PODER JUDICIáRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI APELAÇÃO CÍVEL Nº 487421 RN (2007.84.00.008992-5) APTE : IDEMA - INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E MEIO AMBIENTE DO RIO GRANDE DO NORTE E OUTROS ADV/PROC : NIVALDO BRUM VILAR SALDANHA APTE : UNIÃO APDO : OS MESMOS ORIGEM : 4ª VARA FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - RN RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL FREDERICO AZEVEDO (CONVOCADO) - Primeira Turma RELATÓRIO O DESEMBARGADOR FEDERAL FREDERICO AZEVEDO (Relator Convocado): Trata-se de apelações interpostas pelo IDEMA – Instituto de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente, por Severino Ferreira de Paiva e pela União em face de sentença proferida pelo juízo da 4a Vara da Seção Judiciária do Rio Grande do Norte, que julgou parcialmente procedentes os pedidos deduzidos na exordial, ratificando os termos da decisão antecipatória de tutela concedida às fls. 45/46, para determinar que: “ a) Severino Ferreira de Paiva cesse integralmente a atividade relacionada ao empreendimento de carcinicultura e de todo o desmatamento ou qualquer outra forma de destruição de mangue na área em questão; b) Severino Ferreira de Paiva e o IDEMA realizem plano de recuperação da área degradada, em especial as condições primitivas da vegetação da área de mangue destruída, de acordo com projeto a ser aprovado pelo IBAMA/RN, arcando, de forma solidária, com o custo integral da completa recomposição, e removam do local todos os petrechos (equipamentos e materiais) utilizados na execução do cultivo do camarão, devendo, ainda, promover demolição de edificações, a retirada de taludes e cercas da área de propriedade da União, além de realizarem o replantio de mangue em área de 0,11 (zero vírgula onze) hectares; c) Severino Ferreira de Paiva abstenha-se da prática de qualquer ato que possa impedir a regeneração da vegetação desmatada; d) fica sem validade a inscrição de ocupação outorgada pela Secretaria de Patrimônio da União a Severino Ferreira de Paiva em relação ao imóvel descrito na inicial” . Nas razões da apelação (fls. 389/394), o IDEMA alegou que: a) a decisão é nula, pois não houve a realização de prova pericial; b) é ilegitimado passivo para figurar na demanda ante a sua falta de interesse de agir; c) a condenação que lhe foi imposta foi rigorosa e desproporcional. Ao final, pediu a anulação do decisum. Caso assim não entenda, requereu o acolhimento da preliminar de ilegitimidade passiva ou a exclusão da condenação que lhe foi imposta. AC 487421 RN M5588 1 PODER JUDICIáRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI Severino Ferreira de Paiva também apelou (fls. 398/413). Sustentou, em síntese, que: a) a sentença é nula ante a não realização de provas pericial e testemunhal; b) na área adquirida em 03/2001 não havia mangue; c) a cessação da atividade de carcinicultura pode acarretar prejuízos injustificáveis já que dela sobrevive; d) não há nexo causal entre o dano ocorrido no passado e qualquer ação sua. Em razão disso, não deve ser condenado; e) pequeno produtor não é obrigado a elaborar Relatório de Impacto Ambiental; f) a multa é indevida e deve, ao menos, ser reduzida; g) como não causou o dano, deve a decisão ser anulada ante a ocorrência de error in procedendo. Por fim, pediu o acolhimento das preliminares de nulidade da sentença. Caso não seja esse o entendimento, postulou a reforma do decisum e o integral provimento do apelo. A União, às fls. 416/419, apelou e asseverou, resumidamente, que: a) como não contribuiu para a produção do dano, não deve ser condenada a publicar a sentença. Ao final, pediu o provimento do recurso para que seja eximida da obrigação de publicar o ato decisório. Contrarrazões às fls. 422/426. Em parecer (fls. 445/453v), o Parquet Federal opinou pelo improvimento dos apelos. É o relatório. DESEMBARGADOR FEDERAL FREDERICO AZEVEDO Relator Convocado AC 487421 RN M5588 2 PODER JUDICIáRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI APELAÇÃO CÍVEL Nº 487421 RN (2007.84.00.008992-5) APTE : IDEMA - INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E MEIO AMBIENTE DO RIO GRANDE DO NORTE E OUTROS ADV/PROC : NIVALDO BRUM VILAR SALDANHA APTE : UNIÃO APDO : OS MESMOS ORIGEM : 4ª VARA FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - RN RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL FREDERICO AZEVEDO (CONVOCADO) - Primeira Turma EMENTA: CONSTITUCIONAL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CARCINICULTURA EM MANGUEZAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. CÓDIGO FLORESTAL (LEI 4.771/65). RESOLUÇÃO DO CONAMA Nº 303/2002. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. 1. As informações/esclarecimentos das partes, assim como os documentos constantes nos autos se prestam para comprovar os fatos e são suficientes para a formação do convencimento do julgador. Não há que se falar, portanto, em violação ao direito fundamental do devido processo legal ante o julgamento antecipado da lide. 2. Como foi o IDEMA que expediu a licença de instalação dos viveiros em área de preservação permanente sem adotar as cautelas necessárias, deve a autarquia responder pelas consequências de sua conduta. Ademais, o dano ambiental não é causado apenas com o funcionamento dos viveiros de carcinicultura, mas também pela mera instalação destes em área de mangue. 3. Também não há que se falar em nulidade do decisum por ausência de individualização da responsabilidade de cada réu, haja vista que o julgador os condenou de acordo com a parcela de responsabilidade de cada um pela ocorrência do evento danoso. 4. De acordo com o Auto de Infração nº 227/2005, do IDEMA, foi constatado que Severino desmatou área de 0,11 hectare de mangue e ocupou 0,27 hectare de área de preservação permanente na Lagoa Guaraíras. Da mesma forma, o IBAMA, ao realizar vistoria, constatou que “ o empreendimento encontra-se em operação, ocupando área de APP da Lagoa de Guaraíras e área que sofreu desmate de mangue” . Também restou comprovado que não havia qualquer licença prévia, expedida pelo IDEMA que autorizasse o funcionamento da atividade. 5. Os manguezais são considerados recursos naturais de preservação permanente conforme determinação do Código Florestal (Lei 4.771/65) e da Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente CONAMA nº 303, de 2002. 6. Conforme parecer do Ministério Público Federal: “ O fato de ter recebido licença de instalação não justifica o exercício da atividade, justamente porque, AC 487421 RN M5588 3 PODER JUDICIáRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI na verdade, a ausência da licença de operação significa que a exploração da atividade de carcinicultura nem mesmo deveria ter-se iniciado. É evidente que, se a atividade fosse juridicamente possível, precisaria esperar a expedição da licença, para estar de acordo com a lei. De qualquer sorte, a licença não afastaria o risco ao ambiente e ao equilíbrio ecológico, pois a carcinicultura tende a ser degradante ao ecossistema, razão pela qual a existência de qualquer licença não impediria a decisão judicial proferida com o fim de proteger o interesse difuso na preservação do ambiente equilibrado”. 7. Prevalência do direito constitucional de proteção ao meio ambiente em detrimento da exploração de uma atividade econômica insustentável. 8. A condenação fixada na sentença não foi desproporcional a nenhum dos apelantes, posto que todos concorreram para o evento danoso. A multa fixada para a hipótese de descumprimento, por sua vez, foi razoável e o comando de pagamento de indenização para o caso de ser impossível a recuperação da área degradada revelou-se adequado para caso concreto. 9. Não há como eximir a União de sua parcela de culpa na ocupação irregular que gerou o dano ao ambiente, sendo certo que a responsabilidade de que se trata, além de objetiva, é também solidária. 