGDV³FLUFXQVWkQFLDVHGRVLQWHUHVVHV GR DWRU TXH JRYHUQD ´ DOpP ³GH VXD FDSDFLGDGH GH JRYHUQR´ (Matus, 2007, p. 51). Cabe ainda ressaltar que por refletir determinada seleção de problemas, o governo nunca poderá ser melhor do que a própria seleção desses problemas, apenas pior. -iDJRYHUQDELOLGDGHGRVLVWHPD³pXPDUHODomRHQWUHRSHVRGDVYDULiYHLVTXHXPDWRU controla e as que não coQWUROD QR SURFHVVR GH JRYHUQR´ (Matus, 2007, p.51), sendo que, ³TXDQWRPDLRURQ~PHURGHYDULiYHLVGHFLVLYDVTXHXPDWRUFRQWURODPDLRUpVXDOLEHUGDGHGH ação e maior é, para ele, a goYHUQDELOLGDGHGRVLVWHPD´Matus, 2007, p. 51). Por fim, a cDSDFLGDGH GH JRYHUQR ³p XPD FDSDFLGDGH GH FRQGXomR RX GH GLUHomR H refere-se ao acervo de técnicas, métodos, destrezas e habilidades de um ator e de sua equipe de governo para conduzir o processo social a objetivos declarados, dados a governabilidade do siVWHPDHRFRQWH~GRSURSRVLWLYRGRSURMHWRGHJRYHUQR´(Matus, 2007, p. 52). O último conceito fundamental para compreender a ideia de Matus sobre o planejamento público é o de problema. Mais precisamente a compreensão de quais problemas são gerados quando o objeto do planejamento é tão amplo quanto a realidade social em que 4 opera o Estado. Ao contrário do planejador privado que atua em uma realidade restrita, circunscrita a um cálculo simples de rentabilidade, com um conjunto razoavelmente definido de variáveis que influenciam esse cálculo, o planejador público se defronta com uma série de variáveis onde a resolução de um problema dificilmente é possível isolando-se o vasto conjunto de dimensões que operam sobre ele. Mais do que isso, a unidade privada deve ser orientada quase que exclusivamente por um objetivo, a rentabilidade, de acordo com o interesse do dono do capital. Já o público atua sobre um conjunto indefinido de interesses de atores sociais distintos, assim como sobre resultados não passíveis de restrição. Pode ser que para a resolução de um problema social o setor público se oriente sob a ótica restrita da rentabilidade. No entanto, déficits financeiros estruturais são comuns e aceitáveis, ou seja, o resultado importa, a ação importa, ela carrega um valor em si, muitas vezes desconectado com o resultado econômico gerado por ela. Não ignorando que o planejamento estratégico situacional, assim como qualquer outro planejamento, por definição, opera com base em uma simplificação da realidade, ele não deixa GHFRQVLGHUDU³DFULDWLYLGDGHHDVXEMHWLYLGDGH dos atores sociais, a multiplicidade de recursos escassos e racionalidades, a coexistência de atores que têm visões e oEMHWLYRVGLIHUHQWHV´ (Matus, 2007, p. 120-121), entre tantas outras situações que tornam o planejamento público um planejamento, em sua grande maioria, baseado em problemas quase-estruturados. Problemas quase-estruturados para Matus (2007) seriam caracterizados por serem problemas com regras definidas, mas ao mesmo tempo não precisas e variáveis. Além disso, o ator que planeja está dentro da realidade que serviu de referência para o planejamento. Desse modo, também se relaciona com seu objeto enquanto ator social no processo e como tal, assim como os demais, atua criativamente e de acordo com suas visões sociais de mundo. A própria solução de um problema dessa natureza acaba influindo em outros problemas que estão entrelaçados, de maneira que as possibilidades de solução tendem ao infinito. O contrário desse conceito seriam os problemas bem-estruturados, que são mais factíveis de ocorrer nas ciências naturais, mas que podem ocorrer em situações específicas da realidade. Existem quando determinada realidade é possível de ser estudada de forma recortada e isolada, onde o objeto do plano segue um padrão constante e repetitivo. Apesar disso, a ideia de se trabalhar com esse tipo de problema foi uma constante entre planejadores públicos em décadas passadas, onde modelos econômicos e econométricos buscavam servir de espelho para comportamentos previsíveis. Não à toa esse tipo de planejamento foi mostrando-se cada vez mais ineficaz para dar conta da realidade e da construção de políticas públicas. Para Matus o planejamento não é uma predição do futuro, visto que incerto, e sim uma previsão de cenários, com base na interação e construção de diversos atores sociais. É o resultado de um jogo social, onde o movimento de um participante tem efeito sobre o movimento dos demais. Mais do que isso, o ato de planejar pode transcender objetivos superficiais, podendo atuar tanto na superestrutura de um problema, onde a reflexão é posta para modificar dentro de regras pré-definidas de um jogo, na sua fenoestrutura segundo Matus, quanto no sentido de revolucionar um jogo, modificando suas regras, ou seja, incidindo em sua estrutura fundadora, para Matus, em sua genoestrutura. Assim sendo, o planejamento no setor público passa a ser