UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Instituto de Geociências e Ciências Exatas Campus de Rio Claro LUCIANA SCHREINER DE OLIVEIRA ZANARDI O TRÂNSITO DE PROFESSORES DURANTE O PROCESSO DE CRIAÇÃO DA UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JÚLIO DE MESQUITA FILHO (UNESP): A QUESTÃO DOS RESSENTIMENTOS. Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas do Campus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutora em Educação Matemática. Orientador: Antonio Carlos Carrera de Souza Rio Claro - SP 2012 LUCIANA SCHREINER DE OLIVEIRA ZANARDI O TRÂNSITO DE PROFESSORES DURANTE O PROCESSO DE CRIAÇÃO DA UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JÚLIO DE MESQUITA FILHO (UNESP): A QUESTÃO DOS RESSENTIMENTOS. Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas do Campus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutora em Educação Matemática. Comissão examinadora Prof. Dr. Antonio Carlos Carrera de Souza (Orientador – UNESP Rio Claro) Prof. Dr. Antonio Miguel (UNICAMP - Campinas) Profª. Drª. Áurea Maria Guimarães (UNICAMP – Campinas) Prof. Dr. Jorge Mialhe (UNESP – Rio Claro) Profª Drª. Maria Carolina Bovério Galzerani (UNICAMP – Campinas) Resultado: Rio Claro (SP) 2012 À Laura. “Espero que quem ouvir meu depoimento ouça minha alma”(Ivo Machado da Costa). AGRADECIMENTO ESPECIAL Em especial, agradeço ao meu orientador, Carrera, que, além da orientação insuperável e inigualável, ainda foi amigo e educador. Não fosse o carinho, o cuidado, a paciência e a compreensão nas horas em que eu mais precisei e em todos esses anos de convivência e de aprendizado, este trabalho não teria sido possível. Obrigada, mesmo. AGRADECIMENTOS Primeiramente quero agradecer à UNESP, por ser a Instituição que me formou. Aos professores do Departamento de Matemática e da PPGEM da UNESP/Rio Claro, pela formação e por me ajudarem a ser quem eu sou. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), por quatro anos de financiamento a esta pesquisa. Ao Centro de Documentação e Memória da UNESP (CEDEM) e à Profª Drª. Anna Maria Martinez Corrêa, pela alegria e disposição em ajudar. Também por disponibilizar todo o material necessário. Aos depoentes, Prof. Dr. Irineu Bicudo, Profª. Ms. Berenice Cresta Guardia, Profª. Drª. Lucila Maciel, Prof. Dr. Geraldo Perez, Prof. Ms. Clélio José Faggion Bellini, Prof. Dr. Amilton Ferreira, Prof. Dr. Cesar Basta, Prof. Dr. Francisco da Silva Borba, Prof. Dr. Ivo Machado da Costa, Profª Drª Celi Vasques Crepaldi, Prof. Dr. Luiz Ferreira Martins, Prof. Dr. Ruy Madsen Barbosa, Prof. Dr. Jorge Nagle e Profª. Drª. Maria Aparecida Viggiani Bicudo, por aceitarem fazer parte desta pesquisa, me receberem tão bem e, principalmente, por me ajudarem a contar esta história. Aos membros da banca, Profª. Drª. Áurea Maria Guimarães, Prof. Dr. Antonio Miguel, Prof. Dr. Jorge Mialhe, Profª Drª. Maria Carolina Bovério Galzerani, pela leitura cuidadosa e pelas contribuições valiosas. À Profª. Drª. Maria Aparecida Viggiani Bicudo, pela disponibilidade, acolhimento e a ajuda precisa durante a qualificação, pelo depoimento contundente e cheio de detalhes que, por sua importância, acabou mudando algumas das direções desta pesquisa. À amiga Inajara, que sempre fez muito mais por todos do que simplesmente cumprir corretamente suas funções. A todos os meus amigos da PPGEM – Rio Claro, pela alegria da convivência e por podermos compartilhar experiências e agregar conhecimento. Por trilharmos juntos esta caminhada. A todos os participantes do grupo GHOEM, pelos momentos de estudos e pela amizade. Ao meu trio inseparável de melhores amigas: Déa, Edna (minha quase irmã) e Walderez. Por serem quem vocês são, estarem presentes na minha vida e em todos os momentos desta tese. À minha equipe de apoio: Edilaine, Flavia, D. Margarida e Rosangela. Pela presença constante e amizade. À Gilda, pelo carinho e dedicação desde sempre. À minha mãe e toda minha família. Minha base e meu porto seguro, por acreditarem e entenderem as ausências. E, finalmente, à minha filha, Laura, luz dos meus dias. Pelo orgulho, incentivo, apoio e compreensão nos momentos difíceis... Enfim, pelo amor. Resumo Em 1975 houve a necessidade de se realizar uma reforma administrativa na Secretaria de Educação do Estado de São Paulo de modo que sua estrutura fosse atualizada. Durante a reforma foi definida a transformação dos Institutos Isolados existentes no interior do Estado em uma universidade policampi, a UNESP. A criação da UNESP, em 1976, deparou-se com vários obstáculos herdados pelos Institutos Isolados e outros provocados pela junção dos mesmos, sendo um dos principais a extinção, em alguns campi, de cursos, cujos professores acabaram sendo remanejados para outras unidades, isto é, departamentos inteiros foram removidos de um campus e instalados em outro. Os tipos de ação empregados para a organização inicial da UNESP, isto é, a remoção de professores que foram transferidos e, portanto, obrigados a mudarem de cidade e reorganizarem completamente suas vidas e de seus familiares, tendem a ser poderosos provocadores de ressentimentos por parte dos professores transferidos, que pertenciam a um grupo que se sentia injustiçado e não tinha o poder, ao menos no momento, de reagir contra o grupo hierarquicamente dominante (Estado). A partir da narrativa e da memória oral dos atores sociais envolvidos nesse trânsito, buscaremos atribuir significado e compreensão das tramas constitutivas dos ressentimentos causados nas transferências dos professores na época da criação da UNESP, dando prioridade ao estudo de transferências em Departamentos de Matemática. Palavras-chave: Criação da UNESP, História Oral, Memória, Ressentimento. Abstract In 1975, the Secretary of Education of the State of São Paulo underwent administrative reform to update its organizational structure. During this process, it was decided to transform the isolated institutes located in the interior of the state into a multicampus university, the State University of São Paulo (UNESP). One of the main obstacles that had to be overcome when UNESP was created in 1976 was the extinction of some programs of study on some campuses which led to the re-location of professors in those programs to other campuses. In other words, some departments were transferred entirely to other campuses. The types of actions taken during the initial organization of UNESP, like the transfer of professors which obligated them to move to another city and completely reorganize their lives and the lives of their families, tends to provoke considerable resentment on the part of the professors. They constitute a group who feel they have suffered an injustice and are powerless, at least at the time, to act against the dominant hierarchy (the State). Based on narratives and oral histories of the social actors involved in this process, we will seek meaning and understanding in the plots that compose the resentment caused (or not caused) by the transfers of professors when UNESP was created, focusing particularly on transfers in the Department of Mathematics. Keywords: creation of UNESP, oral history, memory, resentment SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...............................................................................................................11 CAPÍTULO 1 - Primeiro movimento investigativo.................................................................17 CAPÍTULO 2 – Ouvindo as vozes...........................................................................................59 2.1 Irineu Bicudo......................................................................................................................62 2.2 Berenice Crestana Guardia.................................................................................................70 2.3 Geraldo Perez.....................................................................................................................77 2.4 Lucila de Oliveira Maciel...................................................................................................90 2.5 Clélio José Faggion Bellini................................................................................................97 2.6 Amilton Ferreira...............................................................................................................101 2.7 Cesar Basta.......................................................................................................................122 2.8 Francisco da Silva Borba..................................................................................................129 2.9 Ivo Machado da Costa......................................................................................................135 2.10 Celi Vasques Crepaldi....................................................................................................144 2.11 Luiz Ferreira Martins......................................................................................................152 2.12 Ruy Madsen Barbosa......................................................................................................161 2.13 Jorge Nagle.....................................................................................................................169 2.14 Maria Aparecida Viggiani Bicudo..................................................................................178 CAPÍTULO 3 - Choque entre forças contrárias......................................................................203 CONCLUSÕES – A história de uma luta surda.....................................................................241 BIBLIOGRAFIA................................................................................................................... 252 11 Introdução Resido em Rio Claro, uma cidade pertencente ao interior paulista, que possui algumas indústrias, um pequeno comércio e o campus de uma universidade, a UNESP. Vim morar nesta cidade por acaso, devido a compromissos profissionais. Só a conhecia de nome e de passagem, nunca imaginava que um dia iria entrar aqui e conhecê-la. Morar, então, nem cogitava. Mas aconteceu. Um dia vim a Rio Claro e acabei ficando. Minha missão era encontrar uma casa em pleno fim de semana para me mudar logo no início da semana seguinte. Nunca vou me esquecer do dia em que entrei na cidade. Era um sábado de comércio fervilhante na Avenida Quatro. Adorei a efervescência e nesse momento disse para mim mesma: sim, eu vou gostar de estar aqui. Antes eu morava em uma cidade bem maior, com mais possibilidades e alternativas, porém muito mais perigosa e violenta, talvez por isso o encantamento em viver em uma cidade menor, mais pacata e acolhedora. Tudo aqui era mais acessível, tudo era próximo. Quando me mudei, minha filha era pequena, ela praticamente não conheceu outro lar. Não nasceu aqui, mas é rio-clarense de coração. Tão logo me instalei, a coloquei na escola e comecei a explorar a cidade. Caminho natural foi me deparar com a universidade e então veio a vontade de voltar a estudar. Fascina-me aprender, conhecer, descobrir, me abrir para novas experiências, saber sempre mais. O valor ao estudo foi herdado por meu pai e, na falta dele, perpetuado por minha mãe. Escolhi cursar Matemática por pertencer à área de Exatas, para a qual eu tinha maior facilidade ou achava que tinha. Minha intenção inicial era ser professora, aproveitar minha estada na cidade, pois eu não sabia quanto tempo moraria em Rio Claro. Aqui começa minha história com a UNESP. Como nasci no Paraná, não conhecia nada sobre essa instituição, nem sobre sua história, ou sobre o curso que eu faria. Quase sem perceber me vi matriculada em um curso bastante respeitado, procurado e, depois vim saber, complicado concluir, devido ao nível de dificuldade. Confesso que no começo me desanimei. Sempre digo que, se eu soubesse que o curso era tão difícil, jamais teria feito esta escolha, mas não desisti. Dediquei-me, apesar das dificuldades em conciliar os estudos puxados, o cuidado com a casa, com minha família e com minha filha, que praticamente cresceu vivendo, junto comigo, o ambiente da universidade. Ela também assistia às aulas, passava horas e até dormia, enrolada no seu cobertorzinho, num cantinho da sala de estudos da biblioteca. Com 12 isso sabia com exatidão onde ficavam seus livros prediletos. Ela adorava aquilo lá tanto quanto eu. Aquele ambiente repleto de conhecimento abriu para mim um novo mundo e eu me envolvia em todas as atividades extras, fazia todos os cursos oferecidos, adorava as discussões, vivia a universidade, principalmente a parte pedagógica que se iniciou a partir do meu segundo ano. Foi quando me apaixonei pela Educação Matemática. A partir disso, comecei a ir à universidade não só nos dias de semana, em que era obrigatório assistir às aulas, mas também aos sábados, quando freqüentava um grupo de estudos pertencente à PósGraduação em Educação Matemática, que sempre foi muito forte no campus de Rio Claro. Novas experiências, infinitas possibilidades, discussões profundas fervilhando de conhecimento. Foi já no meu segundo ano de faculdade que conheci o professor que viria a ser meu orientador (e ainda o é), e para mim foi natural o desejo de me envolver em pesquisa. Logo comecei, sob sua orientação, a fazer Iniciação Científica. Consegui terminar a Graduação e sob sua orientação também fiz o Mestrado e agora faço o Doutorado, todos na UNESP e em Rio Claro. Treze anos de um envolvimento muito intenso com a universidade, de uma relação muito próxima, de uma vida em comum. E não foi fácil, nunca é. Hoje não consigo pensar em Rio Claro sem pensar na UNESP. Esta é a minha casa, é onde me acho, é onde me identifico, onde me constituí, onde me formei como pessoa. A UNESP faz parte de mim, mudou quem eu era e me transformou no que sou. Ali passei momentos de alegria, tristeza, ansiedade, decepções, muitos desesperos antes das provas, durante e após elas. Um professor um dia me disse brincando: “Luciana, você já é um ‘dinossauro’ da UNESP”, fazendo alusão ao tempo em que lá estou. E é verdade, me orgulho de ser um ‘dinossauro’ da UNESP. Recentemente também me disseram: “Você já tem uma história com a UNESP”. Surpreendi-me e, com calma, olhei para trás, revi meu passado, revi minha história, então respondi: Sim, eu tenho uma longa história com a UNESP. Talvez por isso transformá-la em objeto de pesquisa, me envolver com uma parte de sua história e recontar sua criação, para mim, faça todo sentido. Saber seus entraves, os jogos políticos que determinaram seus caminhos, seus descaminhos, saber de alguns de seus problemas, dos detalhes de sua criação me atrairia muito. Conhecer de onde a UNESP veio, tentar perceber como ela se constituiu para, quem sabe, entender quem ela é e para onde irá. No entanto, não podemos começar a contar a história da UNESP sem voltar nossos olhos para trás tentando entender como foram criados os Institutos Isolados do Estado de São Paulo, já que a UNESP constituiu-se a partir da junção de catorze deles. Os Institutos Isolados eram instituições de ensino criadas a partir do final da década de 1950 no interior do Estado, 13 em sua maioria, Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras, as FFCL-IIES. A necessidade de sua criação deu-se devido às demandas econômicas da época posterior à Segunda Guerra Mundial, pois nesse período houve um progressivo êxodo rural e um grande desenvolvimento industrial no país, acarretando a exigência de novos tipos de serviços que dessem apoio às políticas públicas. Estas visavam à modernização do país através da interiorização do desenvolvimento que se encontrava restrito às capitais e aos grandes centros. Para tanto, a Educação se mostrava estratégica, já que havia a necessidade de formação de mão de obra especializada para dar conta de todo esse desenvolvimento. Os Institutos Isolados eram unidades universitárias situadas em diferentes cidades do interior paulista, tendo cada uma delas uma área geográfica específica de atuação e abrangendo diversas áreas do conhecimento. Suas origens foram as mais diversas, porém, em 1975, logo no início do mandato de José Bonifácio Coutinho Nogueira, Secretário da Educação do Estado de São Paulo, no governo de Paulo Egydio, houve a necessidade de se realizar uma Reforma Administrativa na Secretaria de Educação de modo que sua estrutura fosse atualizada. Durante esta reforma, o problema da definição “do que fazer” com os Institutos foi abordado. Existiram várias propostas, mas a que acabou se concretizando foi a transformação dos institutos em uma universidade multicampi, a futura UNESP. A criação da UNESP, que se deu em 1976, deparou-se com vários obstáculos herdados dos Institutos Isolados e outros provocados pela junção dos mesmos: não havia verba; era complicada do ponto de vista geográfico, já que existiam unidades espalhadas pelo Estado inteiro sem nenhuma lógica; havia faculdades com determinado curso repetindo-se em duas ou três cidades muito próximas; em alguns campi houve pressão para juntar duas ou três cadeiras; foram criados novos cursos e fechados outros; houve transferência de curso entre os campi, isto é, departamentos inteiros removidos de um campus e instalados em outro. A política da administração inicial foi “conservar para reformar”, cuja ideia central era não mexer na localização das escolas e nem fechar as faculdades existentes com o intuito de não desagradar a estrutura dominante da época. Para tanto uma das grandes dificuldades desse processo inicial foi a transferência de professores entre os campi. Os tipos de ação empregados pelos políticos para a organização inicial da UNESP, como a transferência de professores que foram obrigados a mudar de cidade e reorganizar completamente suas vidas e de seus familiares, tendem a ser um poderoso provocador de ressentimentos por parte dos professores transferidos, que pertenciam a um grupo que se sentia injustiçado e não tinha o poder, ao menos no momento, de reagir contra o grupo hierarquicamente dominante (Estado). 14 Nesta pesquisa não utilizaremos o termo “ressentimento” como sinônimo de rancor e mágoa. Tentaremos cunhar nele outro conceito, apoiando-nos em estudos de vários autores que já se debruçaram sobre este assunto, como: Nietzsche, Max Scheler, Robert Merton, Roger Petersen, Robert C. Solomon, Ansart, Freud, Primo Levi, entre outros. Para este trabalho o sujeito do ressentimento é o sujeito passivo da servidão inconsciente, ou seja, aquele que pertence a um grupo ou classe social que recebeu um agravo e não tem o poder de reação, pois se sente enfraquecido e dominado diante do poder do dominante. Esse não é um sentimento único, podemos entender como uma constelação de afetos composta por mágoa, desejo de vingança, raiva, inveja, desejo reprimido, além de outros. É uma mágoa que não se supera, da qual não se esquece, que a pessoa não quer se esquecer. Ao estudar a questão do ressentimento, nos depararemos com a importância da reflexão sobre este sentimento devido à extensão de suas consequências e de seu caráter destrutivo. Daí a necessidade de olharmos para esta questão: a sociedade precisa rever o passado, cavar em meio aos seus escombros e descobrir suas mazelas, seus afetos, seus sentimentos, mesmo aqueles para os quais não queremos olhar. Partindo do princípio de que nenhuma experiência é vazia de conteúdo e que todas devem ser analisadas, mesmo as que nos parecem nada trazer de conteúdo positivo, devemos dar o testemunho, mostrar um novo olhar para determinada experiência vivida, principalmente para aquelas que se mostram traumáticas. Este seria o caso desta pesquisa, em que estamos evidenciando a experiência dolorosa de alguns desses professores transferidos. Os procedimentos de pesquisa utilizados na maioria das investigações para escavar as camadas de lembranças passa pela utilização de depoimentos que envolvam a memória oral desses atores. Para realizarmos esta pesquisa, nos utilizamos da metodologia de História Oral. Foram coletados ao todo catorze depoimentos de professores, ex-professores , ex-chefes de departamento e ex-reitores da UNESP. No intuito de enriquecermos esta versão, também nos apoiamos em trechos dos depoimentos da obra: “ALEGRE, M. (org) Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras ontem: uma trajetória (História Oral) – Faculdade de Ciências e Tecnologia hoje. Presidente Prudente: 2006.”, que reconta a trajetória de 47 anos do campus de Presidente Prudente, desde a criação da FAFI/Presidente Prudente, seguida de sua incorporação pela UNESP, até 2005. A obra se baseia em depoimentos orais colhidos pelo CEDEM – Centro de Documentação e Memória da UNESP, em seu projeto “Memória da Universidade”. 15 A fim de narrarmos esta versão da história, assumimos o papel de “arrador sucateiro”, que não tem por objetivo narrar os grandes feitos, mas sim apanhar tudo aquilo que fica à margem da História, tudo o que parece não ter importância, o que parece não fazer sentido, os pequenos detalhes, tudo o que escapou à história oficial. A tentativa é escavar uma versão soterrada pela versão hegemonicamente dominante. A partir da narrativa dos atores sociais envolvidos nesse trânsito de um campus para outro, buscaremos atribuir significado e compreensão das tramas constitutivas dos ressentimentos causados nas transferências dos professores e chefes de departamento durante a época da criação da UNESP, dando prioridade ao estudo de transferências em Departamentos de Matemática. As considerações acima nos levam a explicitar as perguntas nucleares da pesquisa: 1. Em quais campi ocorreu o trânsito de professores e chefes de departamentos durante o processo inicial de formação da UNESP? 2. De que maneira foram feitas essas transferências? 3. Quais as formas de ressentimento podemos constatar no discurso dos professores e chefes de departamentos transferidos nesse período? Nosso objetivo é construir o cenário histórico do trânsito de professores e chefes de departamentos durante o processo inicial de formação da UNESP, verificando desde as motivações políticas, a fim de saber entre quais campi estas transferências aconteceram e de que maneira foram feitas. Também tentar perceber algumas das múltiplas formas em que o ressentimento se metamorfoseia nos discursos dos professores e chefes de departamentos transferidos neste período. Nesse cenário histórico - desenhado e narrado a partir da recolha dos testemunhos orais dos sujeitos envolvidos que pertenciam aos departamentos transferidos de campus ou extintos, dos professores que foram obrigados a mudar de cidade devido à transferência de pessoal entre os vários campi - buscaremos atribuir significado às tramas constitutivas dos ressentimentos causados por esse trânsito obrigatório, bem como compreendê-las. 16 Os caminhos da pesquisa Este trabalho está dividido em quatro capítulos. No primeiro capítulo, procuramos contar uma parte do processo histórico da criação dos Institutos Isolados até sua transformação em UNESP. Tentamos cunhar o conceito do ressentimento e seus desdobramentos. Em seguida descrevemos os procedimentos próprios da História Oral utilizados nesta pesquisa: a escolha dos depoentes, a forma como se conduziu a entrevista, o tratamento dado aos depoimentos, o modo como foi feita a transcrição e a textualização dos depoimentos, a utilização do caderno de campo, entre outros. O segundo capítulo foi composto pelas textualizações das entrevistas realizadas. Ao todo foram colhidos catorze depoimentos, entre os quais havia professores, ex-professores – de Matemática e de outras áreas -, ex-chefes de departamento, ex-diretores de campus, exreitores pertencentes à UNESP. Os entrevistados são: Prof. Dr. Irineu Bicudo, Profª. Ms. Berenice Cresta Guardia, Profª. Drª. Lucila Maciel, Prof. Dr. Geraldo Perez, Prof. Ms. Clélio José Faggion Bellini, Prof. Dr. Amilton Ferreira, Prof. Dr. Cesar Basta, Prof. Dr. Francisco da Silva Borba, Prof. Dr. Ivo Machado da Costa, Profª Drª Celi Vasques Crepaldi, Prof. Dr. Luiz Ferreira Martins, Prof. Dr. Ruy Madsen Barbosa, Prof. Dr. Jorge Nagle e Profª. Drª. Maria Aparecida Viggiani Bicudo. No terceiro capítulo, tecemos um recontar da história da criação da UNESP, costurando e alinhavando o texto a partir das vozes dos depoentes juntamente com outras vozes colhidas pelo CEDEM, em particular os depoimentos dos professores da UNESP pertencentes ao campus de Presidente Prudente: Prof. Dr. Dióres Santos Abreu, Prof. Dr. Marcos Alegre, Profª. Drª. Thereza Marini, Profª. Drª. Rute Künzli, Prof. Dr. Armen Mamigonian, que também participaram desta história. O resultado foi um texto polifônico produzido a muitas mãos. O quarto capítulo é dedicado às conclusões finais e às percepções da pesquisadora durante o processo de realização deste trabalho e do recontar desta história. 17 Capítulo 1 - Primeiro movimento investigativo Os gregos contam que Teseu recebeu de presente de Ariadne um fio. Com esse fio Teseu se orientou no labirinto, encontrou o Minotauro e o matou. Dos rastros que Teseu deixou no vagar pelo labirinto, o mito não fala. (GINZBURG, 2007, p. 7) No período logo após a Segunda Guerra Mundial tornou-se necessário um processo de modernização do Brasil, devido ao novo cenário político e econômico. Para que isso acontecesse, foi implementado um plano de desenvolvimento econômico visando à industrialização do país. A expansão industrial de São Paulo1, durante esse período, foi muito grande, com taxas crescentes de atividade econômica. Na década de 1950, as cidades do interior de São Paulo apresentaram um progressivo êxodo rural e uma diversificação econômica envolvendo a industrialização, o desenvolvimento do setor terciário e novas atividades rurais subordinadas à indústria. A partir destas novas condições, criou-se a necessidade de novos tipos de serviços de apoio, como transportes, comunicações, finanças e uma rede de educação envolvendo os ensinos básico, médio, técnicoprofissional e também o superior. Nessa época, em razão de um aumento progressivo de vagas oferecidas no curso ginasial, houve a demanda de um maior número de professores capacitados para lecionar nos ginásios, portanto, um maior número de pessoas interessadas em prosseguir seus estudos em nível superior para suprir essa procura. Também nesse período, as ações que norteavam as políticas públicas caminhavam no sentido de “medidas como a interiorização do desenvolvimento e a industrialização pesada. Para tanto a educação se mostrava estratégica” (VAIDERGORN, 2003, p. 168). Esse foi o quadro sócioeconômico-político, em que surgiu a necessidade de se criarem diversas universidades no interior do Estado de São Paulo, entre elas, mas não somente2, as Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras – Institutos Isolados de Ensino Superior do Estado de São Paulo - FFCL–IIES, também chamadas de FAFI, Faculdade de Filosofia – que na época eram unidades universitárias situadas em diferentes pontos do interior paulista. Cada uma delas abrangendo diversas áreas do conhecimento e especialidades das mais variadas, situadas em cidades que, na época, eram importantes e se destacavam economicamente em sua região. 1 Um exemplo de um período de grande desenvolvimento industrial no Estado de São Paulo foi durante o primeiro governo de Adhemar de Barros, mais especificamente em seu Plano de Ação. Nele o item Educação constava de propostas para criação de universidades no interior do Estado. Adhemar de Barros foi prefeito da cidade de São Paulo (1957–1961), interventor federal (1938–1941) e duas vezes governador de São Paulo (1947–1951 e 1963–1966). Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 22/06/2010. 2 Ver tabela mais adiante. 18 Portanto, a criação das FFCL–IIES pode ser entendida a partir da convergência de diversas circunstâncias: demandas econômicas da época, necessidade de um processo de ampliação da rede escolar requerida pelo crescimento populacional dos centros urbanos do interior do Estado de São Paulo e o número reduzido de vagas para o ensino superior no Estado. O estudo de Dias (2004) explicita bem a questão dos alunos excedentes - alunos aprovados no exame seletivo que dava direito a ingressar na universidade, porém não classificados - na época: (...) No sistema de seleção vigente, o candidato, se atingia um determinado patamar no exame para o ingresso, era aprovado no sistema de seleção, mas, no entanto, a aprovação não garantia o acesso, considerando a possibilidade de falta de vagas. No mesmo período, o número de excedentes das escolas superiores cresceu 212%, sendo o número absoluto de excedentes igual a 125 mil em todo o país. (DIAS, 2004, p. 70). Acrescidas a isso existiam, também as solicitações das comunidades, das lideranças municipais, dos prefeitos que requeriam a instalação de uma faculdade pública e gratuita em sua cidade ou na região para os jovens que concluíam o ensino secundário e não tinham condições financeiras de se manter em São Paulo ou em outra cidade para poder frequentar outras universidades fora do Estado. Havia a preocupação dos pais em enviar suas filhas para a capital a fim de terminarem seus estudos, longe da proteção e do cuidado da família. Portanto havia a necessidade de se criarem cursos superiores na cidade ou na região a fim de atender esta clientela. Para que essas faculdades passassem a existir, houve uma série de negociações políticas entre governo, legislativo e prefeituras objetivando a criação de leis que assegurassem seu surgimento. Desse modo, a criação de Institutos de Educação Superior no interior do Estado passou a ter uma conotação política, pois sua escolha seria uma premiação para a cidade. A escolha do local de sua criação passou a ter raízes na força política local e com foco em interesses eleitoreiros, isto é, um deputado da região, às vésperas de uma eleição ou cumprindo um compromisso eleitoral, prometia uma faculdade para a cidade. Normalmente, era o deputado que considerava importante para seu prestígio eleitoral ter uma faculdade em sua região ou cidade como demonstração de sua força política. De acordo com o estudo de Vaidergorn “(...) até a promulgação da Lei nº 4.024/613, o número de Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras criadas no país foi o maior entre todos os demais estabelecimentos (cerca de 84), sendo o número de instituições particulares superior ao das públicas”. (VAIDERGORN, 2003, p. 169). O alto número de criação das FFCL no interior de São Paulo em caráter de emergência foi incentivado pela necessidade e anseio de qualificação profissional da população que procurava principalmente suas licenciaturas. Porém muitas destas Faculdades acabaram desaparecendo. Exemplos disso são: a Faculdade de Farmácia e Odontologia de São José do Rio Preto, a Escola de Enfermagem em Santo André, a Faculdade de Medicina em Bauru, entre outras. 3 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 19 Ao assumir o governo do Estado de São Paulo, Carvalho Pinto4 dirigiu sua política no sentido de não criar mais nenhum Instituto Isolado, mas fortalecer e equipar os já existentes destinando boa parte das verbas para a Educação. Foram realizados estudos diagnósticos a respeito do estado em que se encontravam estas instituições. Em um item sobre os Institutos Isolados, consta na proposta de Carvalho Pinto, em seu plano setorial - Investimentos para a melhoria das condições do homem: (...) considera o Governo do Estado necessária uma assistência direta aos Institutos Isolados do Ensino Superior no sentido de proporcionar-lhes as condições indispensáveis ao cumprimento efetivo das suas finalidades nos níveis exigidos pela cultura e pela responsabilidade de São Paulo. De acordo com os estudos procedidos, quase todos esses institutos ressentem-se de deficiência de espaço, instalações e equipamentos que devem ser condignamente atendidas pelo Plano de Ação do Governo. O custo dos investimentos em construções, instalações e equipamentos será de 640 milhões de cruzeiros, a preço de 1959. (DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO, 1983, p.51). Entre as FFCL que acabaram por se solidificar, havia características específicas que as diferenciavam, como a dedicação exclusiva de seus professores com o trabalho de docência, pesquisa e extensão universitária. Relacionados na tabela a seguir estão os Institutos Isolados do Ensino Superior do Estado de São Paulo que posteriormente, em 1976, viriam a compor a UNESP5, bem como discriminado seu ano de criação, ano de instalação, autor do projeto de criação, autor do projeto de instalação, o primeiro diretor e os primeiros cursos de cada unidade. 4 Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto formou-se em direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Exerceu o cargo de Secretário das Finanças do município de São Paulo em 1953 e, entre 1955 e 1958, foi Secretário da Fazenda quando Jânio governou o Estado de São Paulo. Foi o 19º governador do Estado de São Paulo e seu governo, que decorreu de 1959 a 1963, orientou-se pelas diretrizes delineadas no seu PAGE (Plano de Ação do Governo do Estado). Foi o primeiro governador a estabelecer um planejamento orçamentário dos vários setores da administração pública. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 22/06/2010. 5 Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, UNESP. 