[REVISTA CONTEMPORÂNEA – DOSSIÊ NUESTRA AMÉRICA]
Ano 2, n° 2 | 2012, verão
ISSN [2236-4846]
ALBA-TCP: Elementos e Contribuições para a Integração Latinoamericana e Caribenha*
Renato Ferreira Ribeiro∗∗
Introdução
A história das ideias e das tentativas de integração política e econômica da América
Latina e Caribe remonta ao início do século XIX e deve ser entendida no contexto dos
processos de independência dos países dessa parte do continente e do fortalecimento dos
Estados Unidos no contexto hemisférico.
A elite criolla que liderou as lutas de libertação era fortemente influenciada pelo
pensamento iluminista da época em voga nos países ocidentais centrais e, portanto, os ideais
do liberalismo, do republicanismo, do federacionismo, entre outros, permearam todo o
processo independentista e o surgimento dos países latino-americanos e caribenhos. Embora
houvesse entre as colônias espanholas certas divisões territoriais administrativas, um dos
maiores obstáculos que o processo de formação dos Estados nacionais encontrou foi o fato de
que os traços culturais eram compartilhados de um extremo a outro do continente, inexistindo
entidades nacionais pré-estatais (CHIARAMONTE, 1997), o que significa que a definição das
fronteiras e das nações foi fruto de complexas disputas no período pós-independência,
envolvendo inclusive propostas de união continental.
Nesse momento, ao mesmo tempo em que a própria noção de América Latina começa
a se delinear, pode-se observar a emergência de duas correntes opostas no que se refere aos
projetos unionistas: o monroísmo e o bolivarianismo. Em 1823, o presidente dos EUA, James
Monroe, anuncia no Congresso a nova diretriz da política externa norte-americana: a Doutrina
Monroe. A Europa pós-Revolução Francesa e pós-Napoleão estava em convulsão política e as
antigas colônias ibéricas já haviam conseguido a independência. Os EUA podiam então trilhar
*
Artigo recebido em agosto de 2011 e aprovado para publicação em fevereiro de 2012.
Bacharelando em Relações Internacionais pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Campus Franca. Membro do Núcleo de Estudos Lingüísticos e
Culturais/UNESP e do Núcleo de Ensino de Relações Internacionais/UNESP.
∗∗
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seu caminho em direção ao status de potência mundial. O primeiro passo era garantir que a
Europa se mantivesse afastada de toda a América: “A América para os americanos”. Esta
deveria ser sua zona de influência. Era um pensamento comum dos políticos, militares e
acadêmicos (com destaque para Alfred Mahan) norte-americanos considerarem o resto do
continente como um território a ser conquistado, garantindo assim vantagens geopolíticas e
econômicas.
Quase que concomitantemente, Simón Bolívar, importante líder nos processos de
independência da América Espanhola, desenvolvia uma ideologia oposta ao PanAmericanismo liderado pelos EUA. Bolívar, influenciado por J.J. Rousseau, defendia que as
nações recém-libertadas não substituíssem o colonialismo por uma nova forma de dominação
e propunha a união dos Estados latino-americanos e caribenhos (livres e soberanos) sob uma
federação pautada pela solidariedade entre os membros, que garantisse justiça social aos
povos. Redigida em 1815, a Carta de Jamaica sintetiza os ideais bolivarianos. Em função
dela, em 1826, ocorre o Congresso do Panamá, o primeiro de outros congressos que
pretenderam articular uma confederação latino-americana de países durante todo o século
XIX.
A culminação dos ideais anfictiônicos de uma América Latina unida contra
interesses imperiais, sejam norte-americanos ou europeus, permaneceu como
uma espécie de utopia de Simon Bolívar. Suas concepções foram, assim,
precursoras, ainda que de forma excessivamente romântica, de uma idéia
ainda recorrente da América Latina unida e solidária. (SARAIVA, 1995, p.
38).
Ainda que esse idealismo e romantismo tenham se dissipado a partir do fim do século
XIX e as tentativas integracionistas tenham sido guiadas por certo pragmatismo durante o
século XX (SARAIVA, 1995), culminando em diversos processos em curso atualmente (como
o Mercado Comum do Sul – Mercosul – e a Comunidade Andina de Nações – CAN), o
aspecto ideológico ainda hoje representa uma das forças propulsoras da formação de blocos
políticos e econômicos na América Latina e Caribe, somando-se às motivações
essencialmente econômicas.
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Surgida em 2004, a Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América – Tratado de
Comércio entre os Povos (ALBA-TCP) pode ser considerada um projeto integracionista
altamente ideologizado, mas que ainda assim tem se consolidado no continente. Ela recupera
os antigos ideais unionistas do século XIX, principalmente os bolivarianos, e tenta adaptá-los
às especificidades do século XXI. Neste artigo, pretende-se examinar as especificidades e o
fortalecimento deste bloco regional e, ao mesmo tempo, posicioná-lo no panorama geral da
integração latino-americana e caribenha.
A ALBA como proposta de integração
A Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América – Tratado de Comércio entre
os Povos (ALBA-TCP) é uma estrutura multilateral regional fruto de um acordo entre
Venezuela e Cuba, assinado por Hugo Chávez e Fidel Castro em 14 de dezembro de 2004, em
Havana. Seu nome original é Alternativa Bolivariana para os Povos de Nossa América
(ALBA), apresentando-se explicitamente como um projeto antagônico à Área de Livre
Comércio das Américas (ALCA), proposta pelos Estados Unidos em 1994, na Cúpula das
Américas, em Miami. A ALCA seria um bloco econômico da qual fariam parte todos os
Estados americanos (exceto Cuba) pautado pela liberalização do comércio entre os membros.
Para os idealizadores da ALBA, a ALCA, longe de servir ao desenvolvimento das
nações latino-americanas e caribenhas, é mais uma tentativa de dominação dos Estados
Unidos sobre a região. Diante da dificuldade de negociar a implantação da ALCA e do
redirecionamento do foco de sua política externa para a “guerra contra o terror”, os Estados
Unidos abandonam o projeto e optam por selar acordos bilaterais com os países americanos
interessados, os chamados Tratados de Livre Comércio (TLC), entre eles Chile, Colômbia,
Peru, México (NAFTA) e diversos países da América Central e Caribe (CAFTA-DR).