resultado de uma interação para resolução de um problema quase-estruturado, que envolve aspectos técnicos e políticos, onde a separação entre uns e outros não se demonstra de forma aparente. O ato de planejar passa a ser um constante exercício tecnopolítico, onde questões que passam pela visão mais detalhada de um problema interagem não só com as relações entre atores sociais envolvidos para viabilizar o plano, mas também com distintas visões sobre o mesmo problema e suas soluções, dadas com maior ou menor embasamento técnico pelos mesmos atores, sejam eles servidores do governo ou a sociedade em geral. Para exemplificar essa situação Matus (2007) compara a relação entre um político e um técnico com a de um médico e um paciente. Enquanto um paciente aceita determinado diagnóstico do médico com base, na maior parte dos casos, em uma relação de confiança préestabelecida, podendo o médico executar um procedimento quase que exclusivamente técnico, 5 sem influência do juízo de valor do paciente, o técnico que se relaciona com problemas sociais não pode, pois a ação contrária dos demais agentes na sua previsão tem efeitos significativos. Melhor dizendo, se quero resolver um problema na área da educação não é possível, por meio de um plano determinista, estabelecer o comportamento seguido por alunos e educadores. Levando em consideração todas essas especificidades e complexidades do planejamento público, Matus (2007) então organiza esse processo, sua estruturação para maior eficácia, sua direção estratégica, em dez grandes sistemas, quais sejam: o de configuração de agenda do dirigente, o de processamento tecnopolítico, o de condução de crises, o de planejamento estratégico, centros de grande estratégia, o de orçamento por programa, o de monitoramento, o de cobrança e prestação de contas por desempenho, o de gerência por operações e a escola de governo. O sistema de configuração da agenda do dirigente, como o nome sugere, organiza o tempo e a atenção que o dirigente irá dispender em determinado tema estruturado que conflite com anomalias, ou casos de urgência. O sistema de processamento tecnopolitico também se refere à ação do dirigente, mas de uma forma mais organizada, sendo o sistema que visa mediar o conhecimento e a ação diária. É o sistema que organiza o método geral aplicado para todo o governo e o traduz para as necessidades do dirigente na sua atuação direta com a diversidade de matérias contidas no plano. Já o sistema de condução de crises é organizado para oferecer métodos que possam solucionar ou atuar de forma sistematizada em casos de emergências de grande impacto, podendo articular-se em salas de situação. Em um horizonte temporal mais amplo é onde se insere o sistema de planejamento estratégico, principalmente no médio prazo. Esse sistema também visa o processamento tecnopolítico, no entanto sem focar diretamente a ação dirigente, e sim a do conjunto do governo, sendo amplo e sem uma seleção mais específica e detalhada dos problemas. É um sistema focado na análise do macroproblema. Esse processamento é complementado pelos centros de grande estratégia que buscam ³SHQVDU FULDWLYDPHQWH R VLVWHPD D XP SUD]R PXLWR ORQJR H FULDU RSo}HV GLUHFLRQDLV´ 0DWXV 2007, p.320). A mediação desses sistemas e a capacidade financeira e alocativa do governo é dada pelos sistemas de orçamento por programa, onde o arrecadado é dotado para solucionar os problemas identificados. A amplitude do foco desses sistemas, que se configuram a partir do planejamento estratégico, não elimina a necessidade de seu acompanhamento sistemático, que é feito via um sistema de monitoramento, que deve ser mais abrangente que o de processamento tecnopolítico, mas que necessita gerar informações de qualidade e efetivas em um tempo eficaz, ou seja, em um tempo que ainda torne a informação útil para a ação em torno dela. Além disso, para que esse sistema atue sobre um plano concreto, é forçoso que exista uma pré-definição de objetivos e metas, que devem ser acompanhados via um sistema de cobrança e prestação de contas por desempenho. Ainda que compreendam o todo da ação governamental no que tange a métodos e técnicas qualificadas para que essa se torne efetiva e eficaz, a interação com a realidade de quem operacionaliza grande parte desse sistema é subestimada. É nesse ponto que deve entrar o sistema de gerência por operações, que trabalha no sentido de descentralizar a operacionalidade, dando liberdade para que atores da implementação atuem de forma mais dinâmica, mas dentro de regras e critérios superiores. Ao final, para que todos esses sistemas atuem de forma coordenada e com qualidade, é necessária uma estrutura de escola de governo, que tem como razão a capacitação do corpo dirigente para atuar nessa realidade. Como demonstrada em toda