10. Apelações improvidas. VOTO O DESEMBARGADOR FEDERAL FREDERICO AZEVEDO (Relator Convocado): Como ensaiado no relatório, trata-se de apelações interpostas pelo IDEMA – Instituto de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente, por Severino Ferreira de Paiva e pela União em face de sentença proferida pelo juízo da 4a Vara da Seção Judiciária do Rio Grande do Norte, que julgou parcialmente procedentes os pedidos deduzidos na exordial, ratificando os termos da decisão antecipatória de tutela concedida às fls. 45/46, para determinar que: “ a) Severino Ferreira de Paiva cesse integralmente a atividade relacionada ao empreendimento de carcinicultura e de todo o desmatamento ou qualquer outra forma de destruição de mangue na área em questão; b) Severino Ferreira de Paiva e o IDEMA realizem plano de recuperação da área degradada, em especial as condições primitivas da vegetação da área de mangue destruída, de acordo com projeto a ser aprovado pelo IBAMA/RN, arcando, de forma solidária, com o custo integral da completa recomposição, e removam do local todos os petrechos (equipamentos e materiais) utilizados na execução do cultivo do camarão, devendo, ainda, promover demolição de edificações, a retirada de taludes e cercas da área de propriedade da União, além de realizarem o replantio de mangue em área de 0,11 (zero vírgula onze) hectares; c) Severino Ferreira de Paiva abstenha-se da prática de qualquer ato que possa impedir a regeneração da vegetação desmatada; d) fica sem validade a inscrição de ocupação outorgada pela Secretaria de Patrimônio da União a Severino Ferreira de Paiva em relação ao imóvel descrito na inicial” . AC 487421 RN M5588 4 PODER JUDICIáRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI Observado o atendimento dos pressupostos intrínsecos (cabimento, legitimidade, interesse e ausência de fato extintivo e impeditivo do direito de recorrer) e extrínsecos (tempestividade e regularidade formal) de admissibilidade, merecem trânsito os apelos. Inicialmente, destaco que não merece prosperar a alegação de que houve cerceamento do direito de defesa ante a não realização de prova pericial e/ou testemunhal. O magistrado decide a causa de acordo com o seu livre convencimento, devendo, desse modo, deferir aquelas que reputar necessárias ao esclarecimento das controvérsias. Agir de modo diverso implicaria violação ao princípio da razoável duração do processo, consubstanciado no art. 5º, LXXVIII, da CF/88. In casu, as informações/esclarecimentos das partes, assim como os documentos constantes nos autos se prestam para comprovar os fatos e são suficientes para a formação do convencimento do julgador. Não há que se falar, portanto, em violação ao direito fundamental do devido processo legal. O Superior Tribunal de Justiça assim se posicionou nos julgados que seguem: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONTRATO BANCÁRIO. AÇÃO REVISIONAL. RECURSO QUE NÃO LOGRA INFIRMAR OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. APLICAÇÃO DO CDC À PESSOA JURÍDICA. INCREMENTO DA ATIVIDADE NEGOCIAL. IMPOSSIBILIDADE. 1. Mantém-se na íntegra a decisão agravada quando não infirmados os seus fundamentos. 2. De acordo com o princípio do livre convencimento do Juízo, não há cerceamento de defesa se o Tribunal de origem opta pela não produção de prova pericial. Precedentes. Súmula n. 83 do STJ. 3. Na hipótese de aquisição de bens ou de utilização de serviços, por pessoa natural ou jurídica, com o escopo de implementar ou incrementar atividade negocial, inexiste relação de consumo, razão pela qual descabe a aplicação do CDC. Súmula n. 83 do STJ. 4. Agravo regimental desprovido. (AGRESP 200800811688, JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, STJ - QUARTA TURMA, 08/06/2010) PROCESSUAL CIVIL. INDEFERIMENTO DE PROVA PERICIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. COMPENSAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO - SFH. FORMA DE AMORTIZAÇÃO DA DÍVIDA. INCIDÊNCIA DO CDC. LIMITAÇÃO DE JUROS. CARTEIRA HIPOTECÁRIA. I - Não configura cerceamento de defesa o julgamento da causa, sem a produção de prova pericial, quando o Tribunal de origem entender substancialmente instruído o feito, declarando a existência de provas suficientes para seu convencimento. Incidência da Súmula 7 deste Superior Tribunal de Justiça. II - Não é ilegal o critério de amortização do saldo devedor mediante a aplicação de correção monetária e de juros, procedendo, em seguida, ao abatimento da prestação mensal do contrato de mútuo para aquisição de imóvel pelo Sistema Financeira da Habitação. Precedentes. III - "A existência, ou não, de capitalização de juros no sistema de amortização conhecido como Tabela Price, constitui questão de fato, a ser solucionada a partir da interpretação das cláusulas contratuais e/ou provas documentais e periciais, quando pertinentes ao caso. Recurso