20 Institutos Isolados do Ensino Superior do Estado de São Paulo Ano de criação Ano de instalação Autor do projeto de criação Autor(es) do projeto de instalação Primeiro diretor Faculdade de Farmácia e Odontologia de Araraquara 1923 1923* Bento de Abreu Sampaio Vidal (Vereador) - Pedro Monteiro da Silva Faculdade de Odontologia de Araçatuba 1954 1960** PlácidoRocha (Vereador) Carlos Aldrovandi Francisco Degni Paulo Artigas Carlos Aldrovandi Odontologia Faculdade de Odontologia de São José dos Campos 1954 1957 - Carlos Aldrovandi Francisco Degni Paulo Artigas Cervantes Jardim Odontologia Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara 1957 1959 Scalamandré Sobrinho Paulo Fonseca Paulo Fonseca Faculdade de Ciências e Letras de Assis 1957 1959 José Santilli Sobrinho (Deputado estadual) Antonio Augusto Soares Amora Antonio Augusto Soares Amora Faculdade de Ciências e Letras de Presidente Prudente 1957 1959 Márcio Porto (Deputado estadual) Joaquim Alfredo da Fonseca Joaquim Alfredo da Fonseca Geografia Pedagogia Matemática Ciências Sociais Faculdade de Ciências e Letras de Rio Claro 1957 1959 João Dias da Silveira João Dias da Silveira Geografia Pedagogia Matemática História Natural Faculdade de Ciências e Letras de São José do Rio Preto 1955 1957*** Raphael Grisi Raphael Grisi História Natural Letras Pedagogia. Faculdade de Ciências e Letras de Marília 1957 1959 José Santilli Sobrinho José Querino Ribeiro Michel Pedro Sawaya Faculdade de Ciências e Letras de Franca 1962 1963 Onofre Sebastião Gosuen (Deputado estadual) Alfredo Palermo Alfredo Palermo História Pedagogia Letras História Geografia Pedagogia Letras Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu 1962 1963 Governo do Estado de São Paulo Zeferino Vaz Mário Rubens G. Montenegro Medicina Ciências Biológicas Faculdade de Medicina Veterinária e Agronomia de Jaboticabal 1964 1966 José Carolo (Deputado estadual) Jesus Mário dos Santos Jesus Mário dos Santos Agronomia Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá 1964 1966 Armando Zolner Machado (Deputado estadual) Marco Antonio Guglielmo Cecchini Lino Guedes Engenharia Mecânica Faculdade de “Maestro Julião” 1974 1976 - - A. Rabaçal Música FACULDADE Música Maurício dos Santos e José Felício Castellano (Deputados estaduais) Aloysio Nunes Ferreira**** (Deputado estadual) Primeiros cursos Farmácia Odontologia Letras Pedagogia Letras * Criada como instituição particular, com forte apoio municipal, foi estadualizada em 22/01/1955 como Instituto Isolado do Ensino Superior. ** Estadualizada em 1955. *** Criada como instituição municipal em 1955 (o autor do projeto apresentado à Câmara Municipal foi o Prof. Daud José Simão) e posteriormente estadualizada como IIES (1957). **** Autor do Projeto de estadualização da faculdade municipal. Fonte: (DIAS, M. T., 2004, p. 104 e 105). 21 O processo de criação dos Institutos Isolados seguia um roteiro mais ou menos comum e contou, segundo palavras de Vaindergorn, com “um poderoso componente de apadrinhamento político” (VAIDERGORN, 2003, p. 181). Esta criação podia acontecer por meio de iniciativa municipal, que em seu surgimento muitas vezes já carregava a intenção de ser posteriormente estadualizada, ou também podia iniciar como faculdade pública estadual, por intermédio da proposta feita por deputados estaduais. “O parlamentar propunha um projeto de lei para a criação de uma faculdade, e o projeto, se fosse aprovado nas comissões legislativas e na votação em plenário, era aprovado ou vetado (o mais provável) pelo governador, uma vez ouvida a instância consultiva (CEES6)”. (VAIDERGORN, 2003, p. 180). Exemplo disso foi a criação, em 1955, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São José do Rio Preto7, pelo Decreto Municipal nº 249, de 25/8/1955, projeto apresentado pelo Prof. Daud José Simão. O Decreto Federal nº 41.061, de 27/02/1957, autorizou seu funcionamento. Neste mesmo ano, foi sancionada a Lei Estadual nº. 3884, que transformou a FAFI em um Instituto Isolado de Ensino Superior, projeto apresentado pelo Deputado Estadual Aloysio Nunes Ferreira. Somente em 1959 é que o patrimônio da FAFI, que antes pertencia à Prefeitura Municipal, foi doado ao Estado. Também encontramos argumentos que reforçam essa mesma ideia no depoimento, concedido ao CEDEM, do Professor Doutor Miguel Russo, que foi um dos primeiros professores a fazerem parte do quadro docente da Faculdade de Odontologia de Araçatuba: (...) Os cursos foram criados, naquela época e acredito que ainda hoje, por questões políticas. Não existia preocupação de pesquisa para se saber que tipo de curso deveria ser aberto e em que região do Estado de São Paulo. Existia, isso sim, o interesse político em atender diversas localidades que, naquela época, estavam desesperadas para terem escolas superiores nas suas cidades. Aqui em Araçatuba houve uma disputa muito grande pela instalação de uma escola superior. Em meados da década de 1950, havia um pessoal que batalhava pela criação de uma Faculdade de Filosofia, queria muito formar professores, inclusive porque esse pessoal tinha filhas e achava que as meninas tinham que estudar para serem professoras, era o curso ideal para as jovens da época. Mas o então governador, Jânio Quadros, mandou o seguinte recado: ‘Eu vou atender aos políticos da região de Araçatuba, mas quero montar uma Escola de Odontologia. Se interessar para eles muito bem, se não interessar, nada feito’. Houve então uma discussão muito grande por aqui. (Depoimento do Prof. Dr. Miguel Russo, concedido ao CEDEM, In: DIAS, 2004, p. 102) Todas as cidades escolhidas para sediar os Institutos Isolados estavam entre aquelas situadas em posição-chave no desenvolvimento regional, com altas taxas de crescimento populacional e de participação nas atividades econômicas. Estas cidades tinham em comum a presença da linha férrea. “Não é apenas coincidência que a importância regional de tais cidades esteja de acordo com a rota 6 CEES – Conselho Estadual de Ensino Superior (Lei 2.956, de 20 de janeiro de 1955), composto por membros de Conselho Universitário da USP e dos primeiros diretores das FFCL – IIES. 7 Para maiores informações sobre este assunto, consultar a entrevista concedida por Aloysio Nunes Ferreira, disponível em CORRÊA (1995). 22 (oeste paulista) e o meio de transporte (trem) relacionados com a atividade econômica privilegiada na época”. (VANDERGORN, 2003, 126). Mesmo depois de estabelecidas as FFCL–IIES passavam por vários problemas, como a falta de autonomia e de verba; a descentralização da administração; as questões burocráticas; dificuldades de aceitação pela comunidade acadêmica da época; o sentimento de isolamento intelectual; infraestrutura inadequada, como, por exemplo, prédios sem condições mínimas para o funcionamento e ausência de laboratórios e bibliotecas especializadas; problemas relativos à formação acadêmica do corpo docente e também a distância de cada Instituto Isolado da capital, onde se encontrava a sede do governo do Estado. Paralelamente a todo o problema enfrentado pelas FFCL – IIES, estava ocorrendo, num contexto mais geral durante a década de 1960, um debate nacional sobre a necessidade de uma reestruturação da Educação no Brasil, e, em especial, no ensino superior, culminando em uma série de mudanças que viriam a se concretizar na Reforma Universitária ocorrida em 19688. Muitos autores9 apontam que o teor das mudanças realizadas, assim como o conteúdo das ideias veiculadas na Reforma de 1968, tiveram uma clara inspiração na cultura americana no que diz respeito ao funcionamento de instituições, já que se tentava introduzir uma mentalidade empresarial no ensino público superior do Brasil. As transformações ocorreram no sentido de subordinar as universidades às grandes empresas, cujos recursos seriam canalizados para a criação de cursos formadores de técnicos, segundo suas necessidades e interesses. Eram mudanças estruturais que iam ao encontro do cenário econômico vivido no país e serviam como mecanismo de controle, necessário ao governo em tempos de Ditadura Militar, já que ajudava a frear o avanço político do movimento estudantil, na medida em que desestruturava as antigas faculdades de filosofia que tinham intensa participação política na vida do país. Segundo os princípios pautados na racionalidade técnica10 que foram os norteadores da reforma de 1968, A educação superior deveria ter objetivos práticos e adaptar seus conteúdos às metas do desenvolvimento nacional. O sistema de ensino superior não poderia continuar atendendo a um público restrito, tal como vinha acontecendo. Propunha-se assim sua expansão, assinalando, no entanto, a falta de recursos financeiros, o que levou à introdução do princípio da expansão com contenção, que seria reiterado pela política educacional. O objetivo a ser alcançado era obter o máximo de atendimento da 8 Em 1968, o Congresso Nacional aprovou a Reforma Universitária pela Lei n° 5.540, de 28/11/68, fixando normas de organização e funcionamento do ensino superior, no qual foram criadas condições para que determinadas instituições passassem a articular as atividades de ensino e de pesquisa; foram instituídas as licenciaturas curtas (Ciências e Estudos Sociais); propôs-se a organização das escolas isoladas preferencialmente em universidades ou federações universitárias e, nelas, a não duplicação de meios para fins idênticos; aboliramse as cátedras vitalícias; introduziu-se o regime departamental, as matrículas por disciplinas, sistema de créditos; utilização máxima das vagas existentes; ingresso por área do conhecimento; institucionalização da carreira acadêmica DIAS (2006). 9 Para maior aprofundamento sobre o assunto, consultar MARTINS (2009), CUNHA (1988) e DIAS (2004). 10 Entendemos por racionalidade técnica as ligações estabelecidas entre ciência e técnica, pautada nos interesses do capital, que transforma os mundos do trabalho e da vida. É a razão em detrimento da subjetivação, ou seja, a coisificação das relações. 23 demanda com o menor custo financeiro. A reformulação do ensino superior deveria pautar-se por uma racionalização dos recursos e orientar-se pelo princípio de flexibilidade estrutural, evitando a duplicação de meios para as mesmas finalidades acadêmicas. (MARTINS, 2009, p. 20. Grifos feitos pelo próprio autor) Em certo sentido a universidade deveria passar a ser entendida e considerada como uma empresa cuja finalidade seria a de produzir ciência, técnica e cultura, porém sempre de acordo com as características das sociedades industriais que atendem a critérios econômicos e têm como seus mais importantes pilares a racionalidade no processo de produção: atingir o mais alto grau de eficiência e produtividade pelo menor custo. Seguindo esses critérios norteadores e, após várias tentativas11 de organização administrativa, padronização e normatização entre as unidades das FFCL-IIES pelo Estado, também consequência da adequação destas faculdades à Reforma Universitária de 1968, e sem que se conseguisse uma solução efetiva, o problema dos Institutos foi se protelando. Em 1975, logo após o início do mandato do Secretário da Educação, José Bonifácio Coutinho Nogueira, durante o governo de Paulo Egydio Martins12, houve a necessidade de uma definição do “que fazer” com os Institutos, que faziam parte – pelo organograma do governo – da Secretaria da Educação, e o assunto foi abordado: Algumas colocações aparecem, sempre com o apoio de grupos organizados; uma delas era deixar tudo como estava, quer dizer, Institutos Isolados se entenderiam diretamente com o secretário, discutiriam as verbas e as nomeações com o secretário. Então, faríamos uma política do secretário, fortalecendo-o perante uma estrutura partidária, digamos assim, uma máquina de compensação, de negociação política. Essa era uma proposta de solução. A outra era tirar os Institutos Isolados da Secretaria e deixá-los autônomos mesmo, o que talvez tenha sido até motivado pela origem histórica: cada escola teria acesso direto ao governo e cada um tinha o seu próprio padrinho, que seria o seu padrinho político que tinha criado a escola, sendo certo que os Institutos, cada um per si, teriam acesso ao governador. Quando cheguei à Secretaria, os despachos vinham do Palácio, era tudo resolvido lá. E a terceira proposta, que foi aquela que levou a minha preferência, foi-me trazida pela 11 A tentativa de interação entre os Institutos, buscando vencer o isolamento, aconteceu desde que foram colocados em funcionamento. Em 1959 foi criado o Serviço dos Institutos Isolados de Ensino Superior, que era encarregado de manter a circulação de documentos e informações entre eles. Em 1963 foi criada a Câmara de Ensino Superior – CEE - numa tentativa de concentrar a administração e estabelecer procedimentos comuns entre os Institutos. Outra iniciativa importante foi a reforma administrativa de 1967, durante o governo de Abreu Sodré, que alocou os Institutos Isolados diretamente na Secretaria de Educação com a criação da CASES – Coordenação de Administração do Sistema de Ensino Superior. Posteriormente, em 1969, a CASES transformou-se em Coordenadoria do Ensino Superior do Estado de São Paulo, CESESP, devido à necessidade de uma nova reforma administrativa. A CESESP foi o embrião da futura UNESP. A ideia era integrar estas escolas em Universidades Regionais. DIAS (2006). 12 Paulo Egydio Martins foi o décimo segundo Governador do Estado de São Paulo. Eleito indiretamente durante o governo de Ernesto Geisel, pelo então colégio eleitoral estadual, exerceu o cargo de 15/03/1975 a 15/03/1979. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 22/06/2010. 24 Maria de Lourdes Mariotto Haidar13, que era uma inteligência muito acima da média da época e que sugeriu, para meu exame, fazer uma universidade; uma universidade policampi. (Depoimento de José Bonifácio Coutinho Nogueira, In: CORRÊA, 2002. Grifos nossos) E essa proposta de solução para os Institutos Isolados acabou por se concretizar. A criação da UNESP se deu através da Lei 952, em 30 de janeiro de 1976, uma universidade policampi, cujo formato diferenciado era único no Brasil. Com o ato de criação da UNESP, houve a necessidade de reestruturar suas unidades, até com a intenção de adequar a estrutura antiga de Institutos Isolados à da nova Universidade, atendendo às exigências da Reforma Universitária de 1968. Para Dias, os critérios de mudança estabelecidos foram: A reestruturação da Universidade dever-se-ia basear, inicialmente, na divisão do Estado de São Paulo em regiões, considerando a área total ocupada pelos Institutos, a população, as atividades econômicas, bem como pelo critério de áreas do conhecimento e não de cursos oferecidos. Tanto nesse processo quanto na futura expansão da UNESP, não seriam admitidos na mesma região, “duplicação de meios para o mesmo fim, buscando sempre a aglutinação de recursos humanos e concentração de investimentos” (DIAS, 2006, p. 41-42. Grifos nossos). Uma das medidas tomadas para essa adequação foi acatar a Portaria n. 790/74 do Ministério da Educação que instituía os ciclos básicos e as licenciaturas curtas, criando o curso de Estudos Sociais a fim de substituir os cursos de História, Geografia, Filosofia e Ciências Sociais. Instituiu também a Licenciatura em Ciências para substituir os cursos das áreas de Matemática, Física, Química e Biologia. Na opinião de Dias, Na área de Ciências Humanas, a medida foi recebida com grande indignação, considerando a forte inferência política que o regime militar procedia nos domínios próprios da ciência, reorientando conteúdos, divulgando princípios, restringindo enormemente o raio de atuação dos cursos e disciplinas originais. (DIAS, 2006, p. 45) Outra ideia que acabou por direcionar as mudanças estruturais da nova Universidade foi a criação de Centros de Excelência regionais, pensados a partir das vocações já consolidadas apresentadas por algumas das unidades que compunham a UNESP em determinadas áreas específicas do conhecimento. Atrelada a isso havia outra proposta vigente na época: “massa crítica mínima de especialistas em determinado campo” (DIAS, 2006, p. 47). Exemplo da aplicação direta destas ideias foi a extinção do curso de Pedagogia de determinados campi considerados muito próximos, e a reunião desses cursos nos campi de Araraquara e Marília, escolhidos para tornarem-se Centros de Excelência em Educação. 13 A Profª Drª Maria de Lourdes Mariotto Haidar é bacharel e licenciada em Pedagogia e em Filosofia pela FFCL da USP. Mestre e Doutora em Educação pela USP. Docente aposentada da USP. Foi Assessora Técnica do Reitor da UNESP e Secretária Geral da UNESP. Presidente do Conselho Estadual de Educação de São Paulo, entre 1979 e 1981, e Coordenadora da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas da Secretaria de Estado da Educação, de 1977 a 1982, presta assessoria à Fundação de Amparo à Pesquisa (FAPESP). Na época da criação da UNESP, a professora era Coordenadora da CENP e interlocutora de confiança do Secretário de Educação José Bonifácio Coutinho Nogueira. 25 A nova Universidade contava com várias dificuldades. Segundo alguns autores14, como não houve nenhum planejamento prévio durante a criação das FFCL-IIES, todos os antigos problemas anteriormente descritos dos Institutos Isolados foram herdados na criação da UNESP. Além dos citados, esta instituição enfrentou outros obstáculos, pois ainda não havia verba estabelecida; era complicada do ponto de vista geográfico - já que as unidades eram espalhadas pelo interior do Estado de forma desordenada15 - havia faculdades com determinado curso em excesso, ficando dois ou três cursos muito próximos uns dos outros, bem como unidades muito próximas. A consequência direta destas ações foi que em alguns campi houve pressão para agrupar algumas cadeiras; foram criados novos cursos e fechados outros; houve transferência de curso entre os campi, isto é, departamentos inteiros removidos de um campus e absorvidos em outro, implicando em transferência de pessoal. Com o intuito de não desagradar a estrutura política já existente, a administração inicial preferiu não fechar nenhuma unidade e nem mexer na localização das faculdades existentes. 14 Ver CORRÊA (2006), DIAS (2004), DIAS (2006). Encontramos, durante o desenvolvimento desta pesquisa e durante nosso Exame de Qualificação, uma vertente de pensamento que defendia que a escolha das cidades onde foram criados os Institutos Isolados havia sido premeditada e fazia parte de um plano previamente arquitetado, distribuindo os Institutos Isolados estrategicamente pelo interior do Estado de São Paulo. Este não é objeto de nosso estudo, porém, ao nos debruçarmos sobre este assunto a fim de esclarecer este ponto em específico, não conseguimos encontrar nada na literatura que pudesse apoiar esta vertente de pensamento. Como a dúvida ainda pairasse e, na tentativa de que este ponto fosse devidamente esclarecido, entramos em contato telefônico com o Prof. Dr. Celso Monteiro Lamparelli, Supervisor do Programa de Educação do PAGE - Plano de Ação do Governo do Estado - durante o mandato do Governador Carvalho Pinto (1959 a 1963). Ele nos deu informações que coadunavam com a linha de pensamento que encontramos descrita na literatura sobre este assunto: havia uma ação no sentido de que se interiorizasse o Ensino Superior no Estado de São Paulo, porém não havia nenhum planejamento prévio quanto à escolha das cidades onde os Institutos Isolados foram alocados. 15 26 No mapa de nossa autoria, podemos verificar a distribuição territorial no Estado de São Paulo dos Institutos Isolados que viriam a tornar-se unidades universitárias a fim de compor a UNESP em 1976: São Bernardo do Campo Unidades universitárias que compunham a UNESP em 1976. Entretanto, uma das grandes dificuldades desse processo inicial foi a transferência de professores entre os campi, já que alguns cursos haviam sido remanejados e outros até extintos. Segundo José Bonifácio Coutinho Nogueira, este era um ponto delicado e difícil na execução de todo o projeto de criação da UNESP: [...] E depois teria, sob o ponto de vista humano, o problema das transferências humanas. Pegar uma geração inteira de professores e trocar tudo de lugar, é para uma geração inteira, é meio bravo, todos têm filhos, todos têm estudo, têm uma vida organizada e, de repente, por decreto, sai daqui, vai para lá só porque um político, cuja memória logo sai do mapa, assim quer? (Depoimento de José Bonifácio. In: CORRÊA, 2002). Comparando os dados do quadro abaixo, podemos ter a exata dimensão da reestruturação administrativa realizada nos então Institutos Isolados a fim de que se transformassem em campi e 27 Unidades Universitárias da UNESP. As informações contidas neste quadro também nos revelam quais cursos foram extintos e quais permaneceram em suas unidades. Institutos Isolados, campi e Unidades Universitárias da UNESP e seus respectivos cursos (Quadro comparativo 1975 – 1977) FFCL-IIES em 1975 Fonte: (CORRÊA, 2006, p. 51). UNESP EM 1977 28 Institutos Isolados, campi e Unidades Universitárias da UNESP e seus respectivos cursos (Quadro comparativo 1975 – 1977) FCL-IIES em 1975 UNESP EM 1977 Fonte: (CORRÊA, 2006, p. 52). Ao todo foram extintos catorze cursos. Os campi mais prejudicados foram os de Marília e Assis, por sua proximidade geográfica e semelhança entre os cursos oferecidos em seus campos de conhecimento. Destacou-se a reestruturação ocorrida no campus de Botucatu, que passou a contar com quatro institutos. A área em que ocorreram as maiores mudanças foi nos departamentos de Pedagogia, que acabaram por serem extintos em várias faculdades, talvez por ser o curso mais numeroso e mais 29 populoso dos antigos Institutos Isolados e também pelo surgimento dos Centros de Excelência em Educação nos campi de Marília e Araraquara. Conforme a tabela acima, a FFCL Araraquara juntou-se à Faculdade de Farmácia e Odontologia de Araraquara, formando um campus complexo16 dividido em quatro institutos: Faculdade de Odontologia, Faculdade de Ciências Farmacêuticas, Instituto de Letras, Ciências Sociais e Educação e o Instituto de Química. Durante sua reestruturação, com a criação da UNESP, conseguiu conservar e adaptar quase todos os cursos que possuía anteriormente, menos o curso de Matemática, que foi extinto. A FFCL de Assis foi organizada no Instituto de Letras, História e Psicologia. Com isso perdeu os cursos de Filosofia e História, que foram incorporados no curso de Estudos Sociais, atendendo às normas da Reforma Universitária de 1968. A unidade de Franca, durante sua reestruturação, organizou-se no Instituto de História e Serviço Social. Foram extintos os cursos de Letras e Pedagogia, e os de História e Geografia foram incorporados no curso de Estudos Sociais. Foi criado o curso de Serviço Social. A unidade de Marília foi organizada na forma de Faculdade de Educação, Filosofia, Ciências Sociais e da Documentação. Extinguiram-se os cursos de Ciências e Letras, porém foram criados os cursos de Filosofia e Biblioteconomia. Os cursos de Ciências Sociais e História foram incorporados no curso de Estudos Sociais. Presidente Prudente organizou-se na forma de Instituto de Planejamento e Estudos Ambientais. Foram extintos os cursos de Ciências e Pedagogia, porém foi criado o curso de Planejamento Ambiental. O curso de Ciências Sociais foi incorporado ao de Estudos Sociais. A FFCL de Rio Claro, outro campus complexo, passou a contar com dois institutos: Instituto de Biociências e Instituto de Geociências e Ciências Exatas. Foram extintos os cursos de Ciências Sociais, Ciências e Pedagogia, mas foi criado o curso de Ecologia. A FFCL de São José do Rio Preto organizou-se na forma de Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas. Foram extintos os cursos de Ciências e Pedagogia. A Faculdade de Odontologia de Araçatuba passou a se chamar Faculdade de Odontologia, campus de Araçatuba. Não perdeu nenhum curso. A Faculdade de Odontologia de São José dos Campos transformou-se em Faculdade de Odontologia, campus de São José dos Campos, e também não perdeu nenhum curso. A Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá tornou-se Faculdade de Engenharia, campus de Guaratinguetá. Não perdeu nenhum curso. A FCMB de Botucatu, um campus complexo, organizou-se da seguinte forma: Faculdade de Medicina, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Faculdade de Ciências Agronômicas e 16 É chamado de campus complexo o campus onde existe mais de um instituto. 30 Instituto Básico de Biologia Médica e Agrícola. Não perdeu nenhum curso e passou a contar com o curso de Zootecnia. A FMVA de Jabuticabal passou a chamar-se Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias. Não perdeu nenhum curso. A Faculdade de Música recebeu o nome de Instituto de Artes do Planalto, campus São Bernardo do Campo. Não perdeu nenhum curso. Caso especial foi a criação do campus de Ilha Solteira a partir da anexação das instalações da CESP logo após a construção da Hidroelétrica de Urubupungá, localizada no oeste paulista. O governo decidiu aproveitar a infraestrutura, montada com o fim de alojar operários e técnicos contratados durante a construção da usina, para instalar uma nova unidade da UNESP. Foi criada neste campus a Faculdade de Engenharia, contemplando os cursos de Engenharia Elétrica, Engenharia Civil e Engenharia Mecânica. Todo esse processo de reestruturação da universidade não foi discutido a priori com a comunidade acadêmica. Em nenhum momento a classe dos estudantes ou a dos docentes puderam participar das discussões acerca deste assunto, nem foram consultados. Todas as decisões foram tomadas nas altas esferas políticas, e as ações para se efetivar tal reestruturação foram impostas. Para Corrêa, que reflete o sentimento de boa parte da opinião pública, “A própria criação da universidade, que poderia ser vista como a coroação dos esforços criativos dos Institutos Isolados, resultou de uma imposição, característica do período17, afastando qualquer participação mais democrática” (CORRÊA, 2006, p. 32). Contudo, pode-se perceber que a visão do então reitor Prof. Dr. Luiz Ferreira Martins era diferente: Quando se propõem mudanças, alterando a vida de muitas pessoas, é difícil, mas havia de se colocar o problema como decidido. Nesse período, o ambiente era complicado: vivia-se no regime ditatorial, e a reação a qualquer proposta, aparentemente imposta, era sempre de rejeição, em especial no âmbito universitário. Continuamos a acreditar que não erramos. Acreditamos, sim que não haveria outra forma para se criar a universidade. (Depoimento do Prof. Dr. Luiz Ferreira Martins, concedido ao CEDEM, In: CORRÊA, 2006, p. 66. Grifos nossos). Tão logo o processo foi deflagrado e instituído, houve tumultos, protestos e muita revolta. Os docentes mobilizaram-se por meio da ADUNESP18, publicando textos e organizando manifestações em repúdio às ações tomadas, envolvendo estudantes e a comunidade. Muitos textos foram publicados na imprensa na época, houve várias manifestações de políticos locais, porém não havia grandes possibilidades de reverter a situação. Foram tentativas de resistência que, dado o regime em que o país se encontrava, não podiam tomar vulto. As ações empregadas pelos tecnocratas para a organização inicial e formação da UNESP, isto é, a remoção de professores, coordenadores de curso e chefes de departamento cujos cursos foram extintos ou remanejados para outro campus, obrigando estas pessoas a mudarem de cidade e 17 18 A autora aqui se refere ao período de Ditadura Militar que vigorava na época no Brasil. Associação de Docentes da UNESP. 31 reorganizarem completamente suas vidas e de seus familiares, tendem a ser um poderoso provocador de ressentimentos por parte dos indivíduos potencialmente inferiorizados, ou seja, professores, coordenadores de curso e chefes de departamento transferidos. Eles formavam um grupo que se sentia injustiçado e não tinha o poder, ao menos no momento, de reagir contra o grupo hierarquicamente dominante do Estado. Usaremos aqui o termo ressentimento não como é usualmente encontrado no senso comum, que por vezes é sinônimo de rancor e de mágoa, que diz respeito a um indivíduo que sofreu os efeitos de um dano, abalo ou moléstia. Tentaremos cunhar este conceito a partir dos textos de alguns autores19 que já se debruçaram sobre a questão do ressentimento e de seus desdobramentos. O tema ressentimento ocupa um lugar de destaque na filosofia de Nietzsche. Foi ele o filósofo que desvendou este conceito articulando-o aos valores morais cunhados pelo pensamento judaicocristão. Segundo este autor, o homem, para conseguir sobreviver racionalmente às tragédias e às dores de sua existência, se refugiou nas ilusões consoladoras da metafísica pregadas pelo cristianismo. De modo geral, aquele que seguir esta doutrina é capaz de dar sentido à existência humana no mundo e responder às questões de ser do homem, que tanto o angustiam. A religião satisfaz uma necessidade de amparo e autoridade à qual muitos homens não querem renunciar. Ela cria um mundo ilusório em que o homem deve renegar a todas as formas de bem-viver, onde ele deve aceitar pacificamente as dores a ele impingidas, o domínio dos mais fortes, as tragédias, as injustiças, a dor da finitude, o medo da morte e todos os malefícios a ele impostos, tudo em nome da felicidade eterna que ele só alcançará após o término de sua vida. Um dos grandes pilares da doutrina cristã é a infinita bondade de Deus, o que não alivia a culpa do cristão, mas cria uma dívida impossível de se pagar nesta vida, instalando a culpa em seu adepto, o que o enfraquece. Para conseguir os benefícios desta promessa e a certeza de que alcançará as benesses advindas do paraíso, o homem deve respeitar os preceitos, seguir as regras e obedecer à moral religiosa, que acabam por dominá-lo, tornando-o manso e manipulável. Os valores morais que predominam hoje na sociedade moderna ocidental foram criados com base no pensamento judaico-cristão, a partir da aliança entre a Igreja e o Estado que se impõe por meio da tutela e da coerção, reprimindo os impulsos humanos em troca da proteção aos indivíduos e exercendo seu domínio sobre eles. Segundo Nietzsche (2009), o Estado talvez seja a mudança mais profunda que a humanidade produziu, pois é uma invenção humana cujas funções são: promover segurança e justiça, monopolizando os meios para o exercício da violência, de modo a garantir a convivência pacífica em sociedade, intermediar a resolução de conflitos entre os cidadãos, mas também torná-los mais fáceis de serem manipulados. É destinado a impor regras e cuidar para que sejam cumpridas, vigiar os cidadãos, puni-los a fim de civilizá-los tornando-os, deste modo, cidadãos passivos, cordatos, dependentes de proteção e temerosos de castigo. E só consegue seus objetivos inibindo os impulsos vitais dos indivíduos por meio da força e do medo inculcando-lhes o sentimento 19 Como, por exemplo, NIETZSCHE (2009), SCHELER (1998), MERTON (1965), ANSART (2001), entre outros que mais adiante serão citados. 