argumentação de Matus (2007), atuar nessa realidade exige mais do que sensibilidade, exige uma formação tecnopolítica qualificada. Todos esses sistemas, portanto, são elementos da capacidade de governo, atuando tanto no projeto de governo quanto na governabilidade, e, consequentemente, nos cintos do governo. Reconhecendo que no atual estágio da dinâmica política do Brasil é possível admitir que seja no debate eleitoral que o projeto de governo é aceito e legitimado pela população, cabe ao governo eleito realizar seu programa, o que está associado diretamente aos métodos e técnicas empregados e a sua capacidade de ação política. É sob esse apoio que o 6 governante poderá gerir seu cinto do governo para resolver os problemas identificados. Com uma boa governabilidade e capacidade de governo, um projeto pode se tornar realidade. O PROCESSO DE PLANEJAMENTO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DO RS Atualmente, no contexto brasileiro, a estrutura básica do planejamento público está assentada em três instrumentos: a lei de diretrizes orçamentárias - LDO, a lei orçamentária anual ± LOA e o plano plurianual - PPA. Cada um desses instrumentos guarda em si critérios próprios, e respondem a diferentes tipos de ação e organização das políticas públicas. Para além desses instrumentos legais, que também guardam especificidades metodológicas em cada Estado da federação ou município, são utilizados instrumentos complementares que respondem a diferentes necessidades de planejamento e ação, como os mapas estratégicos, o monitoramento de determinada carteira de projetos, salas de gestão e situação, etc. Nessa seção pretende-se analisar a estrutura de planejamento do Estado do Rio Grande do Sul, focando na utilidade que cada instrumento possui, tendo como base conceitual norteadora os conceitos elaborados por Matus (2007), e, principalmente, se tal estrutura contempla os dez sistemas organizados por ele. Antes de passar à análise da situação do Rio Grande do Sul em termos de planejamento público, faz-se necessário retomar alguns aspectos acerca da história do planejamento público no contexto brasileiro. Destarte, o primeiro passo para compreender o patamar onde se encontra o planejamento no Brasil e o porquê de determinados instrumentos estarem institucionalizados na forma de lei, é entender como que se deu a construção dessa estrutura no Brasil, absorvida depois pelos Estados, no caso deste artigo, pelo Rio Grande do Sul. O Brasil sempre foi um país com tradição na área de planejamento. Como exemplo, Octávio Ianni (2009) identifica a presença do planejamento estatal no Brasil desde 1930, com a consolidação do capitalismo industrial e urbano no país. Durante o período que vai até os anos 80, diversos planos serviram como sustentação de projetos para o desenvolvimento do país, 1 2 3 4 como o plano SALTE , o plano de metas , o plano nacional de desenvolvimento I e II , entre outros. Entretanto, todos esses grandes planos reproduziam a lógica de se pensar o planejamento enquanto um objeto determinado, onde a ação de um ator social, no caso o governo, poderia de forma linear influenciar os demais atores, fossem eles empresários, trabalhadores, etc. Não é possível negar que esse modelo, organizado em torno de setores (saúde, educação, segurança...) e não de políticas públicas ou problemas, como propugna Matus, foi útil e teve um grande grau de efetividade naquilo que se propôs. No entanto, ao não estabelecer como foco problemas específicos e apenas planejar com base em grandes questões, acabava por realizar um grande desperdício de recursos, sem a devida solução de muitos problemas. Por óbvio, o plano da forma como era realizado era melhor do que a ausência de qualquer planejamento. Contudo, com um maior grau de mobilização da sociedade e com a ampliação do que se conceitualiza como democracia, essa forma de planejamento já não mais respondia aos anseios da sociedade e sua ineficiência enquanto agente alocador de recursos se tornava evidente. De Toni (2003, p. 7) sintetiza os problemas resultantes desse período de forma bastante precisa, como segue abaixo: ³1R decorrer dos anos oitenta a redemocratização do país e o aprofundamento da crise econômica expuseram totalmente a crise do Estado. As principais características do funcionamento estatal no regime 1 Plano organizado pelo Governo de Eurico Dutra em 1947, priorizando quatro setores: saúde, alimentação, transporte e energia. 2 Elaborado no governo Juscelino Kubitschek em 1956, tinha como alvos, e estabelecia um conjunto de metas para, os setores de energia e transporte, a indústria e incluía a construção de Brasília. 3 Implementado pelo Governo de Emilio Médici, foi de 1972 até 1975. Como características principais podem ser citadas os grandes projetos de integração nacional e a expansão das fronteiras do desenvolvimento, Ianni (2009). 