Em abril de 2006, Evo Morales (presidente da Bolívia) assina com Chávez e Castro o
Tratado de Comércio dos Povos (TCP), acordo de intercâmbio solidário e complementar em
oposição aos TLC. Dessa forma, a Bolívia torna-se o terceiro integrante da organização. Com
a volta de Daniel Ortega à presidência da Nicarágua, o país também adere ao bloco, em 2007.
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Atualmente, a ALBA-TCP possui oito Estados-membros: Venezuela (2004), Cuba
(2004), Bolívia (2006), Nicarágua (2007), Dominica (2008), Antigua e Barbuda (2009), São
Vicente e Granadinas (2009) e Equador (2009). Honduras, que também integrava o bloco,
decidiu retirar-se em janeiro de 2010. Diversos projetos envolvendo a cooperação social e
econômica entre os países já entraram em vigor, com destaque para as misiones sociales e
demais proyectos grannacionales, a Petrocaribe, o Banco da ALBA e a criação do SUCRE,
mecanismo que deverá substituir o dólar nas transações comerciais entre os países do bloco.
Diante do relativo sucesso da organização, durante a VI Cúpula Extraordinária da
ALBA, decidiu-se, além da integração da sigla TCP ao nome da organização, modificar a
palavra “Alternativa” para “Aliança”, uma terminologia que refletiria a concretização da
alternativa e o estreitamento das relações entre os Estados-membros.
A ALBA-TCP pretende a integração de toda a América abaixo dos EUA seguindo não
os ideais do livre mercado, mas a cooperação solidária e complementar entre os Estadosmembros. O projeto se pauta na noção de que esta seria a única forma de, através de um
instrumento autóctone, livrar os países latino-americanos e caribenhos do imperialismo de que
sempre foram vítimas e, assim, alcançar “sua segunda e verdadeira independência” (ALBA,
2004a).
A consolidação da ALBA
A ALBA, desde sua primeira proposta (em 2001, pelo presidente venezuelano Hugo
Chávez) e sua criação (em 2004, por Cuba e Venezuela), tem despertado diversas críticas,
principalmente de teóricos e jornalistas ideologicamente contrários aos princípios do bloco.
Entre as inúmeras debilidades apontadas, a principal crítica que se faz é que a aliança seria
simplesmente uma contraposição aos EUA e à tentativa de implementação da ALCA, e que,
portanto, tratar-se-ia de uma união efêmera que não mereceria nem mesmo ser estudada. É a
opinião, por exemplo, do diplomata brasileiro Paulo Roberto de Almeida (2011), que
classifica a experiência como o “mais bizarro [...] instrumento que jamais registrei em 2.500
anos nos anais da diplomacia mundial”, “protagonizada por certo coronel bizarro”.
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Este trabalho adota outra perspectiva, rechaçando este tipo de opinião jocosa e
pretende analisar de forma criteriosa o bloco. Como realça Altmann Borbón (2007, p. 12), “la
Alternativa Bolivariana para América Latina y el Caribe (ALBA) merece ser analizada como
una opción de integración regional que no debería descartarse debido a razones estrictamente
ideológicas”.
E ainda:
No es la primera vez que se ponen en marcha iniciativas integracionistas
desde una base latinoamericana y con formas latinoamericanas. Conviene,
por lo tanto, alejándonos de quienes lo critican desde cómodos lugares
occidentales y con interesadas fórmulas preconcebidas, tenerla en cuenta y
respetarla, con el fin de que sean los propios latinoamericanos quienes se
encarguen de su futuro. Es un paso en el camino de la consecución de una
patria grande. (SOTILLO LORENZO, 2007, p. 147).
Embora realmente tenha surgido no contexto de negação da ALCA e talvez se possa
dizer que constituiu em seus primórdios um bloco essencialmente de confrontação política
com os EUA, a ALBA tem se consolidado no cenário internacional como um modelo
alternativo de integração regional, a ponto do presidente do Paraguai, Fernando Lugo,
manifestar a opinião de que esta tem se firmado com mais vigor que o Mercosul.
Devemos seguir construindo a América unida, e a ALBA será o impulso para
a construção da nova América Latina. Vivemos uma nova época e somos os
verdadeiros autores do nosso próprio destino. Não há nação no mundo que
1
possa nos julgar (LUGO, 2009) .
Para definir esse processo de evolução e consolidação, serão analisados alguns
aspectos indicativos de tal “êxito”, como o grau de institucionalização do organismo, a
implantação de projetos relevantes entre os países, a adesão de demais Estados latinoamericanos e caribenhos e o grau de consenso político alcançado entre os Estados-membros.
1
Discurso proferido durante a V Cúpula Extraordinária da ALBA, em abril de 2009, da qual o Paraguai
participava como país observador e possível futuro membro.
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Desde sua criação em 2004, foram realizadas diversas cúpulas entre os chefes de
Estado e de Governo dos países-membros e países convidados. Até 2007, a institucionalização
se limitava à Cúpula de Chefes de Estado e a implantação dos projetos acordados ficava a
cargo da cooperação intergovernamental. Apenas na V Cúpula, em maio de 2007, é criada
uma Secretaria Permanente da ALBA e são organizadas as instâncias decisórias e executivas
da organização. O Conselho de Presidentes continua sendo o órgão máximo de decisão.
Abaixo dele, estão o Conselho de Ministros e o Conselho de Movimentos Sociais. O Conselho
de Ministros é composto por representantes diretos dos chefes de Estados e de Governo e tem
a função de implementar os programas sociais aprovados. Está na mesma posição hierárquica
que o Conselho de Movimentos Sociais, o que representa uma mudança significativa em
relação a outros organismos internacionais, no que diz respeito à inclusão da sociedade civil.
Logo após, seguem sete comissões (política, social, econômica, investimento e finanças,
energética, ambiental e da juventude) destinadas à aplicação das políticas traçadas.
Observa-se também a consolidação da organização através do número de projetos
propostos e colocados em prática. Grande quantidade de acordos e tratados foram celebrados
entre os países-membros da ALBA e até mesmo com outros países. Em diversos setores,
pode-se dizer que a ALBA tem conseguido sucesso através de medidas criativas pautadas na
solidariedade e complementaridade, sem interferir no princípio de soberania dos povos. Todos
os projetos do bloco, mesmo aqueles que dizem respeito à derrubada de barreiras
alfandegárias ou que são destinados a fundar empresas grannacionales2, sempre possuem
como prioridade a questão social.
