1
Grupo RELLIBRA - "Relações Linguísticas e Literárias Brasil-Alemanha" |
www.rellibra.com.br
Credenciado na USP e no CNPq
Coordenação Geral: Profa. Dra. Celeste Ribeiro de Sousa
CHARLOTTE WOLLERMANN FISCHER
1902-1987
(Celeste Ribeiro de Sousa)
2013
Goethe e nós*
Por ocasião do 200º aniversário de Goethe
Charlotte Wollermann Fischer
Ai das gerações vindouras,
que te ignorarem.
GOETHE
(Goetz v. Berl.)
Passaram-se dois séculos desde que o grande gênio da
Alemanha viu pela primeira vez a luz do mundo. É oportuno avivar
com devoção sua memória, aqui, nesta terra, onde ainda tanta gente
fala o idioma alemão.
Não me pronunciarei sobre suas criações poéticas, sobre seus
dramas, poemas, escritos em prosa e também não sobre seus
importantes trabalhos científicos. Para homenagear devidamente a
obra do gigante intelectual, deixamos as realizações citadas para os
que delas se ocupam. Nós queremos resgatar da imensidão de seus
pensamentos apenas aquilo que nos diz respeito, a você, querido
*
Tradução e anotações de Celeste Ribeiro de Sousa. Fischer, Charlotte Wollermann. Goethe
und wir (Goethe e nós). In: Serra-Post Kalender. Ijuí, Ulrich Löw, 1949, p. 60-73.
2
leitor, a nós, que vivemos em 1949 no Brasil. Nós queremos ver o
que Goethe tem a nos dizer depois de 200 anos, o que ele pensa de
tudo aquilo que nos alegra e nos machuca, de nossas festas, de
nosso dia-a-dia, daquilo que nos move.
Começo por umas poucas palavras sobre sua vida e sua
personalidade. Johann Wolfgang von Goethe nasceu em 28 de agosto
de 1749 em Frankfurt am Main. Seu pai era o Conselheiro Imperial
Johann Kaspar Goethe, sua mãe, Katharina Elisabeth Textor, era filha
do alcaide da cidade, Johann Wolfgang Textor. “Com três palavras”,
como diz Hermann Grimm em sua obra Goethe, “todo o seu (de
Goethe) curriculum cidadão fica descrito. Filho de gente rica de
Frankfurt, depois de vários anos na universidade, tenta em sua
cidade...
estabelecer-se
como
advogado.
Então,
casualmente,
conhece um príncipe recém-saído da adolescência, a quem conquista
a confiança, assim como se ele ainda fosse uma criança, e a quem
segue até Weimar, e, lá, torna-se primeiro ministro e poeta da corte.
Goethe jamais foi outra coisa além de primeiro ministro e poeta da
corte de Weimar. Morou ali quase ininterruptamente. Sua história
inteira ali está inscrita.”
Desde o dia de seu aparecimento em Weimar, Goethe foi o
ponto de referência ideal para sua nova pátria na Turíngia. Contudo,
ele não era “o poeta perdido em sonhos ou o escritor trancado entre
quatro paredes, que ninguém podia perturbar ... Goethe estava
sempre pronto para atender todos: tanto como advogado em
Frankfurt quanto como ministro em Weimar. Cuidava do direito e da
administração incessantemente, e, quando se tratava de aconselhar
ou implementar regras gerais necessárias a todos, ele exercia toda a
sua força pessoal que emanava do conhecimento que tinha das
coisas... Ele não embolsava simplesmente o salário de ministro, ele
executava o trabalho correspondente. Carregava sempre no coração
o destino do duque e da terra, pelos quais era responsável.”
(Hermann Grimm)
3
Ficamos admirados e mal podemos compreender como o seu
fazer poético pôde se realizar tão imperceptivelmente, como se fosse
um trabalho secundário a exigir pouco tempo, sem muito alarde, para
não interromper seus múltiplos encargos e compromissos diários.
Em paralelo às suas atividades de responsável funcionário
público de alto escalão há outras: as atividades de erudito. Tinha
conhecimento dos avanços conquistados em todas as áreas da
ciência. Tal como suas descobertas demonstram, trabalhava com o
maior sucesso tanto como naturalista quanto como historiador. Sua
colaboração e participação era para os sábios de incalculável valor.
Que, além disso, ainda tivesse de se ocupar da Universidade de Jena,
de dirigir durante longos anos o teatro de Weimar, são fatos que
devem ser sublinhados.
Como
autocrata
intelectual,
Goethe
impôs-se
a
toda
a
Alemanha a partir de Weimar durante décadas. Ele era o mais alto
representante da arte. “Arte” tomada no sentido mais amplo. Goethe
emanava uma irresistível energia superior, que, para além das
fronteiras da Alemanha, alcançava e afetava toda a vida intelectual
da Europa.
O alemão, que empregava, é chamado com razão a “língua de
Goethe”. Foi ele quem no-la ensinou. Trata-se da mais bela herança,
que, a nós crianças de hoje, nos coube daqueles tempos, a que
chamamos época de Goethe.
Para os seus próprios contemporâneos, o real objetivo de sua
vida era o estreito relacionamento com inúmeras pessoas de todas as
idades
e
de
todas
as
posições
sociais.
“Lendo-se
sua
correspondência”, assim afirma Hermann Grimm, há pouco citado,
“parece que Goethe não fazia nada além de, continuamente, receber
cartas e de lhes responder, cartas que tocavam nos mais variados
interesses em voga à época. Ele detém todos esses fios em suas
mãos e, incessantemente, vai lhes acrescentando novos, com
consciência, finura, segurança, destreza, e, ao mesmo tempo, com
4
satisfação interior, que nunca o sobrecarregaram; ao contrário,
sempre
o
mostraram
frequentemente,
trata
no
com
melhor
dos
humores...