4 Proposto por Ernesto Geisel, durou de 1975 até 1979. Tinha como foco a reorientação da matriz produtiva do Brasil, para tornar o país menos dependente do exterior, principalmente do petróleo. Segundo avaliação, essa dependência gerava a escalada inflacionária observada. Por essa razão, teve como características o investimento na pesquisa de fontes alternativas de energia, como o álcool ,e na construção de hidrelétricas, como Itaipu, Ianni (2009). 7 militar deixavam de atender às novas demandas sociais: centralidade excessiva, pouca capacidade gerencial, ineficiência na prestação de serviços, ausência de mecanismos democráticos de controle e SDUWLFLSDomRFRUUXSomREXURFUDFLDV³IHXGDOL]DQGR´VHWRUHVS~EOLFRVHWF´ É possível resumir as falhas do planejamento desse período buscando o conceito de cintos do governo proposto por Matus (2007). Durante o período já destacado, que vai de 1930 até meados dos anos 80, o planejamento era centrado em basicamente uma variável, a macroeconômica, e, o balanço de gestão política e de intercâmbio de problemas eram sustentados pelo bom desempenho e efetividade do planejamento nesse aspecto. Devido à crise econômica dos anos 80, com a escalada inflacionária, os governos tinham pouca ou nenhuma margem de manobra nos demais balanços, o que instigava a pensar e buscar novas formas de planejar o desenvolvimento do país, de dotar o país de capacidade de governo e governabilidade para a consecução de um projeto de governo. Os anos 80 terminaram fecundos nesse sentido. Em um primeiro momento, com a constituição de 1988 foram incluídos métodos como o 5 PPA e LDO, que vieram a complementar as leis orçamentárias . O PPA passou a ser o mediador entre o projeto de governo e sua aplicação. Se trabalharmos com o modelo proposto por Matus (2007), essa nova organização configurou-se como um grande avanço no sistema de planejamento brasileiro, pois o planejamento governamental passa a se orientar por base 6 em problemas, organizados em programas que visam solucioná-los . O PPA se torna o grande aglutinador, instrumento coordenador das políticas de governo, que se orienta num período de 4 anos, de médio prazo, iniciando no segundo ano de um governo e terminando no primeiro ano do governo posterior. Já a LOA e a LDO devem estar em consonância com o PPA, mas respondem ao curto prazo de um ano. Além do mais, dentro do PPA e LDO são estabelecidos mecanismos de controle e monitoramento, com a fixação de metas, diretrizes e maior controle parlamentar (Constituição Federal, 2013). Apesar de que nos anos 90 esses instrumentos acabaram servindo apenas pró-forma, reproduzindo vícios do dogmatismo econômico e do planejamento privado, pois foram 7 acompanhados de uma política de esvaziamento da ação estatal , a semente para um planejamento que suprisse aquilo que Matus propôs como básico para um planejamento efetivo estava posta. E começou a ser desenvolvida no final da década, com o PPA 2000/2003 (De Toni, 2013). Portanto, o PPA, a LDO e a LOA, passam a ser instrumentos balizadores da ação pública, e no Rio Grande do Sul não é diferente. Porém, de acordo com Fialho (2013), implementado sempre com uma defasagem temporal. A despeito de pequenas diferenças conceituais, a estrutura legal de planejamento do Estado está assentada nesses três instrumentos, que correspondem de imediato a dois sistemas propostos por Matus, o de planejamento estratégico ± PPA e LDO, e o de orçamento por programa ± LOA. Além disso, já na sua configuração, esses instrumentos contêm elementos do sistema de monitoramento, do de cobrança e prestação de contas por desempenho e do de gerência por operações. Uma das preocupações dos PPA´s elaborados sempre foi a contínua integração entre os instrumentos de planejamento, para que a articulação entre as diversas ações de governo pudessem ser melhor acompanhadas e monitoradas. Tomando como balizador o governo do Rio Grande do Sul que se inicia em 2011, contudo, esses instrumentos/sistemas 5 A utilização de orçamentos foi uma constante no Brasil, desde seu período colonial Giacomoni (2005). No entanto, de forma padronizada para as três esferas de governo apenas com da lei 4.320 de 1964. A partir dessa lei que a constituição de 1988 moderniza seu objeto, dando um caráter articulado com PPA e LDO (Giacomoni, 2005). 