32 de culpa, para enfraquecê-los e transformá-los em massa de manobra. A força coerciva do Estado sobre os homens, até então nômades e livres, desvalorizou a força dos instintos produzindo sua interiorização progressiva, até que os instintos vitais de dominação e destruição passassem a se voltar contra os próprios homens, gerando culpa e má consciência. “Todos os instintos que não se descarregam para fora voltam-se para dentro – isso é o que eu chamo de interiorização do homem: é assim que no homem cresce o que depois se denomina sua ‘alma’ ”. (NIETZSCHE, 2009, p. 73. Grifos feitos pelo próprio autor). Neste processo há um ganho de civilidade em detrimento da perda da autonomia. O homem civilizado, para Nietzsche, é um eterno culpado e doutrinado a servir aos valores morais em que é levado a acreditar. Quanto mais se submete à sua “força dos instintos” e a desvaloriza, mais ele se enfraquece e se entrega à obediência moral de sacerdotes e autoridades. O Estado moderno transformou os bárbaros guerreiros em cidadãos, apassivou e enfraqueceu os indivíduos sob a proteção de suas instituições que acabaram por perder a vontade e a coragem de lutar, submetendo-se a ele voluntariamente. Segundo Ansart, o pensamento de Nietzsche, no que diz respeito ao ressentimento, é que, Historicamente, o ressentimento seria o resultado longínquo de um conflito, de uma ação conduzida, no início de nossa era, pela religião judaico-cristã contra os guerreiros aristocratas, que possuíam o privilégio de poder exprimir livremente e realizar sua vontade de poder no exercício de sua dominação. (ANSART, In: Bresciani, Naxara, 2001, p.16, grifos nossos). O forte é representado pela figura do guerreiro aristocrata, um tipo mais elevado de homem, aquele que por vezes pode ser chamado de fera, pois não se curva, não é dominado, mas sim domina. Ele se impõe não pela força bruta, mas pela força psíquica. O tipo aristocrata aceita de boa consciência o sacrifício de um tanto de escravos que devem ser oprimidos e reduzidos a seres incompletos já que devem servir de base e apoio para que o tipo senhorial consiga se erguer e cumprir sua missão de ser superior numa ação afirmativa da vida, em que não há lugar para a culpa. Ele tem este tipo de atitude tão somente porque vive e sabe que a vida é plena de vontade de poder, por isso não existe a má consciência em seus atos. É uma espécie de herói segundo o modelo de aristocracia antiga. Em contraposição ao forte, teríamos a figura do escravo, o fraco, que não tem uma ação afirmativa para com a vida, que, por sua fraqueza sentimentalista, por não saber impor suas vontades e seu desejo, merece continuar a se sujeitar, a ser dominado e explorado pelo forte. Segundo esse pensamento, todos os valores são invenção do homem, mas nem sempre impostos pelos mais fortes aos mais fracos. Muito pelo contrário, a moral é invenção dos derrotados, sua única arma contra os fortes, pois, através das regras dos valores morais cristãos, os fortes deveriam se tornar tão mansos e bons quanto os fracos, haveria uma situação de igualdade entre os homens, o que acabaria com a situação de dominação e imposição. Nietzsche construiu uma crítica à moral que prevalece no ocidente. Ela tem origem platônicojudaico-cristã, a que denominou “moral do escravo” e “moral do senhor”. A moral do escravo é prejudicial ao homem já que contraria a vida, nega a natureza do homem, o enfraquece, reprime seus 33 impulsos, o leva à mansidão, à fraqueza de vontade, à morte dos instintos e à servidão. Deixa-o impotente e derrotado em relação à vida. Um exemplo disso é a moral cristã, segundo a qual o ‘Bem’ está do lado dos fracos e dos sofredores, que se negam a viver de fato nesta vida, sacrificando-se em nome da felicidade da ilusão metafísica cristã da vida eterna. Já os valores afirmativos de luta pela vida, definidos como vontade de potência, de dominação, expansão em si mesma, poder, foram denominados por ele como a “moral do senhor”. Ela afirma a vida e baseia o Bom no que há de positivo, por exemplo, ser belo e forte, enquanto o Ruim é quem está associado à passividade, à reatividade, tendo como exemplo o humilde, o fraco. Seu contrário, o Mau, estaria do lado dos mais fortes. Esse autor explicita, a partir de seus estudos genealógicos e etimológicos, como historicamente a conceituação do que seria Bom, tendo como seu contrário o Mau, acabou por transformar-se, através de um jogo de palavras e significações, em Ruim. (...) que significam exatamente, do ponto de vista etimológico, as designações para ‘bom’ cunhadas pelas diversas línguas? Descobri então que todas elas remetem à mesma transformação conceitual – que, em toda parte, ‘nobre’, ‘aristocrático’, no sentido social, é o conceito básico a partir do qual se desenvolveu ‘bom’, no sentido de ‘espiritualmente bem nascido’’. (...) um desenvolvimento que sempre corre paralelo àquele outro que faz ‘plebeu’, ‘comum’, ‘baixo’, transmutar-se finalmente em ‘ruim’. (NIETZSCHE, 2009, p. 18. Grifos feitos pelo próprio autor). Temos aqui, portanto, a transmutação de ‘Mau’ em ‘Ruim’, dando um sentido moral de valoração ao ‘Ruim’. A moral do escravo surge do ressentimento, vê o forte como mau e, por oposição, o próprio fraco como sendo o bom. Com isso ele inverte os valores. A rebelião escrava na moral começa quando o próprio ressentimento se torna criador e gera valores: o ressentimento dos seres aos quais é negada a verdadeira reação, a dos atos, e que apenas por uma vingança imaginária obtêm reparação. Enquanto toda moral nobre nasce de um triunfante Sim a si mesma, já de início a moral escrava diz Não a um 'fora', um 'outro', um 'não-eu' – e este Não é seu ato criador. Esta inversão do olhar que estabelece valores - este necessário dirigir-se para fora, em vez de voltar-se para si – é algo próprio do ressentimento: a moral escrava sempre requer, para nascer, um mundo oposto e exterior, para poder agir em absoluto – sua ação é no fundo reação. (NIETZSCHE, 2009; p.28. Grifos feitos pelo próprio autor). Nietzsche diz que o judaísmo e, em seguida o cristianismo, consolidou a moral do escravo como a única a viger no ocidente. Consequência disso é que houve uma inversão de valores no que os próprios nobres consideravam ser os valores próprios de um homem bom. Para o pensamento cristão, o bom na moral do senhor passa a ser considerado mau, e o ruim, que é fraco na moral do senhor, passa a ser considerado bom. A esta mudança radical de sentido moral dos conceitos “bom” e “ruim”, realizada pelos sacerdotes, ele denominou “transvalorização dos valores”. Foram os judeus que, com apavorante coerência, ousaram inverter a equação de valores aristocrática (bom = nobre = poderoso = belo = feliz = caro aos deuses) e, com unhas e dentes do ódio mais fundo, o ódio impotente se apegaram a esta inversão, a saber, ‘os miseráveis somente são os bons, apenas os pobres, impotentes, baixos são bons, os sofredores, necessitados, feios, doentes são os únicos beatos, os únicos abençoados, unicamente para eles há bem-aventurança – mas vocês, nobres e poderosos, vocês serão por toda a eternidade os maus, os cruéis, os lascivos, os 34 insaciáveis, os ímpios, serão também eternamente os desventurados, malditos e danados!’. (NIETZSCHE, 2009, p.23. Grifos feitos pelo próprio autor). Essa nova maneira de encarar a noção de Bem e de Mal, criada pelos derrotados, funciona, por um lado, como uma espécie de “vingança espiritual” contra os fortes, já que a força, dominação, egoísmo, imposição das vontades são atos e ações condenáveis e podem ser vistos como expressões do Mal, e a humildade, bondade, sujeição, mansidão e fraqueza, com este novo modo de pensar, foram elevados à categoria de Bem. Por outro lado, a transvalorização dos valores também vem a funcionar para os derrotados como um recurso de dominação, pois condena o modo de pensar e agir do forte introduzindo nele a culpa e a má consciência, transformando-o em mau. Já os fracos, que se consolam e se conformam de suas derrotas nesta vida impingida pelos fortes, agora que foram transformados em bons, não veem mais necessidade de continuar com a luta e esperam pela recompensa prometida na vida eterna, isto é, depois de sua morte. “Esses fracos – também eles desejam ser fortes um dia, não há dúvida, também o seu ‘reino’ deverá vir um dia.” (NIETZSCHE, 2009, p.36. Grifos feitos pelo próprio autor). A partir da conceituação de “Bom – Mau” e “Bem – Mal”, cunhados na moral do escravo e na moral do senhor e tentando inseri-los na moral do ressentimento, o autor se pergunta quem poderia ser o Mau no sentido da moral do ressentimento. Sua resposta é “precisamente o bom da outra moral, o nobre, o poderoso, o dominador apenas pintado de outra cor, interpretado e visto de outro modo pelo olho de veneno do ressentimento” (NIETZSCHE, 2009, p. 29), pois nesta moral o homem mau é aquele que é forte, domina, sujeita e se impõe sobre os fracos. Este se torna ainda pior visto pelos olhos dos escravos que se encontram ressentidos de sua sujeição. E a visão do autor sobre este homem ressentido não é nada agradável. (...) o homem do ressentimento não é franco, nem ingênuo, nem honesto e reto consigo. Sua alma olha de través; ele ama os refúgios, os subterfúgios, os caminhos ocultos, tudo escondido lhe agrada como seu mundo, sua segurança, seu bálsamo; ele entende do silêncio, do não-esquecimento, da espera, do momentâneo apequenamento e da humilhação própria. (NIETZSCHE, 2009, p. 27. Grifos feitos pelo próprio autor). Esse autor considera o ressentimento como um afeto e conceitua afeto como aquilo que nos afeta, o que nos modifica de alguma maneira, nos imprime uma marca no corpo. Nietzsche (2009) nos conta da história dos sentimentos, que são complexos, múltiplos e remontam à história do ódio dos escravos contra os senhores, dos fracos contra os fortes através de mitos ou lendas. Este não é um sentimento único, podemos entender como uma constelação de afetos composta por mágoa, raiva, inveja, desejo reprimido, ódio, o ciúme assassino, desejo de vingança, isto é, por uma gama de sentimentos e afetos que, segundo sua teoria, em conjunto ou somente alguns deles, podem dar origem ao ressentimento. Ele também nos chama a atenção para uma das consequências psicológicas que aconteceu a partir da transvalorização dos valores morais: “(...) o ódio foi ao mesmo tempo interiorizado e recalcado pelos inferiores, denegado por aquilo que representa e metamorfoseado em 35 valor positivo: a inferioridade transformada em humildade resignada, fraqueza disfarçada em amor da justiça, o ódio recalcado transformado, eventualmente, em ódio de si mesmo” (ANSART, In: Bresciani, Naxara, 2001, p. 17). Apoiando-nos também em outros autores, tomamos a definição do sociólogo Max Scheler: [Ressentimento é] uma atitude mental duradoura, causada pela repressão sistemática de certas emoções e afetos que são componentes normais da natureza humana. A repressão dessas emoções leva a uma tendência constante de se permitir atribuir valores incorretos e juízos de valor correspondentes. As emoções e afetos primordialmente referidos são vingança, malícia, inveja, o impulso a diminuir e desprezar. (SCHELER, 1998, p. 29). Scheler ressalta, no homem ressentido, a ruminação. Para ele, este sentimento produz um “envenenamento psicológico”, pois como reprime o impulso agressivo, natural quando existe a vingança, o ressentido se volta contra o próprio sujeito na forma de ruminação de mágoa, de raiva, de ira, tornando-o um sujeito maléfico que só abriga maus sentimentos, justamente por não conseguir resolver suas questões. Portanto este autor abandona o sentido histórico da definição dada por Nietzsche e dá a sua definição a partir dos vários elementos que compõem este sentimento, esmiuçando-o em seus corolários. Já Robert Merton associa o ressentimento à impotência, mantendo o sistema sócio-afetivo designado pelo termo. Em sua definição há três elementos: “O primeiro compõese de sentimentos difusos de ódio, de inveja e de hostilidade; o segundo é a sensação de ser impotente para exprimir de forma ativa estes sentimentos; o terceiro é a experiência continuamente renovada de impotente hostilidade” (MERTON, 1965, p. 188). Para Nietzsche, ressentir-se significa atribuir a “um outro” a responsabilidade pelo que nos fez sofrer, neste caso, o fraco culpa o forte por seu sofrimento. A esse outro, o sujeito ressentido delega, em um momento anterior, o poder de decidir por ele, de modo a poder culpá-lo do que venha a fracassar. O ressentido é alguém passivo, é o sujeito da servidão inconsciente, o que o impossibilita de implicar-se como sujeito do desejo. O ressentimento não é uma condição necessária para o derrotado, mas, antes de tudo, uma rendição voluntária. A reação adiada é aquela que o indivíduo ressentido se impediu de executar por conta própria. Em muitos casos o sujeito do ressentimento tem algum ganho psicológico dentro dessa situação em que se encontra ou na qual se coloca: ele se satisfaz com aquilo que o machuca, com seus lamentos por ser um sujeito passivo e acomodado, assumindo o papel de vítima. Em Nietzsche, os ideais cristãos legitimam e favorecem o gozo no sofrimento, baseados na culpabilidade primordial do homem. O cristão acredita que merece todas as formas de sofrimento que o acometem e não luta para superá-las, fazendo com que sua revolta e crueldade voltem-se muitas vezes sobre si mesmo. Já terão adivinhado o que realmente se passou com tudo isso e sob tudo isso: essa vontade de se torturar, essa crueldade reprimida, do bicho-homem interiorizado, achado dentro de si mesmo, aprisionado no “Estado” para fins de domesticação, que inventou a má consciência para se fazer mal (...) esse homem da má consciência se apoderou da suposição religiosa para levar seu auto-martírio à mais horrenda culminância. Uma dívida com Deus: este pensamento tornou-se para ele um instrumento de suplício. (NIETZSCHE, 2009, p. 81) 36 Essa teoria encontra uma aproximação nos escritos de Freud (1915, 1924) sobre a existência do masoquismo como componente psicológico no homem, quando ele amplia o conceito de masoquismo para além de uma perversão sexual, comprovando a existência de sujeitos com instinto destrutivo voltado contra o próprio ego, pois encontram satisfação na própria doença, no sofrimento e na humilhação20. O ressentimento caracteriza-se pela repetição sem fim de injúrias que não podem ser esquecidas. É uma mágoa que não se supera, de que não se esquece, que a pessoa não quer esquecer. É diferente da mágoa propriamente dita, que se vive só uma vez e depois se supera, ela tem seu tempo. Esta característica psicológica também aparece na teoria de Freud (1905) como uma tendência neurótica à repetição, descrita como compulsão à repetição. Neste sentido o ressentimento é um excesso de memória, é a impossibilidade de se esquecer ou de superar um agravo. Poderíamos pensar: impossibilidade ou recusa? Já que se trata de uma repetição mantida ativamente por aquele que foi ofendido. O ressentido não é alguém incapaz de se esquecer ou de perdoar. Ele não quer se esquecer, não quer perdoar, não quer deixar passar em branco o mal que o vitimou. Porém esquecer é um processo extremamente importante na vida do sujeito e, para Nietzsche, o ato de esquecer não acontece espontaneamente. Esquecer não é simples vis inertiae [força inercial], como crêem os superficiais, mas uma força inibidora ativa, positiva no mais rigoroso sentido, graças à qual o que é por nós experimentado, vivenciado, em nós acolhido, não penetra mais em nossa consciência. (...) Fechar temporariamente as portas e janelas da consciência; permanecer imperturbado pelo barulho e a luta do nosso submundo de órgãos serviçais a cooperar e divergir; um pouco de sossego, um pouco de tabula rasa da consciência, para as funções e os funcionários mais nobres, para o reger, prever, predeterminar (pois nosso organismo é disposto hierarquicamente) – eis a utilidade do esquecimento, ativo, como disse, espécie de guardião da porta, de zelador da ordem psíquica, da paz, da etiqueta: com o que logo se vê que não poderia haver felicidade, jovialidade, esperança, orgulho, presente, sem o esquecimento. (NIETZSCHE, 2009, p. 43. Grifos feitos pelo próprio autor). Para esquecer, é necessário o indivíduo querer, desejar, estar disposto a, pois esquecer é vital para a sobrevivência. Mas o sujeito ressentido tem algum gosto em relembrar, tem algum ganho ou interesse em permanecer neste sofrimento, assumindo o papel de injustiçado e justifica sua posição delegando a culpa e acusando “um outro”, revelando um certo prazer em acusar, isentando-se de qualquer responsabilidade, interpretando as faltas que existirem na sua vida como prejuízo. Ele não se enxerga como responsável pelos seus fracassos, já que sempre coloca o outro como culpado. Ele também não admite que deseje a vingança, ele é incapaz de se defender, incapaz de um ato agressivo, pois é um sujeito acima deste tipo de coisa. Então, para este indivíduo ressentido, a vingança se torna uma fantasia, usando uma expressão de Nietzsche, o ressentimento se torna uma “vingança imaginária e adiada”. O ressentido deseja que o culpado por seus males um dia se 20 Para maior aprofundamento nestes conceitos consultar FREUD (1915), FREUD (1924). 37 arrependa, que um dia ele sofra, mas não por seu intermédio. O melhor seria que o culpado fosse vítima da justiça divina, nunca vítima da vingança do ressentido. Uma face interessante deste sentimento é que em nossa sociedade, quando ele é declarado e explícito, torna-se mal visto, já que ele tem um sinal moral negativo, e o homem ressentido é visto como alguém amargo, rancoroso, estagnado, e assim ele o é mesmo. Logo, ninguém gosta de ser reconhecido como ressentido. Porém, quando o ressentimento aparece camuflado, quando não se percebe que a pessoa é ressentida, mas o que aparece é a queixa de alguém injustiçado, eximido de culpa e vitimado por alguma coisa ou por uma situação, em que o indivíduo se considera moralmente superior e de alma elevada, então, ele é visto com generosidade e com muita complacência pelos outros, tornando-se este, inclusive, um sinal positivo, pois as pessoas o veem com compaixão e muitas vezes tentam ajudá-lo. Neste caso, ele é uma pessoa tão íntegra, bondosa, desapegada, alheia que muitas vezes não faz nenhuma negociação com a vida. Entretanto, por este mesmo motivo, o ressentido pode se petrificar em relação à vida e não conseguir sair de seu lugar, tampouco superar seus traumas e problemas. Olhando para outros autores que em seus estudos e pesquisas se debruçaram sobre esse conceito, encontramos David Konstan, para quem o ressentimento é uma emoção. Este autor define o conceito dando a ele uma conotação psicológica: “O sentido psicológico de ressentimento é algo como a raiva ou a irritação perante uma desfeita” (KONSTAN, 2001, p. 61). Portanto é causado por alguém, em quem se pode cultivar e acalentar a raiva, alguém para culpar. Para ele este sentimento também pode ter uma conotação social através da luta de classe, ampliando seu entendimento como: (...) um estado ou condição duradoura, ao invés de somente ser a expressão de uma emoção, o que poderia explicar que o mesmo termo possa ser aplicado aos socialmente descontentes: é provável que a estigmatização de classe possa ser caracterizada como raiva que se consome lentamente, uma frustração de longa duração ou percepção de uma injustiça contra a qual não se tem o poder, ao menos no momento de reagir. (KONSTAN, 2001, p. 67). Essa definição está de acordo com o pensamento de Nietzsche seguindo a moral do escravo e a moral do senhor, em que o fraco se sente injustiçado pelo forte e não tem condição de revidar ou de se vingar no momento do agravo. Já a definição de Roger Petersen para o ressentimento é “A emoção que deriva da percepção de que o grupo ao qual se pertence está em uma posição injustamente subordinada em uma hierarquia de status” (PETERSEN in ELSTER, 1999, p. 74). Este autor também dá um sentido social a este sentimento quando amplia sua ação individual para os sentimentos entre grupos ou classes distintas. Seguindo este pensamento, o ressentimento poderia estar na base do conceito de igualdade existente no sistema democrático que está na origem dos movimentos populares, socialistas e anarquistas, resumindo, na origem da decadência das sociedades ocidentais. Segundo Ansart (2001), não podemos pensar em um só tipo de ressentimento, ele não é único, é um sentimento complexo e múltiplo, que engloba uma diversidade e variedade de outros 38 sentimentos, possuindo uma escala variável de intensidade e tipos. Não podemos colocar em um mesmo nível de igualdade os ressentimentos daquele que pode ter anseios de cometer um crime e os de outro que comete um genocídio, por exemplo. Mesmo Nietzsche (2009) já conceituava dois tipos diferentes de ressentimentos: o primeiro dos sacerdotes, que é o dos fracos e dominados e o segundo, dos nobres decadentes, que vem impregnado de arrogância e desprezo pelos inferiores e é tão perigoso quanto o primeiro: (...) o ódio recalcado dos dominantes quando se encontram em face da revolta daqueles que consideravam inferiores. Ressentimento reforçado pelo desejo de reencontrar a autoridade perdida e vingar a humilhação experimentada. Este ódio não é menos ‘recalcado’ e contido que aquele do escravo: insere-se na prática dos dominantes de conter as manifestações de seu ódio e desejos de vingança. (...) Talvez seja urgente manifestar uma vigilância maior em relação às ameaças provocadas pelos encorajamentos atuais a novos ressentimentos e sua legitimação pelo Estado. Um deslocamento produz-se aos nossos olhos: o deslocamento que conduz do desprezo ao ódio; o ódio ocupando confusamente o lugar do desprezo. Desprezo dos ricos pelos pobres, desprezo de uma poderosa classe dirigente pelas oposições a seu poder, desprezo que pode se transformar em ódio quando os dominantes se sentem ou se acreditam ameaçados em sua hegemonia e interesses. (ANSART, In: Bresciani, Naxara, 2001, p. 19-34). Esse tipo de ressentimento torna-se importante, pois tem início na classe dominante que possui maiores recursos e condições, uma vez que detém o poder. Portanto suas possibilidades e armas disponíveis para se vingar dos mais fracos são muito maiores e mais perigosas. Devemos atentar não só aos sentimentos e afetos das pessoas ressentidas, mas também as suas representações, às ideologias, aos imaginários, às crenças, aos discursos, que representam um papel importante no devir dos ressentimentos. Às vezes estas representações podem tomar vulto e desencadear ações distintas dentro de grupos organizados, podendo evoluir para ações coercivas, agressivas e mesmo perigosas. Por isso, deve-se também dar a devida importância a certos indivíduos ou grupos limitados que desempenham papel de destaque no interior de movimentos sociais, como líderes militantes, porta-vozes, escritores, minorias ativas, etc. Voltando à ideia de Nietzsche, que percebe o ressentimento como um sentimento em que o indivíduo ressentido se sente vítima de outro indivíduo que o prejudicou, enquanto ele mesmo é o nobre de alma e isento do mal a ele infringido, podemos supor que os efeitos deste tipo de afeto no interior de um grupo, em que ele pode ser compartilhado, poderá resultar em um fator importante de união, cumplicidade e solidariedade, ficando acima de rivalidades internas e tornado-se fator de coesão do grupo a partir da identificação dos sentimentos entre os vários elementos pertencentes ao grupo. Esta poderia ser a explicação para os indivíduos que se agrupam a fim de exprimir sua agressividade e seu desejo de vingança. Tanto para Nietzsche quanto para Scheler as consequências destas manifestações variadas advindas do ressentimento podem aparecer tanto nas ruminações dos sentimentos resultantes do ressentimento quanto na extensão dos sintomas e das manifestações abertas ou desviadas dos ressentimentos. 39 Scheler observou, pensando em como seriam e a quem estariam direcionadas as manifestações do ressentimento: “Normalmente os objetos da vingança e da inveja são específicos. Estes sentimentos não surgem sem uma razão específica; eles se voltam contra objetos definidos e persistem enquanto persistirem estes motivos”, assim como “o impulso de causar dano” (SCHELER, 1998, p. 30). Já Robert C. Solomon percebe como objetos do ressentimento “virtualmente todo mundo. Possivelmente também Deus e suas criaturas, árvores, prédios, rochas, leis, o sucesso dos outros, despertadores, etc.” (SOLOMON, 1993, p. 291). Portanto estas manifestações estariam direcionadas a qualquer coisa, pessoa ou situação. Em seu texto de 2001, Ansart nos lembra que, segundo Freud, seria ilusório supor que a expressão, a manifestação e a exteriorização do sentimento de ódio, advindo do ressentimento, poderiam causar seu total desaparecimento. Sua explicação está baseada no conceito de pulsão de vida, ou Eros; e pulsão de morte, ou Tanatos, (FREUD, 1920). A pulsão de vida, ou de autoconservação, sendo representada pelas ligações amorosas que estabelecemos com o mundo, com as outras pessoas e com nós mesmos. Diz respeito à conservação da vida e tem como objetivo preservar a existência do organismo. Já a pulsão de morte, ou de autodestruição, que visa a reconduzir o ser vivo a um estado inorgânico, é de caráter agressivo e destrutivo e pode se voltar contra si mesmo tanto quanto contra o outro e traz a marca da compulsão à repetição. Estas duas pulsões contraditórias não se encontram dissociadas e têm como corolário a dualidade pulsional amor e ódio, que representa o conflito interno ambivalente que ocorre em todos os relacionamentos humanos, presentes no sujeito desde sua concepção. Portanto, para ele, nenhuma sociedade conseguiu ainda erradicar do seu interior, nem dos indivíduos que dela fazem parte, a experiência de sentimentos como: o ódio, a agressividade, a raiva, o ciúme, a inferioridade e a humilhação, independentemente das particularidades da evolução histórica de cada uma. No entanto, Freud percebeu que os vários sistemas políticos empregados nas diversas sociedades podem ou não favorecer o aparecimento dos ódios e o desencadeamento da barbárie, em maior ou menor intensidade (FREUD, 1930). Um exemplo disto é o encontrado nas cidades-estado gregas, em que apenas os membros de uma casta participavam das decisões da polis como cidadãos livres entre seus iguais, sendo distintos os seus direitos tanto dos escravos, das mulheres, como dos estrangeiros. Neste tipo de estrutura organizacional, não fazia sentido que um grupo se manifestasse contra sua inferioridade social. Outro exemplo bem claro é o regime rígido de castas na Índia que, por ser extremamente desigual, o ressentimento se torna bem mais raro do que o visto em regimes democráticos, pois não há possibilidades individuais de ascensão entre castas distintas, nas quais os destinos dos 40 indivíduos são determinados pela sua condição de origem em uma estrutura estável. Portanto, embutido no regime hierárquico de castas, existem distâncias simbólicas que inibem o desenvolvimento de rancores às castas superiores. Em regimes democráticos, que se fundam em interesses individuais e na busca da igualdade, normalmente utópica e sempre insatisfeita, já existe uma certa tolerância para as manifestações de hostilidade e agressividade. (...) o ressentimento deve se encontrar mais desenvolvido em sociedades, como a nossa, onde os direitos políticos, razoavelmente uniformes, ou seja, uma igualdade social exterior oficialmente reconhecida coexiste ao lado de diferenças muito consideráveis de fato quanto ao poder, à riqueza, à cultura, etc. Sociedade na qual cada um tem o “direito” de se julgar igual ao outro, mas não é de fato capaz disso. Eis aí, independente das características e dos sentimentos individuais, de onde se garante a existência de uma importante carga de ressentimento presente na própria estrutura de uma sociedade. (SHELER, 1998, p.22) Diante das desigualdades, é provável que surjam sentimentos de descontentamento, já que propicia a comparação entre supostos iguais, em que qualquer diferença é percebida como injusta, podendo conduzir a perigosas rebeliões. Enquanto uma sociedade não conseguir evitar que a satisfação de alguns seja mantida por meio da opressão de outros, existirá sempre uma grande probabilidade de que os oprimidos desenvolvam uma intensa hostilidade ou sentimento de raiva e rancor contra o modo de vida da classe dominante, que eles próprios sustentam com seu trabalho, mas da qual se beneficiam muito pouco. É possível esta insatisfação se transformar em um ressentimento entre classes contra os dominantes, que podem ser vistos tanto como opressores quanto como o ideal a ser perseguido pelos dominados. Muitas vezes a classe oprimida interpreta sua própria condição como um fracasso pessoal e acaba por culpar e hostilizar os companheiros de mesma condição social, que então passam a ser vistos como concorrentes. Neste caso, onde não há uma relevante distância social, qualquer diferença passa a ser muito mais injusta do que as diferenças percebidas entre os indivíduos socialmente oprimidos e os que se encontram em situação privilegiada dentro da hierarquia social. Voltar-se contra um indivíduo em situação semelhante é uma alternativa mais fácil do que se confrontar com as causas da desigualdade, questionando as regras de toda estrutura socialeconômica de uma sociedade. Entretanto, os regimes atuais, como o social-democrata, apresentam uma tendência para gerir e moderar rancores e ressentimentos econômicos por meio das políticas sociais, o que impediria que a aglutinação dos diversos sentimentos de ódio, inveja e rancor se transformassem em uma forma perigosa de ressentimento. O que estes indivíduos oprimidos e ressentidos não percebem é que este sentimento tem um componente de passividade e resignação, fazendo com que eles aceitem sua condição, renunciando a expressar suas opiniões e a lutar por seus interesses, na esperança de serem protegidos pelo Estado, como se 41 a construção de uma ordem social mais justa e igualitária não dependesse também de sua participação ativa. Um grande obstáculo histórico que nos é colocado a partir da questão do ressentimento é a dificuldade em explicar e retraçar a história de sentimentos e afetos, como o ódio, a raiva, o rancor, o desejo de vingança. A questão dos ressentimentos nos defronta com uma dificuldade permanente das ciências históricas: a de restituir e explicar o devir dos sentimentos individuais e coletivos. Mas, esta dificuldade ganha, no caso dos ressentimentos, um relevo excepcional. Certamente é muito mais difícil traçar a história de ódios do que a história de fatos objetivos. (ANSART, In: Bresciani, Naxara, 2001, p. 28). Um dos motivos dessa dificuldade é a necessidade de compreender e explicar um afeto que não deve ser declarado sob a pena de ter um sentido moral negativo. A tendência é a do objeto se esquivar, portanto deveremos formular hipóteses a fim de preencher lacunas, de reconstituir o invisível, imaginar o não dito, o implícito, o subentendido. Devido aos horrores acontecidos durante a Segunda Guerra Mundial, desenvolveu-se, logo após seu término, uma literatura específica a fim de analisar ou tomar uma posição sobre a memória dos fatos ocorridos, sempre com a intenção de que fatos não sejam esquecidos. Para Ansart, por se tratar de um sentimento, a questão da memória dos ressentimentos deve ser tratada de uma forma específica. A questão da memória dos ressentimentos é diferente. Trata-se aqui de se colocar uma outra questão, mais delicada, e que podemos dividir em várias interrogações: que memória conserva o indivíduo de seus próprios ressentimentos? Por outro lado, que memória conserva dos ressentimentos daquele de quem foi vítima? Que memória conserva um grupo de seus próprios ressentimentos e dos ressentimentos dos inimigos dos quais foi vítima? Nas democracias pluralistas, qual a atitude dos poderes públicos diante destas lembranças? (ANSART, In: Bresciani, Naxara, 2001, p. 30) Interrogações que tentam dissecar este sentimento. Feitas ao indivíduo, ao grupo ou à classe de ressentidos, procuram chegar perto de suas experiências, muito embora nenhuma experiência, mesmo que narrada, seja idêntica à vivida. Há casos em que lembrar é tão importante quanto ou mais do que esquecer. Há eventos que não se consegue esquecer e outros que não devem ser esquecidos. Temos aqui um problema: que destino dar à memória do sofrimento e da injustiça que alimenta o ressentimento? Ansart dividiu em quatro categorias as atitudes possíveis que atravessam ao mesmo tempo a memória de quem é ressentido, como: a tentação do esquecimento, a tentação da rememoração, a tentação da revisão e a tentação da intensificação. A tentação do esquecimento: os indivíduos, de modo geral, procuram lembrar com maior facilidade dos momentos bons e felizes de sua vida, aferrando-se menos aos sofrimentos, aos ódios e às lembranças dos ressentimentos. Isto não quer dizer, necessariamente, que não existam pessoas que não consigam lidar bem com seus sofrimentos e seguir em frente sem se transformarem em indivíduos 42 ressentidos. Quem nos mostra um exemplo claro deste tipo de comportamento humano é Primo Levi quando nos narra a experiência que ele percebeu em alguns sobreviventes dos campos de concentração, durante a Segunda Guerra Mundial. Observou-se, por exemplo, que muitos sobreviventes de guerras ou de outras experiências complexas e traumáticas tendem a filtrar inconscientemente suas recordações: evocando-as entre eles mesmos ou narrando-as a terceiros, preferem deter-se nas tréguas, nos momentos de alívio, nos interlúdios grotescos, estranhos ou relaxados, esquivando-se dos episódios mais dolorosos. Estes últimos não são trazidos de bom grado do magma da memória e, por isso, tendem a enevoar-se com o tempo, a perder seus contornos. (...) Quando dizemos: “jamais esquecerei isso”, referindo-nos a um evento qualquer que nos feriu profundamente, mas que não deixou em nós ou em torno de nós uma marca material ou uma ausência permanente, somos precipitados: mesmo na vida “civil”, esquecemos de bom grado os particulares de uma doença grave de que nos curamos, ou de uma operação cirúrgica bem-sucedida. (LEVI, 2004, p. 27). O que se percebe é que muitas pessoas tentam se esquecer dos maus momentos de suas vidas usando o esquecimento como uma espécie de defesa, distorcendo a realidade não só na recordação, mas no ato mesmo em que se verifica, até como estratégia de sobrevivência, recusando a verdade insuportável e construindo uma outra. A tentação da rememoração: para algumas pessoas o melhor modo de tentar lidar com os sofrimentos é apaziguar a memória, tentando se esquecer dos fatos ruins que lhes aconteceram. Para os que ainda sentem suas consequências no presente, a melhor forma é não aceitar o esquecimento, o que por um lado mantém as vítimas na mesma posição que ocuparam no passado e, no caso do indivíduo ressentido, esta estratégia o faz colher no presente os ganhos da autopiedade e da má consciência, dos quais se beneficiava no passado. Por outro lado, abre espaço para não só buscar uma reparação ao dano sofrido, mas também evitar sua repetição, ações produzidas na esperança de tentar transformar ou reparar o mal por ela causado. Normalmente estes indivíduos se organizam em grupos, promovendo manifestações a fim de afirmar sua identidade e não deixam cair no esquecimento os fatos de que se consideram vítimas. Daí a necessidade da rememoração: a sociedade precisa rever o passado, cavar em meio aos seus escombros e descobrir suas mazelas, seus afetos, seus sentimentos, mesmo aqueles para os quais não queremos olhar. Este é o caso das ‘Mães da Praça de Mayo’, na Argentina, que não permitem que o assassinato de seus filhos e netos pela ditadura militar seja esquecido e fique sem reparação. Primo Levi bem nos lembra: Estamos convencidos que nenhuma experiência humana é vazia de conteúdo, de que todas merecem ser analisadas; de que se podem extrair valores fundamentais (ainda que nem sempre positivos) desse mundo particular que estamos descrevendo. (LEVI, 1988, p. 88). Em outro texto seu, ao relatar a história das pessoas que faziam parte dos “Esquadrões Especiais”, que eram os responsáveis pela gestão dos fornos crematórios, constituídos em sua maior parte por judeus, o autor colhe o testemunho de um destes indivíduos: “(...) por certo, teria podido matar-me ou me deixar matar; mas eu queria sobreviver, para vingar-me e para dar testemunho”. 