tocante
abnegação,
A
todos,
conforme
sua
natureza. Todos aqueles, que entraram em contato com Goethe,
eram muito exigentes e Goethe correspondeu a todos. Ele se envolve
com todos tão profundamente, como se não tivesse mais nada a
fazer sobre a Terra senão isso... Ele consegue a lealdade de todos, as
pessoas ficam-lhe dedicadas como crianças e ele acolhe-as como se
nada além desse destino o tocasse com mais intensidade”. Uma
predisposição, um talento assim tão extraordinariamente rico e
polivalente, desdobrado e desenvolvido lenta e harmoniosamente,
sem obstáculos, durante as mais de oito décadas da sua vida, graças
a uma delicada aptidão, só podia colocar Goethe, através de sua
própria vida interior, de uma riqueza imensa, através de sua
incansável atividade, através de sua constante troca de ideias com
seus contemporâneos, na situação em que lhe foi possível contatar a
vida humana com todos os seus altos e baixos, uma situação que
muito poucos, antes e depois dele, conheceram. Nós, hodiernos
seres, temos a sorte de ter à mão uma abundância de documentos a
perder de vista, de modo a podermos, também nós, haurir da riqueza
dos pensamentos goetheanos. “Dai muito, a cada um dando algo que
o satisfaça”1, é o que diz o próprio Goethe. E estes versos devem
servir de tentativa para encontrar o que Goethe tem a nos dizer
pessoalmente, a você, caro leitor, a mim.
Sabe-se que Goethe manteve ligações e relacionamentos com o
Brasil, ainda que apenas indiretos. Tocaremos neste assunto com
brevidade.
Sabemos que era amigo de Alexander von Humboldt. Também
sabemos que Wilhelm Ludwig von Eschwege, que serviu no Brasil de
1
Citação extraída da obra Fausto I, traduzida por Jenny Klabin Segall in: Goethe, J. W. Fausto uma
tragédia. 1ª parte. 1ª ed. São Paulo, Ed. 34, 2011, p. 37. Original: Goethe, Johann Wolfgang. Faust. Der
Tragödie erster Teil. Stuttgart, Reclam, 1969, p. 5. Anotação da tradutora.
5
1810 a 1821 e era amigo íntimo de José Bonifácio de Andrada, visitou
Goethe em Weimar repetidas vezes, depois de seu regresso à Europa,
e que, nessas visitas, conversavam sobre os tipos de pedras
brasileiras, sobre pedras preciosas e diamantes, e de moedas do
Brasil.
Além disso, também sabemos que a troca de cartas deu
prosseguimento ao caminho aberto pelas relações pessoais. Também
Friedrich
Philipp
von
Martius
conhecia
Goethe.
Em
„Detalhes
biográficos de minha vida”, de 1823, é possível ler o seguinte
parágrafo:
Ao mesmo tempo, do rio Reno vem até mim nova alegria:
dois homens, cujas atividades profissionais são afins com
suas genuínas e abrangentes visões de mundo, e a quem,
sem dúvida, posso dirigir-me, ao mais velho, como amigo
íntimo, ao outro, como novo amigo, quer dizer, os senhores
Nees von Esenbeck e von Martius, juntam-se para me
dedicarem uma notável planta, obtida por mãos nobres em
regiões longínquas, e, assim, erguerem um glorioso
monumento ao meu nome, enquanto se alargam cada vez
mais os círculos da natureza, à qual tenho dedicado toda a
minha vida.2
Sabemos que, no caso desta planta, trata-se de um gênero
pertencente às malvaceae, que o príncipe Maximilian von Wied e Karl
Friedrich Philipp von Martius tinham descoberto aqui no Brasil e
batizado de Nees Goethea.
Queremos também acrescentar que, no ano de 1932, por
ocasião do centenário da morte de Goethe, um exemplar desta Nees
2
Citação extraída do texto „Biographische Einzelheiten“ (Detalhes biográficos de minha vida). Original:
Goethe, J. W. Autobiographische Schriften. Stuttgart, J. G. Cotta´sche Buchhandlung Nachfolger, s/d,
vol. 2., p. 1384. Esta passagem refere-se a um gênero de plantas, da família das malvaceae, ainda não
catalogado à época, colhido pelo príncipe Maximiliano Wied zu Neuwied durante sua viagem pelo Brasil
em 1817, precisamente nas florestas de Ilhéus, e levado, depois, para a Alemanha. Coube ao botânico
Nees von Esenbeck fazer a sua descrição científica em 1821. Junto com outro botânico, Martius, de quem
era amigo, decidiu dar, em 1823, a esse gênero de plantas, raras mesmo no Brasil, o nome de Goethe. As
espécies conhecidas são: Goethea cauliflora ou Goethea semperflorens, Goethea strictiflora, Goethea
makoyana, Goethea alnifolia. Tradução e anotação da tradutora.
6
Goethea foi plantado no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, para,
através deste gesto simbólico, homenagear sua memória de um
modo delicado e pleno de sentido.
Mas, deixemos isso de lado. Tentemos deixar igualmente de
lado tudo que o signifique “sucesso”, honrarias, títulos, graus
acadêmicos e cargos, tudo o que é comumente associado à vida de
Goethe. Retiremos a Goethe o título de ministro e os altos cargos na
corte, a designação de excelência, de conselheiro de Estado, os
títulos de nobreza, a fama de poeta coroado pelo ramo de louros, - o
que sobra dele, então?
Meus caros amigos, sobra então o mais amoroso filho de sua
mãe, o amigo mais leal e mais desinteressado de seus inúmeros
amigos, o amante e esposo mais terno, em resumo: o ser humano
mais humano! É ele, quem agora invocamos em pensamento, para
que ele também seja nosso amigo e irmão e nos permita partilhar da
riqueza de sua alma.
Penetremos, então, na inesgotável exuberância e comecemos
por aquilo, por que sempre se começa, quando não se sabe por onde
começar: pelo tempo! Acontece também com você, caro leitor, o
mesmo que ocorre comigo nestas latitudes subtropicais: temer o
terrível, sufocante vento norte e ficar desassossegado, tristonho e
nervoso, em resumo: mortiço, apagado? Goethe compreende-nos;
diz ele sobre o assunto:
Começo a acreditar que (cada) ambiente, que
experimento, exerce sobre mim a mais imediata influência,
fazendo o grande mundo e sua atmosfera estremecerem
sempre dentro do meu pequeno mundo.3
-
Em outra ocasião, declara:
3
Citação extraída da carta de 01 de maio de 1777, dirigida a Charlotte von Stein. Original: Rheinhardt,
Hartmut (ed.). Goethe. Sämmtliche Werke. Briefe, Tagebücher, Gespräche 1775-1786. Frankfurt a. M.,
Deutscher Klassiker Verlag, 1997, vol. 29/2, p. 86. Tradução e anotação da tradutora.