6 'HDFRUGRFRP)LDOKRS³o Novo Modelo de Planejamento, Orçamento e Gestão introduziu nas prátiicas de elaboração dos planos e orçamentos públicos o sentido estratégico da ação estatal, a orientação para resultados, e, fundamentalmente, o foco no cidadão (...). Os orçamentos passam a ser elaborados com o olho no plano e no desempenho dos programas e, não mais, com o olho no passado, que era a prática norma dos orçamentos públicos (reproduz-VHQRIXWXURRTXHVHIH]QRSDVVDGR´ 7 3DUD GH 7RQL ³D VDtGD SDUD D ³FULVH GR (VWDGR´ não se resolveu no campo da ampliação da cidadania, da radicalidade do controle democrático ou , talvez, num novo tipo de planejamento público que pudesse descortinar os ³VHJUHGRV´GR(VWDGRSDUDDPSODVSDUFHODVGDSRSXODomR$R contrário a primeira saída hegemônica foi jogar a favor da corrente, as elites dirigentes do país optaram pela via da globalização sem condicionamentos, da internacionalização maior da economia e da destruição definitiva do que ainda restara da antiga capacidade estatal de planejameQWRFRRUGHQDomRRXLQGXomRGRGHVHQYROYLPHQWR´(De Toni, 2013). 8 institucionalizados são complementados com uma série de outras iniciativas de planejamento, quais sejam: 1) O Mapa estratégico do estado (FGV, 2013): Elaborado pela secretaria do planejamento, gestão e participação cidadã - SEPLAG com consultoria da fundação getúlio vargas do Rio de Janeiro ± FGV/RJ. É um instrumento que busca traduzir as perspectivas de médio prazo do governo, dentro do seu horizonte temporal de 4 anos. Apresenta-se como uma tradução visual do PPA, mas, ao contrário dele, inicia e termina com o governo, portanto é construído antes da finalização do PPA elaborado pelo governo anterior e aprovação do novo PPA. Metodologicamente também não é organizado em torno de programas, e sim de missão, visão, objetivos estratégicos e perspectivas, dando apenas um panorama geral simplificado do projeto de governo. 2) Os Mapas estratégicos setoriais (FGV, 2013): Elaborados pelos órgãos setoriais com consultoria da FGV-RJ e SEPLAG, após a finalização do mapa do estado, mas com um prazo limite para elaboração maior do que o do PPA. Tem a mesma função do mapa do estado, mas de forma desagregada, representando uma iniciativa de gerência por operações. 3) Rumos 2015: Plano de desenvolvimento de longo prazo elaborado pela SEPLAG DLQGD HP PDV FRP UHSHUFXVV}HV QR JRYHUQR DWXDO ³apresenta um plano de desenvolvimento que aponta estratégias, programas e ações que o Estado, através tanto do poder público quanto da iniciativa privada, deve buscar implementar nos próximos dez anos. ³ (SEPLAG, 2013). 4) O Sistema de monitoramento estratégico (SGG, 2013): Sistema que organiza uma carteira de projetos estratégicos do governo, selecionada a partir do mapa estratégico do Estado, para serem monitorados de forma intensiva, tendo também sido elaborada antes do PPA. Articula-se em torno de uma sala de gestão, onde os projetos são analisados e cobrados diretamente pelo governador. Cada projeto deve conter metas, objetivos, cronograma e justificativa e são apresentados, em média, com uma periodicidade bimestral. Além disso comporta uma estrutura de resolução de entraves que corresponde a uma espécie de sala de situação, pois existe para a resolução dos problemas mais agudos dos projetos e atua como estrutura para atender emergências. 5) A Escola de governo: No Rio Grande do Sul é articulada pela fundação para o desenvolvimento de recursos humanos e se configura comR ³um sistema de formação continuada voltada aos servidoreVS~EOLFRVHDJHQWHVVRFLDLV´)'5+). 6) Sistema de participação popular e cidadã (SEPPC, 2013): Esse sistema, coordenado pela SEPLAG, busca garantir a participação da sociedade nas decisões do governo e nos instrumentos de planejamento. Interage decisivamente com as decisões orçamentárias e com o PPA. Também tem instrumentos que incidem no controle social e na agenda do governador com recomendações, como o conselho de desenvolvimento econômico e social, participação digital e as interiorizações. 7) A coordenação das agendas do governador e secretários (CAS, 2013): Não pode ser caracterizado como um sistema estruturado. No entanto, o governador se utiliza de uma agenda centralizada pela sua assessoria para organizar seus compromissos mais importantes, sendo apoiada pelo sistema de participação popular e cidadã em se tratando das demandas da população, e, pela secretaria geral de governo no que se referre aos projetos da sala de gestão. No caso específico da SEPLAG, a agenda do secretário está disponível na rede interna secretaria, e organiza todos os compromissos sem distinção. Estabelecendo novamente uma relação como os dez grandes sistemas de Matus, é possível observar que os mapas são uma especificação do planejamento estratégico, que o rumos 2015 representa uma iniciativa vinculada aos centros de grande estratégia e que o sistema de monitoramento estratégico comporta vários subsistemas, incorporando de forma intensiva elementos do sistema de planejamento estratégico, de monitoramento e de cobrança e prestação de contas por desempenho. Sobre o sistema de participação, Matus (2007) não propôs esse objeto como parte da estrutura do planejamento, apesar de considerar