43 (LEVI, 2004, p. 45). Dar o testemunho, mostrar um novo olhar para determinada experiência, principalmente para aquelas que se mostram traumáticas. Não é fácil nem agradável examinar esse abismo de maldade, mas eu penso que se deva fazê-lo, porque o que foi possível perpetrar ontem poderá ser novamente tentado amanhã, poderá envolver a nós mesmos ou a nossos filhos. Experimenta-se a tentação de virar o rosto e afastar o pensamento: é uma tentação a que devemos resistir. (LEVI, 2004, p. 46). Percebemos que, quando se trata de uma experiência traumática ou mesmo um dolo qualquer que um outro indivíduo infringiu, o indivíduo traumatizado tende a nunca esquecer o mal que sofreu, repetindo-o constantemente, trabalhando-o na tentativa de superá-lo, até que consiga, aos poucos, conviver com ele. Neste caso, o trauma se torna um passado que nunca se apaga e retorna frequentemente em sonhos, na linguagem, nos lapsos, nas fantasmagorias. Trata-se de um excesso de memória, o que Nietzsche (2009) diagnosticou como uma fixação doentia no passado, um dos diversos sintomas do ressentimento. O indivíduo não consegue esquecer, mas ao mesmo tempo é para ele intolerável recordar, porém ele pode tentar apaziguar este tipo de memória, recusando a verdade insuportável e construindo outra para poder continuar a viver bem. A tentação das revisões: a partir do momento em que os indivíduos ou os grupos organizados em associações que pretendem que os fatos traumáticos ocorridos não caiam no esquecimento reivindicam seus direitos, abrem-se espaços para diversos conflitos, que podemos designar pela expressão “guerra de memórias”, cujo objetivo é a revisão das memórias e dos ressentimentos. Um exemplo é a Lei da Anistia, sancionada em 28 de agosto de 1979, no Brasil, e que ainda hoje é um assunto polêmico, sendo inclusive questionada judicialmente. É alvo de críticas dos movimentos sociais que lutam pela redemocratização do Brasil, pois é classificada como uma lei feita sob medida para atender aos interesses do regime militar, uma vez que protegeu com a anistia os torturadores deste regime. Outro exemplo foi o que se desenvolveu logo após a Segunda Guerra entre o grupo resistente e os sobreviventes dos campos de concentração e suas famílias. Podemos perceber bem este tipo de construção ativa da memória coletiva nas palavras de Primo Levi. (...) toda a história do curto ‘Reich Milenar’ pode ser relida como guerra contra a memória, falsificação orwelliana da memória, falsificação da realidade, até o ponto de fuga definitiva da realidade mesma. (...) Como todos os jogadores de azar, [Hitler] construíra em torno de si um cenário tecido de mentiras supersticiosas, no qual terminara por crer com a mesma fé fanática que pretendia de todo alemão. (LEVI, 2004, p. 26). É a guerra desse tipo de imposição de memória contra toda a riqueza de detalhes e de fatos encontrados na memória daqueles que sobreviveram aos horrores da Segunda Guerra. Bem coloca Ansart quando afirma que A expressão “guerra de memórias” 21 aplica-se mal para evocar os debates, as tomadas de posição, reivindicando a extensão, a importância e o caráter exemplar dos sofrimentos experimentados. Batalhas sem vencedores, pois tanto uns como os 21 Provavelmente o autor acha que “Guerra de Memórias” não se aplica bem para nomear a quantidade de debates que passaram a ocorrer após a Segunda Guerra Mundial. 44 outros foram vítimas da mesma ferocidade. Daí a organização de processos confusos, onde as diferentes versões da história e as diferentes memórias pessoais e familiares opuseram-se. (ANSART, In: Bresciani, Naxara, 2001, p. 32). A tentação da intensificação: também chamada de reiteração ou exasperação do ressentimento. Diz respeito a um excesso de memória - alimentada constantemente e de forma intensa - de indivíduos ou de grupos organizados que não conseguem se esquecer do agravo de que foram vítimas. Mais ainda, se organizam e desenvolvem estratégias que eventualmente podem se transformar em um verdadeiro delírio de ressentimento e de seus sentimentos constituintes, como o ódio, a raiva, o rancor e o desejo de vingança, fanatismo e outras formas do que Todorov (1996) chamou de “abuso de memória”, a fixação doentia no passado que alimenta o ressentimento. Um exemplo é o uso repetitivo da propaganda hitlerista, após a subida ao poder em 1933, que fez da humilhação de 1918 e do desejo de revanche e vingança um mecanismo que serviu para alimentar e exacerbar o ressentimento dos alemães, podendo ser este um dos motivos que acabaram por desencadear a Segunda Guerra Mundial. Ao estudar a questão do ressentimento, Nietzsche nos adverte sobre a importância da reflexão sobre este sentimento, devido à extensão de suas consequências e de seu caráter destrutivo. Primo Levi, ao nos contar sobre os seus próprios medos e traumas advindos da experiência nos campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial, relata o seguinte episódio: Aqui está minha irmã, e algum amigo (qual?), e muitas outras pessoas. Todos me escutam, enquanto conto do apito em três notas, da cama dura, do vizinho que gostaria de empurrar para o lado, mas tenho medo de acordá-lo porque é mais forte que eu. Conto também a história da nossa fome, do controle dos piolhos, e do Kapo que me deu um soco no nariz e logo mandou que eu me lavasse porque sangrava. É uma felicidade interna, física, inefável, estar em minha casa, entre pessoas amigas, e ter tanta coisa para contar, mas bem me apercebo de que eles não me escutam. Parecem indiferentes; falam entre si de outras coisas, como se eu não estivesse. Minha irmã olha para mim, levanta, vai embora em silêncio. (...) Melhor, então, que eu torne mais uma vez à tona, que abra bem os olhos; preciso estar certo que acordei, acordei mesmo. O sonho está em minha frente, ainda quentinho; eu, embora desperto, continuo, dentro, com essa angústia do sonho; lembro, então que não é um sonho qualquer; que desde que vivo aqui, já o sonhei muitas vezes, com pequenas variantes de ambiente e detalhes. Agora estou bem lúcido, recordo também que já contei o meu sonho a Alberto e que ele me confessou que esse é também o sonho dele e o sonho de muitos mais; talvez de todos. Por quê? Por que o sofrimento de cada dia se traduz, constantemente, em nossos sonhos, na cena sempre repetida da narração que os outros não escutam? (LEVI, 1988, p. 60). Para Primo Levi o trauma ainda não se acomodou, o sofrimento ainda está presente e retorna quase que diariamente em forma de sonho. Trata-se do medo que os sobreviventes tinham de que os seus relatos não fossem ouvidos, medo de que sua memória sobre os acontecimentos vividos, mesmo que traumáticos, se perdesse. Mas por que é tão urgente se fazer ouvir? E qual o papel do “outro” neste recontar a experiência, no sentido de superar o trauma? Gagnebin, discutindo esse mesmo trecho citado de Levi, nos dá alguma idéia: “[testemunha] não seria somente aquele que viu com os próprios olhos (o horror) (...) Testemunha também seria aquele que não vai embora, que consegue ouvir a narração insuportável do outro e aceita que suas palavras revezem a história do outro.” (GAGNEBIN, 2001, p. 93). 45 O papel da testemunha é o de conhecer e ouvir a dor do outro, abrindo possibilidades de dar um novo sentido à experiência traumática. Existe, portanto, a necessidade de se elaborar, transformar a memória do vivido em algo que se torne suportável conviver, sendo este o caminho que permite o real esquecimento. Primo Levi, como outros que também passaram pela experiência dos lager, não quis que sua experiência caísse no esquecimento e transformou-a em narrativa. Tentou, através de seu relato, tornar pública a experiência intransmissível da dor, do horror. Este é um ato que não permite que a ferida causada pelo trauma se torne desconhecida ou insignificante para o resto do mundo, não deixa que acabe por cair no esquecimento, pois, às vezes, esquecer esta experiência ou não dar importância a ela pode ferir muito mais que o próprio trauma. Tanto o ato de esquecer como o de lembrar fazem parte da memória 22. Outras áreas de estudo também se ocupam do estudo da memória, como a psicofisiologia, a neurofisiologia, a biologia, a psiquiatria. Contudo, neste trabalho, não abordaremos este conceito segundo estas áreas, nem consideraremos o conceito de memória de acordo com estudos clínicos do cérebro humano, como uma ação determinada por hormônios específicos que agem no cérebro, porém estamos cientes de que estes estudos existem. Como diz o ditado popular, “somos aquilo que lembramos”, em outras palavras, o que somos e o que pensamos depende em grande parte da nossa memória. Izquierdo (2004) acrescenta: “e também somos o que decidimos esquecer”. Neste gesto de trabalhar com a memória, de se utilizar de impressões ou informações que aconteceram no passado, de voltar ao que já foi vivido, o indivíduo tem contato com fatos e com a experiência23 já acontecida, com lembranças já esquecidas, com seus 22 Um dos grandes pesquisadores na área clínica sobre estudos do cérebro humano é o Prof. Dr. Iván Izquierdo, pertencente ao Centro de Memória do Instituto de Pesquisas Biomédicas da PUC-RS. Para ele, “Os estados de ânimo, as mudanças de humor e os estados sentimentais causam e são regulados por vias cerebrais muito bem definidas, que usam como neurotransmissores a noradrenalina, a dopamina, a serotonina e a acetilcolina, cada uma delas atuando sobre receptores bem diferentes espalhados por todo o cérebro. Alguns desses estados favorecem a aquisição, consolidação ou evocação dos mais diversos tipos de memória, por ação das substâncias mencionadas sobre um ou outro receptor nas regiões cerebrais que fazem ou evocam memórias. (...) As memórias muito aversivas ou emocionantes têm sua aquisição, e sua subsequente consolidação, regulada preferencialmente pelas vias noradrenérgicas centrais, que fomentam sua gravação e, portanto, indiretamente, sua permanência. (...) De fato, as vias noradrenérgicas, dopaminérgicas e serotoninérgicas são também cruciais e participam como protagonistas importantes na evocação da memória, também nas várias regiões corticais vinculadas à memória. Além dessas vias, há hormônios liberados no sangue pela hipófise, supra-renal e outras glândulas que afetam profundamente a formação e a evocação de memórias, e muitas vezes acrescentam seu efeito aos aspectos cognitivos de cada memória, tornando-as dependentes deles. A memória passa, assim, a ser ‘a informação aprendida’ mais ‘o efeito do hormônio que for liberado durante a experiência correspondente’. A liberação do hormônio passa a funcionar como mais um componente da memória, como mais um estímulo condicionado para colocá-lo em termos pavlovianos. É mais fácil evocar essa memória quando estivermos novamente sob o efeito desse hormônio (por exemplo, para experiências muito novidosas a b-endorfina; para experiências muito estressantes, a adrenalina e a adrenocorticotrofina ou ACTH).” (IZQUIERDO, 2004, p. 4-5). 23 Até agora utilizamos o vernáculo ‘experiência’ no sentido comumente usado como “conhecimento adquirido de maneira espontânea, tentativa, experimento” (HOUAISS, 2009. p. 329). Porém, a partir de agora, passaremos a entender experiência segundo a percepção que Giacóia tem de Nietzsche sobre este conceito: “A experiência que eu tenho a respeito de minha própria existência, é exatamente da mesma natureza que a experiência que eu faço em relação a todo e qualquer outro objeto; ou seja: experimento a mim mesmo como um objeto qualquer; tenho percepção de mim mesmo, como tenho percepção de qualquer outro objeto. O que significa dizer, em 46 traumas, evoca conhecimentos, expectativas, ideias, sentimentos, acontecimentos felizes, outros nem tanto, enfim, tem contato com a sua história, com aquilo que o identifica, o torna único, o faz aprender, o constrói como sujeito. Trabalhar com a memória ressalta as diferenças individuais, evidencia as sensibilidades. É a memória que nos permite representar e dar sentido ao mundo. Isto acontece, porque a nossa memória não é uma reprodução fiel do passado, uma vez que as recordações estão marcadas pela experiência, pelas emoções, pelos afetos. A memória reconstrói os dados que recebe ao longo do tempo dando relevo a uns, distorcendo ou omitindo outros. Há inúmeras vantagens em se utilizar da memória para a produção de fontes orais em pesquisas históricas. Galzerani nos aponta algumas Contribuições, por exemplo, relativas à ampliação – tanto sob o ponto de vista social como psicológico – da concepção de ser sujeito (portador de racionalidade / sensibilidade, consciência / inconsciência, memória / esquecimento). Ainda, a concepção de produção de conhecimento histórico, muito mais articulada à vida, como “viagem”, como experiência que sempre parte do e retorna ao presente, abrindo possibilidades para o futuro. Produção de saberes históricos escolares que se propõe como um exercício dialogal, aberto à interação com o outro, imbricado nas experiências vividas, que não se posiciona como verdade absoluta, mas, pelo contrário, que renuncia a tudo preencher, para deixar que algo do outro possa dizerse. (GALZERANI, 2008, p.234) Quando trabalhamos com memória, lidamos com experiências passadas. Os textos de Walter Benjamin (1994) nos mostram que não existe experiência fora da transmissão. É a transmissão que, ao dar sentido ao vivido, transforma-o em experiência. Benjamin esclarece que a arte de narrar estaria em vias de extinção, pois para ele parece que é como se tivéssemos perdido uma capacidade que era certa e intransferível, a capacidade de trocar experiências. É a transmissão oral da experiência, sendo substituída pelo fluxo ininterrupto de informações, como um enunciado informal que não leva a marca da experiência. São cada vez mais raras as pessoas que sabem narrar devidamente. Quando se pede num grupo que alguém narre alguma coisa, o embaraço se generaliza. É como se estivéssemos privados de uma faculdade que nos parecia segura e inalienável: a faculdade de intercambiar experiências. (BENJAMIN, 1994, p. 197-198). Depois da Primeira Guerra Mundial, continua Benjamin, observou-se que os soldados voltavam mais pobres em experiência do campo de batalhas. Já se podia notar que os combatentes tinham voltado silenciosos do campo de batalha. Mais pobres em experiências comunicáveis, e não mais ricos. Porque nunca houve experiência mais radicalmente desmoralizadoras que a experiência estratégica pela guerra de trincheiras, a experiência econômica pela inflação, a experiência do última instância: eu me represento a mim mesmo”. (GIACÓIA, 2012). No sentido de complementar este conceito, nos apoiaremos na explanação de Gagnebin sobre o conceito de experiência em Benjamin, no prefácio das Obras escolhidas, “Em lugar de apontar para uma ‘imagem eterna do passado’, como o historicismo, ou dentro de uma teoria do progresso, para a de futuros que cantam, o historiador deve constituir uma ‘experiência’ (Erfahrung) com o passado (...) [Benjamin] demonstra o enfraquecimento da Erfahrung no mundo capitalista moderno em detrimento de um outro conceito, a Erlebnis, experiência vivida, característica do indivíduo solitário; (...) Benjamin estabelece o fracasso da Erfahrung e o fim da arte de contar” que deveria vir acompanhada por uma nova “experiência e uma narratividade espontâneas” empreendidas por aqueles “que se recusam a se contentar com a privacidade da experiência vivida individual (Erlebnis). (Gagnebin, In: BENJANIN, 1994, p. 8-10). 47 corpo pela fome, a experiência moral pelos governantes. Uma geração que ainda fora à escola num bonde puxado por cavalos se encontrou ao ar livre numa paisagem em que nada permanecera inalterado, exceto as nuvens, e debaixo delas, num campo de forças de torrentes e explosões, o frágil e minúsculo corpo humano. (BENJAMIN, 1994, p. 198) Os soldados voltavam mudos da guerra, pois não conseguiam elaborar os horrores vividos, sentidos, não conseguiam transmitir nem narrar experiências tão traumáticas em um mundo cada vez mais movido pela técnica e que dava maior importância à razão do que às sensibilidades, onde tudo havia sido mudado movido pela cobiça humana. Podemos compreender que a experiência é algo que se constrói a partir da coletividade, porém carrega a marca do individual. Uma passagem em que isto fica muito claro é a descrição que José Saramago faz de Azinhaga, a sua aldeia natal. Ele não fala de qualquer aldeia, mas da Azinhaga de sua infância, esta sim é a que habita a sua memória, é de onde ele traz lembranças queridas. Minha aldeia era rodeada de olivais, com oliveiras antigas de troncos enormes. Elas desapareceram. Senti-me como se tivessem me roubado a infância. Hectares e hectares de oliveiras desapareceram para dar lugar a culturas mais lucrativas. A aldeia não mudou tanto, foi a paisagem que mudou. E essa mudança radical na paisagem foi, para mim, uma espécie de golpe no coração. (...) Regressar a Azinhaga, agora, é regressar a outro lugar que já não é o meu. A gente, na verdade, habita a memória. A aldeia que nasci só existe em minha memória. (José Saramago, In: AGUILERA, 2010, p. 25–26) Essas são lembranças únicas, que só existem dessa maneira nas lembranças do poeta. Mas não podemos nos esquecer de que mesmo que a experiência seja individual, a história a ser contada aconteceu em um grupo de pessoas, em uma coletividade, que são os atores envolvidos, posto que vivemos em comunidade e tanto a afetamos com nossas ações e nosso modo de vida como somos perpassados por ela. O modo de lembrar é individual tanto quanto social: o grupo transmite, retém e reforça as lembranças, mas o recordador, ao trabalhá-las, vai paulatinamente individualizando a memória comunitária e, no que lembra e como lembra, faz com que fique o que signifique. O tempo da memória é social não só porque é o calendário do trabalho e da festa, do evento político e do fato insólito, mas também porque repercute no modo de lembrar. (CHAUÍ, In: BOSI, 1994, p. 31) Apontamos aqui algumas considerações acerca do pensamento de Halbwachs sobre a memória. Este autor afirma que a memória individual existe sempre a partir da memória coletiva, pois as lembranças são sempre constituídas no interior de um grupo, de uma coletividade. Portanto, muitas das ideias e lembranças que atribuímos a nós mesmos são, na verdade, inspiradas pelo grupo ao qual pertencemos, com o qual mantemos relações, ou mesmo a um grupo que acaba por nos afetar, ainda que não tenhamos tido contato com ele. Este sentimento é o que garante a coesão do grupo, esta unidade coletiva, que para o autor é o espaço existente de conflitos e influências entre as pessoas. Portanto, ele define a memória individual feita a partir de referências e lembranças do grupo como “um ponto de vista sobre a memória coletiva” (HALBWACHS, 2004, p.55). Então, abre espaço para que tenhamos lembranças ou representações do passado assentadas na percepção expressa de outras 48 pessoas. Halbwaches se utiliza da metáfora visual para tentar dar uma ideia do que seria a lembrança: “é uma imagem engajada em outras imagens” (HALBWACHS, 2004, p. 76-78). Entendemos então que a memória individual não está isolada e, frequentemente, tem por referência pontos externos ao indivíduo, o mundo exterior que o afeta. Halbwaches (2004) faz outra categorização acerca da memória. É a diferenciação entre memória voluntária e involuntária. Para este autor memória voluntária é aquela que evocamos quando necessário e a memória involuntária é a que ele chama de memória coletiva. Porém, desta vez nos apoiaremos em Marcel Proust que, com suas descrições detalhadas, muitas vezes nos fornece algumas das sensações próximas daquelas que entendemos por memória involuntária. (...) é bonito ter tanto verde na janela do meu quarto até o momento em que, o vasto quadro verdejante, reconheci, pintado ao contrário em azul-escuro, por estar mais longe, o campanário da igreja de Combray, não uma imagem desse campanário, mas o próprio campanário que, pondo assim sob meus olhos a distância das léguas e dos anos, viera, em meio da luminosa verdura e com tom inteiramente outro, tão sombrio que parecia apenas desenhado, ao inscrever-se no losango de minha janela. (PROUST, 1958, p. 01) Sua descrição mais detalhada de memória involuntária poderia ser Sua memória, a memória de suas costelas, de seus joelhos, de suas espáduas lhe apresentava sucessivamente vários dos quartos onde havia dormido, enquanto em torno dele as paredes invisíveis, mudando de lugar segundo a forma da peça imaginada, redemoinhavam nas trevas. (PROUST, 1960, p. 13). É uma memória carregada de subjetividade, de afetações, leva a marca dos sentidos. Localizada no corpo que lembra, a memória involuntária nos traz lugares, odores, cores, mobílias, companhias, etc. Ao despertar, Proust parece dar maior poder à memória do que ao conhecimento. Este advém daquela, pois, E mesmo antes que o meu pensamento, hesitante no limiar dos tempos e das formas, tivesse identificado a habitação, reunindo as diversas circunstâncias, ele, — o meu corpo, — ia recordando, para cada quarto, a espécie do leito, a localização das portas, o lado para que davam as janelas, a existência de um corredor, e isso com os pensamentos que eu ali tivera ao adormecer e que reencontrava ao despertar. (PROUST, 1960, p. 13) As lembranças aparecem repletas de sensibilidade. É uma memória que mostra o indivíduo inteiro, suas dores, seus traumas, suas contradições, enfim, tudo o que o afeta. Como já dissemos anteriormente, para Benjamin não existe experiência fora da narrativa, então quem seria o sujeito da experiência, aquele que relata o acontecimento, o fato? Qual seria o papel do indivíduo que narra a sua experiência, a quem chamaremos narrador? Podemos reter da figura do narrador um aspecto muito mais humilde, muito menos triunfante. Ele é, a figura secularizada do justo, essa figura mística judaica cuja característica mais marcante é o anonimato; o mundo repousa sobre os sete Justos, mas não sabemos quem são eles, talvez eles mesmos ignorem. O narrador também seria a figura do trapeiro (...) do catador de sucata e lixo, esse personagem das grandes cidades modernas que recolhe os cacos, os restos, os detritos, movido pela pobreza, certamente, mas também pelo desejo de não deixar nada se perder. Esse narrador sucateiro (...) não tem por alvo recolher os “grandes feitos”. Deve muito mais apanhar tudo aquilo que é deixado de lado como algo que não tem significação, 49 algo que parece não ter nem importância nem sentido, algo com que a história oficial não saiba o que fazer. (...) o narrador e o historiador deveriam transmitir o que a tradição oficial ou dominante, justamente não recorda. (Gagnebin, In: BRESCIANI E NAXARA, 2001, p. 90) Seu trabalho não seria somente de inscrever na memória comum e coletiva os grandes feitos, os grandes traumas ou mesmo nos fazer lembrar dos grandes heróis. O narrador deveria ser também e, principalmente, aquele que recolhe os restos da vida miúda e cotidiana, das pequenas aventuras e desventuras, amores, dores, paixões, ódios, as marcas, os afetos, rastros, vestígios e evidências para tecer com eles uma rede de sentido com a qual a comunidade se identifica. Desta forma, provocando o encontro de experiências tecidas a partir de fios históricos – em cujas redes foram colhidas lembranças, experiências, fotos, sentimentos, olhares, sorrisos e ressentimentos – com os pequenos detalhes cotidianos é que se constrói a história. (...) Encontramos vários elementos da narrativa tradicional em campos de pesquisas – a formação de professores, a criação de instituições escolares, políticas educacionais ou as práticas educativas, entre outros – que se utilizam de História Oral, pois nos depoimentos são facilmente detectados itens como a tradição, a moral da história, os sonhos e os pesadelos, os valores, as transgressões, os sentimentos e ressentimentos, a sabedoria da prática, os modelos de professor e aluno, os assujeitamentos, os programas pedagógicos e didáticos, a forma educacional e instrucional. Tudo isso e muito mais. Talvez pessoas. (CARRERA DE SOUZA, A. C., SOUZA, C. D., 2005, p. 47) Tendo em vista os conceitos acima desenvolvidos, situamos esta pesquisa – na qual pretendemos rememorar a história do trânsito de professores durante o processo de criação da UNESP - a partir da narrativa dos atores sociais participantes desta história, em que buscaremos atribuir significado e compreensão às tramas constitutivas dos ressentimentos causados nas transferências dos professores, de coordenadores de curso e de chefes de departamento da época, dando prioridade ao estudo de transferências em Departamentos de Matemática. Deparando-nos com alguns dados iniciais referentes à história da criação da UNESP, ficaram evidentes algumas indagações que pretendemos responder ao longo do trabalho: Em quais campi ocorreram as transferências de professores e chefes de departamentos durante o processo inicial de formação da UNESP? De que maneira foram feitas essas transferências? Quais as possíveis formas de ressentimento podemos constatar, ou não, no discurso dos professores e chefes de departamentos transferidos nesse período? O objetivo central de nossa pesquisa é constituir o cenário histórico do trânsito da memória de professores, chefes de departamentos e coordenadores de curso transferidos durante o processo inicial de formação da UNESP. Por meio da metodologia da História Oral, tentaremos compreender a experiência desse trânsito de memória utilizando-nos de depoimentos de alguns indivíduos envolvidos na 50 criação da UNESP, tanto de pessoas transferidas como de outras que, mesmo não sendo transferidas, se encontravam exercendo algum cargo administrativo no momento desse processo de transição que transformou os antigos Institutos Isolados localizados no interior paulista na universidade multicampi chamada UNESP. No caso desta pesquisa, quem pode ou deve narrar a história da criação da UNESP? Quais as pessoas envolvidas e que fazem parte desta história? Em seu artigo sobre “A vida dos homens infames”, Foucault (2010) nos aponta quais indivíduos devemos escolher para serem os narradores Vidas singulares, não sei por que acaso tornadas poemas (...) e que do choque dessas palavras e dessas vidas ainda nos venha um certo efeito no qual se misturam beleza e assombro. (...) Vidas que são como se não tivessem existido, vidas que não sobrevivem senão do choque com um poder que não quis mais que aniquilá-las, ou pelo menos apagá-las, vidas que a nós não tornaram a não ser pelo efeito de múltiplos acasos. (FOUCAULT, 1992, p. 90-102) As pessoas envolvidas não são comuns. São professores universitários, ex-chefes de departamento, ex-coordenadores de curso, portanto indivíduos que publicam e escrevem muito, enfim, pessoas que têm voz. Porém, em se tratando do caso da transferência de professores durante a criação da UNESP, uma ação imposta e autoritária, a estas pessoas não foi dada a possibilidade de escolha e nem a condição de opinar sobre este assunto. Indivíduos que, perante este assunto, talvez passassem sua vida despercebida se não fosse o contato e o choque com o poder, com a força coerciva do Estado que, por meio de suas ações impostas, modificou totalmente o cotidiano destes atores sociais, redefiniu seus destinos. Pessoas que agora têm a possibilidade de fazer com que suas vozes sejam ouvidas sobre este assunto, que se tornem públicos seus sentimentos, suas dores, seu ponto de vista, seus olhares, as miudezas do seu dia a dia, que os fazem únicos, que lhes dão identidade. É o indizível que tem a chance de poder tornar-se dizível. Para elas existe agora a possibilidade de recontar, através de suas memórias, esta história passada há tantos anos que virá de forma desordenada, das lembranças de pequenas coisas colhidas no cotidiano, das miudezas que juntas devem compor esta versão histórica. Todas aquelas coisas que constituem o ordinário, o pormenor insignificante, a obscuridade, os dias sem glória, a vida comum, podem e devem ser ditas, - mais, escritas. Tornam-se descritíveis e transcritíveis, na própria medida em que são atravessadas pelos mecanismos de um poder político. Durante muito tempo, não mereceram ser ditos sem escárnio senão os efeitos dos grandes; o sangue, o nascimento e a façanha, e só eles, davam direito à história. (FOUCAULT, 1992, p. 117) Parto da compreensão de que os atores envolvidos neste trânsito formam um grupo ou uma comunidade e teceram redes cujas práticas e táticas foram trançadas no contexto em que vivem. Relatando suas experiências, suas memórias, transmitem seu conhecimento, suas 51 ações, seus sentimentos, seus pontos de vista que expressam histórias contadas, ouvidas, recontadas a partir de uma visão individual, mas construída coletivamente. É por meio de seus relatos que buscaremos compreender e interpretar os sentidos construídos. Para conceituar o termo relato, nos ancoramos em Certeau: Todo relato é um relato de viagem – uma prática do espaço. A este título, tem a ver com as táticas cotidianas, faz parte delas, desde o abecedário da indicação espacial (‘dobre à direita’, ‘siga à esquerda’), esboço de um relato cuja sequência é escrita pelos passos, até ao ‘noticiário’ de cada dia (‘Adivinhe quem eu encontrei na padaria?’), ao ‘jornal’ televisionado (‘Teherã: Khomeiny sempre mais isolado... ’), aos contos lendários (as Gatas Borralheiras nas choupanas) e às histórias contadas (lembranças e romances de países estrangeiros ou de passados mais ou menos remotos). Essas aventuras narradas, que ao mesmo tempo produzem geografias de ações e derivam para os lugares comuns de uma ordem, não constituem somente um ‘suplemento’ aos enunciados pedestres e às retóricas caminhatórias. Não se contentam em deslocá-los e transpô-los para o campo da linguagem. De fato, organizam as caminhadas. Fazem a viagem, antes ou enquanto os pés executam. (...) Mas neste conjunto muito amplo vou considerar apenas ações narrativas. Elas permitirão precisar algumas formas elementares das práticas organizadoras de espaço: a bipolaridade ‘mapa’ e ‘percurso’, os processos de delimitações ou de ‘limitação’ e as ‘focalizações enunciativas’ (ou seja, o índice do corpo no discurso). (CERTEAU, 2009, p. 183–184. Grifos feitos pelo próprio autor) Uma “geografia das ações”, uma cartografia do cotidiano com “suas ações narradas” que elaboram uma topografia da memória. As ações narrativas e os relatos irão compor a paisagem, o cenário, organizando, assim o espaço. Para Certeau (2009), os relatos são bricolagens, feitos com resíduos e detritos do mundo. Desse modo, os narradores tornam-se produtores de textos, construtores de possibilidades de passagem a outras paisagens, a novos jogos de linguagem. O espaço é um lugar praticado. Assim a rua geometricamente definida por um urbanismo é transformada em espaço pelos pedestres. Do mesmo modo, a leitura é o espaço produzido pela prática do lugar constituído por um sistema de signos – um escrito. (...) Os relatos efetuam, portanto, um trabalho que, incessantemente, transforma lugares em espaços ou espaços em lugares. Organizam também os jogos das relações mutáveis que uns mantém com os outros. São inúmeros esses jogos, num leque que se estende desde a implantação de uma ordem móvel quase mineralógica (aí nada se mexe, salvo o próprio discurso que, numa espécie de travelling, percorre o panorama) até a sucessividade acelerada das ações multiplicadoras de espaços (como no romance policial ou em certos contos populares, mas esse frenesi espacializante nem por isso deixa de ser menos circunscrito pelo lugar textual). Seria possível uma tipologia de todos esses relatos, em termos de identificação de lugares e de efetuações de espaços. Mas, para aí encontrar os modos segundo os quais se combinam essas distintas operações, precisa-se ter critérios e categorias de análise – necessidade que reduz aos relatos de viagem os mais elementares. (CERTEAU, M., 2009, p.184 - 185. Grifos feitos pelo próprio autor) Portanto, a partir do relato desse grupo de atores envolvidos na transferência de professores durante a criação da UNESP, tentaremos constituir uma versão histórica de suas práticas, táticas, sentimentos, afetações, dos ressentimentos causados pelas transferências e realocamento dos professores, coordenadores de curso e chefes de departamento pertencentes 52 aos cursos extintos durante o período da criação da UNESP, dando prioridade ao estudo de transferências em Departamentos de Matemática. A fim de construir essas narrativas, foi necessário escolher os primeiros nomes de possíveis depoentes. Antes de tudo, pesquisamos a história da criação da UNESP. Este material foi conseguido no CEDEM – Centro de Documentação e Memória da UNESP, mais especificamente no Projeto Memória da Universidade; nos arquivos da UNESP e na literatura disponível sobre o assunto. Várias das unidades pertencentes à UNESP comemoraram 25 ou 30 anos de existência e, fazendo parte de sua comemoração, foram registradas as memórias de algumas unidades, muitas contando com o apoio do próprio CEDEM e utilizando-se do banco de vozes que lá existente, proveniente de seus projetos já acabados ou em andamento. Este é o caso das unidades de Araraquara, Botucatu e Rio Claro. Como demos prioridade aos departamentos de Matemática extintos, acabamos por estudar mais atentamente dois casos em específico. Da UNESP, unidade de Araraquara, cujo Departamento de Matemática foi fechado e seus professores realocados, em sua maioria, para as unidades da UNESP em Rio Claro e em São José do Rio Preto. Porém alguns dos professores pertencentes a Araraquara acabaram se desligando da UNESP e seguindo sua carreira em outras instituições. O outro foi o da UNESP, unidade de Presidente Prudente, cujo Departamento de Matemática esteve ameaçado de extinção durante toda a reestruturação da Universidade, mas que acabou se mantendo devido à luta que envolveu professores de Matemática e de outros cursos, alunos, funcionários e toda a comunidade de Presidente Prudente. A partir dos documentos estudados e da literatura encontrada, conseguimos selecionar, entre os envolvidos de alguma forma nessa transferência, nomes de professores cujo depoimento seria relevante para a pesquisa. Dividimos os depoentes em três grupos: o primeiro e maior foi formado por professores de Matemática – entre estes uma parte foi constituída por professores que vivenciaram a transferência ou o desligamento da UNESP tão logo o departamento a que pertenciam foi extinto, e a outra parte foi composta por professores que recepcionaram os professores transferidos, mas todos viveram de perto a experiência dessa mudança; o segundo grupo foi constituído também por professores, mas foram escolhidos os que pertenciam a outras áreas que não a Matemática; e o terceiro grupo foi composto por professores que exerciam cargos administrativos relevantes na época em que se deu a transferência, isto é, os que realmente organizaram e implantaram todas as mudanças a fim de que a criação da UNESP se tornasse uma realidade. 