Exemplos bem-sucedidos de projetos da ALBA são as misiones sociales3, que
começaram a ser realizadas pelo governo de Chávez na Venezuela, mas que, com a criação da
ALBA, passaram a ser engrossadas por forças multinacionais e estendidas a outros países. As
2
“El concepto de empresas grannacionales surge en oposición al de las empresas transnacionales, por tanto, su
dinámica económica se orientará a privilegiar la producción de bienes y servicios para la satisfacción de las
necesidades humanas (…). Así tenemos que empresas grannacionales serán aquellas empresas de los países del
ALBA integradas productivamente, cuya producción se destinará fundamentalmente al mercado intra-alba (zona
de comercio justo), y cuya operación se realizará de forma eficiente.” (ALBA, 2009a).
3
Misiones Sociales são programas sociais implementados na Venezuela pelo governo de Chávez que atendem
diversas áreas como a educativa (Robinson, Ribas, Sucre), alimentar/serviços básicos (Barrio Adentro, Habitat,
Negra Hipólita, Mercal, Milagro) e outras (Guaicapuro, Identidad, etc). São uma das maiores marcas do
governo bolivariano em contraposição às políticas neoliberais dos governos anteriores e são apontadas como
impulsionadores da melhora dos índices sociais venezuelanos na primeira década de 2000.
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missões destinavam-se a atacar problemas sociais, como o analfabetismo, falta de habitação,
alimentação etc., contornando a burocracia estatal. Constituíram-se como um importante
programa na primeira fase de consolidação da ALBA, quando faziam parte somente
Venezuela e Cuba, e contribuíram de forma decisiva para que outros Estados se juntassem à
organização (NUNES, 2009).
As missões Mercal, Barrio Adentro e Robinson foram as que obtiveram maior
visibilidade e resultados sociais, proporcionando maior espaço para a cooperação regional.
(NUNES, 2009). Com a missão Mercal, estatizaram-se supermercados e estes foram
transformados em supermercados sociais, que garantem segurança alimentar evitando a alta e
a especulação de preços dos alimentos através do subsídio de até 40% do preço. As missões
Barrio Adentro fornecem tratamento médico e dentário à população, treinamento esportivo,
além da construção de centros de saúde. A iniciativa foi premiada pela Organização Mundial
da Saúde (OMS) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Líbano e Rússia
mandaram delegações para estudar o programa e implementá-lo em seus territórios (NUNES,
2009). Houve grande cooperação de Cuba, que ajudou com vários profissionais formados nos
programas de Medicina Social. O projeto foi estabelecido em 2004, no Acordo para Aplicação
da ALBA:
11°: Cuba pone a disposición de la Universidad Bolivariana el apoyo de más
de 15 000 profesionales de la medicina que participan en la Misión Barrio
Adentro, para la formación de cuantos médicos integrales y especialistas de
la salud, incluso candidatos a títulos científicos, necesite Venezuela, y a
cuantos alumnos de la Misión Sucre deseen estudiar Medicina y
posteriormente graduarse como médicos generales integrales, los que en
conjunto podrían llegar a ser decenas de miles en un período no mayor de 10
años.
12°: Los servicios integrales de salud ofrecidos por Cuba a la población que
es atendida por la Misión Barrio Adentro y que asciende a más de 15
millones de personas, serán brindados en condiciones y términos económicos
altamente preferenciales que deberán ser mutuamente acordados. (ALBA,
2004b).
A missão Robinson (depois dividida em Robinson I e II), cujo objetivo é a
alfabetização, permitiu que, em 2005, a Venezuela se declarasse território livre do
analfabetismo, segundo os padrões da Unesco. Da mesma forma, com o Proyecto Gran
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Nacional ALBA Alfabetización, atingiram-se também excelentes resultados na Bolívia e na
Nicarágua (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS IBERO-AMERICANOS, 2008).
Além da cooperação intra-bloco no campo das missões, outro pólo de atração para a
adesão de países foi a criação, em 2005, da Petrocaribe, uma iniciativa de cooperação
venezuelana com outros 18 países da América Central e Caribe (Antigua e Barbuda, Bahamas,
Belize, Costa Rica, Cuba, Dominica, Granada, Guatemala, Guiana, Haití, Honduras, Jamaica,
Nicarágua, República Dominicana, São Cristóvão e Névis, Santa Lucía, San Vicente e
Granadinas, Suriname), nem todos pertencentes à ALBA4. O objetivo principal é atingir a
segurança energética na região, através de um modelo de cooperação “[...] guiado por la
solidaridad y el trato especial y diferenciado, cuya base es la política de Venezuela de otorgar
precios subsidiados y desarrollar empresas mixtas para operar los mercados de petróleo”
(ALTMANN BORBÓN, 2009: 129). Para transformar em desenvolvimento o dinheiro ganho
na Petrocaribe, existe o Fundo ALBA-Caribe, que é destinado ao financiamento de programas
sociais e econômicos.
Importante também foi a criação do Banco da ALBA, em 2008, quase paralelamente à
criação do Banco do Sul5, em 2007. Ambos pretendem constituir-se como alternativas ao
Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Mundial. O Banco da ALBA, com sede em
Caracas e com uma sucursal em Havana, pretende promover e administrar fundos de
financiamento orientados ao fomento do desenvolvimento econômico, social e ambiental dos
países membros, além de incentivar a prática do comércio justo de bens e serviços.
Na VII Cúpula da ALBA, que aconteceu em Cochabamba em 2009, foi criado o
Sistema Único de Compensação Regional (SUCRE), uma moeda virtual que visa a
substituição do dólar nas transações comerciais (realizadas no âmbito do Banco da ALBA)
4
“En el caso de Centroamérica, el incremento de la cantidad de pobres y la debilidad de las instituciones son
problemas prioritarios. En este marco, los procesos de integración impulsados por Venezuela resultan atractivos
para los países centroamericanos. Sin embargo, su adhesión no implica necesariamente un compromiso
ideológico-político, sino una voluntad de aprovechar las oportunidades económicas. Esto explica por qué el alba
ha logrado la adhesión de un número limitado de países, mientras que casi todos los Estados centroamericanos
y caribeños participan de Petrocaribe.” (ALTMANN BORBÓN, 2009: 127)
5
O Banco do Sul é integrado por Argentina, Bolívia, Brasil, Equador, Paraguai, Uruguai e Venezuela. Chile
participa como observador. Embora este não esteja contido no âmbito da ALBA, pode vir a constituir-se uma
alternativa mais ampla. A intenção do banco é emprestar dinheiro às nações da América Latina e Caribe para a
construção de programas sociais e de infra-estrutura, sendo comprometido com a redução da pobreza e a
integração regional frente aos países centrais.