7
-
... Eu sou o barômetro mais preciso que existe.4
E, em centenas de suas cartas, podemos verificar como isso é
verdade: em períodos de tempo bom e aberto, ele mostra-se alegre e
extrovertido; em períodos de tempo encoberto, com o céu nublado,
ele se queixa de apatia. Quando, por ventura, fica doente, e tem de
permanecer em casa, faz as seguintes considerações:
Hoje temos o melhor tempo do mundo. Não me
permito resmungar. Se o sol brilha assim belo, quando
estivermos no túmulo, porque haveremos de nos preocupar
com o fato de ele fazer a sua obrigação, quando precisamos
guardar o quarto e o leito.5
Com certeza, deve ter havido bem poucas pessoas assim
sensíveis às ambiências da natureza e das estações do ano como
Goethe. Um radioso dia de primavera vibra e exala perfume na sua
„Canção de maio“:
Como a natureza
Me alumia linda!
Como o sol cintila!
Como ri o campo!
As flores despontam
De cada ramagem
E milhares de vozes
De cada silvado.
E júbilo e deleite
Sai de cada peito.
Ó Terra, ó Sol!
Ó ventura, ó gozo!6
Numa carta é dito:
4
Citação extraída da carta de 28 de março de 1781, dirigida a Charlotte von Stein. Tradução e anotação
da tradutora.
5
Citação extraída da carta de 27 de junho de 1785, dirigida a Charlotte von Stein. Original: Rheinhardt,
Hartmut (ed.). Goethe. Sämmtliche Werke. Briefe, Tagebücher, Gespräche 1775-1786. Frankfurt a. M.,
Deutscher Klassiker Verlag, 1997, vol. 29/2, p. 587. Tradução e anotação da tradutora.
6
Citação extraída do poema “Mailied” (Canção de maio). Original: Nicolai, Heinz (ed.). Goethes
Gedichte in zeitlicher Folge. 8. Aufl. Frankfurt a. M., Insel, 1992, p. 94-95. Tradução e anotação da
tradutora.
8
As
próximas
semanas
da
primavera
considero-as
abençoadas; a cada manhã sou recebido por uma nova flor,
um novo botão. A vegetação mansa, pura, serena, com
frequência traz-me conforto diante das misérias humanas,
diante do mal físico e moral. 7
E a paz profunda das horas do alvorecer nas montanhas
cobertas de florestas vamos com ele experienciar:
Por todos estes montes
Reina a paz,
Em todas estas frondes
A custo sentirás
Sequer a brisa leve;
Em todo o bosque não ouves nem uma ave.
Ora espera, suave
Paz vais ter em breve.8
O mais belo alguma vez dito em língua alemã sobre o amor
devemos a Goethe. Como poderia ser diferente, se toda a sua vida foi
amor!
Poder-se-iam
encher
volumes
com
todas
as
suas
esplendorosas palavras em verso e prosa, mas, caro leitor, você
precisa contentar-se com muito pouco, pois nosso espaço é limitado,
em vista do tanto, do infinitamente muito que ele tem a nos dizer.
Dependência voluntária é o mais belo estado d´alma, e
como seria ele possível sem amor?9
„A canção de maio“, cujo começo ouvimos acima, é uma das
mais delicadas canções de amor da poesia alemã e segue aqui até o
final:
7
Citação extraída da carta de 9 de abril de 1781, dirigida a Johann Caspar Lavater. Original: Döring,
Heinrich (ed.). Goethe´s Briefe in den Jahren 1768 bis 1832. Leipzig, Julius Wunder´s Verlagsmagazin,
1837, p. 26. Tradução e anotação da tradutora.
8
Trata-se do poema “Wandrers Nachtlied” (A canção noturna do viandante” traduzido por Paulo
Quintela. In: Kayser, Wolfgang. Análise e interpretação da obra literária. Coimbra, Arménio Amado,
1968, vol. 2, p. 232. Original: Nicolai, Heinz (ed.). Goethes Gedichte in zeitlicher Folge. 8. Aufl.
Frankfurt a. M., Insel, 1992, p. 236-237. Anotação da tradutora.
9
Trata-se de citação extraída da obra Die Wahlverwandtschaften (Afinidades eletivas). Original: Goethe,
J. W. Die Wahlverwandtschaften. Stuttgart, Reclam, 1980, p. 164. Tradução e anotação da tradutora.
9
Ó amor, ó amor!
Que dourado belo
Como nuvem d´alvor
Sobre esse desprezo!
Abençoas magnífico
O campo aprazível,
Com aroma de flores
Cumulas o mundo.
Mocinha, ó mocinha,
Como eu te amo!
Teus olhos me miram!
Como tu me amas!
Ama a cotovia
Cantando no ar,
E as flores do alvor
O perfume do céu,
Como eu te amo
Co´ meu sangue ardente,
Dás-me juventude
Alegria e ânimo
Pra novas canções
E danças também.
Sê feliz pra sempre.
Como tu me amas!
Sobre o casamento, Goethe tem a mais alta opinião.
O casamento – pensa ele – é o começo e o pináculo de
toda a cultura. Ele transforma o rude em suave, e o
indivíduo culto não tem melhor oportunidade para
demonstrar sua ternura. Ele deve ser indissolúvel; afinal, ele
comporta tanta felicidade, que nenhuma desgraça consegue
afrontar.10
Mas, se você, caro amigo, quer celebrar seu casamento com
uma grande festa de arromba, durante três dias – aí, Goethe já é de
outra opinião:
10
Citação extraída da obra Die Wahlverwandtschaften (Afinidades eletivas). Original: Goethe, J. W. Die
Wahlverwandtschaften. Stuttgart, Reclam, 1980, p. 70. Tradução e anotação da tradutora.