53 Escolhemos trabalhar com a metodologia da História Oral. Segundo a denominação de Meihy (1996), nossa pesquisa se enquadraria em História Oral Temática, em que o depoente discorre sobre suas experiências, porém em torno de uma temática central. Optamos por trabalhar com relatos orais, porque a base de seus registros são depoimentos nos quais prevalece a perspectiva do depoente sobre o acontecimento. Seu relato se transformará no documento que reconstituirá a história a partir das diversas versões recolhidas de todos os depoentes. Dessa forma, a experiência de cada um dos atores é o que importa. Esses relatos possibilitam perceber a perspectiva histórica dos indivíduos pertencentes a diversas camadas sociais e, ainda, que se obtenham leituras diferentes de um mesmo acontecimento, o que nos permite colocar no cenário da história personagens e movimentos até o momento esquecidos e/ou desconhecidos. Aliás, esta é a riqueza em se trabalhar com depoimentos: a sua diversidade, em que se coloca luz em diferentes pontos de vista e nas várias versões que se dão do acontecido. Nesse cenário, não se privilegia um só olhar, uma só visão, mas, sim, diferentes atores a comporem uma mesma trama. Atores estes que não raro nem teriam voz e nem comporiam este cenário. A partir dessas considerações, optamos por um percurso de pesquisa em que o depoimento das pessoas envolvidas na transição entre as Faculdades Isoladas e a criação da UNESP participasse do relevo central da investigação com o objetivo de apreendermos um cenário deste período. Nesse contexto, a opção por um trabalho que se utiliza da História Oral é considerada natural e, ao mesmo tempo, instigante. No entanto, com base nos depoimentos colhidos para a realização desta pesquisa, praticamente não foi contemplada de forma clara a história sobre o Departamento de Matemática da UNESP pertencente ao campus de Presidente Prudente. Então recorremos à literatura sobre o assunto e, para recontar esta versão histórica, nos apoiamos em fragmentos da obra: “Alegre, M. (org) Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras ontem: uma trajetória (história Oral) – Faculdade de Ciências e Tecnologia hoje. Presidente Prudente: 2006.”, que reconta a trajetória de 47 anos da unidade de Presidente Prudente, desde a criação da FAFI/Presidente Prudente até a UNESP/Presidente Prudente, em 2005, quando foi incorporada pela UNESP. A obra se baseia em depoimentos orais colhidos pelo CEDEM – Centro de Documentação e Memória da UNESP, em seu projeto “Memória da Universidade”. Em especial nos utilizamos de fragmentos dos depoimentos dos seguintes professores: Prof. Dr. Dióres Santos Abreu, Prof. Dr. Marcos Alegre, Profª. Drª. Thereza Marini, Profª. Drª. Rute Künzli, Prof. Dr. Armen Mamigonian. 54 Voltando aos depoimentos, muitas das pessoas tidas como possíveis depoentes foram contatadas para a realização das entrevistas, mas como este é um assunto que desperta variados tipos de sentimentos, até contraditórios, foi grande o número de desistentes e de pessoas que não aceitaram participar da pesquisa. Muitos chegaram a marcar o depoimento e logo depois desistiram de ser entrevistados. Uma grande parte não quis nem conversar sobre o assunto. Outros ainda chegaram a aceitar dar o depoimento, mas foram adiando a data um sem-número de vezes até que a realização do depoimento se tornou inviável. Dos nomes inicialmente escolhidos, somente o Prof. Dr. Irineu Bicudo, a Profª Ms. Berenice Cresta Guardia e a Profª Drª Lucila de Oliveira Maciel concederam entrevista, que foram realizadas em agosto de 2009. Os outros nomes foram escolhidos por terem sido citados ou indicados como possíveis depoentes pelos entrevistados acima citados, isto é, nos utilizamos do critério de rede para a escolha dos demais entrevistados. Também nos utilizamos de nomes que apareceram na bibliografia consultada sobre o assunto, bem como nas pesquisas realizadas no arquivo morto da UNESP. Ao todo, para este trabalho de pesquisa, nos utilizamos de catorze depoimentos orais. As entrevistas iniciais colhidas em agosto de 2009 foram feitas com: Prof. Dr. Irineu Bicudo, Profª Ms. Berenice Cresta Guardia, Profª Drª Lucila de Oliveira Maciel. As demais entrevistas foram realizadas entre setembro de 2009 e agosto de 2011. Os demais depoentes que participaram desta pesquisa são: Prof. Dr. Geraldo Perez, Prof. Ms. Clélio José Faggion Bellini, Prof. Dr. Amilton Ferreira, Prof. Dr. Cesar Basta, Prof. Dr. Francisco da Silva Borba, Prof. Dr. Ivo Machado da Costa, Profª Drª Celi Vasques Crepaldi, Prof. Dr. Luiz Ferreira Martins, Prof. Dr. Ruy Madsen Barbosa, Prof. Dr. Jorge Nagle e Profª. Drª. Maria Aparecida Viggiani Bicudo. Houve outras indicações de depoentes, mas elas começaram a se repetir. Os depoimentos também começaram a tornar-se repetitivos e com poucos fatos novos. Todos os sinais apontavam para o fechamento da rede de depoimentos. Para que as entrevistas acontecessem, houve um contato inicial, por parte da entrevistadora, com cada depoente a fim de agendar, conforme a disponibilidade dele, a data o horário, bem como um local de sua preferência. O momento seguinte com os depoentes foi o da entrevista, de acordo com o agendamento estabelecido por eles. Com exceção de uma entrevista, os demais aceitaram o uso do gravador de MP-3, da marca Sony, modelo IC Recorder ICD-PX720. Descartamos a entrevista que não pôde ser gravada, pois não se encaixava nos procedimentos da metodologia 55 de História Oral, que necessita da gravação como um dos itens mais importantes, porque atesta, inclusive, a veracidade dos depoimentos. Durante a entrevista a pesquisadora se utilizou de um roteiro de perguntas semiestruturado, pois, existiam determinados assuntos que deveriam ser tratados no decorrer do depoimento. Porém foi deixado que o depoente falasse livremente sobre o tema pesquisado e, somente quando algum assunto não era abordado, é que a entrevistadora fazia uma interferência na tentativa de contemplá-lo, deixando a entrevista mais completa. Em vários depoimentos, ao certificar-se de que o aparelho havia sido desligado, o depoente ainda dava algumas informações relevantes à pesquisa, mas que, propositadamente, pretendia que não constassem no interior do depoimento. Houve tentativa, por parte da pesquisadora, de incorporar estas informações na entrevista, mas sem sucesso, já que estes depoentes não permitiram tal incorporação. Porém não atrapalhou o andamento da pesquisa, já que a maioria destas informações acabavam por constar em outras falas. Tivemos o cuidado de seguir alguns procedimentos durante as entrevistas. Uma preocupação foi a de o entrevistador não direcionar as perguntas, palavras, gestos, respostas e histórias, de modo a validar sua hipótese, tentando não interferir no depoimento e ser o mais imparcial possível. O depoimento deve ser sempre um diálogo, portanto, não adianta nos iludirmos tentando eximir o entrevistador de qualquer interferência, já que o depoimento é uma construção dialética. Assim, a construção desse diálogo funda-se na possibilidade de compartilhar experiências e na aceitação do outro com suas fronteiras da mesma forma que o entrevistador tem as suas. Durante o depoimento é preciso deixar o depoente falar livremente de suas lembranças e que ele dê a elas sua própria interpretação. Desenvolver a capacidade de observar e ouvir, sempre com muita paciência. Lembrar-se de que o depoente é o protagonista do depoimento e que cada um tem seu tempo para organizar a fala, elaborar o pensamento. Esta é uma questão muito importante em História Oral: ouvir o outro. Há certa tendência no comportamento social em pré-julgar, categorizar, classificar e agrupar os “outros”, aqueles “fora de mim”. Para aquele que se dispõe a ser o entrevistador, é fundamental o respeito à alteridade. Após a concessão de um depoimento, iniciamos uma nova etapa a ser cumprida. É a transcrição literal do depoimento. Durante esta etapa a entrevista é transcrita sem omitir as hesitações, os vícios de oralidade, erros, englobando as perguntas e interferências feitas pelo entrevistador, repetições de assuntos, indicando pausas e silêncios, bem como as 56 características do depoente. Este é o lugar em que fica claro o anacronismo da memória que, ao vir, brota desorganizada e sem respeitar nenhuma linearidade temporal. Em seguida elaboramos a textualização, resultado da edição do texto transcrito. Esta edição consistiu na supressão das perguntas feitas pela entrevistadora, das falhas de linguagem, no agrupamento dos assuntos, na retirada dos vícios próprios da oralidade e das repetições. Foi tomado o cuidado de prezar pela manutenção do sentido intencional dado pelo narrador, já que não pretendíamos descaracterizar a sua fala, para que não houvesse nenhuma interferência na espontaneidade, naturalidade e modo de falar do depoente. A intenção é produzir um outro texto, um texto diferente, não a tradução deste primeiro, mas modificado a fim de proporcionar ao leitor um texto corrido, linear, com continuidade e cadência, com ideias mais claras, mais fácil de ser lido e compreendido. Acabada a etapa de textualização, inicia-se o processo, próprio dos procedimentos da metodologia empregada em pesquisas que envolvam a História Oral: a validação do depoimento, o que inclui o necessário diálogo entre entrevistador e depoente, no qual este último transforma-se em colaborador. Para tanto foi entregue para cada entrevistado um CD contendo o arquivo de voz gravado durante a entrevista, a transcrição literal dela e sua textualização. Durante este momento, o depoente tem total liberdade de alterar, reescrever, omitir, completar, acrescentar, retirar alguns dados na textualização referentes ao seu depoimento. Este é um dos procedimentos recomendados em História Oral e este direito e respeito não lhes foram negados. O texto final da textualização, resultado de vários acordos e encontros feitos entre entrevistador e colaborador, é povoado por palavras que provavelmente não foram ditas desta mesma maneira pelo colaborador, mas ele ali se identifica, já que somente ele as poderia ter dito, pois esta passa a ser sua vida, a vida escolhida por ele para ficar registrada. As lembranças são sempre repletas de esquecimentos, atos falhos, mentiras, enganos, lapsos, orgulho, vaidade, inveja, etc. Sentimentos e atos premeditados ou não que são incorporados ao texto e não se esgotam em si, já que o leitor deixa de habitar o lugar de passivo e, mediado pelo entrevistador, transforma-se em participante ativo ao interpretar estas narrativas. Optamos pela inclusão de notas de rodapé nas textualizações para explicar ideias que não ficaram muito claras, identificar e situar alguns atores envolvidos na transferência entre campi da UNESP, explicar siglas utilizadas nos depoimentos e apresentar devidamente ao leitor algumas pessoas citadas. 57 Feito o acordo entre entrevistador e entrevistado sobre o conteúdo a ser mantido na textualização, é assinada uma Carta de Cessão, na qual o depoente cede os diretos do depoimento para que possa ser incorporado à tese. Durante as entrevistas, foi surpreendente para mim, como pesquisadora, constatar o desconforto de alguns dos envolvidos em falar sobre o tema desta pesquisa, pois constatei que despertou neles sentimentos controversos, contraditórios, por vezes de raiva, revolta e ódio. Foram notadas longas pausas, houve perguntas que ficaram sem respostas, claros desvios de assunto, foi percebido um desinteresse por parte de alguns depoentes; em alguns momentos, ao abordarem determinados assuntos, em alguns casos houve grande necessidade de conversar sobre o tema; em outros, silêncios e omissões. Todos estes sentimentos e ações foram notados antes das entrevistas, durante e após elas. Houve alguns depoimentos em que o entrevistado, mesmo depois de realizada a entrevista, verbalizou seu descontentamento com o que havia sido dito e com o assunto tratado manifestando o desejo de inutilizar o depoimento, situação que acabou sendo contornada com alguma conversa. Durante todas as etapas deste trabalho, utilizei-me de uma ferramenta auxiliar que teve por objetivo registrar o desenvolvimento desta pesquisa, ajudou a elaborá-la e se mostrou de grande valia no processo de transcrição e textualização das entrevistas, já que os trabalhos de História Oral são repletos de subjetividade: o caderno de campo. Neste trabalho ele teve uma importância maior, pois muitos depoimentos eram vivos e acalorados e estavam impregnados de sentimentos, tanto positivos como negativos. A primeira consideração a se fazer é que ele era realmente um caderno, de papel mesmo, e há a necessidade de se deixar isto bem claro ante as várias opções em tempos de internet, sites, webcams, gravadores digitais, cyberspaços, notebooks, lap-tops e tablets. Preferi fazer minhas anotações em um caderno de papel que foi usado como instrumento de trabalho. Ele foi elaborado seguindo os moldes de um diário de pesquisa. O que é essencial para se elaborar um bom caderno de campo, fazendo com que ele possa realmente auxiliar o pesquisador, é criar o hábito de registrar todas as atividades, as sensações, enfim, os detalhes de tudo o que ocorreu em todas as etapas da pesquisa. Em seu conteúdo podemos encontrar anotados os nomes, telefone e endereço de possíveis depoentes. Ele pode funcionar como agenda das entrevistas, resumo e impressões de cada entrevista, como anotação de citações e referências interessantes, registros de orientação, sugestões do orientador e dos depoentes. Serve como depositário de notas, impressões, observações, as primeiras teorizações, mapas, esboços, desabafos. Fazendo parte de seu interior, podemos encontrar os problemas, obstáculos, recusas pelos quais o pesquisador passou ao longo do desenvolvimento da pesquisa, mas também os sucessos compreendidos 58 em suas várias etapas. A partir de sua leitura, é possível visualizar alternativas e caminhos a serem percorridos, bem como os caminhos que ficaram para trás. Consigo ele traz os dilemas do pesquisador, seu modo de pesquisar, deixa claras suas características, traços de sua personalidade, suas escolhas. Quanto maior for a riqueza de detalhes encontrados no caderno de campo, maior é a facilidade para o pesquisador acessar as informações de que precisa, relembrar fatos vivenciados e estudos realizados que porventura tenham sidos esquecidos. Entretanto, para mim, o maior ganho que podemos ter em elaborar um bom caderno de campo é que ele nos permite captar um tipo de informação que tão somente o documento ou a transcrição da entrevista não transmite: o retorno às sensações vividas no momento da experiência. O caderno de campo consegue nos fornecer o contexto e nos transportar para o momento em que a entrevista foi realizada quando já nos distanciamos dela. Acredito que, de posse de todos estes pequenos detalhes, que podemos chamar de rastros, indícios, evidências ou vestígios, será possível conseguir uma melhor visualização do todo, mesmo tendo a certeza de sua incompletude, e que cada um destes fragmentos seja uma peça do quebra-cabeça que nos permitirá tentar entender e apreciar o outro, suas individualidades, as diferentes visões, cada novo ponto de vista, as variadas versões, tão comuns na História Oral. 59 Capítulo 2 - Ouvindo as vozes Não dá para tirar daqui e levar para lá, como foi feito, faltou uma intermediação. Eu acho que é isso que essa história oral vai contar: a ausência dessa intermediação. (Maria Bicudo) Para a realização deste trabalho de pesquisa, foram escolhidos catorze depoentes de quem colhemos o depoimento. São eles: Prof. Dr. Irineu Bicudo. O professor, na época da transferência, era chefe do Departamento de Matemática da UNESP/Rio Claro. Atualmente é professor aposentado pela UNESP/Rio Claro e orienta nesta unidade alunos no Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática do Instituto de Geociências e Ciências Exatas. Sua entrevista foi realizada em 11 de agosto de 2009, em sua sala, nas dependências do Departamento de Matemática na UNESP/Rio Claro. Profª. Ms. Berenice Cresta Guardia, que hoje é aposentada pelo Departamento de Educação do Instituto de Biociências da UNESP/Rio Claro. Na época era professora de Pedagogia da UNESP, em Rio Claro, e foi transferida para Araraquara. A professora escolheu realizar sua entrevista em uma sala pertencente à Biblioteca da UNESP/Rio Claro, em 13 de agosto de 2009. Profª. Drª Lucila de Oliveira Maciel, professora de Pedagogia aposentada pela UNICAMP. Na época pertencia ao Departamento de Educação da UNESP/Rio Claro. Permaneceu nesta unidade por mais alguns anos após sua extinção até que todos os alunos se formassem e depois foi transferida para a unidade da UNESP/Araraquara. Sua entrevista foi realizada em sua casa, na cidade de Rio Claro, em 14 de agosto de 2009. Prof. Dr. Geraldo Perez, professor de Matemática aposentado pelo Instituto de Geociências e Ciências Exatas da UNESP/Rio Claro. Era professor do Departamento de Matemática na UNESP, em Rio Claro. Sua entrevista foi feita na Sala de Seminários pertencente a este departamento, em 19 de agosto de 2009. Prof. Ms. Clélio José Faggion Bellini, na época era professor do Departamento de Matemática da UNESP/Araraquara e foi transferido para a UNESP/Rio Claro. Hoje se afastou do magistério e trabalha em sua empresa localizada na cidade de Araras-SP. Sua entrevista foi feita em uma sala pertencente à Biblioteca da UNESP/Rio Claro, em 18 de agosto de 2009. 60 Prof. Dr. Amilton Ferreira é professor de Biologia aposentado pelo Instituto de Biociências da UNESP/Rio Claro. Na época já exercia o cargo de professor nesta mesma instituição. Acompanhou a transferência de professores entre os campi e também recepcionou alguns professores transferidos. Sua entrevista foi concedida em uma sala do Departamento de Biologia na UNESP/Rio Claro, em 21 de agosto de 2009. Prof. Dr. Cesar Basta, na época da transferência, era Chefe do Departamento de Matemática da UNESP/Araraquara, atualmente é professor aposentado da UNESP/ Guaratinguetá. Sua entrevista foi concedida em sua casa, na cidade de São Paulo, em 05 de julho de 2010. Prof. Dr. Francisco da Silva Borba, professor de Letras aposentado pela UNESP/Araraquara. Na época era Diretor da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Araraquara, que se transformaria em UNESP/Araraquara. Sua entrevista foi colhida em sua casa, na cidade de Araraquara, em 23 de outubro de 2010. Prof. Dr. Ivo Machado da Costa é professor aposentado pela UFSCar, mas continua atuando na mesma instituição. Na época era professor do Departamento de Matemática da UNESP/Araraquara e foi realocado no Instituto de Química, em Araraquara. Logo depois fez concurso e passou a trabalhar na UFSCar. Sua entrevista foi feita na sua sala, na UFSCar, em São Carlos, em 21 de outubro de 2010. Profª Drª Celi Vasques Crepaldi, que era professora do Departamento de Matemática da UNESP/Araraquara e foi transferida para a UNESP/Rio Claro, mas acabou retornando logo em seguida para o Instituto de Química na UNESP/Araraquara. Atualmente é professora aposentada pela UNESP/Araraquara e exerce cargo administrativo na UNIARA, em Araraquara. Sua entrevista foi feita na sua sala, nas dependências da UNIARA, em Araraquara, em 26 de outubro de 2010. Prof. Dr. Luiz Ferreira Martins é professor de Odontologia aposentado pela FOB/USP, unidade de Bauru. Na época da criação da UNESP, era Coordenador dos Institutos Isolados. Foi reitor da UNESP e sua gestão compreendeu o período de 10/03/1976 – 9/3/1980. Sua entrevista foi colhida na sua casa, em Bauru, em 22 de outubro de 2010. Prof. Dr. Ruy Madsen Barbosa, professor de Matemática aposentado pela UNESP/São José do Rio Preto. Na época era professor do Departamento de Matemática da UNESP/Araraquara e foi transferido para a UNESP/São José do Rio Preto. Sua entrevista foi concedida em sua casa, na cidade de Campinas, em 28 de outubro de 2010. Prof. Dr. Jorge Nagle é professor aposentado de Pedagogia pela UNESP/Araraquara e na época exercia a docência nesta mesma instituição. Foi reitor em duas ocasiões: 1ª gestão: 61 1/8/1984 – 16/1/1985 – pro tempore e 2ª gestão: 17/1/1985 – 16/1/1989. Sua entrevista foi concedida na sua casa, em Mogi das Cruzes, em 02 de fevereiro de 2011. Profª. Drª. Maria Aparecida Viggiani Bicudo é professora aposentada pelo Departamento de Matemática da UNESP, em Rio Claro. Na época, pertencia ao Departamento de Educação na UNESP/Rio Claro e foi transferida para a UNESP de Araraquara. O caso da professora Maria foi único, então cabe aqui uma breve explicação. A professora, por sua experiência, foi convidada a fazer parte da banca de qualificação desta pesquisa. Porém, durante sua fala no exame de qualificação, a riqueza de detalhes sobre o acontecimento pesquisado foi tão grande, já que ela vivenciou estes acontecimentos, que decidimos realizar uma entrevista e, portanto, ela passaria a fazer parte da categoria de depoentes deste trabalho, ficando eticamente inviável que continuasse a fazer parte da banca examinadora. Para que sua fala ficasse mais completa, nos utilizamos de três momentos em que ela discorreu sobre este assunto: uma palestra ministrada em comemoração dos 25 anos do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da UNESP, campus Rio Claro, ocorrida em 08 de novembro de 2009, nas dependências do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da UNESP, em Rio Claro; sua fala durante a banca examinadora do exame de qualificação desta pesquisa, ocorrido em 18 de abril de 2011, nas dependências do Departamento de Matemática na UNESP em Rio Claro; e uma entrevista cedida em 23 de agosto de 2011, em sua casa, na cidade de São Paulo. A textualização final utilizada foi construída a quatro mãos, tendo como base estes três textos. 62 63 Prof. Dr. Irineu Bicudo Entrevista realizada com o Prof. Dr. Irineu Bicudo. Data: 11/08/2009. Local: Sala do Prof. Dr. Bicudo, Departamento de Matemática, UNESP, Rio Claro, SP. Entrevistador: Luciana S. de Oliveira Zanardi. “Foi realmente traumático. Você imagina uma pessoa bem situada, com casa, a vida estabelecida num lugar e ter que mudar de repente, (...) foi terrível esse começo”. Comecei a dar aula em Rio Claro em 1966, na antiga Faculdade de Ciências e Letras. Em 74, fui para os Estados Unidos. A primeira vez, passei dois anos lá. Quando de meu regresso a Rio Claro voltei a ser chefe de departamento. Fui em agosto de 74 e voltei em junho de 76. Fiquei esse final de 76, 77 e em 78 tornei a ir para os Estados Unidos por um período de mais um ano. Mas durante o período que fiquei no Brasil sempre fui, acho, chefe do departamento. Em 69, nós tivemos, com a criação da UNICAMP, um primeiro problema aqui. Tanto a Física quanto a Matemática de Rio Claro passaram a pertencer à UNICAMP. Na Física os professores foram de imediato e nós da Matemática resistimos e acabamos não indo e no fim acabamos nos desligando da UNICAMP. Então essa foi a primeira tentativa de integrar Rio Claro, ou pelo menos parte da antiga Faculdade de Filosofia, a uma universidade. Em 76, houve a criação da UNESP e a antiga Faculdade de Filosofia então foi abarcada pela nova instituição, junto com os outros Institutos Isolados do Estado de São Paulo. Quando voltei dos Estados Unidos em 76, a UNESP já estava instalada e a única diferença é que a reitoria tinha sido proposta para estar situada em Ilha Solteira e depois a reitoria acabou não sendo em Ilha Solteira. Por que a ideia era dar ênfase a uma melhor distribuição do ensino superior no Estado de São Paulo. Mas isso não aconteceu. Houve um acordo, eu não sei de quem com quem, de fatiarem os cursos das antigas Faculdades de Filosofia. Por exemplo, o curso de Pedagogia, o curso de Ciências Sociais que nós tínhamos em Rio Claro, passaram a pertencer a Araraquara. Em contrapartida, a Matemática de Araraquara, que tentou ficar, acabou não conseguindo e houve o fechamento então daquele curso. Alguns professores foram pra São José do Rio Preto, alguns professores vieram pra Rio Claro. Essa é a história pura e simples do que aconteceu. 64 Foi realmente traumática esta mudança, porque imagina no meu caso, por exemplo, a professora Maria Bicudo24 e eu éramos casados, ela ficou sendo professora de Araraquara e eu continuei em Rio Claro. Era uma coisa muito traumática. Tanto é que depois os professores das licenciaturas, a Didática Geral, a Psicologia acabaram voltando para as unidades de origem, porque evidentemente nós precisávamos de gente aqui pra dar a Didática, a chamada então Didática Geral, de gente pra dar Psicologia e a professora Maria Bicudo acabou voltando. Mas aí não havia um departamento, não havia mais a área de pedagogia para abrigar esses professores. E cada professor foi posto em um determinado departamento existente, aleatoriamente. Então, a professora Cecília Micotti25, por exemplo, responsável pela da Didática Geral, acabou indo para a Biologia. Uma professora da Psicologia acabou na Geografia. E a professora Maria Bicudo veio para a Matemática, por razões óbvias, mas de qualquer modo todo mundo ficou deslocado. No começo esses professores todos foram para Araraquara. A Maria deu aula em Araraquara por uns 2 ou 3 anos. Eu não me lembro precisamente quanto. Ela viajava. Ia no começo da semana e vinha do fim de semana. Foi realmente traumático. Você imagina uma pessoa bem situada, com casa, a vida estabelecida num lugar e ter que mudar de repente, como aconteceu com os professores de Matemática de Araraquara. O professor Ruy Madsen Barbosa26, que estava bem estabelecido em Araraquara desde sempre acabou tendo que optar. Ele foi para São José do Rio Preto em primeiro lugar, depois ele veio pra Rio Claro, mas muito depois. Nessa mudança ele foi pra São José do Rio Preto. Assim como os outros vieram pra Rio Claro. Foi terrível esse começo, mas talvez todo começo seja traumático, não sei ao certo. Não vinha nenhuma documentação junto, só vinha pura e simplesmente o professor. A parte da documentação, eu acho que foi feita nas altas esferas. Simplesmente eles foram transferidos. Ponto. Houve grupos, acho que pequenos grupos de resistência que acabaram ficando até no local fazendo outras coisas. Por que veja, acho que, digamos, os cursos de Ciências Sociais e de Pedagogia tinham Estatística. Então, talvez, não sei se esse foi o caso, mas algum professor de Matemática poderia falar “não, eu vou ficar em Araraquara, eu leciono Estatística”. Então eles acabaram de fato “ajeitando” a situação de muita gente. Como 24 Profª Drª Maria Aparecida Viggiani Bicudo, professora aposentada pelo Departamento de Matemática. Atua no Programa de Pós-Graduação de Educação Matemática na UNESP, Rio Claro. É entrevistada desta pesquisa. 25 Profª Drª Maria Cecília Oliveira Micotti, professora aposentada pelo Departamento de Pedagogia. Ainda orienta pelo Programa de Pós-Graduação em Educação na UNESP, Rio Claro. 26 O Prof. Dr. Ruy Madsen Barbosa é Bacharel (1953) e Licenciado (1954) em Matemática. No ensino Superior obteve os títulos de Doutor, Livre Docente, Professor Adjunto e Professor Titular. Após a extinção do Departamento de Matemática em Araraquara, foi transferido para a UNESP de São José do Rio Preto. Atualmente é professor titular aposentado da UNESP. É entrevistado desta pesquisa. 65 eu disse, o pessoal ligado a essa parte da Pedagogia acabou voltando pra Rio Claro. Eu imagino que isso tenha acontecido em todas as unidades. O professor Ruy inicialmente foi para São José do Rio Preto. Quando ele veio pra Rio Claro já não tinha mais nada a ver com o problema da UNESP. Ele, acho que já tinha se aposentado e depois acabou sendo integrado aqui a Rio Claro. Fez concurso e se integrou a Rio Claro. Bom, o professor Ruy, o Professor Espada27. O grupo do professor Ruy lá de Araraquara optou por ir para São José do Rio Preto. Na verdade, já havia uma distinção na Matemática de Araraquara. Havia dois grupos bem separados. O grupo do professor Ruy acabou indo para São José do Rio Preto. Os elementos desse outro grupo é que acabaram vindo pra Rio Claro. O Balthazar28 é um deles. Hoje ele está na Matemática Aplicada e Computacional. O professor Bellini que já está aposentado, Clélio Bellini29. O professor César Basta30, que veio primeiro pra Rio Claro e depois acabou indo para Guaratinguetá, parece, alguma coisa assim. Eu me lembro desses três. Tadashi31, o Tadashi eu também acho que veio de Araraquara. Eu me lembro desses. Eles eram quase todos da Matemática Aplicada, isso mesmo. Quer dizer, naquela época não havia dois departamentos de matemática: Matemática e Matemática Aplicada. Havia um departamento só e esses vieram pra Matemática. Depois, quando houve a separação dos departamentos, eles ficaram nessa parte aplicada. Mas inicialmente havia um departamento de matemática só. Nada da Matemática de Araraquara veio pra Rio Claro em termos de biblioteca. Rio Claro eu acho que cedeu um pouco em termos do acervo dessas áreas de Pedagogia e Ciências Sociais para Araraquara, mas acabamos ficando com alguma coisa ainda. Rio Claro foi muito “apressadinha” eu acho nesse ponto. Ninguém cedeu acho, só Rio Claro. Rio Claro sofreu a perda de dois cursos e claro, o pessoal que mudou ficou com uma certa mágoa. Parece que nós estávamos querendo nos ver livre deles logo. Talvez até existisse um ressentimento por parte de alguns. Porque eu cheguei a ouvir dizer “ah, quando eles forem embora a gente vai ganhar mais, teremos mais espaço, mais isso, mais aquilo” então deve ter havido. Mas resistência mesmo, de fato, não acho que tinha aqui não. 27 Prof. Dr. Antonio Espada Filho, professor de Matemática da UNESP de São José do Rio Preto. Prof. Dr. José Manoel Balthazar, professor de Matemática pertencente ao DEMAC, UNESP, Rio Claro. 29 Prof. Ms. Clélio José Faggion Bellini, Professor de Matemática. Não atua mais no magistério. 30 Prof. Dr. Cesar Basta, Professor de Matemática aposentado pela UNESP de Guaratinguetá. É entrevistado nesta pesquisa. 31 Prof. Dr. Tadashi Yokoyama, professor de Matemática pertencente ao DEMAC, UNESP, Rio Claro. Há uma confusão por parte de diversos entrevistados que citam este professor como transferido de Araraquara nesta época da transição entre o Instituto Isolado e a UNESP. Mas este professor explicou-me, durante uma conversa que tivemos, que se formou em Araraquara e foi trabalhar logo em seguida em São Paulo. Veio para Rio Claro somente alguns anos depois, por meio de concurso. 28 66 Penso que os Institutos Isolados passaram por várias etapas. Dependia muito do governo da época. Quando os Institutos Isolados foram criados, no governo de Carvalho Pinto32, todas as condições foram dadas pra que eles funcionassem direitinho. Então por exemplo, Rio Claro. A biblioteca do ponto de vista da Matemática, em termos de revistas, de jornais científicos, Rio Claro foi absolutamente privilegiada. Nós temos uma coleção extraordinária desde o começo dos anos 60 até meados de 70. Mas depois veio o governo do Adhemar de Barros33. Bom, ai foi o caos. O governo do Adhemar de Barros começou a atrasar o pagamento de professores, muitos professores deixaram os Institutos Isolados. Porque quando os Institutos foram criados, em Rio Claro em particular, eu disse: “eles foram privilegiados”, por que gente da mais alta estirpe veio pra coordenar as chamadas Cadeiras. Gente da USP, gente muito tarimbada veio pra coordenar, pra reger essas Cadeiras. E depois no governo do Adhemar de Barros a coisa começou a se dispersar, muitos professores foram embora de Rio Claro. E então essas revistas já eram assinadas com mais dificuldade, o acervo da biblioteca sofreu com esse governo. E depois, como eu disse, havia aquela gangorra política, com altos e baixos. Parece-me que ainda assim os Institutos Isolados funcionavam bem. A UNESP foi uma injunção política. A criação da UNESP foi, não tenho dúvida nenhuma, uma injunção política. Alguém queria ser reitor de uma universidade e criaram a UNESP. Porque do meu ponto de vista não houve nada de significativo na mudança dos Institutos Isolados para a UNESP. Pelo contrário, na antiga Faculdade de Filosofia de Rio Claro havia mais harmonia entre os cursos do que com a divisão em dois institutos, na criação da UNESP. A criação de dois institutos traçou uma linha divisória entre eles, e parece que não havia cruzamento possível dessa linha divisória. Ao passo que na Faculdade de Filosofia convivíamos em perfeita harmonia, trocando ideias com os vários grupos dos vários departamentos. Sou saudosista... Também porque era menor. Claro, a massificação sempre prejudica o andamento das coisas, mas creio que a Faculdade de Filosofia funcionava muito bem. Em matéria de recursos, pouca coisa mudou. Evidentemente a faculdade só começou a 32 Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto formou-se em direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Exerceu o cargo de Secretário das Finanças do município de São Paulo em 1953, e entre 1955 e 1958, foi Secretário da Fazenda quando Jânio governou o Estado de São Paulo. Foi o 19º governador do Estado de São Paulo e seu governo, que decorreu de 1959 a 1963, orientou-se pelas diretrizes delineadas no seu PAGE (Plano de Ação do Governo do Estado). Foi o primeiro governador a estabelecer um planejamento orçamentário dos vários setores da administração pública. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 22/06/2010. 33 Adhemar de Barros foi prefeito da cidade de São Paulo (1957–1961), interventor federal (1938–1941) e duas vezes governador de São Paulo (1947–1951 e 1963–1966). Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 22/06/2010. 67 ganhar mesmo com a autonomia que passou a ter de uma época em diante. Antes a dificuldade era a mesma. Nós acabávamos sempre dependendo do governo de plantão. Agora, com a autonomia, com a atribuição de um percentual do ICMS a coisa melhorou um pouco. Porque o problema fundamental é o seguinte: quando cheguei em Rio Claro e desde a fundação do Instituto Isolado em Rio Claro, o primeiro diretor foi o professor João Dias da Silveira34, que era um professor catedrático da Universidade de São Paulo. Depois o professor João Dias pediu demissão por um problema pessoal e ficou, por pouco tempo, um professor local da Pedagogia, o professor Aparecido de Oliveira35. E, realmente, um burocrata, mas durou pouco. Depois veio o professor Paulo Sawaya36, que também era um professor catedrático da USP, gente de muito peso. Então, nós tínhamos na direção da antiga Faculdade de Filosofia gente que tinha muito peso científico. Ao passo que quando criaram a UNESP, as pessoas que passaram a dirigir os institutos não tinham esse peso, não só cientifico, mas um peso político, que podia exigir certas coisas. Por exemplo, o professor Paulo Sawaya impediu a Matemática de Rio Claro de ir para UNICAMP, quando nós não queríamos ir. Enfrentou o professor Zeferino Vaz. Quando a UNESP foi criada, infelizmente, dirigindo os Institutos ficaram as pessoas locais, sem nenhum prestígio. Primeiro o professor Buschinelli 37. Uma pessoa excelente, parece que teria sido um excelente professor, mas que não tinha nenhum peso político. O professor Buschinelli estava afobado e querendo provavelmente agradar a direção da universidade e mandou parte desde nosso acervo de Pedagogia e Ciências Sociais para Araraquara. Em Araraquara, foi ao contrário. O Nagle38 não deixou praticamente nada sair de lá. Ele tinha já um peso político, mais que o Alcides Serzedello39, que foi quem sucedeu o Buschinelli. Eram ambos da parte de Biologia, o professor Buschinelli da Biologia propriamente e o Serzedello da Bioquímica. Pessoas excelentes, mas que não tinham um peso político. Não eram pessoas de exigir. Só vou dar um exemplo: o professor Sawaya, quando ia a São Paulo, era recebido pela autoridade maior. Não queria conversar com assistentes de quem comandava a coisa. Não era o caso, por exemplo, do professor Serzedello, capaz de 34 Prof. Dr. João Dias da Silveira, Diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro no período de julho de 1957 a março de 1966. Fundou e organizou a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro. 35 Prof. Dr. Aparecido de Oliveira, Diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro no período de março de 1966 a novembro de 1966. (GARCIA, 2008. p. 370) 36 Prof. Dr. Paulo Sawaya, Diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro no período de dezembro de 1966 a agosto de 1971. (GARCIA, 2008. p. 370) 37 Prof. Dr. Antonio Buschinelli, Diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro no período de agosto de 1971 a agosto de 1975. (GARCIA, 2008. p. 370) 38 Prof. Dr. Jorge Nagle, Professor de Pedagogia aposentado pela UNESP de Araraquara. É entrevistado desta pesquisa. 39 Prof. Dr. Alcides Sezerdello, Diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro no período de agosto de 1975 a janeiro de 1977. Diretor do Instituto de Biociências no período de janeiro de 1977 a agosto de 1979. (GARCIA, 2008. p. 370) 68 ficar sentado um tempo enorme pra conversar com o auxiliar do auxiliar. Então havia realmente uma diferença muito grande entre esse começo da Faculdade de Filosofia e o final da Faculdade de Filosofia com passagem para a UNESP. Eu não penso que houve injunção militar nenhuma durante a criação da UNESP. Não, eu acho que algumas pessoas da antiga Pedagogia, que depois acabaram voltando para Rio Claro, podem ter, evidentemente esta mágoa porque eles foram obrigados a se transferir para Araraquara, mas nada por imposição militar. Por imposição simplesmente da criação da UNESP. Não dava pra duplicar cursos numa distância de 100 km como de Rio Claro a Araraquara. Mas aconteceu mesmo um caso de ação restritiva, durante a ditadura aqui em Rio Claro. Eu sei porque a pessoa era minha amiga e nós fomos a São Paulo conversar com o pessoal da universidade e o pessoal da universidade estava tirando um pouco “o corpo fora”. E depois viemos a saber que havia mesmo um general que ficava encarregado de ver como andavam as coisas na universidade e a restrição ao nome desse professor, porque ele tinha sido membro do JUC, Juventude Universitária Católica. O nome dele teve a restrição então do exército. Pelo seguinte, porque o pessoal lá da reitoria teria nos dito, quando eu fui com esse professor, professor Sigrist40, chamava-se ele. Ele era da Pedagogia. Disse que era um problema do Dops. Acontece que o padrinho da minha irmã era o delegado geral do Dops, então eu fui falar com ele, junto com o professor e ele nos mandou então pra um delegado que poderia ser o encarregado disso e o delegado disse: “olha, há horas na vida que a gente precisa se fazer de morto pra ser carregado. O problema não é do Dops, o problema é do exército”. Ele falou com todas as letras. Então havia realmente. Mas penso que foi pouco aqui em Rio Claro. Que eu saiba, esse foi o único caso. Eu não sei como isso aconteceria nas outras unidades, mas em Rio Claro esse é o único caso que eu conheço de não haver renovação de contrato por imposição dos militares. A própria universidade é que fez essa divisão. A universidade não queria duplicar cursos. Ela queria formar centros de excelência, então Araraquara seria um centro de excelência em Educação. Mas o centro de excelência não era só de formação de professores. Era para ser um centro de excelência, o que nunca se tornou na verdade. E quando, eu acho, os professores que haviam sido transferidos verificaram que não ia dar em nada, acabaram pleiteando pela volta e conseguiram mesmo. Muitos deles conseguiram voltar. A ideia na 40 Prof. Dr. José Luiz Sigrist foi docente da UNICAMP na Faculdade de Educação, área de Filosofia e História da Educação. Hoje já está aposentado. 69 época era formar massa crítica. A famosa massa crítica. Para mim, toda massa é burra, mas achavam que a massa podia ser crítica. Eu penso que uma universidade para ser universidade tem que formar um pessoal, evidentemente essa é uma missão importante. Mas outra missão importante é continuar com as pesquisas. Se o pessoal docente não pesquisa eu acho que ele perde em eficiência até na formação de novos elementos. Não acho que possa ser dissociada uma coisa da outra. Porque, se você se dedicar só a formação de professores, você se torna uma universidade de segunda categoria. Se você não fizer nada de pesquisa, você também se torna uma universidade de segunda categoria. É mais ou menos isso que talvez quisessem impingir à UNESP. O pessoal da USP talvez, o pessoal da UNICAMP, querendo impingir à UNESP o título de uma universidade de segunda categoria. Mas não conseguiram, evidentemente. Bom, sempre que há divisão de dinheiro a coisa fica complicada, porque, inclusive a primeira tentativa de divisão das verbas destinadas às universidades, proposta pelo governo Fleury41, favorecia muito a UNESP. O professor Landim42, que era o reitor, foi para uma reunião pra decisão final sobre a partilha do “tal” ICMS e acabou deixando por menos, cedeu parte do que caberia a UNESP, segundo o governo Fleury, pras outras duas universidades. O professor Landim me falou textualmente isso, que na noite anterior, na noite que precedeu a essa reunião, o próprio governador Fleury tinha telefonado a ele, Landim, para não abrir mão dos 2,31, mas, acabamos ficando com 2,19. Tanto é que houve um rebuliço muito grande na UNESP, uma revolta grande contra essa atitude do então reitor Paulo Landim na época. O vice-reitor, que tinha mais ou menos conseguido esse percentual, por que era uma pessoa bastante política, o professor Arthur43, escreveu uma carta à comunidade contra esse tipo de cessão, de rendição da UNESP. Foi uma situação feia naquela época. 41 Luiz Antônio Fleury Filho foi o 29º governador do Estado de São Paulo no período de 15 de março de 1991 a 1º de janeiro de 1995. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 22/06/2010. 42 Prof. Dr. Paulo Milton Barbosa Landim, diretor do IGCE, UNESP, Rio Claro, no período de fevereiro de 1981 a janeiro de 1985. (GARCIA, 2008. p. 370) 43 Prof. Dr. Arthur Roquete de Macedo é professor emérito da Faculdade de Medicina da UNESP e ex-reitor dessa universidade (1993-1997), membro da Academia Brasileira de Educação, do Conselho Nacional de Educação e presidente do Instituto Metropolitano da Saúde - FMU. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 22/06/2010. 70 71 Profª. Ms. Berenice Crestana Guardia Entrevista realizada com a Profª. Ms. Berenice Crestana Guardia. Data: 13/08/2009. Local: Biblioteca, UNESP, Rio Claro, SP. Entrevistador: Luciana S. de Oliveira Zanardi. “Foi um decreto mesmo, saiu no Diário Oficial. Todos foram transferidos, não teve apelação. É claro que houve um grupo de resistência” Eu fui transferida. Com a extinção dos cursos de Ciências Sociais e de Pedagogia aqui em Rio Claro. Foi um grupo, todo um grupo de professores, que foi transferido, por determinação do Estado. Eu tive duas fases de trabalho na UNESP. Logo que eu me formei, na primeira turma de Pedagogia, fazendo parte da primeira turma de professores formados aqui, como Instituto Isolado ainda, na Faculdade de Filosofia. Trabalhei por uns dois anos, no Departamento de Estatística. Na Cadeira de Estatística, era outra estrutura na universidade. Trabalhei logo depois que me formei, em 1962, em 1963, 1964. Fui bolsista, depois trabalhei até 1967 na Cadeira de Estatística, como Instrutora. Mas saí, porque já estavam algumas reformas acontecendo e eu estava com criança pequena. Eu deveria prestar um doutorado em dois anos, até no máximo 1969, e eu não me senti com forças. Então eu saí em 1967, fiquei em casa, cuidei dos filhos e tal. Em 1968 houve a Reforma Universitária. Em 1973 eu voltei, daí sobre outra estrutura de universidade. Não estive na universidade naqueles anos piores, 1968, 1969, que foram os anos de caça aos professores, prisões. Não participei desse pedaço, estava em casa. Em 1972 prestei concurso para ingressar novamente, agora no Departamento de Educação. Comecei a trabalhar no Departamento de Educação em 1973. Meu contrato era para dar aulas, como professora contratada em Regime de Tempo Parcial. Em 1976, quando do decreto da extinção do curso de Pedagogia, eu estava com algum tempo de trabalho no Departamento de Educação, mas era um trabalho parcial. O trabalho de um professor que estava contratado para dar aulas. Eu não participava dos órgãos colegiados e nem tinha título para isso. Só tinha a minha graduação e uma pequena experiência anterior no ensino universitário. 72 Quando eu ingressei novamente, entrei para dar aulas de Estrutura e Funcionamento de Ensino, uma disciplina que eu não tinha tido na minha grade curricular no curso de Pedagogia. Era uma disciplina que tinha entrado acompanhando a Reforma do currículo do Primeiro e Segundo Graus, de 1971. Estrutura e Funcionamento do Ensino de Primeiro e Segundo Graus foi introduzida não só no curso de Pedagogia, como nas Licenciaturas também, no currículo dos professores que faziam Matemática, etc. na parte de formação pedagógica. Daí eu tinha que estudar, estudar, estudar, estudar, estudar para dar essa aula, para tomar conhecimento de uma legislação toda que tinha mudado enquanto eu tinha ficado em casa criando as crianças. Então, eu não participava muito dos órgãos colegiados. Às vezes participava um pouco dos Conselhos de Departamento. Mas eu não era e não sou ainda, uma pessoa muito ligada nas questões políticas. Assim, a minha lembrança, a minha memória, é das coisas que eu passei como pessoa, dando aula, como professora que tinha que estudar muito para dar conta do que tinha que ensinar. E uma professora que estava vendo a necessidade de fazer um curso de pós-graduação, que ainda não tinha. Era uma professora começando outra vez a carreira. Quando eu voltei, em 1973, não era UNESP ainda, mas já estava sob a Reforma Universitária. Houve um edital de chamada para o concurso de ingresso. O ingresso dos professores, o jeito de contratação na universidade tinha mudado. Na primeira vez era assim: logo depois de formada você era uma bolsista, era uma monitora, ia trabalhando, ia aprendendo dentro do departamento (não era Departamento, era Cadeira) junto a um professor que tinha seus alunos instrutores. E daí você era convidado a entrar, a trabalhar. Fazia um caminho de aprendizado mesmo e não era um edital aberto. Na segunda vez, em 1972 quando reingressei foi um concurso aberto. Eu concorri com o currículo, acho que eram oito candidatos. Alguma coisa não deu certo na burocracia desse concurso e ele foi desfeito. Foi aberta outra chamada, daí vieram vinte e uma pessoas, acabei escolhida novamente. A Universidade era muito diferente, a minha geração era a geração do culto à personalidade. A gente curtia muito aqueles grandes professores, os grandes nomes que tinham uma constelação de aprendizes, que eram muito respeitados, muito. Era um pessoal que não ligava muito para os títulos, para a competitividade, assim que eu via. Grandes professores cientistas, que os alunos procuravam seguir e até imitavam. A gente tinha aqui no corpo docente, professores que tinham vindo da USP e do exterior também. Eram grandes nomes e a gente cultuava muito essas pessoas e também suas personalidades, seus jeitos de ser. 73 Quanto à competição ou rivalidade a gente ouvia dizer, que na USP, por exemplo, havia mais competição. E com as cátedras, pouca chance havia para os professores que eram os assistentes porque a cátedra era vitalícia, uma coisa que caiu com a reforma universitária em 196844. Mas quem veio para cá, dizem que foram esses professores que na USP eram os “segundos”. Como demoraria muito para ter chance de ser os maiores na sua profissão, eles vieram para esses Institutos Isolados, no interior. Foram eles que formaram os alunos das primeiras turmas, que depois ficaram professores que agora já estão se aposentando. Professores como eu, que fui da primeira turma. Nesse momento estes professores ainda estavam no tempo de sua subida, de sua ascensão, sua formação. Então é assim que eu vejo. Pode ser que mais tarde tivesse maior rivalidade, coisa assim. Talvez tivesse mais rivalidade entre os Institutos, não sei. A gente tinha, ainda antes da mudança para UNESP, bastante relacionamento com outros Institutos Isolados, por conta da pesquisa, por conta de aulas. Tinha professores daqui que davam aula em Araraquara já, antes de 1976, professores de Araraquara que trabalhavam aqui, colaborando com os professores daqui, como vinham também professores da ESALQ/USP45, etc. Havia intercâmbio e colaboração no trabalho, tanto de aula quanto de pesquisa. A gente estava em tempos de ditadura, um tempo em que se falava bastante em teoria de sistemas. E uma das coisas que se ouvia era “não duplicação de recursos para fins idênticos.” Essa frase foi falada bastante na hora da reestruturação da UNESP onde havia vários cursos. O curso de Pedagogia existia aqui, em Araraquara, em Marília e em Presidente Prudente. E nos outros campi, onde não havia curso de Pedagogia, havia os grupos de professores que davam conta das Licenciaturas. Então era um pessoal de Educação. De Didática Geral e Didática Especial, Estrutura, Psicologia e Psicologia da Educação e Prática de Ensino. Esses professores eram responsáveis pela formação pedagógica nas Licenciaturas. Tinha um grupo em cada Instituto, mesmo não havendo curso de Pedagogia. Dentro desse espírito de “não duplicação de recursos” é que a gente viu serem juntados, agregados, os cursos. Parecia uma troca. Veio o de Matemática para cá, foram o de Pedagogia e o de Ciências Sociais para Araraquara. Na ocasião da reestruturação eu era uma professora contratada em tempo parcial, uma das últimas que tinham sido contratadas no departamento. Eu achei que seria uma das primeiras a sair na hora de enxugarem o corpo docente. Eu não queria sair. Mas, uma 44 Em 1968, o Congresso Nacional aprovou a Reforma Universitária pela Lei n° 5.540, de 28/11/68, fixando normas de organização e funcionamento do ensino superior. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 22/06/2010. 45 Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Piracicaba, SP. 74 professora trabalhando em tempo parcial, não era o ideal. Havia também uma noção de que não havendo dispersão de recursos, havia chance de que cada campus que mantivesse um curso, esse curso fosse um Curso de Excelência. Só que havia ótimos professores em outros lugares, tanto nos cursos de Pedagogia quanto nos cursos de Licenciatura. Então, todos se sentiam com competência para virem a ser esses cursos de excelência (tendo recursos) porque havia ótimos professores, formados por ótimas instituições. E eu era uma professora em tempo parcial. Como você vai formar um curso de excelência com professores em tempo parcial? Eu estava a perigo. E para mim, naquele momento, interessava ser uma professora em tempo parcial. Quando eu fiz o concurso, prestei porque era em tempo parcial e eu estava com crianças pequenas. Quando houve a transferência, eu fui para Araraquara, porque eu achei que devia fazer tudo que era solicitado, porque eu tinha uma chance de trabalhar, mesmo em tempo parcial. Por ser em tempo parcial principalmente. Quando começou nosso trabalho em Araraquara a Washington Luiz ainda estava sendo ainda duplicada. Tínhamos um motorista que levava o grupo de professores, e a gente procurava acertar nossos horários, víamos quem dava aula no curso da tarde ou no curso à noite, então procurávamos acertar para viajarmos juntos. Isso no início. Depois a gente passou a dirigir. No tempo em que eu dava aula de Estrutura no Projeto de Licenciatura Integrada, eu dava aula de manhã e à noite, na segunda, terça e quarta-ferias; o curso era diurno e noturno. Eu não morava lá, eu viajava quilômetros e quilômetros. O curso lá terminava às onze horas da noite e começava às sete e vinte, sete e meia da manhã. Olhando essa questão de estruturação pelo critério geográfico, da distância física, parece que há uma regra dentro do funcionalismo público, pela qual você não pode morar, ter sua residência, a mais de 100 quilômetros do seu trabalho. De Rio Claro a Araraquara, de um campus a outro, eram 100 quilômetros. Então a gente ainda podia viajar. Para não ficar tão penosa a questão de viajar, um dos professores montou uma casa lá para quando a gente desse aula até à noite e no dia seguinte de manhãzinha desse aula outra vez, e também para o caso dos professores em tempo integral, com o compromisso de quarenta horas semanais dentro da instituição. Entre os professores que foram transferidos havia alguns casais quando, por coincidência, ambos trabalhavam em cursos transferidos então ainda viajavam juntos, arrumavam os seus horários para trabalhar juntos. Mas mantiveram suas casas aqui. Esse é um sinal de que, eu acho, pretendiam voltar uma hora. Todos fomos. E depois alguns ficaram, 75 alguns saíram da instituição. Foi um decreto mesmo, saiu no Diário Oficial. Todos foram transferidos, não teve apelação. É claro que houve um grupo de resistência. No início a gente encontrava lá em Araraquara professores de Botucatu, onde havia o grupo de licenciatura, professores até de Presidente Prudente, que é longe, professores de Marília, de São José do Rio Preto. Tentando efetivar a ideia de que Araraquara seria “o campus”, em relação à Pedagogia, a sede de todo um trabalho de formação pedagógica para toda a UNESP. Por exemplo, alunos de Presidente Prudente que cursassem Geografia, fariam lá só a parte do bacharelado, depois viriam para Araraquara fazer a parte de licenciatura. O grupo de Araraquara tinha um projeto, chamado de Licenciatura Integrada, em que toda a licenciatura, a parte das disciplinas pedagógicas, seria dada em um ano só, intensivamente. Duas matérias no primeiro semestre, duas no segundo. Introdução à Educação e Estrutura, depois Psicologia, no primeiro semestre e no segundo semestre Didática e Prática de Ensino. No caso de Pedagogia havia esse projeto em Araraquara, mas, quanto à sua pergunta, não sei dizer se ele estava sendo identificado como um projeto para centro de excelência. Esse grupo foi trabalhando e então os professores dos outros campus iam lá, estudavam, discutiam esse projeto e tal. Mas, ao mesmo tempo, as pessoas não estavam contentes de vir dos seus lugares tão longe, para fazer esse projeto ali. E não acreditavam também que isso fosse ser viável do ponto de vista dos alunos. Os alunos viriam lá de Marília, para fazer essa parte, a gente falava: “para ter um verniz de educação no final do curso”, “A formação do professor deve ser junto com a formação específica”, tudo isso estava em discussão. E dentro disso havia assim, uma... eu não sei se eu diria “mágoa”, mas uma vontade de ficar em seu lugar, continuar o seu trabalho. Tinha gente com bons trabalhos, com bastante tempo de trabalho no seu campus e também pesquisa. A parte da educação em que a gente trabalha com pesquisa aplicada, o relacionamento com a escola pública do lugar, a colaboração, o relacionamento muito bom com o pessoal da rede de primeiro e segundo graus. Tudo isso já estabelecido, para você começar outra vez num outro lugar... Houve grupos de resistência, não só em Rio Claro. Esses professores foram os que continuaram a dar as matérias da licenciatura nos seus campus. O tempo foi passando, e esses professores, com seus excelentes trabalhos voltaram a ter força. No caso de Rio Claro, foram elaborando projetos, no começo para a licenciatura e depois projetos para o curso de Pedagogia, que acabou voltando. Eram professores com grande capacidade, com títulos, professores que continuaram o trabalho em Rio Claro, foram elaborando projetos e propondo para a Reitoria. Esses projetos foram crescendo, e ao mesmo tempo a população foi pedindo a volta do curso de Pedagogia, que era um curso muito bom. Tudo isso junto foi crescendo, até 76 que o curso voltou para cá. Ou melhor, não foi a volta, mas um novo curso de Pedagogia que foi criado. Muitos professores ficaram em Araraquara, acabaram estruturando seus trabalhos lá. Professores que começaram tudo outra vez, e outros que fizeram toda sua carreira lá. Outros voltaram para trabalhar no novo curso de Pedagogia, para preencher as necessidades das disciplinas desse curso. A volta se deu pelos relacionamentos de trabalho. Eu, por exemplo, fazia pesquisa aqui em Rio Claro, na rede, com as professoras da rede pública. Eu dava aula lá e fazia pesquisa aqui. Em 1980 passei a trabalhar em Tempo Integral. Entrei na pós-graduação, no mestrado, na UFSCar. Minha pesquisa de mestrado, foi feita aqui em Rio Claro. Nesse tempo eu estava com um pé lá e outro aqui. Em 1986 fui transferida definitivamente para o Departamento de Educação do IB46 em Rio Claro, onde trabalhei até1995, quando me aposentei. Eu gosto deste lugar. Eu acho que centros de excelência são todos. Rio Claro é um lugar excelente, um ambiente ótimo. Eu me sinto privilegiada por ter feito o curso aqui, de ter trabalhado e me aposentado aqui. 46 Instituto de Biociências. 77 78 Prof. Dr. Geraldo Perez Entrevista realizada com o Prof. Dr. Luiz Geraldo Perez. Data: 19/08/2009. Local: Sala de seminários, Departamento de Matemática. UNESP, Rio Claro, SP. Entrevistador: Luciana S. de Oliveira Zanardi. “Eu lembro que foi um sofrimento muito grande dos que foram embora, vários deles. E quase todo mundo que foi transferido era casado, tinha família, tinha filhos e a família ficou aqui, não foi embora para lá”. Na verdade, a universidade não queria duplicar cursos que estivessem muito próximos. Nós tínhamos Matemática aqui, em Araraquara, em São José do Rio Preto e em Presidente Prudente. E depois, mais tarde, veio Bauru também. Mas Prudente estava longe, Rio Preto também. Araraquara e Rio Claro eram muito próximos, uma distância de 100 quilômetros. Então, para alguns, a universidade deixou opção: “Você quer ir para Rio Claro ou quer ir para Rio Preto?” Houve essa opção. A Tereza47, por exemplo, fez opção por São José do Rio Preto. Eu acho que ela já aposentou. Araraquara tinha mais alguns professores, mas que estavam perto de aposentadoria. E eu acho até que se aposentaram, porque o curso foi se extinguindo aos poucos, não entrava mais alunos. Levou uns quatro, cinco anos ainda para o curso acabar. A Maria Bicudo48, na ocasião, era professora aqui no Departamento de Educação, e foi para Araraquara também. Eu não sei se todo mundo foi para lá. Alguns ficaram, porque o curso foi terminando aqui. O Ruy49 foi para São José do Rio Preto. Mas foi muito tranquilamente, porque em São José do Rio Preto tem um departamento que trabalha com Cálculo Numérico, Matemática Aplicada. Então ele se deu bem com as pessoas de lá. Provavelmente até melhor do que se ele estivesse em Rio Claro, porque não tinha ninguém que trabalhava com Cálculo na época. 47 Profª Drª Tereza Toshico Udo, professora aposentada da UNESP de São José do Rio Preto, SP. Profª Drª Maria Aparecida Viggiani Bicudo, professora aposentada pelo Departamento de Matemática. Atua no Programa de Pós-Graduação de Educação Matemática na UNESP/Rio Claro. É entrevistada desta pesquisa. 49 O Prof. Dr. Ruy Madsen Barbosa é Bacharel e Licenciado em Matemática. No ensino Superior obteve os títulos de Doutor, Livre-Docente, Professor Adjunto e Professor Titular. Após a extinção do Departamento de Matemática em Araraquara, foi transferido para a UNESP/São José do Rio Preto. Atualmente é Professor Titular aposentado da UNESP. É entrevistado desta pesquisa. 48 79 Araraquara tinha um departamento grande, eu lembro que eles sentiram bastante. Eu sei que as pessoas sofreram muito, porque as pessoas estavam instaladas. Todo mundo tinha a sua família, tinha filhos, muita gente tinha filho pequeno na escola, era uma tristeza. Porque você ia ter que tirar filho da escola, começar a formar um outro ambiente em outro lugar. Quando sai de um lugar e vai para o outro, vai alugando casa. Gente que tinha casa própria, alugar casa em outro lugar. E aí o que você faz com a casa que você tem? Que é própria. Vai alugar? As pessoas vão estragar a casa ou não? Tudo isso aconteceu com um monte de gente. Eu acho até que as pessoas que estavam na Pedagogia aqui em Rio Claro devem ter sofrido mais indo para Araraquara do que os que estavam em Araraquara na Matemática e vieram para cá ou foram para São José do Rio Preto. O pessoal da área de humanas foi o que sentiu mais. Não sei. Eu acho que as pessoas já estudam e fazem pesquisa mais na área de humanas. Então estão preocupadas mais com sociologia, com os ambientes, com psicologia. E essa pessoa então já é mais sensível a essas mudanças. Vamos dizer que um professor do Departamento de Matemática, mais técnico, mais formalista, ele: “Bom, não posso trabalhar aqui, posso trabalhar em outro lugar”. É mais racional. Eu acho que é um indivíduo mais prático. “Saio daqui e vou trabalhar em outro lugar. Vou ser bem recebido lá?” Acabou. “Se não for bem recebido, vou embora”. Então eu acho que os da área de Ciências Humanas sofreram mais para sair de Rio Claro. Todos eles tinham a vida feita aqui em Rio Claro. Participavam de um monte de coisas aí na cidade, se envolviam. Tinha alguns que se envolviam bastante com a sociedade de Rio Claro, fora da universidade. Outros se envolviam mais basicamente com a universidade. Teve o exemplo do professor Irineu50 e da Maria Bicudo, que eram casados nessa época e um ficou e o outro foi. Nessa hora, eu acho que causa um transtorno muito grande na vida. E pode causar até transtorno para o próprio casamento, porque aí você começa a ter essa separação: um está vivendo numa cidade, o outro está vivendo em outra cidade. Pode acontecer um monte de coisas. Então até nisso, talvez tenha gente que não queira falar, porque pode ter passado muitas dificuldades particulares. Outros passaram por dificuldades profissionais. Como eles estavam sendo recebidos. E era assim mesmo. Na Matemática nós recebemos os que vieram de Araraquara para cá muito bem, até porque nós tínhamos uma quantidade de cursos que não era tão grande como hoje, para que os professores do departamento ministrassem aulas. E aí estava chegando mais gente ainda, mais 50 Prof. Dr. Irineu Bicudo é professor aposentado pela UNESP/Rio Claro e orienta alunos no Programa de PósGraduação em Educação Matemática do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da UNESP/Rio Claro. É entrevistado desta pesquisa. 80 professores, por causa de uma mudança administrativa. O nosso Departamento de Matemática ficou com uma quantidade muito grande de professores. Até por causa disso, por força disso você tinha muitos professores afastados integralmente, para estudar no exterior, para estudar no próprio país, fazendo doutorado, pós-doutorado. Dentro do próprio país, fora de Rio Claro. Outros, com uma carga de didática menor, para poder fazer doutorado aqui dentro do país, mas viajando. Então eles colocavam aula no começo da semana, no final da semana e tinha o resto da semana para ficar. O departamento já tinha bastante professores e depois o departamento passou a contar com mais professores ainda. Tanto é que o Departamento de Matemática era o maior departamento da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro, depois do IGCE51 da UNESP, que foi criado em 1976. Então para nós e para esses que vieram, não houve problema nenhum. Porque, afinal de contas, a gente conhecia os professores de Araraquara. Havia muito intercâmbio. Na época, quando isso aconteceu, nós tínhamos Semana de Matemática programada para os alunos da Matemática, e um ano acontecia em Rio Claro e outro ano acontecia em Araraquara, pela proximidade. Uma semana inteira de atividades assim. Professores e alunos iam para Araraquara, professores e alunos de Araraquara vinham para Rio Claro. Nós sempre tivemos um bom contato e um bom relacionamento com os professores que estavam em Araraquara. Então quando eles vieram para somar, para adicionar a qualidade de professores que a gente tinha. A quantidade de pesquisa não era tão cobrada como hoje, então nós tínhamos uma quantidade maior de professores para ministrar aulas e isso acarretou uma maior facilidade pras pessoas poderem continuar estudando, fazer o seu doutorado ou pós-doutorado. Não aconteceu nada, aqui nunca vi algum episódio que pudesse ser resultado de discórdia entre professores daqui e professores que vieram de fora. Nunca. Agora, da Educação sim, eles reclamavam bastante. A gente sabia que eles estavam reclamando bastante. E muita gente conseguiu voltar, depois que o IB52 criou o curso de Pedagogia novamente aqui. Aí sim, muitos conseguiram voltar. Porque lá em Araraquara, na Faculdade de Filosofia de lá, os cursos da área de Ciências Humanas eram em número maior, tinha muito mais atividades. Então eles receberam os professores para resolver o problema deles de qualidade docente. Depois não queriam mais que os docentes saíssem de lá. A professora Maria Bicudo saiu de Araraquara porque em 1984 nós começamos o mestrado em Educação Matemática, aqui em Rio Claro, no nosso Instituto. Ela veio antes com experiência que ela tinha de administradora. Ela trabalhava na Educação, tinha sido Chefe de 51 52 Instituto de Geociências e Ciências Exatas da UNESP/Rio Claro. Instituto de Biociências, UNESP/Rio Claro. 