fundamental a interação do plano com os 9 atores sociais que compõe a realidade planificada. E é assim que se assenta esse sistema no Rio Grande dos Sul, como um apoio e acréscimo metodológico aos instrumentos de planejamento. Contudo, ao contrário do governador, que organiza sua agenda em uma combinação entre a agenda e elementos tratados tecnopoliticamente pela sua assessoria, mas principalmente pela sala de gestão, as agendas dos órgãos não são hierarquizadas a partir de uma reflexão tecnopolítica. Não foi elaborado um modelo de sala de gestão das secretarias e muitas acabaram conduzindo o seu dia a dia de forma desarticulada, ou melhor, sem uma metodologia unificadora em torno de seus mapas estratégicos. Nos órgãos, a organização de uma mediação da estratégia para a operação não pode seguir o mesmo tempo da do governador, precisando estabelecer uma metodologia própria. E a responsabilidade para elaborar essa metodologia deve ser do órgão que centraliza os instrumentos de planejamento do Estado e que sustentou a elaboração dos Mapas Estratégicos. No caso do Rio Grande do Sul, o órgão responsável pela construção dessa metodologia foi a SEPLAG, que também elaborou uma metodologia piloto aplicada na própria secretaria, a qual será tratada na próxima seção. A MATRIZ OPERACIONAL DA SEPLAG É possível dizer que o planejamento específico na SEPLAG iniciou-se com a construção de seus programas no PPA e, posteriormente, com a elaboração de seu mapa estratégico, realizada pela FGV com a participação dos servidores, mas validada e modificada pelo corpo diretivo da Secretaria. No entanto, a partir do mapa, o planejamento não teve prosseguimento, gerando uma lacuna entre a operacionalidade e o projeto de governo expresso nos mapas e, principalmente, nos programas do PPA da secretaria. A proposta para a sequencia desse planejamento ocorreu apenas no final do segundo ano de governo, buscando completar uma necessidade observada nesse e em outros governos, em dar um caráter estratégico à operacionalidade da secretaria. Assim, evitar-se-ia que essa operacionalidade ocorresse de forma anárquica e significativamente desviante do projeto de governo, respondendo apenas à agenda das demandas imediatas e urgentes, ou às atividades rotineiras da secretaria. Ou seja, o projeto de governo que deveria orientar a ação da secretaria, e não o contrário. É nessa proposta, não na operacionalização da mesma, que essa seção irá focar. Como já explicitado, a continuação do planejamento nos órgãos se constitui como parte de uma articulação mais ampla dos subsistemas de planejamento do Estado do Rio Grande do Sul, apresentados na seção anterior. É uma complementação desse planejamento, suprindo uma lacuna sentida pela direção geral da secretaria (SEPLAG, 2013) em enquadrar as atribuições da secretaria ao projeto de governo, orientando as aspirações do corpo dirigente e as do corpo de servidores. Significa uma tentativa de dar um caráter estratégico à operacionalidade da secretaria. A continuidade do planejamento se coloca como um azimute norteador da secretaria, capaz de organizar sua estrutura para um objetivo comum, de fácil compreensão, ao aliar ao projeto de governo um forte conteúdo metodológico, e possibilitar uma fácil leitura dos resultados esperados pelo secretário, articulando-os com as contribuições dos departamentos da SEPLAG. Assim sendo, metodologicamente buscou-se aperfeiçoar a ideia de uma sala de gestão em uma dimensão setorial, pois já era consequência de um acúmulo do planejamento, ao contrário da sala de gestão do governo, na qual a seleção de projetos ocorreu antes da elaboração do PPA. Desse modo, a seleção de problemas poderia ser realizada de forma mais criteriosa, complementar ao PPA. O papel de secretaria geral de governo seria realizado pela direção geral da SEPLAG, conferindo o caráter estratégico à agenda processada no gabinete. Apesar de ter sido tratado como uma sequência do planejamento estratégico da secretaria, o que foi proposto se aproxima sobremaneira do sistema de processamento tecnopolítico de Matus (2007), completando a lacuna observada na seção anterior, e foi organizado sobre três pressupostos básicos: 10 - o de que deve reproduzir, sob um viés metodologicamente consistente, a leitura do secretário acerca das atribuições, traduzidas em resultados, da SEPLAG no contexto do projeto de governo. Sendo assim, seu horizonte temporal seria o horizonte do governo; - a de que deve ser parte do processo mais amplo de planejamento, e, portanto, não poderia começar do zero, tendo como base o PPA, o mapa estratégico do governo e o mapa estratégico da secretaria; - a de que deve mediar o conteúdo da agenda do secretário, realizado pelo gabinete, com as tarefas estruturadas da secretaria, sejam elas o orçamento, o