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entre os países do bloco e consequentemente eliminar a dependência da região à moeda
estadunidense. O SUCRE entrou em vigência em janeiro de 2010 e diversas transações
começaram a ser realizadas a partir de fevereiro. Considera-se um primeiro passo em direção
à criação de uma moeda comum, como o Euro.
Esse dispositivo se assemelha aos mecanismos de pagamento da
Comunidade Europeia (os quais, de 1950 a 1958, asseguraram a estabilidade
completa dos câmbios entre os 18 países-membros), ao Sistema Monetário
Europeu (SME) e ao seu elemento central, o ECU (European Currency
Unit), antecessor do euro. Como o ECU, o SUCRE será unicamente uma
unidade de conta e de valor, sem entidade emissora ou notas. [...] O SUCRE
não cria nenhum problema de financiamento: somente a Venezuela, por
exemplo, dispõe de reservas de câmbio de cem bilhões de dólares. Além
disso, sua simples existência terá um efeito dissuasório sobre a especulação
(CASSEN, 2008) 6.
Parte do comércio entre os países tem sido feito em SUCRE até o presente,
apresentando bons resultados, embora “[...] economistas, empresarios y dirigentes políticos de
los países del ALBA han advertido de los peligros de que el Sucre termine entorpeciendo los
mecanismos de comercio intrarregional” (CUMBRE..., 2009).
Outro ponto indicador da consolidação do grupo, apesar de este ter sido sempre uma
de suas principais características, é a expressão de uma voz política uníssona no contexto
internacional, o que lhes garante uma identidade de bloco frente aos demais países. Embora
haja uma liderança inquestionável da Venezuela na construção dos discursos da ALBA,
dificilmente algum bloco regional goza de tanto consenso entre seus membros, como se pode
observar atualmente no descompasso entre as políticas dos países da União Europeia, diante
das crises da imigração e econômica7. Assim, a ALBA se posicionou radicalmente contra ao
que classificou como Golpe de Estado sobre o presidente eleito de Honduras, Manuel Zelaya,
6
No original: “On reconnaîtra dans ce dispositif aussi bien les mécanismes de l’Union européenne des paiements
qui, de 1950 à 1958, assura une stabilité complète des changes entre ses 18 pays membres, que ceux du Système
monétaire européen et de son élément central: l’ECU (European Currency Unit), ancêtre de l’euro. Comme
l’ECU, le Sucre sera seulement, du moins dans l’immédiat, une unité de compte et de valeur. Pas une monnaie
avec son institut d’émission et ses pièces ou billets. […] Le Sucre ne pose aucun problème de financement: à lui
seul, le Venezuela dispose de réserves de change de 100 milliards de dollars. Par ailleurs, sa simple existence
aura un effet dissuasif sur la spéculation”.
7
Cf. BBC BRASIL. “França ameaça suspender tratado de livre circulação na EU”. 22 abr. 2011. Disponível em:
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/04/110422_imigrantes_franca_jf.shtml. Acesso em: 3 jul. 2011.
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em junho de 2009, aprovando sanções econômicas e comerciais contra o governo provisório
de Roberto Micheletti que resultaram no afastamento temporário da ALBA e da Petrocaribe
deste país. Também em 2009, na VII Cúpula, o bloco criticou duramente a instalação de bases
militares estadunidenses na Colômbia e anunciou avanços para a criação de um Conselho de
Defesa da ALBA. Entre os fatos mais recentes, pode-se citar o posicionamento crítico do
grupo perante a intervenção militar liderada pela Organização do Tratado do Atlântico
Norte/OTAN na Líbia. Os países da ALBA, juntamente com Indonésia, Vietnã, Mali, Guiné
Equatorial e Camboja, entregaram, em março de 2011, uma carta ao Conselho de Segurança
da ONU na qual pedem o fim da operação e o estabelecimento de negociações pacíficas. Em
comunicado divulgado pelo Conselho Político, a ALBA declarou:
[El ALBA] rechaza categóricamente cualquier tipo de intervención de ese
organismo o potencia extranjera en Libia, así como toda intención de
aprovechar de manera mediática y oportunista la trágica situación creada
para justificar una guerra de conquista sobre los recursos energéticos e
hídricos que son patrimonio del pueblo libio, y no pueden ser usados para
satisfacer la voracidad del sistema capitalista.
La Alba hace un llamado a la opinión pública internacional y a los
movimientos sociales del mundo a movilizarse en rechazo a los planes
guerreristas e intervencionista en Libia”. (ALBA, 2011).
Atualmente composta por oito países, a ALBA conta com países observadores
(Granada, Haiti, Paraguai, Uruguai), que estudam a possibilidade de integrar-se ao grupo. No
entanto, é pouco provável que novas adesões sejam realizadas em um futuro próximo, devido
ao compromisso ideológico que significa incorporar-se ao bloco, comprometendo ou adiando
o objetivo da “Pátria Grande”. Contudo, isso não implica no não reconhecimento dos avanços
conseguidos até agora, como defende Bruzón Viltres:
[El Alba] ha experimentado […] un fortalecimiento, que alcanza al número
de Estado miembros, pero esencialmente a las diversas y profundas
dimensiones de los programas de cooperación que en ella se desarrollan.
Puede hablarse de un verdadero mecanismo de integración, fundado en
principios de intercambio solidario, de complementación de las economías
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participantes y en un discurso político coherente. (BRUZÓN VILTRES,
2009).
Um modelo alternativo de integração regional
Uma vez identificada a ALBA como bloco regional relevante, pretende-se investigar
em que pontos a iniciativa apresenta elementos inovadores e em que aspectos coincide com
projetos e teorias da integração já existentes.