10
Uma conjuntura que venha a instalar-se por longo tempo,
que eventualmente venha a tornar-se uma missão, um
modo de vida, nunca deve começar com uma festa. Só se
deveria festejar aquilo que já demonstrou sucesso pleno.
Todas as cerimônias a comemorar o início esgotam as forças
e o prazer ligados aos ideais que deveriam permanecer
conosco, ajudando-nos continuamente. Entre todas as
festas, a do casamento é a mais desditosa; nenhuma
deveria ser mais celebrada em tranquilidade, humildade e
esperança do que essa. 11
-
0
-
O lar, a vida no próprio círculo doméstico, na pátria, é o que lhe
parece mais belo.
-
Afortunado aquele, cujo mundo está dentro de casa.12
-
0
-
Lá fora, há de menos ou de mais;
Em casa, há moderação e objetivos.13
-
0
-
- Assim, até o mais atribulado andarilho acaba por voltar a
sentir saudades de seu torrão natal e a encontrar, dentro de
seu casebre, no regaço de sua esposa, na companhia de
seus filhos, nos trabalhos para sustentá-los, os encantos que
ele, em vão, procurava no mundo sem fim.14
-
11
0
-
Citação extraída da obra Wilhelm Meisters Lehrjahre (Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister).
Original: Voßkamp, Wilhelm (ed.). Goethe. Sämmtliche Werke. Wilhelm Meisters Lehrjahre. Frankfurt a.
M., Deutscher Klassischer Verlag, 1992, vol. 9, p. 698. Tradução e anotação da tradutora.
12
Citação extraída da carta de 24 de junho de 1784, dirigida a Johann Christian Kestner. Tradução e
anotação da tradutora.
13
Citação extraída do poema “Sprichwörtlich” (Proverbialmente). Original: Nicolai, Heinz (ed.). Goethes
Gedichte in zeitlicher Folge. 8. Aufl. Frankfurt a. M., Insel, 1992, p. 616. Tradução e anotação da
tradutora.
14
Citação extraída da obra Die Leiden des jungen Werthers (Os sofrimentos do jovem Werther). Original:
Goethe, J. W. Die Leiden des jungen Werthers. Stuttgart, Reclam, 1965, p. 31. Tradução e anotação da
tradutora.
11
Que um ser humano com um coração assim eternamente jovem
e cheio de amor ame crianças, é por si mesmo compreensível, e, por
todos os lados, lemos que ele atrai as crianças para junto de si,
conta-lhes as mais fascinantes histórias, muitas vezes, por ele
inventadas no momento, ensina-as, convida-as para sua casa e as
presenteia.
Preocupa-se com a educação dos rapazes “Stein”, por ele
chamados carinhosa e provocativamente de “fedelhos”, estendendose o seu amor a todas as crianças, quer sejam jovens príncipes, que
ele orienta com um alegre “Vamos lá, seus cabeças ocas!”, passando
a mão pelos seus cabelos louros (o que, de resto, os pais fidalgos não
aceitavam de bom grado!), quer seja o enjeitado Peter no pomar,
que ele leva para sua casa e que, com seu eterno cachimbo e seu
cachorro “Joãozinho”, apronta toda a espécie de travessuras na
residência de seu benfeitor e no palácio dos Stein.
Cristo tem razão, ao apontar-nos as crianças; com elas
podemos aprender a viver e a ser felizes.15
-
0
-
Devemos fazer com as crianças o que Deus fez conosco,
quando nos atribui a felicidade suprema, ao nos deixar
titubear em doces ilusões.16
-
0
-
Diz apenas, como carregas tu tão bem
A essência usurpada da juventude bela?
Por certo, seriam intoleráveis [as crianças],
Se eu também não o tivesse sido.17
15
Citação extraída da carta de 22 de setembro de 1781, dirigida a Charlotte von Stein. Original: Tradução
e a notação da tradutora.
16
Trata-se de citação extraída da obra Die Leiden des jungen Werthers (Os sofrimentos do jovem
Werther). Original: Goethe, J. W. Die Leiden des jungen Werthers. Stuttgart, Reclam,1965, p. 40.
Tradução e anotação da tradutora.
17
Trata-se de citação extraída do poema “Zahme Xenien” (Xênia domesticada. Original: Nicolai, Heinz
(ed.). Goethes Gedichte in zeitlicher Folge. 8. Aufl. Frankfurt a. M., Insel, 1992, p. 795. Tradução e
anotação da tradutora.
12
-
0
-
Mas esta compreensão assim afetuosa só vale para crianças,
para a juventude. Nossa conduta, - isso encontra-se numa outra
folha.
-
A conduta é um espelho, em que cada um mostra sua imagem.18
E, diante do mau humor, caro leitor, precisamos de nos
proteger, pois:
... você sabe, esse é o pecado que eu mais odeio nas
pessoas, mais do que todos os outros19;
E, a partir dele, também ficamos sabendo por quê:
Aponte-me o ser humano, que esteja de mau humor e
que consiga dissimulá-lo, sem aniquilar a alegria ao seu
redor! Ou não será o mau humor muito mais um azedume
interior em relação à nossa própria indignidade, um
descontentamento conosco mesmos, sempre ligado a uma
inveja, atiçada por uma vaidade tola? 20
Porém:
- Há uma gentileza do coração; ela tem afinidade com o
amor. Dela emana a mais agradável gentileza da conduta
exterior.21
18
Aprecio o homem mais alegre
Trata-se de citação extraída da obra Die Wahlverwandtschaften (Afinidades eletivas). Original: Goethe,
J. W. Die Wahlverwandtschaften. Stuttgart, Reclam, 1980, p. 164. Tradução e anotação da tradutora.
19
Trata-se de citação extraída da obra Die Leiden des jungen Werthers (Os sofrimentos do jovem
Werther). Original: Goethe, J. W. Die Leiden des jungen Werthers. Stuttgart, Reclam, 1965, p. 47.
Tradução e anotação da tradutora.
20
Trata-se de citação extraída da obra Die Leiden des jungen Werthers (Os sofrimentos do jovem
Werther). Original: Goethe, J. W. Die Leiden des jungen Werthers. Stuttgart, Reclam,1965, p. 37.
Tradução e anotação da tradutora.