planejamento de médio prazo, a captação de recursos, o monitoramento de projetos estratégicos e as estruturas administrativas de apoio. É algo maior do que a agenda, que atua no curto prazo, sem uma visão estruturada do trabalho. Melhor dizendo, o prosseguimento do planejamento estratégico no âmbito da SEPLAG tem em vista um alinhamento dos processos de trabalho e reorganização das estruturas com o objetivo de cumprir a missão institucional definida no mapa estratégico, organizando a instituição para a geração dos resultados desejados. Seguindo esse caminho, foi proposta a constituição de uma matriz operacional, composta pelas seguintes informações: - Objetivo Estratégico: Reprodução dos objetivos estratégicos do mapa da secretaria, onde em torno dele deveriam estar organizados os resultados para sua consecução; - Dimensões: Caráter meramente organizativo. Mediadora entre o objetivo e o resultado; - Resultados: Base orientadora da planilha, representando aquilo que a secretaria deveria alcançar para a consecução de seus objetivos e missão. Deveriam representar a totalidade das ações do PPA da Secretaria e ir além, especificando-as; - Metas: Produtos gerados pelos resultados, em termos quantitativos, para fins de monitoramento. A consecução dos produtos deveria ter como decorrência um resultado atingido; - Prazos e Responsabilidades: Para fins de controle e monitoramento. Figura 2 ± Exemplo de organização da matriz: Matriz Operacional da SEPLAG Objetivo 2.1 -‐ Viabilizar alternativas para o financiamento do desenvolvimento do Estado Dimensão: Operações de Crédito Resultado: Operação de crédito contratada Departamento responsável: Departamento de Captação Departamentos envolvidos: Departamento de Orçamento Metas: 2 operações (BIRD/BNDES)contratadas Prazo: 23/12/2013 Fonte: Elaborado pelo autor. 11 O primeiro passo para a construção do conteúdo da matriz tem como alicerce uma releitura do mapa estratégico da SEPLAG pelo secretário, em reunião com a direção geral, com o apontamento dos resultados esperados. No segundo passo são pactuados e validados esses resultados com os departamentos, sem alteração de conteúdo, apenas com o seu refinamento em reuniões de trabalho realizadas pela direção geral e pelos departamentos. Dessa reunião é realizada a vinculação dos resultados aos departamentos que trabalham pela realização deles, definindo aquele que contribuí como principal para essa realização e aqueles que apoiam a efetivação do resultado de forma acessória. A partir desse ponto as reuniões devem seguir apenas com os diretores de departamento e a direção geral, com a elaboração de metas e prazos. Com esse arcabouço, a matriz está completa e deve ser validada em reunião diretiva, com os diretores e o secretário. Desse ponto inicia o acompanhamento coordenado pela direção geral junto aos diretores responsáveis pelos resultados, em reuniões bimestrais por agrupamento de dois objetivos estratégicos. O agrupamento corresponde aos objetivos e resultados mais afins, organizando as reuniões com o menor número de diretores possíveis. Desse modo é realizado o monitoramento intensivo dos resultados, que por fim são apresentados também bimestralmente ao secretário, para mudanças e validações, em reunião com todos os diretores de departamento A perspectiva ao construir o modelo dessa matriz operacional é a de iniciar a reflexão dentro da SEPLAG, órgão responsável pelo planejamento institucionalizado (PPA, LDO e LOA), e a partir de então gerar uma mediação tecnopolítica para que todos os órgãos do governo estabelecessem uma linguagem comum para sua operacionalidade, impedindo que, por exemplo, uma gerência por operações descentralizada gere uma desconexão da parte com o todo, com o projeto de governo. Ainda, a secretaria assume um papel de consultoria, apoiando os demais órgãos do Estado no seu planejamento, auxiliando-os na resolução de seus complexos problemas. CONCLUSÃO ± UMA TENTATIVA DE COMPLETAR A LACUNA Matus foi um dos autores a identificar que o planejamento nunca pode ser considerado algo neutro, ele sempre envolve conteúdo, de acordo com a visão social daquele que planeja e com forma como interagem os demais atores sociais. Para diferentes objetivos devem ser utilizadas técnicas distintas. Não obstante, as técnicas apresentadas pelo autor são restritas àquilo que ele chamou de fenoestrutura, podendo responder, dentro de um limite, a matizes ideológicas distintas. Destarte, o instrumental desenvolvido por Matus responde a uma realidade dada, e não visa uma revolução que altere a genoestrutura social. O autor em sua elaboração identifica dois grandes problemas no planejamento, a lógica privada e o planejamento dogmático. Assim, os problemas maiores não estão na estrutura social, e sim na ordem da capacidade de governo, deixando