AC 487421 RN M5588 5 PODER JUDICIáRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI especial não conhecido" (REsp 410775/PR, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJ 10.5.04). IV - O reconhecimento de aplicação das regras de proteção ao consumidor mostra-se desinfluente no caso concreto, porque o exame da legalidade ou da ilegalidade das cláusulas do contrato não é feita à luz do Código de Defesa do Consumidor. V - "Nos contratos celebrados pelo sistema de carteira hipotecária livre fora do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) - os juros remuneratórios cobrados pela instituição financeira não se submetem às limitações da Lei da Usura" (AgRg no REsp 857.587/PR, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ 12.12.07); VI - A pretensão recursal de redimensionamento da condenação em honorários advocatícios esbarra na Súmula 7 desta Corte. Precedentes. A pretensão de que não sejam compensados os honorários advocatícios, na forma como proposta nas razões do Recuso Especial, esbarra na Súmula 306 desta Corte. Agravo Regimental improvido. (AGRESP 200900403988, SIDNEI BENETI, STJ - TERCEIRA TURMA, 10/05/2010) Igualmente desprovida de fundamento a arguição, pelo IDEMA, de ilegitimidade ad causam. Como foi o Instituto que expediu a licença de instalação dos viveiros em área de preservação permanente sem adotar as cautelas necessárias, deve, sem margem de dúvida, responder pelas consequências de sua conduta. Ademais, o dano ambiental não é causado apenas com o funcionamento dos viveiros de carcinicultura, mas também pela mera instalação destes em área de mangue. Também não há que se falar em nulidade do decisum por ausência de individualização da responsabilidade de cada réu, haja vista que o julgador os condenou de acordo com a parcela de responsabilidade de cada um pela ocorrência do evento danoso. Passo, agora, ao exame do mérito. A preocupação com o meio ambiente, reputado bem de uso comum do povo, representativo de direito subjetivo e vinculado, essencialmente, ao direito à vida, encontra guarida na Constituição Federal de 1988, seja no prelúdio, com a referência a bem-estar, seja no corpo propriamente dito do Texto Constitucional, sobrelevando a preocupação com a atribuição de responsabilidade a todos os entes da Federação e, mais que isso, à sociedade. Há muito se tem observado um movimento de confirmação dessa responsabilização alargada, percebida em função do necessário vínculo que se estabelece entre as pessoas quer queiram, quer não queiram -, por sofrerem, todas elas, os reflexos da ação sobre o meio ambiente, mesmo porque os resultados dessa atuação não distinguem poluidores de não poluidores, denegridores de não denegridores, alcançando o conjunto social como um inteiro - e independentemente mesmo da proximidade territorial em relação ao ato poluente. Demais disso, o ordenamento jurídico não se limitou a enunciar um "direito ao meio ambiente", apresentando-o juntamente com uma série de garantias de concretização, mesmo porque se está diante de um bem cuja reconstituição é, em muitos casos, inviável ou extremamente demorada, não sendo coerente a menção meramente programática. AC 487421 RN M5588 6 PODER JUDICIáRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI Dessa evolução, decorreram o desenvolvimento e a importância assumidos pelo Direito Ambiental, ao qual se conferiu, inclusive, autonomia como ramo do Direito, sobretudo no que diz respeito à composição de uma base de princípios. São princípios de Direito Ambiental, dentre outros, os da prevenção e o da precaução. O reconhecimento do princípio da precaução produz, fundamentalmente, duas conseqüências: a) a interpretação das regras jurídicas e a atuação do Poder Público e da sociedade devem levar em consideração "a probabilidade ou plausibilidade do dano, em detrimento da certeza"; b) o ônus da prova é invertido em favor do bem ambiental, passando a vigorar o entendimento de que in dubio pro sanitas et natura. In casu, de acordo com o Auto de Infração nº 227/2005 (fls. 54), do IDEMA, foi constatado que Severino Ferreira de Paiva desmatou área de 0,11 hectare de mangue e ocupou 0,27 hectare de área de preservação permanente na Lagoa Guaraíras. Da mesma forma, o IBAMA, ao realizar