A partir da década de 1980 e, principalmente, após o término da Guerra Fria, o mundo
tem assistido a uma nova onda de regionalismo, onde antigas organizações, como a
Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização dos Estados Americanos (OEA),
ressurgem e passam a conviver com novas iniciativas microrregionais (HURREL, 1995), estas
últimas orientadas em grande parte para a cooperação comercial e integração econômica,
respondendo a uma demanda da globalização hegemônica neoliberal.
Na América também se observa essa tendência. Fortaleceram-se os antigos e nasceram
novos projetos, sempre permeados pela ideia de que, a partir do afrouxamento da Guerra Fria,
a formação de blocos de países seria a melhor forma de sobreviver e/ou competir na dinâmica
internacional. Na América Latina, isso é especialmente interessante de ser analisado, pois
proliferam aqui, desde o século XIX, ideias e tentativas de integrar a região ou parte dela, as
quais inclusive servirão de base para justificar processos atuais em curso, como a ALBA.
Frente a la amenaza de la exclusión o marginación del sistema económico
internacional a raíz del proceso de globalización, los países de América
Latina y el Caribe han reaccionado, desde finales de la década del ochenta,
reactivando, profundizando o desplegando procesos de integración regional y
subregional, en un amplio espectro que abarca la reactivación del Mercado
Común Centroamericano (MCCA) a través de la creación del SICA, la
CARICOM y el Grupo Andino a la creación de MERCOSUR, el Grupo de
los Tres(G-3) y la Asociación de Estados del Caribe (AEC) (Serbin, 1995;
1996). Independientemente de los alcances que cada uno de estos esquemas
intenta materializar en función de la integración - desde acuerdos de libre
comercio como el G-3 hasta plataformas políticas regionales como la AEC
pasando por diversas variantes de mercado común y uniones aduaneras -, un
denominador común ha sido su identificación con los postulados del
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regionalismo abierto promovido por la CEPAL. (SERBIN, 1997, [grifo do
autor]).
Assim, Rosendo Fraga (apud GARDINI, 2010, p. 13) identifica três questões
essenciais que permeiam os regionalismos latino-americanos até hoje e que devem ser
consideradas em qualquer reflexão sobre o tema:
1. A relação da região com o vizinho do norte, Estados Unidos, marcada tanto pela
admiração por seu desenvolvimento quanto pela repulsa a sua vocação intervencionista,
imperialista e materialista (MARTÍ, 1891; TERÁN, 1973);
2. A relação dos demais países latino-americanos com o Brasil, um gigante que, embora
também latino-americano, teria força para desequilibrar a balança de poder da região em seu
favor (PRADO, 2001);
3.
O debate sobre qual modelo econômico e de desenvolvimento adotar,
destacando-se os debates sobre o liberalismo/positivismo no século XIX (HALE in
BETHELL, 2001) e, mais recentemente, as formulações da Comissão Econômica para a
América Latina e o Caribe (CEPAL), as adesões ao Consenso de Washington e o
fortalecimento dos governos neo-desenvolvimentistas/progressistas.
A ALBA surge em 2004 e carrega em seu processo de constituição, de consolidação e
em seus princípios de ação diversos desses elementos enunciados, como explicitado em seu
documento de fundação:
Dejamos claro que si bien la integración es una condición imprescindible
para aspirar al desarrollo en medio de la creciente formación de grandes
bloques regionales que ocupan posiciones predominantes en la economía
mundial, solo una integración basada en la cooperación, la solidaridad y la
voluntad común de avanzar todos de consuno hacia niveles aún más altos de
desarrollo, puede satisfacer la necesidades y anhelos de los países
latinoamericanos y caribeños, y a la par, preservar su independencia,
soberanía e identidad.(ALBA,2004a).
Seu contexto de emergência é a “rebelião” das diversas vozes internas aos países
contrárias à globalização neoliberal hegemônica, processo que as negligencia e exclui
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(SANTOS, B, 2002; SANTOS, M, 2000). Os governantes e grupos que chegam ao poder, a
partir do final da década de 1990, nos principais países-membros da ALBA, representam estas
vozes emergentes8, tanto internamente (desafiando em maior ou menor grau as elites que
sempre estiveram no poder), quanto externamente (questionando as estruturas de poder e
dominação presentes no sistema internacional). Ao mesmo tempo em que é uma resposta
conjuntural, é também herdeira de todos os processos e ideias unionistas latino-americanas,
principalmente do confederacionismo e republicanismo de Simón Bolívar e das teorias
cepalinas sobre o subdesenvolvimento e o comércio internacional.
Segundo Fernando Bossi, secretário da Organização do Congresso Bolivariano dos
Povos (organização que compreende movimentos sociais “bolivarianos” da América Latina e
Caribe), a ALBA se estrutura em torno de quatro valores essenciais (BOSSI, 2005):
1. Complementaridade: de acordo com as potencialidades de cada país, os Estados
devem fazer acordos que contribuam para conseguir aquilo que sozinhos não poderiam ter;
2. Cooperação: socializar com os demais países os conhecimentos, as tecnologias, etc.
nas áreas em que está mais especializado;
3. Solidariedade: os países, sem necessariamente receber algo em troca ou respeitar as
leis do mercado, ajudam-se uns aos outros;
4. Respeito pela soberania dos países: todos os acordos, sem exceção, se fazem no
respeito pela soberania e o direito à autodeterminação de cada nação.
Ainda de acordo com Bossi (2005), “a tarefa de construir a ALBA será sem manuais
ou ‘fórmulas mágicas’”, indicando que a iniciativa constitui-se como projeto autóctone e
inédito. Contudo, não é possível considerar a ALBA como uma iniciativa totalmente nova ou
inteiramente latino-americana. As próprias ideias de Simón Bolívar, bem como de grande
parte da elite letrada da América Latina do século XIX, refletem em seus projetos, inclusive o
da Grã-Colômbia9, o ideário europeu do republicanismo, do liberalismo e da formação de
federações ou confederações de Estados. O filósofo francês Jean-Jacques Rousseau, ao lado
8
Para uma análise detalhada deste processo na Venezuela, ver ELLNER, 2011.
Confederação de Estados fundada por Símon Bolívar no contexto das lutas pela independência da América
Latina, que compreendia territórios no norte da América do Sul e existiu de 1819 a 1831.