21
Citação extraída da obra Die Wahlverwandtschaften (Afinidades eletivas). Original: Goethe, J. W. Die
Wahlverwandtschaften. Stuttgart, Reclam, 1980, p. 164. Tradução e anotação da tradutora.
13
Entre todos os meus convivas:
Quem não se pode oferecer o seu melhor,
Com certeza não pertence aos melhores.22
-
0
-
Bom, nós não somos nenhuns desmancha-prazeres e, sempre
que, em nossa casa, nos reunimos alegremente em torno de um
copo, o ”Camarada, beba!” está bem na moda, não é? O que significa
que podemos contar com a total aprovação de Goethe, pois ele
mesmo era comunicativo e brincalhão, um divertido conviva e um
copincha bom de copo. Ainda hoje escutamos e cantamos com muito
prazer suas ”Trinklieder” (canções para beber e brindar):
-
0
-
Aqui estamos reunidos para louvável ação
Portanto, camarada: Ergo bibamus!
Os copos tilintam, as conversas tranquilizam,
Empenhemo-nos, ergo bibamus! 23
-
0
-
- Deixei meus problemas voarem.
Viva!
Nunca me senti tão bem no mundo.
Viva! 24
Nestas canções animadas – deve haver mais de duas dúzias
delas
–
encontramos,
por
vezes,
pensamentos
importantes,
travestidos em formas divertidas. De que modo encantador e delicado
Goethe açoita as fraquezas de seus companheiros na canção/poema
“Boca livre”. Convida todos para sua mesa, pois gostaria de vê-los.
22
A estrofe pertence ao poema“Meine Wahl” (Minha escolha). Original: Nicolai, Heinz (ed.). Goethes
Gedichte in zeitlicher Folge. 8. Aufl. Frankfurt a. M., Insel, 1992, p. 773. Tradução e anotação da
tradutora.
23
Citação extraída do poema “Ergo bibamus!”. Original: Nicolai, Heinz (ed.). Goethes Gedichte in
zeitlicher Folge. 8. Aufl. Frankfurt a. M., Insel, 1992, p. 590. Tradução e anotação da tradutora.
24
Citação extraída do poema “Vanitas! Vanitatum Vanitas!”. Original: Nicolai, Heinz (ed.). Goethes
Gedichte in zeitlicher Folge. 8. Aufl. Frankfurt a. M., Insel, 1992, p. 559. Tradução e anotação da
tradutora.
14
Porém, percebe que ninguém aparece em sua festa, embora todos
tenham confirmado presença. Por quê?
- Ah, receio termos sido
demasiado exigentes!25
E, com jovial resignação, o finório consegue afinal receber as
pessoas, assim como elas são:
- Joãozinho, corre e não demores,
Chama-me novos convidados!
Que cada um venha como está.
Decerto, é o melhor de tudo! 26
Que rica sabedoria de vida e que rico conhecimento humano se
encontram em Goethe! Mas, se formos um pouco apressados em
nossas opiniões, o nosso experiente amigo adverte-nos com afáveis
conselhos logo ali à mão:
Vocês investigaram as relações internas contidas numa
ação? Vocês sabem reproduzir com rigor as causas por
detrás de sua concretização, de sua inevitabilidade? Se
vocês o soubessem, não seriam tão afoitos em seus
julgamentos.27
-
0
-
Há na oferta de conselhos uma coisa peculiar e, quando
já se viu um bocado do mundo, quando já se viu como as
coisas mais inteligentes fracassam e as coisas mais absurdas
chegam frequentemente a bom termo, desiste-se de querer
dar um conselho a alguém. No fundo, o mesmo acontece
com aquele que, ao desejar um conselho, recebe uma
frivolidade e com aquele que oferece um conselho,
25
Citação extraída do poema “Offne Tafel” (Boca livre). Original: Nicolai, Heinz (ed.). Goethes Gedichte
in zeitlicher Folge. 8. Aufl. Frankfurt a. M., Insel, 1992, p. 675. Tradução e anotação da tradutora.
26
Citação extraída do poema “Offne Tafel” (Boca livre). In: Nicolai, Heinz (ed.). Goethes Gedichte in
zeitlicher Folge. 8. Aufl. Frankfurt a. M., Insel, 1992, p. 675. Tradução e anotação da tradutora.
27
Citação extraída da obra Die Leiden des jungen Werthers (Os sofrimentos do jovem Werther).
Original: Goethe, J. W. Die Leiden des jungen Werthers. Stuttgart, Reclam,1965, p. 52. Tradução e
anotação da tradutora.
15
mostrando-se petulante. Só se deveriam dar conselhos a
respeito de coisas com as quais nós mesmos interagimos.28
-
0
-
Ele mesmo nos revela o segredo de sua influência sobre os
confrades. E a estratégia é tão simples que nos parece quase um
milagre:
Quando tomamos os seres humanos apenas pelo que
eles são, fazemo-los piores; quando os tratamos como se
eles fossem o que deveriam ser, então levamo-los até onde
eles podem chegar.29
Ora, as pessoas são como são e Goethe sabe-o melhor que
ninguém. É ele enfim quem nos diz de maneira inequívoca do que se
trata:
- Afinal a que se deve aspirar?
A conhecer o mundo e a não depreciá-lo.30
E que isso só é possível através de profunda compreensão das
fraquezas e dos erros humanos, através de um infinito bem querer, é
também ele quem nos diz:
Amor e paixão podem desvanecer-se,
O bem querer, porém, vencerá sempre.31
28
Citação extraída da obra Gespräche mit Goethe, de Eckermann. Original: Eckermann, Johann Peter.
Gespräche mit Goethe in den letzten Jahren seines Lebens 1823-1832. Brockhaus, Leipzig, 1836, p. 264265. Tradução e anotação da tradutora.
29
Citação extraída da obra Wilhelm Meisters Lehrjahre (Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister).
Original: Voßkamp, Wilhelm (ed.). Goethe. Sämmtliche Werke. Wilhelm Meisters Lehrjahre. Frankfurt a.
M., Deutscher Klassischer Verlag, 1992, vol. 9, p. 912. Tradução e anotação da tradutora.