vistoria, constatou que “ o empreendimento encontra-se em operação, ocupando área de APP da Lagoa de Guaraíras e área que sofreu desmate de mangue”(fl. 344). Também restou comprovado que não havia qualquer licença prévia, expedida pelo IDEMA, que autorizasse o funcionamento da atividade. A classificação do mangue como área de preservação permanente encontrase prevista na Lei nº 4.771, de 1965 (Código Florestal), nos seguintes termos: Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas: [...] f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues; [...] Dispõe, ainda, o Código Florestal, que: Art. 4o A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001) [...] § 5o A supressão de vegetação nativa protetora de nascentes, ou de dunas e mangues, de que tratam, respectivamente, as alíneas "c" e "f" do art. 2o deste Código, somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001) Da mesma forma, a Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente nº 303, de 2002, que dispõe: Art. 3º Constitui Área de Preservação Permanente a área situada: [...] AC 487421 RN M5588 7 PODER JUDICIáRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI X - em manguezal, em toda a sua extensão; [...] Como se percebe, há todo um arcabouço jurídico que determina a preservação da área de mangue. Severino Ferreira de Paiva, ao violar tais dispositivos legais, gerou dano ambiental e deve arcar com as consequências de seu ato. No que se refere ao argumento segundo o qual o particular estaria prestes a receber a licença para o exercício da atividade, adoto, como razões de decidir, o parecer do Procurador Regional da República, Dr. Wellington Cabral Saraiva, cujo trecho passo a transcrever: [...] O fato de ter recebido licença de instalação não justifica o exercício da atividade, justamente porque, na verdade, a ausência da licença de operação significa que a exploração da atividade de carcinicultura nem mesmo deveria ter-se iniciado. É evidente que, se a atividade fosse juridicamente possível, precisaria esperar a expedição da licença, para estar de acordo com a lei. De qualquer sorte, a licença não afastaria o risco ao ambiente e ao equilíbrio ecológico, pois a carcinicultura tende a ser degradante ao ecossistema, razão pela qual a existência de qualquer licença não impediria a decisão judicial proferida com o fim de proteger o interesse difuso na preservação do ambiente equilibrado. [...] Assiste razão o MPF ao registrar que, “ não se defende aqui a proibição da carcinicultura. Desde que obedecidos os requisitos legais, a atividade pode ter papel acelerador do desenvolvimento socioambiental na região. Impõe-se, contudo, que seja realizada fora das áreas de preservação permanente e precedida de licenciamento e estudo de impacto ambiental, conforme estabelece a legislação” . Registre-se que a condenação fixada na sentença não foi desproporcional a nenhum dos apelantes, posto que todos concorreram para o evento danoso. A multa fixada para a hipótese de descumprimento, por sua vez, foi razoável e o comando de pagamento de indenização para o caso de ser impossível a recuperação da área degradada revelou-se adequado para caso concreto. Por fim, indefiro a pretensão da União de não ser condenada a suportar o custo financeiro emanado da publicação, em jornal de circulação estadual, de matéria jornalística referente ao presente decisum. Como bem asseverou o Parquet à fl. 453v, “ a Secretaria de Patrimônio da União concedeu ao réu Severino Ferreira de Paiva inscrição de ocupação de terreno de marinha, fato que lhe viabilizou ocupar área de preservação permanente para construir os viveiros de camarão. Desse modo, não há como eximir a União de sua parcela de culpa na ocupação irregular que gerou o dano ao ambiente, sendo certo que a responsabilidade de que se trata, além de objetiva, é também solidária. Não se deve esquecer, por outro lado, o cunho educativo do Direito Ambiental prestigiado na sentença” . AC 487421 RN M5588 8 PODER JUDICIáRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI Ante o exposto, nego provimento às apelações. É como voto. DESEMBARGADOR FEDERAL FREDERICO AZEVEDO Relator Convocado AC 487421 RN M5588 9 PODER JUDICIáRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI APELAÇÃO CÍVEL Nº 487421 RN (2007.84.00.008992-5) APTE : IDEMA - INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E MEIO AMBIENTE DO RIO GRANDE DO NORTE E OUTROS ADV/PROC : NIVALDO BRUM VILAR SALDANHA APTE : UNIÃO APDO : OS MESMOS ORIGEM : 4ª VARA FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - RN RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL FREDERICO AZEVEDO (CONVOCADO) - Primeira Turma EMENTA: CONSTITUCIONAL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CARCINICULTURA EM MANGUEZAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. CÓDIGO FLORESTAL (LEI 4.771/65). RESOLUÇÃO DO CONAMA Nº 303/2002. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. 1. As informações/esclarecimentos das partes, assim como os documentos constantes nos autos se prestam para comprovar os fatos e são suficientes para a formação do convencimento do julgador. Não há que se falar, portanto, em violação ao direito fundamental do devido processo legal ante o julgamento antecipado da lide. 2. Como foi o IDEMA que expediu a licença de instalação dos viveiros em área de preservação permanente sem adotar as cautelas necessárias, deve a autarquia responder pelas consequências de sua conduta. Ademais, o dano ambiental não é causado apenas com o funcionamento dos viveiros de carcinicultura, mas também pela mera instalação destes em área de mangue. 3. Também não há que se falar em nulidade do decisum por ausência de individualização da responsabilidade de cada réu, haja vista que o julgador os condenou de acordo com a parcela de responsabilidade de cada um pela ocorrência do evento danoso. 4. De acordo com o Auto de Infração nº 227/2005, do IDEMA, foi constatado que Severino desmatou área de 0,11 hectare de mangue e ocupou 0,27 hectare de área de preservação permanente na Lagoa Guaraíras. Da mesma forma, o IBAMA, ao realizar vistoria, constatou que “ o empreendimento encontra-se em operação, ocupando área de APP da Lagoa de Guaraíras e área que sofreu desmate de mangue” . Também restou comprovado que não havia qualquer licença prévia, expedida pelo IDEMA que autorizasse o funcionamento da atividade. 5. Os manguezais são considerados recursos naturais de preservação permanente conforme determinação do Código Florestal (Lei 4.771/65) e da Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente CONAMA nº 303, de 2002. 6. Conforme parecer do Ministério Público Federal: “ O fato de ter recebido licença de instalação não justifica o exercício da atividade, justamente porque, na verdade, a ausência da licença de operação significa que a exploração da atividade de carcinicultura nem mesmo deveria ter-se iniciado. É evidente que, se a AC 487421 RN M5588 10 PODER JUDICIáRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI atividade fosse juridicamente possível, precisaria esperar a expedição da licença, para estar de acordo com a lei. De qualquer sorte, a licença não afastaria o risco ao ambiente e ao equilíbrio ecológico, pois a carcinicultura tende a ser degradante ao ecossistema, razão pela qual a existência de qualquer licença não impediria a decisão judicial proferida com o fim de proteger o interesse difuso na preservação do ambiente equilibrado”. 7. Prevalência do direito constitucional de proteção ao meio ambiente em detrimento da exploração de uma atividade econômica insustentável. 8. A condenação fixada na sentença não foi desproporcional a nenhum dos apelantes, posto que todos concorreram para o evento danoso. A multa fixada para a hipótese de descumprimento, por sua vez, foi razoável e o comando de pagamento de indenização para o caso de ser impossível a recuperação da área degradada revelou-se adequado para caso concreto. 9. Não há como eximir a União de sua parcela de culpa na ocupação irregular que gerou o dano ao ambiente, sendo certo que a responsabilidade de que se trata, além de objetiva, é também solidária. 10. Apelações improvidas. ACÓRDÃO Vistos e relatados os presentes autos, DECIDE a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento às apelações, nos termos do relatório e voto anexos, que passam a integrar o presente julgamento. Recife, 26 de janeiro de 2012. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL FREDERICO AZEVEDO Relator Convocado AC 487421 RN M5588 11