9
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RENATO FERREIRA RIBEIRO]
de Napoleão e do general Montecuculi, inspira os discursos e as ações do libertador Simón
Bolívar10.
Discordando de Imannuel Kant sobre a capacidade do comércio de estimular a paz
entre as nações e acerca das características que uma (con)federação de Estados deve ter,
Rousseau estabelece pressupostos que podem ser observados em parte das formulações e
estruturas da ALBA hoje, mesmo que sua influência tenha se dado de forma indireta. Gelson
Fonseca Júnior explica as ideias do filósofo:
Rousseau introduz, contra o que começa a ser a sabedoria da época, a idéia
de que um dos fatores que estimula o conflito é o comércio. As idéias de
comércio e de dinheiro criam uma espécie de "fanatismo político" e
provocam mudanças nos interesses aparentes dos governantes, porque tudo
depende dos sistemas econômicos, às vezes bizarros, que são engendrados
pelas cabeças dos Ministros. A economia "perturba" a possibilidade de
ordem pela instabilidade que instila no sistema. [...] Defende também a
estabilidade porque impede que as vantagens econômicas dos mais fortes,
exatamente porque cambiantes, se transformem em leis impostas ao sistema.
(FONSECA JÚNIOR, 2003, p. XXXI).
E ainda:
[...] para formar uma confederação sólida e durável, é preciso que todos os
membros sejam mutuamente dependentes e que nenhum membro possa, por
sua própria conta, resistir aos demais, e que as associações particulares
(alianças entre alguns membros) não prejudiquem o equilíbrio geral, por
terem condições de poder para impor a sua vontade aos demais. Neste
sentido, é preciso que a confederação vá além de um conjunto de alianças
tradicionais, mas que tenha meios efetivos de forçar os mais ambiciosos a se
manter nos limites do "tratado geral” [...] Chegamos, então, ao núcleo de sua
proposta, a de transformar, pela razão, o que foi iniciado pela fortuna,
criando-se um "corpo político" com as características de uma confederação
de Estados, [...], a qual teria leis e regras a obrigar a todos os membros e uma
força coercitiva com poder de constranger os membros a seguir as leis e
deliberações comuns. (FONSECA JÚNIOR, 2003, p. XXXII).
Percebe-se, portanto, que muitos dos princípios da ALBA (como a constituição da
“Pátria Grande”, a complementaridade e o respeito à soberania) seguem, mesmo que
indiretamente, as ideias liberais em voga na Europa da primeira metade do século XIX.
10
Em seu testamento, Bolívar presenteia a Universidade de Caracas com dois livros: “O Contrato Social”, de
Rousseau e “A Arte Militar”, de Montecuculi.
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Entretanto, se por um lado, as teorias de integração regional existentes conseguem dar conta
de explicar a Aliança Bolivariana, por outro, é inegável que esta apresenta elementos
inovadores e criativos e constitui uma alternativa relevante aos demais processos
integracionistas característicos da atualidade.
Ao contrário de outros blocos regionais, como a União Europeia/UE e o Mercosul,
cujas bases para a integração seriam o livre comércio e a livre concorrência de mercadorias e
serviços, o objetivo primordial da ALBA é a promoção da justiça social para todos os povos
latino-americanos e caribenhos, sendo o comércio apenas um meio para consegui-la e não um
fim em si próprio. Aquelas iniciativas se apoiam na teoria clássica do comércio internacional,
segundo a qual o livre comércio entre as nações traria benefícios mútuos, gerando aumento do
bem-estar das populações e industrialização espontânea. Assim, a integração econômica se
daria por meio de etapas destinadas a erradicar os entraves à livre circulação de mercadorias e
fatores produtivos. Neste caso, a integração estaria orientada para o funcionamento e para a
liberdade de ação do mercado.
A concepção político-econômica que orienta a integração proposta pela ALBA pode
ser encontrada nas teorias da CEPAL (LINARES; LUGO, 2008) – em maior grau que nas
teorias socialistas (FIGUEROA apud NUNES, 2009, p. 71) – como, por exemplo, as teses
sobre a deterioração dos termos de troca, a substituição de importações, a proteção da
indústria nascente, etc. Antes de se atingir um estágio de união econômica, devem ser
corrigidas ou, no mínimo, diminuídas as assimetrias entre os países, através de uma política
econômica intervencionista, protecionista e industrializante. Além disso, as ideias cepalinas
discorrem sobre a relação de dependência dos países periféricos (como os latino-americanos e
caribenhos) em relação aos centrais (como os EUA), elemento constantemente retomado pela
ALBA em seus discursos e ações.
A ALBA é uma proposta de integração que se fundamenta na montagem de
mecanismos para criar vantagens cooperativas – no lugar das supostas
"vantagens competitivas", paradigma das teorias neoliberais de comércio
internacional. Já as vantagens cooperativas procuram reduzir as assimetrias
existentes entre os países do continente. Elas apóiam-se em mecanismos de
compensação, a fim de corrigir as disparidades de níveis de desenvolvimento
entre os países da região. Têm na Venezuela e em Cuba seus grandes
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motores: a primeira com os recursos do petróleo, a segunda principalmente
com os recursos de educação, saúde e esportes. (SADER, 2006 [grifo
nosso]).
Entre os principais objetivos da formação do bloco, além de tentar garantir autonomia
política e econômica para a região, estão: o desenvolvimento conjunto e equilibrado de todos
os países, garantindo que todas as nações se beneficiem do processo de integração; plano
especial de desenvolvimento para os países mais pobres; planos continentais para erradicação
do analfabetismo e para oferta de serviço de saúde gratuito; desenvolvimento integrador das
comunicações, incluindo uma rede latino-americana de telecomunicações, e dos transportes,
incluindo linhas férreas, aéreas e marinhas comuns; integração e segurança energética;
desenvolvimento sustentável mediante normas que protejam o meio-ambiente; fomento dos
investimentos latino-americanos em detrimento dos investimentos estrangeiros, criando um
banco próprio; defesa da cultura latino-americana e caribenha, respeitando as particularidades
de cada povo, entre outras (ALBA, 2004a).