81 Departamento, tinha outras experiências administrativas, e como era Mestrado em Educação Matemática, ela veio e foi uma das pessoas aqui, ela e o Dante53, que praticamente juntos, colocaram no papel toda a documentação. Quer dizer, então era uma justificativa para o IGCE trazer a professora Maria para cá. E eu acho que ainda não tinha o curso de Pedagogia, nessa época eu acho que não tinha a Pedagogia ainda. Mas ela veio para o Departamento de Matemática, quer dizer, se fosse hoje, talvez ela viesse para o Departamento de Educação. Naquela época não tínhamos o Departamento de Educação. Ela veio para o Departamento de Matemática e aposentou na Matemática. E ajudou muito, ela foi um ‘testa de ferro’ assim, na hora de colocar as coisas no papel. Ela tinha bastante relacionamento com as pessoas da reitoria, lá em São Paulo. Daí já era a UNESP, desde 1976, então ela conhecia muita gente e colaborou muito, viajou muito, foi para Brasília, foi para São Paulo, diversas vezes, para acelerar esse processo aí. Então veja, ela voltou para Rio Claro, para o Departamento de Matemática e para ela era uma coisa muito boa, já que a família dela continuava instalada em Rio Claro. As filhas estavam estudando, mas ainda morando com eles aqui em Rio Claro. Mas ela veio com a finalidade específica de ajudar a montar o curso de Pós-Graduação em Educação Matemática. O professor Irineu era chefe de departamento. Colaborou bastante com a vinda, ele como chefe de departamento, convencendo o departamento que era bom trazer a Maria de volta. Isso era problema pessoal deles. A Maria, com uma bagagem grande em Educação, iria ser professora. O primeiro coordenador foi o Dante, mas ela, logo em seguida, também foi coordenadora da Pós-Graduação, então trouxeram ela para o Departamento de Matemática. Mas eu acho que muitos professores não encontraram ambiente de trabalho propício, criticaram bastante a mudança, o fechamento de cursos. Porque foi decidido de cima para baixo e ninguém opinou. Eu acho apenas que a universidade foi criada, talvez na cúpula dessa criação. A cúpula que ficou formando o Conselho Universitário no começo, decidiu: “Olha, não podemos ficar com cursos duplicados e gastando dinheiro”. Porque para manter um curso, você tem o corpo docente, tem secretária, você tem todo um aparato de funcionários para tudo. Você gasta com energia elétrica, água, com telefone, você gasta com tudo de manutenção de um curso. A estrutura para fazer o curso funcionar. E como havia muitos cursos em duplicata, um próximo do outro, então, naquela época, não tinha sentido. Talvez hoje já houvesse alunos para suprir todos esses cursos se eles não fossem extintos. Mas, naquela época não tinha tanta gente 53 Prof. Dr. Luiz Roberto Dante é Livre-Docente aposentado pela UNESP/Rio Claro. 82 assim para tantos cursos, tantos alunos para estudar, para fazer universidade como tem hoje. Porque hoje todo mundo faz universidade, tanto é que têm escolas particulares, faculdades das mais variadas. Rio Claro tem um monte de faculdades particulares, Araras e Piracicaba também, quer dizer, são cursos até em duplicata. Gente podendo estudar de graça ou pagando. Quer dizer, são próximos, uns trinta quilômetros, vinte quilômetros. Então hoje é diferente, mas naquela época era para fazer uma contenção de despesas para a universidade poder funcionar e também colocar uma reitoria funcionando na cidade de São Paulo. Mais a estrutura para manter a universidade, quer dizer, reitoria em São Paulo, uma fortuna. Então havia necessidade de conter, diminuir as despesas. Se você for olhar o decreto da criação da universidade, a sede é Ilha Solteira e nunca foi. Ilha Solteira não tinha estrutura para ter uma reitoria. E depois as pessoas começaram a perceber que você fazer deslocamento de gente de todas as unidades lá para Ilha Solteira é o fim do mundo de despesas. Na verdade São Paulo está bem mais central do que Ilha Solteira, talvez Araraquara, Bauru, estivesse mais central ainda. Mas Ilha Solteira? E depois, a política também não deixou porque em São Paulo você fica perto do governo, fica perto de tudo. Politicamente você está perto de tudo, na criação da universidade. Agora, muita gente sofre com mudanças? Sofre. Já se falou em mudar a reitoria para o interior também. Na época em que o Paulo Landim54 daqui da Geologia era Reitor se falava muito de transferir, aí os funcionários da reitoria ficaram desesperados: “Mas como eu vou sair daqui? E meus filhos?”. Então veja, antes de fazer uma transferência, as pessoas que trabalham na reitoria preocupados com a família e tendo que ir para o interior. Na época da criação da universidade isso tudo foi pesado, mas não pelos políticos, tanto é que fizeram um decreto, cria e diz onde vai ser a sede e pronto! Está criado de cima para baixo. Nessa criação vem a legislação complementar: os cursos não podem ficar duplicados, então esse deixa de existir, esse, esse, esse. E aí foi um a briga para dizer quem ficava e quem saia. Porque aqui, a gente já tinha cursos estaduais próximos de Rio Claro. Então o que fica aqui e o que vai embora? O que é forte para ficar? Já foi muito falado isso, está registrado até em documentos: em determinada época, 30% do corpo docente da UNICAMP era formada por ex-alunos da Matemática de Rio Claro. Da mesma forma a USP de São Carlos, uma porcentagem muito grande era formada por exalunos de Rio Claro. Por quê? Porque o curso de Matemática de Rio Claro, nos documentos 54 Prof. Dr. Paulo Milton Barbosa Landim foi diretor da UNESP/Rio Claro no período de fevereiro de 1981 a janeiro de 1985. (GARCIA, 2008. p. 370). 83 da CAPS55, era considerado um “curso de excelência”. O curso de Matemática de Rio Claro aparecia junto com cursos de Pós-Graduação em Matemática. Era uma graduação de excelência, pronto. Formava muito bem. Todo mundo queria receber esses alunos para fazer mestrado e contratar. Porque naquela época, a universidade contratava docentes no primeiro degrau, auxiliar de ensino não tinha mestrado. Depois, no degrau dois tinha mestrado. Dificilmente você contratava alguém que era doutor. Hoje não, hoje é exigência ser doutor, senão não contrata mais. Então, o que era forte fica. A Educação lá em Araraquara era muito forte: “Politicamente nós não vamos sair daqui”, pronto! Então fica a Educação aí, a Matemática de Rio Claro fica lá. Vamos tirar o curso de Pedagogia e de Ciências Sociais de Rio Claro e vamos mandar as pessoas para Araraquara, ou para outro lugar que as pessoas quisessem ir. A UNESP foi criada em 1976. Eu vim para Rio Claro para estudar em 1968, para fazer Matemática aqui. A Faculdade de Filosofia começou em 1958. Já existia gente formada em Rio Claro que já estava na USP de São Carlos 56 ou na UNICAMP57. A Matemática de Rio Claro como centro de excelência já tinha uma fama anterior à criação da universidade. Porque os professores que vieram no começo eram professores de nome, gente altamente capacitada. Eu vim em 1968 numa época de muita briga por causa da ditadura militar, mas a gente aprendia muita matemática, muita matemática. Entravam 50 alunos e saiam 20. Muita gente ia embora porque não conseguia prosseguir nos estudos ou se transferia para outros lugares onde fosse mais fácil para ele se formar. Era o que as universidades queriam. Como é que a universidade contratava? Não sei hoje, mas como contratava antigamente no Departamento de Matemática? “Eu quero primeiro ver o seu currículo, você manda o seu currículo para cá”, a gente tinha que ter notas boas em todas as disciplinas, então você era um candidato a passar pelo concurso de seleção. E um pouco por indicação também, porque quando a gente saia daqui os professores já tinham feito indicação. E isso acontecia bastante com a Educação de Araraquara. Eles formavam muita gente para virar professor universitário, então a Educação de lá era mais forte do que a Educação daqui. E a Matemática daqui era mais forte do que a Matemática de lá. Na época em que a universidade foi criada, as pessoas ainda podiam fazer doutorado direto. Não tinha que fazer mestrado antes e doutorado depois. Essa vocação, essa forma de conduzir, veio a partir de regras americanas para cá. As pesquisas que existiam não eram 55 Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Universidade de São Paulo, campus São Carlos, SP. 57 Universidade Estadual de Campinas, em Campinas, SP. 56 84 tantas como hoje. Até porque hoje a universidade cobra violentamente, você tem que fazer relatórios anuais, tem que produzir, tem que fazer publicação em diversos níveis, em congressos, em revistas referenciadas. Naquela época não era isso. Então a gente não tinha uma qualidade grande de pesquisas. Tinha gente que escrevia livro, outros, uma quantidade bem pequena, que desenvolviam pesquisas em Matemática Pura, outros se preocupavam mais com a parte didática, orientavam alunos de graduação e iniciação científica. Nós sempre tivemos uma quantidade muito grande em bolsas do CNPQ, essa era outra vocação da Matemática de Rio Claro. Uma qualidade muito grande de bolsistas de iniciação científica. Então, isso significa formar professores? Bom, se formar professores incluir formar professores universitários, sim. Então a gente tinha uma formação bastante grande, uma vocação bastante grande para formar professores. Porque muita gente saia daqui e virava ou professor da rede ou professor de universidade. Tanto é que era Licenciatura em Matemática quando eu entrei, em 1968, o bacharelado em Matemática só veio depois. Mas todo mundo estudou em Rio Claro foi fazendo mestrado e virando professor de universidade tinha formação em licenciatura em Matemática, um único diploma. Hoje é mais o bacharel em Matemática que acaba procurando o centro de pesquisa em Matemática Pura. Esse campus sempre teve vocação em formar professores. Agora, produzia muita pesquisa? Não. Produzia pouca pesquisa. Se você pegar a História da USP, por exemplo, que é bem mais antiga, a produção de pesquisa já era bem maior na área de Matemática Pura do que na Matemática Pura de Rio Claro. Então, se você fizer comparação com uma outra universidade ou a Federal do Rio de Janeiro, a USP e Rio Claro, se você olhar produção de pesquisa na década de 60/70, Rio Claro vai ficar bem atrás, as outras ficam na frente. Por outro lado, Rio Claro formava professores para suprir o ensino de terceiro grau também. Já era uma característica da própria unidade. Porque era um bom curso de conteúdo de Matemática e daqui saíram muitos professores para o terceiro grau, em instituições oficiais. Nas particulares mais ainda. Rio Claro formava muitos professores universitários e também de primeiro e segundo graus na época. Mas se você olhar pela antiguidade da Matemática da USP tinha muita gente já há muito tempo trabalhando com pesquisa lá. Olha, na época que a UNESP foi criada, em 1976, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro, assim como as de Araraquara, Prudente, São José do Rio Preto, Assis, funcionava normalmente, só que não tinha computadores. A gente não tinha nada que favorecesse pesquisa, administração, nada. Era uma escola pequena, uma Faculdade de Filosofia, que formava profissionais que, depois de formados, iam fazer a carreira deles. Agora, de repente se começou a pensar que, se fosse universidade, haveria um dinheiro fixo 85 para essa universidade. Como a USP tinha para ela. E aí sim, com uma quantidade maior de dinheiro, você poderia fazer o gerenciamento interno, como a USP fazia. Então politicamente era bom ter uma universidade? Sim, porque daí você vai ter uma estrutura administrativa, você vai ter tudo centralizado, você vai ter uma verba destinada para a universidade. E naquela época a gente não tinha. Cada Faculdade de Filosofia, como Instituto Isolado, se virava para ir buscar verbas. O governo pagava, a gente recebia direto do governo os salários, mas a gente não tinha muito dinheiro para montar laboratórios, para fazer extensão à comunidade, para fazer prestação de serviço. E a parte administrativa também era pequena. De repente, algumas pessoas começaram a pensar na ideia de se criar uma universidade, para ter estrutura própria, para ter dinheiro próprio. E depois que foi criado e que começou o funcionamento, aí que as pessoas começaram a perceber: “Puxa, isso aqui é uma maravilha. Você recebe uma cota de dinheiro e nós é que vamos administrar”. Autonomia. Passamos a ter autonomia. E quando se descobriu que era bom ter autonomia, muita gente dizia: “Puxa, a gente já deveria ter feito isso antes”. Houve uma melhora qualitativa. Agora, o governo, ele toma decisões que muitas vezes interferiam na universidade ainda. Veja, quando a universidade incorporou o campus de Bauru, foi por imposição de políticos de Bauru junto ao governo do Estado. E o governo dizia naquela ocasião: “Ou vocês recebem Bauru inteiro...” que era primeiro a Fundação Educacional de Bauru e depois Universidade de Bauru, universidade particular, “Ou vocês recebem, ou eu crio mais uma universidade estadual lá em Bauru. Então vai dividir dinheiro.” “Ah, não. Então vamos receber Bauru”. “Mas vocês recebem tanto da cota para o ICMS, então Bauru vai representar tanto e nós vamos incorporar na receita da UNESP.” Que nunca aconteceu, nunca aconteceu. Bauru entrou, com a preocupação de não haver mais uma universidade estadual e o dinheiro não veio. Quer dizer, então o governo interferiu na autonomia da UNESP, da mesma forma como já interferiu com outras instituições que quiseram montar outra universidade estadual. A USP andou encampando alguma coisa do estado que existia no interior, a UNICAMP outras coisas e a própria UNESP também. Por quê? Para não dividir dinheiro. Mexeu com dinheiro você mexe com tudo, mexe com tudo. Havia uma rivalidade com a UNICAMP e com a USP. Mas é que politicamente também era muito bom existir a UNICAMP. Colocada lá na cidade de Campinas, que já era uma cidade muito grande, a região de Campinas uma região poderosa, de indústrias, muito forte. E aí se decidiu: “Olha, temos que criar... vamos criar. Estamos a 100 quilômetros de São Paulo? Não tem importância, vamos criar outra universidade aqui”. Dividir dinheiro, ter 86 autonomia própria, mas aí é um jogo político. E quando a política age, não tem jeito, a gente não consegue fazer nada. Mas eu acho até que a criação da UNICAMP foi uma boa coisa, porque a comunidade passou a ter mais uma universidade estadual com uma quantidade grande de cursos. Só quem entra na UNICAMP e anda a pé é que descobre que maravilha é. Você vai aqui pertinho, na Odontologia de Piracicaba, nossa! Que beleza que é isso aí. Você vai na Odontologia de Bauru, que é da USP, também é uma coisa monstruosa de prestação de serviços à comunidade. Você forma os profissionais, mas você presta serviços à comunidade, em larga escala. Então nesse sentido, é necessário até que se crie mais instituições. Mas, não dividindo o mesmo dinheiro. O dinheiro já é curto. Na verdade as universidades estaduais hoje se mantêm, porque os professores fazem projetos de pesquisa e encaminham para as agências financiadoras. Então o que você descobre hoje é que os grandes laboratórios que estão sendo montados estão vindo com dinheiro de fora. Esse prédio grande aí na da Geologia, a PETROBRÁS que está construindo. E vai fazer toda a montagem dentro, quer dizer, o equipamento todo. Até pesquisas do pré-sal vão ser desenvolvidas aí. Mas são docentes do departamento de Geologia. São dois departamentos que fazem projetos e que vão buscar o dinheiro fora. E as entidades financiam. Eu me lembro aí da fibra ótica, desenvolvida na UNICAMP, na parte de telefonia. Nossa Senhora! Isso aí, muita gente trabalhou em muitos projetos, com muito dinheiro na UNICAMP para chegar à conclusão de que essa forma de transmissão é melhor. Mas são docentes que vão buscar dinheiro fora. O dinheiro do governo é para bancar salários, uma estrutura administrativa, pagar água, luz, telefone e um pouquinho de laboratórios. O resto é projeto de pesquisa do corpo docente. Mesmo assim, a prestação de serviços à comunidade é bastante grande. Já se pensou até em fazer a comunidade pagar alguma coisa por esses cursos, mas do jeito que começa termina rapidinho também, porque continua a defesa de que tem que ser público, tem que ser de graça. Em várias partes do mundo inteiro você tem instituições públicas, onde a pessoa não paga nada e tem outras públicas onde a pessoa paga um pouco. Fora as particulares. Mas eu acho que briga por dinheiro sempre vai ter. É necessário criar mais? É necessário criar mais. Mas o governo tem que colocar dinheiro também. Só dividir o que já existe não tem condição. Agora, onde se consegue mais projetos de pesquisa? Onde tem mais membros de pesquisa envolvidos? Então hoje, se você tivesse que fechar um curso de Geologia, por exemplo, a Geologia de Rio Claro você não fecha nunca. Pela estrutura montada aí, pela quantidade de projetos e dinheiro que, através dos docentes, a universidade recebe para se manter e formar profissionais. A Geologia daqui e a Geologia da USP de São Paulo ninguém 87 põe a mão, porque são os dois melhores em termos de projetos. Mas naquela época não existiam agencias financiadoras que davam tanto dinheiro. Quem conseguia um pouquinho mais, ou quem conseguia alguma coisa, era forte, era de excelência. Muita coisa que pertencia à biblioteca, muito acervo da biblioteca que a gente tinha aqui em Rio Claro da Faculdade de Filosofia, que era ligada às Ciências Sociais e à Pedagogia, muita coisa ficou, outras foram embora. Porque os professores exigiram também: “Não, eu trabalho, eu preciso desse material, desse acervo da biblioteca. Daí alguma coisa vai embora para lá.” Mas muita coisa ficou, tanto é que depois que o curso de Pedagogia foi criado aqui, as Ciências Sociais nunca mais. Mas a Pedagogia já tinha um acervo aí na biblioteca, um acervo grande. Da Matemática veio coisa de Araraquara para cá também. Um pouco foi para São José do Rio Preto e outro pouco veio para cá. Agora, da Pedagogia muita coisa não foi, porque existiam outros cursos de licenciatura em Rio Claro. Então, se você pensar “Tem a licenciatura em Matemática, então os professores precisam de qual acervo da parte ligada à Pedagogia. Esse material não pode sair”, porque tem a licenciatura em Matemática, em Física, em Geografia. Então, determinada quantidade de acervo não sai, porque tem que suprir esses cursos. Recebemos o acervo que está aí na biblioteca, uma quantidade muito grande de livros e de revistas que veio de Araraquara. Agora, consequências houve bastante. Muita gente sofrendo. Até mesmo, durante algum tempo, professores ficaram em Rio Claro, porque tinham que ministrar cursos. Não me lembro como eles ficaram, ligados a quem, porque os cursos de licenciatura precisavam. Tinha as psicologias, tinha as didáticas, tinha Estrutura e Funcionamento, todas aquelas disciplinas assim. E eu me lembro que tinha gente que foi para lá, que viajava para poder dar aula aqui em Rio Claro nos cursos de licenciatura daqui. Cada departamento segurou um pouco de gente. Muita gente ficou adida, ligada a alguém. Os alunos terminaram aqui, então houve a necessidade de ficar uma quantidade de professores aqui, mesmo estando administrativamente ligado à Araraquara. Mas depois que os cursos foram se extinguindo, essas pessoas já não tinham mais nada aqui, aí tinham que mudar mesmo. Mas então, envolve problemas familiares, envolve problemas de pesquisa, de laboratórios. Não existia grandes laboratórios aqui em Rio Claro ligados ao Departamento de Educação ou às Ciências Sociais. Hoje pode ter grandes laboratórios lá em Araraquara, mas eu acho que lá tinha mais coisas do que aqui. Eu lembro que foi um sofrimento muito grande dos que foram embora, vários deles. E quase todo mundo que foi transferido era casado, tinha família, tinha filhos e a família ficou 88 aqui, não foi embora para lá. Depois, com a criação da Pedagogia aqui no IB, foi resolvida a situação deles, muita gente voltou. Mas agora, os da Matemática, por serem pessoas mais ligadas à parte técnica, mais objetiva, de matemática, sofreram menos. A família saiu de um local onde já tinha toda uma estrutura, mas sofreram menos, porque foram bem recebidos aqui, nunca houve briga com ninguém deles, com nenhum deles. Foram bem recebidos. O Balthazar58, o Belline59, o Gaspar60, a Cidinha61. Olha, na época em que os cursos foram fechados e que os professores vieram de Araraquara para cá, para você ter uma ideia, mesmo o pessoal que trabalhava com Matemática Aplicada, o Tadashi62 quando veio de São Paulo, o Belline que trabalhava com Álgebra, o Balthazar já trabalhava com Matemática Aplicada, mas aqui nem tinha computador, nada. Em 1970, no terceiro ano da licenciatura, o Pizani63 dava Estatística para a gente durante um semestre, a universidade pegava a gente quinta feira de manhã bem cedinho aqui, levava para São Carlos, para a USP e daí lá a gente tinha que perfurar cartões nas máquinas. Era um IBM onze-trinta que tinha lá, ele era monstruoso, com um vidro na frente e a gente só podia ver o computador assim pelo vidro. Tinha uma janelinha que a gente entregava o pacote de cartões perfurados e na semana seguinte quando a gente voltava, eles devolviam. Então tinha um monte de erros lá, você tinha que perfurar de novo e tal. Era assim o contato nosso com o computador naquela época, em 1970. Depois a universidade gratuita em 1976, logo o Balthazar veio para cá, mas foi por aí que os computadores começaram a aparecer. Eu trabalhava com Matemática Aplicada, mas eram coisas muito na “marra” ali... o Bezerra64 trabalhava com problemas de Cálculo Numérico, mas era naquelas calculadoras antigas, aquelas de virar a manivela. Depois vieram as calculadoras pequenas de mesa. 58 Prof. Dr. José Manoel Balthazar é docente do Departamento de Estatística, Matemática Aplicada e Computação. UNESP/Rio Claro. 59 Prof. Ms. Clélio José Faggion Bellini é entrevistado nesta pesquisa. 60 Prof. Dr. José Gaspar Ruas Filho é professor aposentado do Departamento de Matemática – ICME – USP/São Carlos. 61 Profª Drª Maria Aparecida Soares Ruas é professora do Departamento de Matemática – ICME – USP/São Carlos. 62 Prof. Dr. Tadashi Yokoyama é professor do Departamento de Estatística, Matemática Aplicada e Computação. UNESP/Rio Claro. 63 Prof. Dr. Paulo Sergio Pizani tem graduação em Física pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Rio Claro (1972), mestrado em Física (São Carlos) pela Universidade de São Paulo (1977), doutorado em Física (São Carlos) pela Universidade de São Paulo (1983) e pós-doutorado na Université Paul Sabatier, Toulouse, França (1994-1995). Atualmente é professor da Universidade Federal de São Carlos. 64 Prof. Dr José Bezerra Leite é professor aposentado pelo DEMAC, UNESP/Rio Claro. 89 Na Matemática ninguém queria ser chefe de departamento, ninguém queria, nunca. Ninguém queria. Para você ter uma ideia o professor Mário65 foi chefe de departamento. Porque ninguém queria e todo mundo votou nele. Ele aceitou e dois meses depois pediu demissão. Não tinha, ninguém queria assumir cargos administrativos. Não tinha disputas entre as pessoas. 65 Prof Dr. Mario Tourasse Teixeira licenciou-se em Matemática pela Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, em 1954, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em 1965 doutorou-se pela FFCL da USP. Em 1959 foi convidado a assumir a Cadeira de Geometria Analítica, Projetiva e Descritiva na FFCL de Rio Claro, atual UNESP. De julho de 1988 a abril de 1989, foi vice-coordenador da Pós-Graduação em Educação Matemática e aposentou-se em maio de 1991 pela UNESP/Rio Claro. Faleceu em 12 de junho de 1993, em Rio Claro. 90 91 Profª Drª. Lucila de Oliveira Maciel Entrevista realizada com o Profª. Drª. Lucila de Oliveira Maciel. Data: 14/08/2009. Local: Casa da Professora Lucila, Rio Claro, SP. Entrevistador: Luciana S. de Oliveira Zanardi. “Em reuniões fora ou dentro da Universidade a expressão da mágoa sempre aparecia.” Com relação ao trânsito de professores na época da criação da UNESP, devo dizer que não foi tranquila. Para os professores da Educação a situação ficou pesada, porque foi uma medida totalmente errada, fruto de uma política universitária, e da ideologia da época. Eles, os professores de outras áreas, achavam que o “quente”, o que garantia status, era ou seria o bacharelado. Então queriam o bacharelado a qualquer custo. Havia também um reitor querendo uma vaga, não havia uma reitoria: criaram a UNESP e mexeram com a vida de todo mundo... Realmente foi uma medida imposta, tendo por trás toda uma negociata, inclusive com os professores daqui, e seus respectivos departamentos. As pessoas de mais prestígio político foram as que obtiveram as melhores vitórias. Na Educação havia o Jorge Nagle 66 em Araraquara, profissional respeitado, com bom trânsito político, que acabou levando a Pedagogia para lá. A mágoa resultou do fato de que a Educação em Rio Claro usufruía de uma situação bastante estável, uma quantidade de alunos grande, funcionava regularmente durante o dia. Quando eu passei a dar aulas em Araraquara, dava aula para dois, três ou quatro alunos à noite. O número de alunos não servia de justificativa. O discurso girava em torno de “centro de excelência” para Araraquara, enquanto que em Rio Claro falava-se em formação de pesquisadores e, neste sentido, a Licenciatura era tratada com descaso já às vésperas da criação da UNESP. Pessoas ligadas à diretoria forçavam a aglutinação dos alunos das diferentes áreas, como Matemática, Geografia, Ciências Sociais, Biologia e outros mais, em classes numerosas e heterogêneas, contrariando o 66 Prof. Dr. Jorge Nagle, Professor de Pedagogia aposentado pela UNESP de Araraquara. Entrevistado nesta pesquisa. 92 encaminhamento que o então Departamento de Educação fazia. Era já o movimento para enfraquecer a Licenciatura, desrespeitando a essência de cada área do conhecimento. O discurso, aqui, era o da formação do bacharel, o pesquisador. Esse foi um período muito amargo na vida dos professores. O discurso da época revelou-se um contra-censo e sua prova documental foi a recriação, anos mais tarde, do Departamento de Educação em Rio Claro. A Licenciatura aqui, depois do fechamento da Pedagogia, continuou e a formação pedagógica mostrou-se deficitária. Professores viajantes, vindos de Araraquara, naquele momento eram inviáveis. E quando a Pedagogia foi reaberta em Rio Claro, o destino foi o período noturno, pressão essa que já existia quando da criação da UNESP. Para a recriação do Departamento de Educação, precisava-se do corpo docente que havia sido transferido para Araraquara. Recebi um convite para voltar, aceitei e me arrependi depois por tê-lo aceito. Foi um novo recomeço a que me submeti, mais por questão de família que por prazer profissional. Quando da transferência dos professores de Rio Claro para Araraquara, foi anunciado que iriam efetivamente os docentes mais titulados para efeitos de instalação do centro de excelência, aqui permanecendo alguns para atender a Licenciatura. As relações pessoais falaram mais alto e alguns docentes titulados ficaram vinculados aos Cursos de Ciências Biológicas e Matemática. Portanto, nem todos foram transferidos efetivamente. A mim, me foi dito que seria transferida por “união de cônjuges” já que meu marido também estava sendo transferido junto com o Curso de Ciências Sociais. O Curso de Ciências Sociais abrigava professores de renome e sua postura era de contestação e crítica, não coadunando com a mentalidade predominante em Rio Claro. Em Araraquara o curso de Ciências Sociais seguiu em frente. Acredito, todavia que o contexto da época de ditadura militar não foi o motivo real da extinção dessa área em Rio Claro. Foi um remanejamento ou troca de cursos baseado em interesses de uma política universitária que bradava em alto e bom som a necessidade de não duplicar cursos dentro da nova universidade que estava surgindo. Alguns departamentos, em Rio Claro, foram tão indelicados, que ao se considerarem vencedores chegaram a propor a redistribuição de bens materiais e salas, antes mesmo das atividades curriculares da Pedagogia estarem encerradas. Pelo menos três turmas de alunos da Pedagogia continuaram a ser atendidas em Rio Claro até que concluíssem todas as disciplinas e todos os alunos se formassem. Efetivamente os professores estavam sediados em Araraquara, dando aulas aqui. Foi meu caso. 93 Sobre a questão da passagem de Instituto Isolado para Universidade calcada numa falta de condição para trabalho e carência de apoio financeiro pouco posso falar. Se essa era a realidade de outros campi, eu também não sei dizer. Agora, Rio Claro tinha condições, o curso de Pedagogia tinha história, e muito bonita. Quando os primeiros professores vieram, havia a intenção de formar um centro de pesquisa, principalmente na área da Psicologia. É possível que em seguida eles tenham perdido seus privilégios e acabaram aceitando ofertas melhores: Universidade Federal de Brasília, USP de São Paulo e de Ribeirão. Não houve oportunidade de formarem um corpo de futuros professores, como aconteceu com a História Natural. Depois disso passaram por Rio Claro professores mais ou menos itinerantes e com isso o corpo docente da Pedagogia perdeu forças. Antes da criação da UNESP, ainda como Instituto Isolado havia, porém, um número razoável de docentes com mestrado e doutorado em andamento com grandes chances de progresso, o que de fato acabou acontecendo. Aqui havia equipamentos de laboratório, biblioteca adequada para a época e, além disso, os professores estavam vinculados, através de seus estudos, a outras instituições de ensino como a USP e a Universidade Católica. Quanto à influência desses acontecimentos todos na vida pessoal, devo dizer que foi bem grande. Embora eu tenha sido aluna do Curso de Pedagogia aqui de Rio Claro, não comecei no superior aqui. Já estava frequentando o mestrado na USP quando fui admitida (1971), vinda de Campinas para cá. Estava em casa em todos os sentidos. Minha família sempre residiu aqui e eu logo defendi o mestrado (1972). Nem bem defendi o doutorado (1975), tive que ir embora. Houve todo um período de adaptação bastante demorado, até que um dia, numa conversa com o diretor Jorge Nagle, consegui, num processo meio catártico resolver minhas questões pessoais. A partir de então a vida seguiu normalmente. Participava de um Centro de Atendimento à comunidade e até montei um projeto que foi aprovado pelo MEC. Apesar de continuar morando em Rio Claro e viajando, já havia solicitado abertura de concurso lá quando de repente partiu um convite de Rio Claro para voltar. Foram anos viajando, já que minha família toda ficou aqui. Alguns professores se mudaram, ficaram por lá estabelecendo um novo ritmo de vida. Eu, diante do convite que me foi feito e principalmente para atender a família, acabei voltando. Voltei para recomeçar do zero. Não havia aqui Departamento de Educação. A meta era recriá-lo. Fui lotada no Departamento de Zoologia e ali não havia oportunidade de solicitar abertura de concurso. Criamos o Departamento de Educação e já veio logo em seguida a solicitação para criar o Departamento de Educação Física. E assim eu e os demais passamos 94 muito tempo envolvidos em atividades burocráticas, Nesse meio tempo a Educação Matemática cresceu, solicitando, também, nossa colaboração para aulas na Pós-Graduação. Foram muitas as atividades e quando surgiu um convite da Unicamp, estando já com tempo suficiente para aposentadoria, deixei a UNESP. Na verdade, não estava satisfeita aqui. Quanto à pretensão de se estabelecer um centro de excelência em Araraquara, sei que, enquanto eu estava lá, criaram o CEAO67 no Departamento de Psicologia e o Departamento de Didática fortaleceu-se ampliando suas ações graças aos docentes que foram daqui pra lá. Essas ações implementadas envolviam bastante a comunidade já que alunos eram poucos. Eu perdi o contato com eles depois disso. Quanto à volta do curso de Pedagogia em Rio Claro, desconheço a existência de solicitação da comunidade para que o curso voltasse. Dos alunos, acredito que tenha havido. Sei que eles pediam, além do bacharelado, a licenciatura. O licenciado sempre tem a chance de dar aulas. O mercado de trabalho para o bacharel não é tão fácil. Evidentemente ter um Departamento aqui, para oferecer a licenciatura, seria muito mais plausível. Não sei se econômico, mas mais plausível. Quando eu saí, o Departamento de Educação era pequeno, agora pelo que eu sei, ele é enorme. Dentre os colegas que foram transferidos, restou sempre muita mágoa. Querer voltar muitos queriam, tanto que voltamos...Vários voltaram, mas o que mais me trouxe foram os problemas familiares mesmo.. O fato da família, o núcleo familiar, continuar aqui decidiu a questão. Então, para nos acomodar à família, voltamos. Esse motivo foi mais forte que qualquer outro. Em reuniões fora ou dentro da Universidade a expressão da mágoa sempre aparecia. A superação depende de cada um, das sucessivas releituras que são feitas cada vez que se abre o baú. O fato primeiro, esse não tem mudança. A mudança que ocorre, vem com o passar do tempo, à medida que se reajusta através de outras leituras. Então se torna possível a superação. Quem não atinge esse estágio fica com uma chaga aberta indefinidamente. Não é saudável. Eu acho que quem quer continuar vivendo bem, tem que arrumar uma maneira de se ajustar aos fatos, justificar, adaptar, superar. Então cada um encontra o seu jeitinho, a sua maneira de se readaptar. Acaba encontrando outro caminho. Eu, por exemplo, fui para a UNICAMP. Foi bom ter trabalhado lá, de certa forma lustrou o ego. Sair daqui com convite feito, coisa que alguns até tentaram e não conseguiram 67 Centro de Estudos, Assessoria e Orientação Educativa "Dante Moreira Leite" - CEAO – criado em janeiro de 1978. Alocado no Departamento de Psicologia da Educação do ILCSE (Instituto de Letras, Ciências Sociais e Educação), Faculdade de Ciências e Letras, UNESP, campus de Araraquara, SP. 95 foi muito bom. Mas não foi perene, porque naquela época, ainda eu sentia que lá não era a minha casa. A minha casa era para ser aqui, então esse sentimento de perda, levou muito tempo para ser superado. Acho que só superei depois que, de fato, eu me aposentei. Com a aposentadoria veio toda a fase de luto. Uma fase em que a gente chama de despersonalização. É quando se pergunta a si mesmo: “Eu era a professora Lucila e agora, quem eu sou?” Essa é uma fase que acontece até para quem se aposenta normalmente, mas para quem perdeu a casa várias vezes, é um processo um pouco mais demorado. Mas a gente se adapta, e nessa história, já estou quase me aposentando da aposentadoria. Para quem teve muita atividade não é uma fase tranquila. Quanto a sua indagação se eu vi algum professor, no contexto da ditadura, ser perseguido, respondo que, se teve, não me lembro. Ciências Sociais era o curso onde o pessoal mais participava, mais gritava, mais fazia movimentos e mesmo assim não me lembro de nada marcante. Era mais aquela conversinha dentro de sala de aula. Quando eu dava aulas para os alunos das Ciências Sociais, eles me questionavam muito porque achavam que a Psicologia era uma ciência de acomodação. Eram mais esses embates teóricos, mas não me lembro de grandes movimentações. É possível que em Araraquara as movimentações tenham sido maiores, não sei. O curso de Ciências Sociais era realmente mais belicoso e nas reuniões da Congregação eles enfrentavam os demais e, acredito que por isso, se tornaram mais inconvenientes. Os demais cursos eram mais cordatos. Quanto à recepção que tivemos em Araraquara tenho a dizer que não fomos mal recebidos. Se eu disser que não fui bem recebida, estarei mentindo. Nós fomos muito bem recebidos, não tenho queixa de nenhum docente de lá. Fui recebida com carinho no Departamento e participei dele tranquilamente. Lá os Departamentos eram separados. Aqui não. Para o Departamento de Psicologia fomos eu e o professor Valdemar68. Nós dois tínhamos muita afinidade com a USP e nisso nossa história se diferenciava da deles. A formação era diferente. Para o Departamento de Didática, foi um contingente maior de professores daqui e essa aglutinação possibilitou a formação de um núcleo forte, levando concepções e posturas que já eram daqui. Isso pode ter contribuído para a fixação dos docentes lá, tanto que muitos se radicaram em Araraquara. 