30
Citação extraída do poema “Zahme Xenien I” (Xenias domesticadas I). Original: Nicolai, Heinz (ed.).
Goethes Gedichte in zeitlicher Folge. 8. Aufl. Frankfurt a. M., Insel, 1992, p. 793. Tradução e anotação
da tradutora.
31
Citação extraída do poema “Zahme Xenien III” (Xenias domesticadas III). Original: Nicolai, Heinz
(ed.). Goethes Gedichte in zeitlicher Folge. 8. Aufl. Frankfurt a. M., Insel, 1992, p. 984. Tradução e
anotação da tradutora.
16
Não pense, caro leitor, que Goethe em sua vital exuberância,
em seu otimismo radioso, que provoca a nossa admiração, também
não tenha conhecido o sofrimento e a dor nos oitenta e dois anos de
sua vida! Não ecoa nestes versos algo como um choro contido?
Quem nunca seu pão comeu chorando,
Quem nunca em aflitas noites se
Sentou em sua cama em prantos,
Esse não vos conhece, ó celestes potestades!
Vós o arremessais à vida,
Vós o tornais culpado,
Depois o abandonais à dor,
Pois toda a culpa se paga na Terra.32
-0-
Entretanto, não há nele nenhuma resignação, nenhum declararse por vencido. Ele deixa seu Prometeu desafiar os deuses, e esta
canção/poema de resistência talvez seja a mais bela já composta em
língua alemã; a luta altiva, corajosa, contra o destino adverso, que
deve levar à vitória! É assim que Prometeu se dirige ao destino:
Por acaso julgas que eu deveria odiar a vida,
Fugir para os desertos,
Porque nem todos os
Sonhos em flor maturaram? 33
E a grande palavra mágica contra todos os episódios adversos
ele no-la apresenta centenas de vezes, sempre nos deparamos com
ela: atuação! A atuação disciplinada, criadora! Trabalho!
32
Citação extraída do poema “Harfenspieler” (O tocador de harpa). Original: Nicolai, Heinz (ed.).
Goethes Gedichte in zeitlicher Folge. 8. Aufl. Frankfurt a. M., Insel, 1992, p. 263. Tradução e anotação
da tradutora.
33
Citação extraída do poema “Prometheus” (Prometeu). Original: Nicolai, Heinz (ed.). Goethes Gedichte
in zeitlicher Folge. 8. Aufl. Frankfurt a. M., Insel, 1992, p. 163. Tradução e anotação da tradutora.
17
Dores da alma, que nos acometem ou por desgraça ou
por erros próprios, curá-las, a compreensão não pode, a
razão menos ainda, o tempo sim, e a atuação determinada
pode tudo. 34
-0–
O dever é duro, mas só ao concretizá-lo, o ser humano
pode mostrar como está o seu mundo interior. O livre
arbítrio está ao alcance de todos.35
-0Receosos pensamentos,
Tímidos embustes,
Feminis vacilos.
Medrosas queixas.
Não mudam a miséria.
Não te libertam.
Manter todas as energias
Para sustentar a resistência;
Nunca se curvar.
Mostrar-se vigoroso,
Atrai a ajuda
Dos deuses. 36
Caro leitor e amigo, penso não estar enganada, ao sentir com toda a
lucidez, que você agora não tem vontade de abordar a igualmente
grande e importante questão com que Gretchen testa o Dr. Fausto:
34
Citação extraída da obra Wilhelm Meisters Wanderjahre (Os anos de peregrinação de Wilhem Meister).
Original: Goethe´s sämmtliche Werke. Stuttgart, Verlag der J. G. Cotta´schen Buchhandlung, 1866, vol. 3,
p. 501. Tradução e anotação da tradutora.
35
Citação extraída da carta de 31 de janeiro de 1781, dirigida a Johann Friedrich Krafft. Original:
Rheinhardt, Hartmut (ed.). Johann Wolfgang Goethe. Das erste Weimarer Jahrzehnt. Briefe, Tagebücher
und Gespräche (1775-1876). Frankfurt a. M., Deutscher Klassiker Verlag, 1997, vol. 2 (29), p. 327.
Tradução e anotação da tradutora.
36
Citação extraída do poema “[Aus dem Singspiel „Lila‟] (Extraído da opereta „Lila‟). Original: Nicolai,
Heinz (ed.). Goethes Gedichte in zeitlicher Folge. 8. Aufl. Frankfurt a. M., Insel, 1992, p. 216. Tradução
e anotação da tradutora.
18
“Dize-me, pois, como é com a religião?“37 – Nós somos católicos ou
protestantes, e Goethe? Ele fala de “ídolos pagãos”, de “forças
celestiais”, de “destino”. Será que ele era um idólatra? Não, meu
caro, ele era um ser humano profundamente religioso, ainda que não
se ativesse aos dogmas de nossas Igrejas. Ouça o próprio discorrer
sobre o assunto:
-
De fato, a religião geral, a religião natural não precisa de crença,
pois a convicção de que um grande ser gerador, organizador e
guia igualmente se oculta por trás da natureza, para se fazer por
nós inteligível, penetra-nos, sim, mesmo que nós, por vezes,
percamos o fio dessa convicção que nos conduz pela vida, mas
podemos
retomá-lo
onde
quer
que
esteja
e
tão
logo
o
queiramos.38
E em outro trecho:
- Nenhuma circunstância, mesmo a mais prosaica, deve
perturbar o sentimento do sagrado em nós, o sentimento
que nos pode acompanhar por toda a parte e fazer todos os
lugares dignos de um templo.39
E, de novo, em outro trecho:
Não fosse o olho de natureza solar,
Não poderia nunca o sol contemplar.
Não fosse em nós o vero poder de Deus,
Como poderia o sagrado nos arrebatar! 40
37
Citação extraída da obra Fausto I, traduzida por Jenny Klabin Segall in: Goethe, J. W. Fausto uma
tragédia. 1ª parte. 1ª ed. São Paulo, Ed. 34, 2011, p. 292. Original: Goethe, Johann Wolfgang. Faust.
Der Tragödie erster Teil. Stuttgart, Reclam, 1969, p. 104. Anotação da tradutora.