Desde o início, quando ainda faziam parte da ALBA apenas Cuba e Venezuela,
diversos projetos baseados na solidariedade e na complementaridade foram feitos. No Acordo
para Aplicação da ALBA (2004b), Cuba se compromete entre outras coisas, a: comprar
petróleo venezuelano por preço não inferior a 27 dólares o barril; oferecer 2000 vagas anuais
em cursos superiores para jovens venezuelanos; por à disposição da Universidade Bolivariana
15.000 médicos para formação de profissionais da saúde. Por outro lado, a Venezuela se
compromissou a: realizar transferência de tecnologia no setor energético; disponibilizar a
Cuba quantas vagas necessitar para formação superior; por à disposição de Cuba infraestrutura e equipes de transporte aéreo e marítimo para apoiar planos de desenvolvimento
econômico e social, entre outros.
Além de se pautar por valores anti-neoliberais, a ALBA inova em relação à
participação da sociedade civil em seus processos decisórios. Na estrutura organizacional do
bloco, o Conselho de Movimentos Sociais está na mesma hierarquia que o Conselho de
Ministros, ambos subordinados ao Conselho de Presidentes. A esfera decisória não se limita
apenas aos representantes dos governos e Estados, permitindo a articulação destes com os
movimentos sociais, povos indígenas, governos locais, associações de mulheres, movimentos
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estudantis, ecológicos, culturais, entre outras entidades organizadas. Assim, estes movimentos,
reunidos em sua primeira Cúpula em 2009, consideram que a ALBA “[...] se constituye en un
verdadero espacio de construcción de una nueva patria latinoamericana, portando la bandera
de la humanidad por su definitiva emancipación” (ALBA, 2009b).
Segundo Serbin (1997), existe um déficit democrático nas organizações internacionais
e em toda dinâmica internacional atual, uma vez que as decisões, que afetam diretamente os
setores sociais do planeta, são tomadas pelos Estados e agentes econômicos transnacionais,
sem a participação da sociedade civil. Embora haja certa tendência de alguns organismos
multilaterais incorporarem esses setores sociais (principalmente ONGs), geralmente estes
desempenham apenas um papel consultivo na organização. Além da ampliação da
participação democrática, a inclusão de movimentos sociais de todos os países da América
favorece a própria consolidação da ALBA em direção às suas intenções emancipatórias. Em
entrevista concedida, Pedro Paulo Bocca, membro da coordenação da Articulação dos
Movimentos Sociais da ALBA no Brasil, fala sobre este aspecto do bloco:
A participação dos movimentos sociais é parte da origem da ALBA, se
formos resgatar seu histórico. O motor desse processo é justamente as
mobilizações continentais anti-neoliberais, em especial a Campanha
Continental Contra a ALCA. É desse campo político, e de governos apoiados
(ou baseados) por esses movimentos sociais, que parte a proposta da ALBA.
Hoje, os movimentos tem se colocado em dois espaços complementares. O
Conselho dos Movimentos Sociais, que é parte da estrutura organizativa da
ALBA (e acaba dependendo muito das pautas da Aliança), e a Articulação
Continental dos Movimentos Sociais Pela ALBA que articula, em especial,
os movimentos de países não-signatários da ALBA (mas também
movimentos dos países signatários). Essa Articulação foi lançada
oficialmente no Fórum Social Mundial de Belém, em 2009, e, portanto é bem
recente, mas já vem criando uma organicidade própria, conformou uma
Coordenação Continental, e tem se esforçado essencialmente em algumas
frentes de trabalho, como: Formação política, Comunicação, Solidariedade
Internacional, Direitos da Mãe-Terra, Contra a Militarização e as Bases
Militares estrangeiras, além da nossa questão organizativa. No momento, os
esforços têm se centrado na construção de Plenárias Nacionais dos
movimentos, para acumular em direção à uma grande Assembleia
Continental dos Movimentos Sociais, que lançaria de fato o debate da
Articulação e de nossa proposta de integração popular. A partir daí é que
poderemos medir de fato como se dará essa inserção e esse debate no todo da
sociedade, respeitando as particularidades de cada país e região. (BOCCA,
entrevista, 2011).
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Considerações Finais
Este artigo analisou a formação e as estruturas do organismo multilateral ALBA-TCP,
o qual intenciona promover a integração dos países latino-americanos e caribenhos em bases
de solidariedade e complementaridade. É uma proposta inovadora e criativa, mas que ainda é
recente e, portanto, difícil de ser analisada quanto a sua real consolidação.
Mais do que o simples rechaço à ALCA, a ALBA apresenta uma alternativa ao modelo
neoliberal, propondo o incremento das trocas e do investimento, baseado numa lógica de
cooperação. solidariedade e complementaridade para melhorar o nível de vida das populações.
Podemos dizer que o grupo vem obtendo sucesso, fazendo com que as políticas sociais se
incorporem às políticas de Estado dos países membros. Algumas estatísticas mostram que
diversos setores das sociedades dos países, como os índices de analfabetismo, mortalidade
infantil e subnutrição, estão melhorando (NUNES, 2009), o que pode ser efeito do grande
número de projetos grannacionales postos em ação. Além disso, permite a participação
efetiva dos movimentos sociais no debate e nas decisões, dando um acesso à sociedade civil
dificilmente visto nos fóruns internacionais.
O projeto de integração coloca-se também como uma ferramenta para combater a
dependência externa, principalmente dos EUA, e, portanto, a influência deste na região que,
inclusive, tem perdido mais e mais influência no hemisfério. A ALBA já se mostra como um
dos desafios à hegemonia estadunidense e a ela se somam outros fatores. A ascensão de
governos de esquerda (além daqueles reunidos na ALBA, como no Brasil, Argentina, El
Salvador, Uruguai, Paraguai e, recentemente, Peru), a decisão da Organização dos Estados
Americanos (OEA) pelo reingresso de Cuba à organização e a criação de um Conselho de
Defesa da UNASUL são exemplos dessa tomada de autonomia por parte da América Latina e
Caribe.
Por outro lado, os EUA respondem estreitando os laços com seus aliados como Chile,
Panamá e Colômbia. Apoiaram o golpe contra Chávez em 2002 e interviram de forma ativa
(através de seu embaixador na Bolívia) para impedir a primeira eleição de Morales;
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estabeleceram em 2009 com a Colômbia (seu principal aliado) acordos para instalação de
novas bases militares no país; e anunciaram a reativação da IV Frota Naval no Atlântico Sul
devido à alegada necessidade de combater a pirataria, o tráfico de drogas, de pessoas e de
armas.