a revolução de um sistema quase que exclusivamente a cargo do projeto de governo. Como exemplo é possível citar que não existe uma elaboração mais detalhada sobre a participação popular no planejamento, como um tema que pode revolucionar determinado status quo, apesar de identificar a participação dos diversos atores sociais como fundamentais no processo de planejamento. Com relação a sua proposta de sistemas que medeiem a consecução do projeto de governo, a estrutura formal de planejamento (PPA, LDO e LOA) contempla boa parte dela. Se for analisado o que já foi implantado no Rio Grande do Sul, observa-se dois pontos importantes, que podem ser considerados inclusive contraditórios. O primeiro é que os mapas estratégicos funcionam principalmente como instrumentos de comunicação e não como processos que de fato auxiliem na resolução de problemas complexos. E isso se dá pela diferença entre o setor público e privado. A complexidade dos problemas públicos, do Estado, só pode ser contemplada com um instrumento mais completo, que organiza a solução dos problemas em torno de programas. E esse instrumento é o PPA, combinado com o orçamento e com um sistema de monitoramento e controle resolutivo. Isso não invalida a utilidade dos mapas, apenas define que eles não podem ter centralidade na coordenação de políticas públicas de órgãos da administração 12 direta, ainda que possam ser o centro de políticas de empresas públicas, autarquias, fundações, entre outras. Assim sendo, essa estrutura não precisaria estar desagregada da forma como está, e sim deveria ser colocada toda no PPA, tendo ele uma base estratégica descritiva mais forte, e um sistema de monitoramento que pudesse se transformar em monitoramento intensivo. Desse modo, o trabalho de seleção de problemas estratégicos, realizado pela secretaria geral de governo, deveria ocorrer posteriormente à elaboração do PPA. A base estratégica também passaria a ter um horizonte compartilhado com o PPA, desenhado no segundo ano de governo. O segundo ponto é que essa complexidade necessariamente implica em alguma estrutura complementar, expressa no que Matus (2007) chama de processamento tecnopolítico e que, acrescenta-se, também engloba o sistema de agenda e o de condução de crises. Essa necessidade de complementaridade garante uma agilidade da qual o PPA, que sofre entraves, por exemplo, por ter de passar suas mudanças à aprovação do Legislativo, não é capaz de responder. Como o sistema de condução de crises acaba sendo orientado para situações específicas, que podem ser pensadas como riscos e desastres, os dois instrumentos principais desse processamento são a agenda e o próprio processamento. A agenda já é trabalhada, até porque sem ela qualquer grau de governabilidade é inviabilizado. Já o processamento tecnopolítico é o sistema mais frágil dentro do governo. Essa fragilidade aparece de forma mais evidente quanto mais saímos do governo como um todo e buscamos a operacionalidade dos órgãos, ou seja, quanto mais a gestão por operações for descentralizada. A necessidade de superar essa fragilidade levou a direção geral da SEPLAG a elaborar um modelo de processamento tecnopolítico do planejamento estratégico de cada secretaria. Esse movimento resultou em uma proposta de matriz operacional, descrita na última seção, que, se ainda não pode ser considerada uma proposta definitiva, é um instrumento que pode auxiliar em muito na padronização desse modelo, fundamental para que os órgãos tenham capacidade de resolver os complexos cálculos necessários para a resolução de problemas socioeconômicos. Esse instrumento organiza os resultados de uma secretaria em torno de suas estruturas, estimulando a compatibilização das estruturas vigentes com o projeto de governo, segundo leitura do próprio gestor do órgão, tendo como fonte os programas do PPA. Portanto, esse modelo tem alto potencial para organizar e dar capacidade de resolução para os problemas quase-estruturados do setor público, permitindo que determinada visão de mundo, projetada no processo de validação eleitoral, seja de fato implementada. Assim, torna-se possível a aplicação do projeto de governo vitorioso. REFERÊNCIAS: BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil - 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 05/04/2013. BRASIL. Lei Federal n.º 4.320, de 17 de março de 1964 e alterações. Disponível em https://www.presidencia.gov.br/ccivil_03/Leis/L4320.htm. Acesso em 20/03/2013. CAS. Coordenação de Assessoramento Superior do Governador. Disponível em http://www.rs.gov.br/secretarias-e-orgaos/Governadoria/4/Coordenacao-deAssessoramento-Superior-do Governador/156. Acesso em 15/04/2013. DE TONI, Jackson. O que é Planejamento Estratégico Situacional. 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