38
Citação extraída da obra Aus meinem Leben. Dichtung und Wahrheit (Sobre a minha vida. Poesia e
verdade). Original: Goethe, Johann Wolfgang. Aus meinem Leben. Dichtung und Wahrheit. Erster Teil,
Viertes Buch. Tübingen, J. G. Cotta´sche Buchhandlung, 1811, p. 322-323. Tradução e anotação da
tradutora.
39
Citação extraída da obra Wahlverwandtschaften (Afinidades eletivas). Original: Goethe´s sämtliche
Werke in sechs Bänden. Amerikanische Stereotyp-Ausgabe. Philadelphia, Verlag J. W. Thomas, 1855,
vol. 1, p. 106. Tradução e anotação da tradutora.
40
Citação extraída da última estrofe do poema “Epilog zu Schillers Glocke“ (Epílogo do sino de Schiller).
Original: Nicolai, Heinz (ed.). Goethes Gedichte in zeitlicher Folge. 8. Aufl. Frankfurt a. M., Insel, 1992,
p. 556. Tradução e anotação da tradutora.
19
Quando, no Prólogo do Fausto, ouvimos as palavras do arcanjo:
Ressoa o sol no canto alado
Dos orbes no infinito espaço,
E seu percurso pré-traçado
Vence com majestoso passo.
Anima os anjos a visão
Da inescrutável harmonia:
Da obra máxima a imensidão,
Pasma, qual no primeiro dia.41
então, seguramente, retumbam aos nossos ouvidos os magníficos
acordes da música de Beethoven „Os céus proclamam a glória de
Deus”. Ou escutamos mentalmente o venerando cântico de louvor
ambrosiano: Te Deum laudamus! Altíssimo Deus, nós Te louvamos,
Senhor, nós enaltecemos Tua força! E, com certeza, isso é adoração
profunda e piedosa da divindade, tal como o espírito humano a
compreende.
Disso enche o coração até ao extremo.
E quando transbordar de um êxtase supremo,
Então nomeia-o como queiras,
Ventura! amor! coração! Deus!
Não tenho nome para tal!
O sentimento é tudo;
Nome é vapor e som,
Nublando ardor celeste.!42
-0Agora, ainda nos resta para concluir a opinião de Goethe sobre
nós mesmos, sobre você e mim e sobre todos nós, que vivemos do
41
Citação extraída da obra Fausto I, traduzida por Jenny Klabin Segall in: Goethe, J. W. Fausto uma
tragédia. 1ª parte. 1ª ed. São Paulo, Ed. 34, 2011, p. 46-47. Original: Goethe, Johann Wolfgang. Faust.
Der Tragödie erster Teil. Stuttgart, Reclam, 1969, p. 9. Anotação da tradutora.
42
Citação extraída da obra Fausto I, traduzida por Jenny Klabin Segall in: Goethe, J. W. Fausto uma
tragédia. 1ª parte. 1ª ed. São Paulo, Ed. 34, 2011, p. 295. Original: Goethe, Johann Wolfgang. Faust. Der
Tragödie erster Teil. Stuttgart, Reclam, 1969, p 105-106. Anotação da tradutora.
20
trabalho de nossas mãos, trabalhadores, artesãos ou camponeses,
nós colonos, que desbravamos esta terra nova e que abrimos veredas
na floresta inabitada. E, caro leitor, veja e admire! Reconheça em
Goethe seu amigo e irmão, que o entende e conhece, não importa o
que ou quem você seja, basta que você seja um sujeito íntegro!
Acabei por voltar a amar muito a classe de seres
humanos, chamada de baixa, mas que, com certeza, é a
mais alta diante de Deus! Nela encontram-se todas as
virtudes juntas: pobreza, sobriedade, bom senso, lealdade,
alegria diante do bem mais sofrido, simplicidade, tolerância
– tolerância – perseverança.43
É o povo pobre, que sempre tem de carregar o piano, e
é-lhe indiferente, se ele lhe pesa do lado direito ou do
esquerdo.44
Conheci gente feliz, que é assim, porque é inteira;
também o mais insignificante, se for inteiro, pode ser feliz e
realizado à sua maneira.45
Qualquer artesão parece-me ser o mais feliz dos
homens; o que ele tem para fazer é fantástico; o que ele
pode realizar é brilhante; ele não reflete sobre o que dele se
exige; ele trabalha sem pensar, sem pressão, sem pressa,
mas com dedicação e amor, à semelhança do pássaro
construindo seu ninho, da abelha fabricando sua colmeia. 46
Dessa forma, perpasso todas as classes desde o
camponês, que retira da terra o seu sustento, o qual poderia
constituir uma subsistência confortável, caso o suor de seu
rosto fosse só para seu benefício. 47
43
Citação extraída da carta escrita em 04 de dezembro de 1777, durante viagem ao Harz, e dirigida a
Charlotte von Stein. Original in: Rheinhardt, Hartmut (ed.). Goethe. Sämmtliche Werke. Briefe,
Tagebücher, Gespräche 1775-1786. Frankfurt a. M., Deutscher Klassiker Verlag, 1997, vol. 29, p. 114.
Tradução e anotação da tradutora.
44 Citação extraída da carta escrita em 20 de junho de 1784, dirigida a Johann Gottfried Herder.
Tradução e anotação da tradutora.
45
Citação extraída da carta escrita em 08/09 de junho de 1787 e dirigida a Charlotte von Stein. Original:
Eibl, Karl (ed.). Goethe. Sämmtliche Werke. Briefe, Tagebücher, Gespräche 1786-1793. Frankfurt a. M.,
Deutscher Klassiker Verlag, 1991, vol. 3 (30), p. 305. Tradução e anotação da tradutora.
46
Citação extraída do texto „Briefe aus der Schweiz“ (Cartas da Suíça). Original: Goethe´s sämtliche
Werke in sechs Bänden. Amerikanische Stereotyp-Ausgabe. Philadelphia, Verlag J. W. Thomas, 1855,
vol. 1, p. 38. Tradução e anotação da tradutora.