Além das tentativas de recuperação estadunidenses, a ALBA enfrenta desafios e
contradições próprios e suas respostas a eles demonstrarão se ela avançará em seus objetivos
ou definhará. Uma das maiores debilidades da iniciativa é que sua existência e fortalecimento
dependem não só de que novos governos de esquerda e progressistas cheguem ao poder em
outros países, mas que permaneçam fortes nos próprios Estados-membros. Exemplo claro
dessa fragilidade foi a saída de Honduras após o golpe contra o governo de Manuel Zelaya,
em junho de 2009. O governo golpista provisório que se estabeleceu aprovou a retirada do
país da ALBA, posição mantida pelo governo de Porfírio Lobo, eleito em novembro do
mesmo ano.
A “onda progressista” na América Latina tem se mantido e conquistado mais países
nos dias atuais. No entanto, não se prevê novas incorporações à ALBA em curto prazo. O
presidente paraguaio Fernando Lugo mostra sinais claros de sua intenção de aderir ao bloco,
mas as forças políticas no Legislativo do país dificilmente aprovariam a participação, do
mesmo modo que têm dificultado a entrada da Venezuela no Mercosul. Ollanta Humala, eleito
recentemente no Peru, teve de abrandar seu discurso no processo eleitoral, anteriormente
alinhado ao presidente Hugo Chávez e à ALBA, e já afirmou com veemência que não
pretende se integrar ao bloco bolivariano, embora seja um entusiasta da integração latinoamericana.
Outra contradição da ALBA é a forte liderança exercida pela Venezuela, através do
que alguns denominam “diplomacia do petróleo”. O grupo possui membros com economias e
proporções muito díspares, o que facilitaria a predominância da Venezuela sobre os demais.
Ainda em relação ao petróleo, um problema que deve preocupar a ALBA em longo prazo é o
fato de que essa promoção de justiça social está assentada quase que inteiramente sobre a
redistribuição dos rendimentos conseguidos com a exploração desse recurso natural. Além de
ser um recurso não-renovável, o seu uso compromete o desenvolvimento sustentável, por ser
altamente poluente, uma das diretrizes do bloco. Criar novas fontes de energia e reinventar
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formas de financiamento para os projetos deve ser uma preocupação primordial para a
longevidade da ALBA.
A grande oferta de iniciativas de integração regional na América Latina também pode
ser um desafio para os intentos da organização. Para Altmann Borbón (2009, p. 129), essa
situação causa pelo menos três problemas que debilitam cada um dos processos:
En primer lugar, genera una fuerte demanda en las agendas de los jefes de
Estado y de gobierno, que deben prever reuniones –en la práctica, cada tres
meses– en un contexto de “diplomacia de cumbres”. En segundo lugar, la
sobreoferta lleva a la falta de coordinación. Por paradójico que parezca,
reduce las oportunidades de convergencia y la búsqueda de perspectivas
compartidas. Por último, las múltiples propuestas poseen una débil estructura
institucional, como consecuencia de la renuencia de los países a transferir
capacidades y decisiones soberanas hacia entes supranacionales.
A ALBA encontra muitos obstáculos que dificultam um avanço maior que o estágio
atual e que podem impedir seu objetivo de integrar todos os países latino-americanos e
caribenhos. Questionado sobre a probabilidade do bloco vir a constituir-se essa grande pátria e
sobre a coexistência com outras propostas de integração, Bocca destaca o papel que a
sociedade civil dos países, mais que os governos, deve assumir para que o projeto do bloco se
concretize:
[...] depende[rá] de muita vontade política e capacidade organizativa dos
povos de Nossa América. A ALBA, por se tratar de uma iniciativa
centralmente anti-neoliberal e anti-imperialista, deve ser puxada através de
lutas sociais e do povo na rua, em cada um dos países da América. A ALBA
só será forte continentalmente, quando sua proposta for forte o suficiente
dentro de cada um dos países. Sobre a UNASUL, o caráter é outro, bem
diferente da ALBA ou de outras propostas de integração. Ainda assim, a
UNASUL e, em especial, a CELAC podem, no âmbito governamental,
ajudar muito no processo de alteração das relações na América Latina, em
especial nas relações com os EUA. Mas ainda precisam de mais tempo, e de
uma maior estabilidade política para tal.
A grande fragilidade da ALBA hoje são as relações comerciais e a grande
dependência da Venezuela (que, por sua vez, depende da Colômbia - relação
que politicamente não é interessante). Com a entrada da Venezuela no
Mercosul, a Venezuela pode ampliar sua base comercial e facilitar acordos
entre o Mercosul e o Tratado de Comércio dos Povos (ALBA-TCP).
Politicamente, seria mais uma iniciativa de aproximação do bloco de países
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da ALBA com os governos que chamamos de "neodesenvolvimentistas" que
integram o Mercosul, numa tentativa de isolar a política estadunidense (e
seus parceiros) na região. (BOCCA, entrevista, 2009).
Prosperando ou não, pode-se considerar que a ALBA traz contribuições e elementos
relevantes para se pensar os rumos da integração na América Latina e Caribe. Até agora, o
bloco tem conseguido avanços sociais, políticos, econômicos e culturais sem se pautar pelas
receitas tradicionais que regem os principais processos de integração regional no mundo atual,
priorizando a solidariedade e a complementaridade na busca por justiça social. Dessa forma,
atualiza o debate sobre o desenvolvimento e autonomia nas nações latino-americanas e
caribenhas, trazendo para o âmbito da integração regional a responsabilidade da construção da
Nuestra America livre de quaisquer relações de dependência econômica e de imperialismos
que ainda possam existir.
En muchas ocasiones, y con razón, se ha criticado a estas cumbres por
la ambición en las palabras y la escasez de los hechos, por su exceso
retórico, en definitiva. Pero es cierto también, como venimos
comentando, que no podemos aplicar los clichés de la integración en
un mundo compuesto por países ricos, a otros donde el punto de
partida dificulta la puesta en marcha de esos procesos (SOTILLO
LORENZO, 2007, p. 147).
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