47
Citação tirada da carta escrita em 17 de abril de 1782, dirigida a Carl von Knebel. Original: Rheinhardt,
Hartmut (ed.). Goethe. Sämmtliche Werke. Briefe, Tagebücher, Gespräche 1775-1786. Frankfurt a. M.,
Deutscher Klassiker Verlag, 1997, vol. 2, p. 418. Tradução e anotação da tradutora.
21
Absolutamente bela é a agricultura, pois tudo responde
de maneira tão pura, quer eu faça algo estúpido ou algo
bom. 48
-0–
E, por fim, Goethe prega-nos na tragédia Fausto a teoria da
redenção do homem através da atuação, do trabalho. Fausto, o
intelectual, que já está cego, salva-se do poder de Mephisto através
da criação altruísta concretizada: ele arranca nova terra ao mar,
construindo diques, tornando-a acessível ao seu próximo.
Espaço abro a milhões – lá a massa humana viva,
se não segura, ao menos livre e ativa.49
Como nos tocam de perto suas palavras sobre o trabalho árduo
dos colonos:
A esse sentido, enfim, me entrego ardente:
À liberdade e à vida só faz jus,
Quem tem de conquistá-las diariamente.50
E, quer se trate de nova terra, arrancada ao mar, ou, como no
nosso caso aqui, à floresta, - é de Goethe que ouvimos, via Fausto, o
maior enaltecimento à atividade humana criativa:
Quisera eu ver tal povoamento novo,
E em solo livre ver-me em meio a um livre povo.
Sim, ao Momento então diria:
Oh! Para enfim – és tão formoso!
Jamais perecerá, de minha térrea via,
Este vestígio portentoso! –.51
48
Citação extraída do diário de julho de 1779. Original: Baumann, Gerhard (ed.). Johann Wolfgang
Goethe. Tagebücher 1770-1810. Stuttgart, J. G. Cotta´sche Buchhandlung Nachfolger, s/d, vol. 11, p.
109. Tradução e anotação da tradutora.
49
Citação extraída da obra Fausto II, traduzida por Jenny Klabin Segall in: Goethe. Fausto II. 1ª ed. São
Paulo, Ed. 34, 2011, p. 600. Original: Goethe, Johann Wolfgang. Faust. Der Tragödie zweiter Teil.
Stuttgart, Reclam, 1970, p. 208. Anotação da tradutora.
50
Citação extraída da obra Fausto II, traduzida por Jenny Klabin Segall in: Goethe. Fausto II. 1ª ed. São
Paulo, Ed. 34, 2011, p. 601. Original: Goethe, Johann Wolfgang. Faust. Der Tragödie zweiter Teil.
Stuttgart, Reclam, 1970, p. 208. Anotação da tradutora.
22
-0–
Certa vez, estive de visita em casa de conhecidos. Cheio de
orgulho, o dono da casa mostrou-me sua biblioteca. Era um armário
imponente, metade cheio com os mais recentes romances e “best
sellers” dos últimos anos, enquanto um bom número de livros e
brochuras sobre todas as questões da técnica moderna, sobre a
construção
de
aviões
e
motores
automotivos,
sobre
rádio
e
propaganda, sobre economia e estatística ocupava a outra metade.
„Realmente moderna, não é verdade?” perguntou-me ele,
olhando-me cheio de expectativa, na esperança de receber meu
reconhecimento elogioso.
Minha pequena hesitação surpreendeu-o visivelmente.
“Oh, sim, muito rica; mas...”
“Como?
Acha
que
estão
faltando
livros
das
listas
de
lançamentos? Autores modernos? Por favor, dê-me os nomes, que eu
já os encomendo”, exclamou ele.
“Novos – não”, retruquei eu, “mas os clássicos: Goethe”.
Uma sonora gargalhada foi a resposta.
“Só isso! Esse velho alfarrábio, que ninguém lê, está aqui”, e
num movimento rápido puxou uma meia dúzia de brochuras sobre
novos
métodos
de
vendas
e
publicidade,
sobre
técnica
cinematográfica e futebol, e lá atrás vi, espantada, obras do nosso
maior poeta, cobertas de pó e nunca manuseadas. E, agora, deixe-me dizer-lhe uma palavra confidencialmente,
caro leitor. Se você tiver em algum canto obras de Goethe, vindas na
viagem de imigração, - talvez você possua alguma que pertenceu a
seu pai ou possivelmente já ao seu avô, que a trouxe consigo, - oh,
51
Citação extraída da obra Fausto II, traduzida por Jenny Klabin Segall in: Goethe. Fausto II. 1ª ed. São
Paulo, Ed. 34, 2011, p. 601. Original: Goethe, Johann Wolfgang. Faust. Der Tragödie zweiter Teil.
Stuttgart, Reclam, 1970, p. 208. Anotação da tradutora.
23
meu
caro,
retire-a
da
caixa
velha
lá
no
sótão
e
limpe-lhe
cuidadosamente o pó e as teias de aranha! Depois, empurre os “bestsellers” um pouco para o lado e retire algumas brochuras sobre
técnica moderna e coloque Goethe no melhor lugar que encontrar no
seu armário! Pois agora eu vou lhe revelar um enorme segredo:
mesmo quando se tiverem passado duzentos anos após o nascimento
de Goethe, quando em nosso lugar os netos de nossos bisnetos
andarem e atuarem sobre a terra, esteja certo de que eles de cem
“best sellers” de hoje, no máximo, terão conhecimento distanciado de
cinco, e não terão lido com certeza mais do que um apenas. Das
obras técnicas e econômicas, talvez todo o seu orgulho, nenhuma
sobreviverá
tanto
tempo,
pois
a
técnica
desenvolve-se
muito
rapidamente e, com ela, também a economia e seus métodos se
transformam de modo acelerado. Porém, assim como nós, você e eu,
caro leitor, no dia de hoje, por ocasião do 200º aniversário de
Goethe, bebemos da fonte inesgotável que o seu intelecto nos
oferece, da fonte inesgotável que faz afluir até nós infinito bálsamo e
alegria, assim também, nossos descendentes, por ocasião de seu
400º
aniversário,
ainda
acharão
seus
pensamentos
claros
e
luminosos como raras pedras preciosas, enformadas no ouro puro da
linguagem de Goethe. Assim será, eu juro a você!
Download

Português - Instituto Martius Staden