68 Prof. Dr. Valdemar Tadeu Vollet, professor aposentado pela UNESP/ Araraquara. 96 Revisitar os acontecimentos passados nem sempre é muito tranquilo. Para algumas pessoas talvez seja mais cômodo evitar essa revisão. Para mim doeu mais quando redigi aquele artigo para o livro coordenado pela Profª. Liliana69, porque fui escrevendo aos poucos. As lembranças vieram e eu fui selecionando-as. Foi um remexer, uma reorganização. Não tenho mais dificuldade em tocar no assunto, pois está bem sedimentado. Acho que está... Agora, outros não tocam porque não interessa mexer com o que já passou. Olhando para o passado, a figura que me salta aos olhos é o Jorge Nagle. Ele foi um nome de grande importância. Tinha algumas ideias na época e dentre elas tornar Araraquara um centro de excelência. Era comum ele dizer: “Não, quem quiser a licenciatura vem buscar aqui” e a gente retrucava: “Jorge, você está maluco. Olha a distância.” Hoje em dia já seria diferente, não é? Com o EAD, o ensino à distância as perspectivas seriam outras. Não sei se ele estava sendo um visionário na época, mas hoje em dia seria mais tranquilo. Eu fico feliz, de ter alcançado um pouco, fora já do academicismo da Universidade, essa história de EAD. Ligações com outras faculdades, que vieram depois me procurar, para elaborar programas de ensino à distância, me permitiram adentrar nesse universo. Mesmo com a própria UNESP, tive a oportunidade viver um pouco dessas inovações, colaborando como orientadora de pesquisa de uma turma de Limeira, no primeiro curso desenvolvido (PEC) utilizando ensino à distância. E naquela ocasião, diante dos primeiros movimentos de fortalecimento do ensino à distância, a Pedagogia aqui manifestou sua oposição. O Ensino à Distância está aí. Espaço e tempo já assumiram outras dimensões. É uma realidade, e agora olhando para o que o Jorge dizia na época, fico em dúvida se ele não foi um visionário. Através do Ensino à distância hoje, eu acho que há possibilidade. Lamento que a Pedagogia não esteja percebendo isso. 69 MACIEL, L. O., Memória – Profª Drª Lucila Maciel. In: GARCIA, L. B. R., História e Memória – os 50 anos do Ensino Superior público em Rio Claro: da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro à Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” 1958 a 2008. Rio Claro: IGCE:IB/UNESP, 2008, p. 300 – 304. 97 98 Prof. Ms. Clélio José Faggion Bellini Entrevista realizada com o Prof. Ms. Clélio José Faggion Bellini. Data: 18/08/2009. Local: Biblioteca, UNESP, Rio Claro, SP. Entrevistador: Luciana S. de Oliveira Zanardi. “Quando da criação da UNESP houve uma consulta prévia para que os professores do curso de Matemática pudessem ser realocados.” Fui admitido como Instrutor na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara, em 21 de dezembro de 1971, que na época era chamada de Instituto Isolado. Após algum tempo fui designado como professor- assistente. Quando foi criada a UNESP, deveria haver um remanejamento de professores. Alguns cursos seriam duplicados em instituições muito próximas. Existiam cursos de Matemática em São José do Rio Preto, Araraquara e outro ainda em Rio Claro, lembrando também que em São Carlos existia e existe também curso de Matemática. Dentre eles o de Rio Claro, era considerado o qual deveria permanecer dentre os três, pois a havia muita pesquisa em andamento, talvez por maior proximidade com os cursos de Matemática da UNICAMP, USP, PUC- São Paulo e contatos com os professores dessas instituições. A faculdade de Filosofia de Araraquara não era diferente de Rio Claro na contratação de professores, pois éramos contratados em R.D.I.D.P.70 Outro curso que, na época, deveria ter seus professores remanejados era o de Pedagogia. O curso de Pedagogia de Araraquara era muito bem conceituado, não que o de Rio Claro não o fosse, mas também não poderia haver dois cursos muito próximos com a mesma finalidade. Quando da criação da UNESP ficou estabelecido que o curso de Matemática de Araraquara, como o de Pedagogia de Rio Claro seriam extintos, como de fato o foram, e seus professores seriam remanejados. Alguns professores do curso de Matemáticas de Araraquara tinham interesse em permanecer, devido a laços familiares, em Araraquara exercendo suas atividades no curso de Química e prestariam serviços em áreas que necessitassem da Matemática. Poucos optaram para serem transferidos para o curso de Matemática de São José do Rio Preto. 70 RDIDP, regime de dedicação integral à docência e à pesquisa. 99 Decidi ser transferido para o curso de Rio Claro, porque na época, meu orientador de R.D.I.D.P. era também professor do curso de Matemática em Rio Claro, o Dr. Mario Tourasse Teixeira71. Manteria um contato mais efetivo com o mesmo na parte de pesquisa. Não tive oportunidade de participar muito da vida acadêmica, nem administrativa do curso em Araraquara. Em Araraquara o curso possuía um boa biblioteca, gráfica própria para confecção de apostilas, parte administrativa com várias pessoas e muitos alunos. A meu ver um dos fatores primordiais que contribuíram para que o curso de Matemática fosse extinto é que havia no curso vários professores com formação em Física, que queriam implantar um outro tipo de linha de pesquisa para a Matemática. Quando fui contratado já havia uma disputa entre os docentes, portanto não posso precisar o que houve anteriormente. Sei que o professor Espada72, teve uma desavença com o pessoal que da Física e pediu para ser removido para São José do Rio Preto. Prestou concurso para professor, foi admitido e ficou trabalhando em São José. Mas, a disputa pelo poder em impor linha de pesquisa no curso de Matemática não havia terminado. O curso de Matemática era constituído, de 21 professores, alguns professores colaboradores da USP-SP. A disputa pela direção do curso de Matemática terminou com a demissão de todos os professores com formação em Física que foram para outras instituições em outros estados. Ficamos somente em sete professores, dos quais haviam criado o curso de Matemática. Como o número de professores ficou muito reduzido, contrataram-se novos professores, alguns exalunos que tinham se distinguido durante o curso. Alguns dessem professores continuaram os estudos e ficaram prestando serviços no Instituto de Química. Quando da criação da UNESP houve uma consulta prévia para que os professores do curso de Matemática pudessem ser realocados. Nada formal. Houve reunião informal para, digamos, sacramentar a decisão de cada professor quanto aos interesses da realocação. Não houve nada formal para a realocação. Como fui contratado pela C.L.T. quando do ingresso na Faculdade de Filosofia em Araraquara em minha carteira de trabalho há uma nota na qual fui designado a prestar serviços no curso de Matemática em Rio Claro. Quando em Rio Claro não notei nenhum tipo de hostilizarão pela vinda, mesmo porque já mantinha vínculo com relação à pesquisa através do orientador. Interiormente sentia-me meio constrangido, pois não havia prestado concurso para ser admitido em Rio 71 Prof Dr. Mario Tourasse Teixeira licenciou-se em Matemática pela Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, em 1954, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em 1965 doutorou-se pela FFCL da USP. Em 1959 foi convidado a assumir a Cadeira de Geometria Analítica, Projetiva e Descritiva na FFCL de Rio Claro. De julho de 1988 a abril de 1989, foi vice-coordenador da Pós-Graduação em Educação Matemática e aposentou-se em maio de 1991 pela UNESP/Rio Claro. Faleceu em 12 de junho de 1993, em Rio Claro. 72 Prof. Dr. Antonio Espada Filho, professor de Matemática da UNESP/São José do Rio Preto. 100 Claro, mas foi uma imposição administrativa. Outros professores de Araraquara que foram remanejados para Rio Claro, julgo, que não se sentiram constrangidos. Os efeitos de adaptação em Rio Claro, se é que houve, foi o fato de que assumimos algumas disciplinas em Rio Claro, mas tivemos que encerrar as disciplinas em Araraquara até que todos os alunos concluíssem o curso. Quanto à extinção do curso de Matemática julgo que não houve nenhuma interferência do governo militar da época, mas uma racionalização em termos de recurso. Quando trabalhei em Araraquara mantinha um círculo de amizades muito grande não só com o pessoal da faculdade, mas também com pessoas da sociedade araraquarense. Como Rio Claro é muito próximo de Araras, optei por residir em Araras e em consequência disso não participava muito da vida nem acadêmica nem social da cidade. Outro fato a se considerar era que em Araraquara todos os cursos estavam instalados em um único prédio: Matemática, Pedagogia, Ciências Sociais, Letras (sem incluir a Odontologia e a Química), já em Rio Claro foram criados o Instituto de Biociências e Geociências. Não saberia opinar porque foi criada a UNESP, talvez para se criar mais uma universidade estadual, reunir todos os Institutos Isolados, concentrar um controle maior de verbas e de qualidade de ensino mais unificado, capacitação de recursos, de todo tipo: financeiro administrativo. Talvez tenha havido uma política administrativa. Quanto a relação da criação da UNESP com o regime militar vigente à época não notei absolutamente nada, apesar de alguns professores da unidade de Araraquara terem sido convidados a realizar cursos na Escola Superior de Guerra. Após a criação da UNESP notei que houve grande melhora em termos de realizações profissionais, educativas e de prestação de serviços a comunidade. Pelo menos a minha transferência de Araraquara para Rio Claro foi de forma pacifica sem grandes mudanças, já que meu orientador pertencia ao campus de Rio Claro. Na época dos cursos de Matemática em Araraquara e Rio Claro havia grande entrosamento dos docentes os quais participavam de bancas tanto de Rio Claro para Araraquara como vice-versa. 101 102 Prof. Dr. Amilton Ferreira Entrevista realizada com o Prof. Dr. Amilton Ferreira. Data: 21/08/2009. Local: Sala do Prof. Amilton, Departamento de Biologia, UNESP, Rio Claro, SP. Entrevistador: Luciana S. de Oliveira Zanardi. “É que muitas vezes eles não querem falar sobre isso. Há momentos que as pessoas põem debaixo do tapete: “Olha, deixa para lá”. Eles foram os atores da cena, na verdade. Você já percebeu que se tem medo de falar na universidade?” Eu fui aluno daqui. Eu fui aluno da terceira turma daqui. Logo que me formei acabei sendo contratado na própria Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Rio Claro, pelo Departamento de Biologia. Naquela época, evidentemente, havia uma deficiência, uma necessidade de professores muito grande e as primeiras turmas que eram formadas praticamente foram absorvidas, contratadas no próprio campus ou naqueles campi do interior que estavam sendo criados na época. Então eu estou aqui há muito tempo, há 47 anos. Na época da criação da UNESP eu estava na administração, eu era vice-diretor do professor Sezerdello73, que era o diretor do Instituto. Eu nunca tive pontos de vista muito simpatizantes com as ideias da época e fico muito feliz, que passando 47 anos eu vejo que não estava tão equivocado. Porque tudo o que foi destruido naquela época, tentou se reconstruir agora, evidentemente com todos os prejuízos que nós sabemos que aconteceram. No depoimento de Luiz Ferreira Martins74, que está nos 30 anos da Universidade75, ele é muito categórico inclusive, ele termina o texto dizendo que se ele enfrentasse outra vez estes problemas, faria tudo novamente. O que é um absurdo, porque se destruiu tudo o que ele fez e recomeçou tudo novamente. Agora, como surgiu a Universidade? A gente precisa voltar um pouco nessas coisas, porque anteriormente à criação da universidade, houve uma grande 73 Prof. Dr. Alcides Sezerdello, Diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro no período de agosto de 1975 a janeiro de 1977. Diretor do Instituto de Biociências no período de janeiro de 1977 a agosto de 1979. (GARCIA, 2008. p. 370). 74 Prof. Dr. Luiz Ferreira Martins é professor de Odontologia aposentado pela FOB/USP, unidade de Bauru. Na época da criação da UNESP, era Coordenador dos Institutos Isolados. Foi reitor da UNESP e sua gestão compreendeu o período de 10/03/1976 – 9/3/1980. É entrevistado desta pesquisa. 75 CORRÊA, A. M. M., UNESP 30 anos: memória e perspectivas. São Paulo: Editora da UNESP, 2006. p. 6368. 103 movimentação. E você pode acompanhar isso nos 50 anos do Instituto de Biociências, há vários depoimentos76 sobre isso. Havia uma luta muito grande para que o interior de São Paulo conseguisse cursos de ensino superior. Nós não tínhamos outra alternativa. Nós, eu digo os candidatos a futuros estudantes de universidades públicas, a não ser nos deslocarmos para São Paulo. E isso na época era muito difícil. O país era pobre, nós tínhamos uma classe média muito pobre, as dificuldades eram muito grandes. Então, se a gente tivesse essas possibilidades mais por perto seriam muito mais interessantes e esse movimento surgiu em várias cidades do interior. Um dos movimentos em que isso surgiu fortemente foi em Rio Claro, foi um movimento muito forte para que se criasse a Faculdade de Filosofia aqui em Rio Claro. E isso foi criado, assim como foi criado em vários outros lugares, Botucatu, Assis, Marília, Franca. Quer dizer, todos esses Institutos Isolados, que eram Institutos Isolados, que compõem as unidades da UNESP agora. Excluídas essas unidades diferenciadas que foram criadas recentemente, na administração do professor Trindade77. Acho que todas elas ou a grande maioria dessas unidades são originadas dos Institutos Isolados da época. O que aconteceu na época, evidentemente, é que se procurava dar uma unidade a esses Institutos Isolados. E procurou-se criar uma universidade. Então, ao se criar essa universidade, acabouse com os Institutos, foram todos englobados no que foi chamado de UNESP. E interiormente, em cada unidade, houve reestruturações. Em Rio Claro nós tínhamos uma Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Rio Claro e com a reestruturação foram criados dois institutos: um Instituto de Geociências e Ciências Exatas e um Instituto de Biociências. Eles passaram a ter mais ou menos uma estrutura que não é muito diferente da que nós temos agora, com certa autonomia de administração. Aqui em Rio Claro, evidentemente, convivemos no mesmo campus. Tem um grupo administrativo que procura administrar as coisas em comum, mas os dois institutos funcionam como se fossem unidades totalmente independentes. O que aconteceu na época, que foi motivo de grandes discussões, de grandes murmúrios e de grandes tormentos. Eu digo isso porque eu tive vários colegas que sofreram esse problema. Um deles foi a professora Cecília Micotti78, outra foi a professora Alda Marin79, que trabalhava aqui. Ela era daqui, foi para Araraquara, acabou se aposentando por lá e eu acho que ela está na PUC de São Paulo. Tem o marido dela que está lá, que também era 76 GARCIA, L. B. R., História e Memória – os 50 anos do Ensino Superior público em Rio Claro: da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro à Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”1958 a 2008. Rio Claro: IGCE: IB/UNESP, 2008. 77 Prof. Dr. José Carlos Souza Trindade foi Reitor da UNESP no período de 15/01/2001 a 14/01/2005. 78 Profª Drª Maria Cecília Oliveira Micotti, professora aposentada de Pedagogia. Ainda na ativa no Programa de Pós-Graduação em Educação na UNESP/Rio Claro. 79 Profª Drª Alda Junqueira Marin leciona hoje na PUC/São Paulo. 104 professor daqui, o professor Dinael Marin80, que também viveu esse problema. Então, quando isso aconteceu, o reitor que assumiu, o Luiz Ferreira Martins, ele teve a responsabilidade de organizar essa universidade e a ideia que ele tinha na época, era de criar centros de excelência. Convém voltar um pouco, recuperar um pouco essa história. Nós não podemos esquecer que o professor Luiz Ferreira Martins era um uspiano de quatro costados, quer dizer, ele foi aluno de graduação da USP, foi professor da USP, muito jovem ele participou de todos os movimentos políticos da USP, era membro do conselho universitário. Ele era uma pessoa de proeminência até na época. Foi candidato a reitor. Então coube a ele fazer essa organização da universidade. Eu esqueci de falar uma coisa importante, qual a dificuldade que nós tivemos para criar os Institutos Isolados? Porque reinava a ideia aquela época, na USP, que era a única universidade pública em São Paulo, de que não havia a menor possibilidade que você tivesse centros universitários competentes no interior do Estado de São Paulo. Não havia ambiente, quer dizer, vinculava-se muito ao ambiente cultural que a cidade oferecia, não se tinha professores para isso. E porque não se tinha professores para isso? Nós não tínhamos cursos de Pós-Graduação, nós não estávamos nos preocupando, até aquele momento, em formar professores para serem professores universitários. A grande preocupação era formar professores para serem professores no ensino médio principalmente, e não para fazer pesquisa. A Pós-Graduação foi implantada bem posteriormente no país. Então essa era uma objeção que se fazia, na Universidade de São Paulo, para essa criação. Quando o professor Luiz Ferreira Martins veio, ele trouxe um pouco disso. Ele achava que a universidade deveria ter centros de excelência, que não tinha o menor sentido você ter em várias cidades cursos que eram repetidos, porque você não teria qualidade nem em uma e nem em outra. Então ele começou a assumir uma política que deveria acabar com essa duplicidade de cursos, centralizar esse corpo docente em determinadas unidades para ter uma densidade, na época se usava muito essa terminologia: o instituto tem que ter uma certa ‘densidade’. Massa crítica. Ter docentes capazes de formar um núcleo competente e significativo em número para iniciar projetos de pesquisa que acabassem desenvolvendo dessa reorganização. Bom, e isso foi feito. Quer dizer, isso foi feito, evidentemente à época, não sei se porque nós viemos do movimento militar, que estava muito presente ainda, então essas coisas não foram discutidas com os interessados diretamente. Não se chegou aos professores e se perguntou: “Vamos discutir o problema. O que você acha da gente acabar com o Departamento de Educação aqui? O curso 80 Prof. Dr. Dinael Marin é Professor Assistente Doutor do Departamento de Ciências Sociais e Filosofia do Instituto de Letras, Ciências Sociais e Educação da UNESP/Araraquara. 105 de Pedagogia levar para Araraquara e de acabar com o de Matemática de Araraquara e trazêlo para cá?” Nada, nada, nada. Nada disso foi discutido. Eles tinham esse discurso, que era o discurso da competência, do núcleo de excelência, da massa crítica e isso foi o mote que eles usaram para que essas coisas acontecessem. E assim foi feito. Com todos os transtornos que puderam acontecer. E isso trouxe problemas para a Universidade, que até hoje eles marcam a carreira de muitos professores. É inacreditável como as pessoas que não viveram esse período não conseguem sentir isso, não conseguem dimensionar isso. O ano passado ou ano retrasado, eu já não me lembro, esses livros de comemoração, porque todas as unidades estão completando 50 anos, 47, 48 e eles têm vários livros publicados sobre todo esse trajeto. O ano passado ou ano retrasado, eu fui convidado a ir a Presidente Prudente e num desses dias que eu estava lá houve uma comemoração a respeito do lançamento do livro que tratava da história do campus. Eu li o livro de Prudente81. Alguns campi sofreram extraordinariamente com esse processo. Um deles foi Prudente, outro foi Franca. Franca foi quase dizimada, falava-se inclusive em fechar o campus de Franca, Assis, Marília. Agora, hoje, se você fizer uma leitura assim, mais aberta, que a gente não fazia à época, quer dizer, eu digo aqui em Rio Claro a gente não fazia. Porque os cursos de humanidades já estavam esfacelados. Quer dizer, eles eram os cursos que na realidade, poderiam fazer um discurso mais crítico à situação que se vivia à época. “Para que ter essa ‘encheção de saco’?” Foi o que aconteceu especialmente com Rio Preto. A influência da ditadura era muito grande. A influência da ditadura, a influência da USP e de um reitor que veio da USP e que veio com ideias pré-concebidas. Isso era muito claro. Acabou-se com Rio Preto. Rio Preto sofreu drasticamente. Todo este processo acabou destruindo a universidade no seguinte sentido, você tinha grupos organizados, estruturados. E isso foi terrível para as unidades, você veja o seguinte absurdo, vamos pegar Rio Claro, para a gente trazer o foco para Rio Claro. Você pega o Departamento de Educação: o Departamento de Educação foi transferido praticamente para Araraquara, mas só que eles se esqueceram de uma coisa que era fundamental, porque todos os cursos que nós tínhamos aqui eram cursos de licenciatura. E que as licenciaturas têm um componente curricular, dependente da área da Educação que é muito forte, então de repente os professores foram para lá, mas eles tinham que vir dar as disciplinas aqui. E quando eles foram para lá nenhuma facilidade foi oferecida, mudem-se, virem-se, ninguém veio oferecer facilidades. E foi uma luta muito interessante, da qual eu me orgulho de ter participado, não tenho dúvidas. Quer dizer, pelo menos, quando penso nas coisas que aconteceram, acho que 81 ALEGRE, M. (Org) Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras ontem: uma trajetória (História Oral) – Faculdade de Ciências e Tecnologia hoje. Presidente Prudente: 2006. 106 sou um dos responsáveis por ter recuperado o curso de Pedagogia, o Departamento de Educação para cá. Porque, apesar de ter se dado muito tempo depois, a gente foi criando movimentos durante esse período de tal modo que fosse recuperado. Porque a gente não recupera as coisas assim. Claro que havia necessidade de ter um curso de Pedagogia aqui, precisaria ter pelo menos um Departamento de Educação para atender os cursos de licenciatura. E todos os cursos de Rio Claro eram de licenciatura. No IB eram todos. Se você pegar o de Geociências, o que você não tem de licenciatura hoje? Somente a Geologia e a Computação, os demais são todos. Então o Departamento de Educação é um Departamento muito forte, que tem grandes inserções. No próprio curso de Pedagogia havia uma demanda muito grande de alunos. Muito grande. Porque você tinha pouquíssimos cursos na época, o ensino privado na época praticamente não existia. Existiam as universidades confessionais, tinha a PUC, não tinha mais nada além dessas coisas. Então a demanda era muito forte, o país inteiro fazia os cursos aqui, eles eram raros. Bom, aí começou a se criar: “E agora? O que se faz?” Aí começaram a aparecer aquelas coisas terríveis; eu me lembro, por exemplo, a professora Cecília Micotti, num determinado momento, foi docente do Departamento de Zoologia, e por quê? Porque perceberam que: “realmente a gente precisa de alguém para dar essa disciplina. O que vamos fazer com a Cecília? Vamos deixar ela em Araraquara? Precisa da professora Cecília e agora? Como ela faz? Transfere?” Aí ela veio e ficava no Departamento de Zoologia. Os professores do Departamento de Educação eram de Rio Claro, foram para Araraquara e voltaram para Rio Claro. Eles acabaram voltando, entende? Isso aconteceu. Muitos anos depois, na verdade. Veja bem, eles foram para Araraquara, de repente perceberam que eles tinham que dar as aulas do currículo e acabaram voltando aqui para dar as aulas. Mas no começo eles viajavam. De repente se preocupou “Se tem que dar aula por que não fica?”, mas ficava uma situação assim, totalmente estranha. Por exemplo, a Cecília era do Departamento de Zoologia, o outro ficava no Departamento de Matemática. Foram separando. Separando as pessoas assim. Por quê? Porque eles perceberam que havia a necessidade e que isso não foi absolutamente pensado. Quer dizer, vamos imaginar que eles poderiam até pensar assim: “Ah, não dá para ter o curso de Pedagogia, o centro de excelência em Educação vai ser em Araraquara. Mas tem que ter um núcleo aqui para tocar as turmas de licenciatura”. Mas não se pensou nisso. Era algo mais ou menos assim: “Não vamos permitir que esse pessoal se aglutine, se reúna num departamento só. Porque se isso acontecer deve haver um perigo qualquer”. Essas coisas eram assim, só não via quem não queria, as coisas eram assim. E não é muito diferente 107 hoje. As coisas hoje, elas estão um pouco mais camufladas, veladas. Mas funcionam assim. Eu me lembro até, que num determinado momento, as coisas eram tão terríveis, eu acho que eu era diretor ou vice-diretor e a professora Cecília reclamava muito: “Mas Amilton, eu sou da área de Educação, eu fico naquele departamento, o outro fica no outro departamento...” e aí eu lembro um dia, tinha uma sala desocupada do Departamento de Matemática, nós invadimos a sala e colocamos todos os professores de Educação lá, independente do departamento, numa determinada sala, só que era de outro instituto. Meu Deus do céu! A faculdade veio a baixo, pediram a minha cabeça. Já eram dois institutos, nós invadimos uma sala do departamento de outro instituto. Porque nós ficávamos lá em cima, no Santana82. Foi uma coisa terrível. Então por que eu digo que houve um equívoco nisso? Eles não foram capazes de pensar aquela época, que o Brasil, quisessem eles ou não, à semelhança do que acontece agora, ele vai se desenvolver pelas próprias conjunturas internacionais. Não adianta, vêm cobranças, os alunos que saem do ensino médio querem universidade pública, querem universidade gratuita. E é preciso crescer, é preciso expandir. Então política de retração para ensino superior não funciona. Ela tem que ser feita com muito cuidado, com muita qualidade. Mas tem que ser feita. Não, não foi pensado na parte humana durante a transferência dos professores. Absolutamente. Ninguém chegou ao professor e falou assim: “Olha, nós estamos pensando em fazer isso, isso, isso, isso, isso... O que você acha disso? Você quer ir para lá?” De todas as pessoas que eu conheço e que eu conheci, não vi ninguém satisfeito com isso. Porque você desestruturou famílias. Você tinha famílias que estavam trabalhando em um lugar há anos e anos e de repente você tem que pegar esse casal e passar para outra cidade. E isso não aconteceu com uma pessoa, aconteceu com um grande número de pessoas na universidade. Então eu não sei... Olha, eu não posso acreditar que as pessoas que sofreram isso ficaram felizes. Eu não posso acreditar, não posso acreditar. E nem o Luiz Ferreira Martins, quando ele fala assim: “Eu faria tudo de novo”. Como, ô cara pálida? Você acabou com tudo. E agora foi tudo refeito. E se você tivesse deixado? Ah, tenha paciência! Mas é assim, o Brasil vive assim. Num determinado momento, quando se construiu Brasília. A construção de Brasília foi a maior corrupção que já existiu nesse país. Vão dizer assim: “Ah, não tem problema se houve tanta corrupção, olha Brasília hoje, que beleza”. Por que as coisas têm que estar associadas a isso? O que é isso? 82 Bairro do Santana, em Rio Claro. Local onde funcionava a UNESP anteriormente. 108 Então você começou a receber pessoas, que inclusive muitas queriam ser transferidas para cá, mas esse departamento conhecia aqueles e falava: “Não, não quero esse cara. Por que esse cara tem que vir para cá?” E você sabe que tem também aqueles que são “espírito de porco” no departamento. Aqui nós temos vários professores que entraram nessa. Foi pensado no financeiro. O prestígio que se ia ter naquela época, perdia um curso, perdia outro curso. E naquela época, quer dizer, na área de humanidade, o setor de humanidade não era prestígio nenhum, era problema. Quem sofreu na época? Quem sofreu? Veja, eu sempre digo assim, porque eu já tive isso anotado: se a gente desse uma olhada nos docentes que nós perdemos aqui em Rio Claro, se eles estivessem aqui eu não tenho dúvidas que Rio Claro seria o maior centro de Ciências Humanas do país, porque os grandes pensadores da época estavam aqui em Rio Claro, sem exceção, sem exceção. E, na realidade, era um pessoal de esquerda, por sua própria natureza de enxergar os problemas que o país vinha sofrendo, por tudo isso. Olha, bom, é só você ver onde eles estão. O André Singer 83 é um dos maiores economistas do país. Ele estava aqui em Rio Claro. A Carolina Bori84, essa morreu há pouco tempo agora, uma psicóloga famosa, que foi presidente da Sociedade Brasileira. Muitos, muitos professores foram embora, muitos, principalmente o pessoal de Ciências Sociais. Porque, na realidade, principalmente na época do curso de Ciências Sociais, nós tínhamos um pessoal que vinha de São Paulo, que dava aula aqui e acabava voltando para São Paulo. Porque tinha uma coisa que era fato: como é que você ia segurar algumas pessoas aqui na época? Porque eram os grandes heróis nacionais, que tinham ainda coragem de se levantar contra o governo, contra o estado. Esses foram embora, esses foram todos embora. O Singer foi embora, Paulo Sandroni85 foi embora. O Rubem Alves86 foi embora. E assim 83 Prof. Dr. André Vítor Singer é jornalista e cientista político. Foi porta-voz da Presidência da República no primeiro governo Lula, de 2003 a 2007, quando acumulou a função de Secretário de Imprensa do Palácio do Planalto. Atualmente é professor do Departamento de Ciência Política da FFCL/USP. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 23/06/2010. 84 Profª Drª Carolina Martuscelli Bori iniciou seus estudos na área de psicologia social e depois introduziu a análise de comportamento no Brasil. Na USP, participou da criação do Instituto de Psicologia. Também ajudou a fundar o IP da Universidade de Brasília, o Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura (Ibecc), a Associação Interciência e a Estação Ciência. No início de outubro de 2004, época de seu falecimento, atuava como presidente de honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 23/06/2010. 85 Prof. Dr. Paulo Sandroni é graduado pela FEA-USP em 1964 e mestre em Economia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Entre 1965 e 1969, foi professor da Faculdade de Economia da PUC-SP e da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro. No início dos anos 1970, trabalhou na Universidade do Chile e na Universidade de Los Andes, em Bogotá. Atualmente é professor da Escola de Administração de Empresas , da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo e da Faculdade de Economia e Administração da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É fellow do Lincoln Institute of Land Policy, think tank de Cambridge (Massachusetts) que se dedica a questões relacionadas com a tributação, uso e 109 acabaram indo embora, entende? Foi uma pena assim, porque eu não tenho dúvida que Rio Claro, naquela época, tinha o melhor centro de humanas da UNESP. Não tenho dúvida nenhuma. E não é porque Rio Claro era especial não. Era a proximidade com São Paulo, era muito mais fácil você sair de São Paulo para vir a Rio Claro do que ir para Araraquara. Então a proximidade com São Paulo facilita muito, assim como o que facilitou a UNICAMP foi a proximidade com São Paulo. Quer dizer, a proximidade com São Paulo sempre ajuda. Então, essas pessoas não foram convidadas, não, foi uma coisa terrível. Eu posso estar até exagerando. É que muitas vezes eles não querem falar sobre isso. Há momentos que as pessoas põem debaixo do tapete: “Olha, deixa para lá”. Eles foram os atores da cena na verdade. Você já percebeu que se tem medo de falar na universidade? Essa é uma das coisas que mais magoa na universidade. Você participa de uma instituição que se intitula livre, mas ninguém fala nada, ninguém se manifesta, eu fico assustado com esse problema. Nós tínhamos um grupo tão forte, tão forte, tão forte, que ‘esses caras’ falaram: “O quê?”. Basta dizer que um professor, que era do Departamento de Biologia, mas sempre teve uma formação mais assim, tendências para a esquerda, ele foi preso. Ele foi preso a troco de nada. Foi preso por que? Porque o delegado da cidade achava que seria um grande prestígio para ele prender alguém da universidade. Depois dele fui eu e mais treze ou quatorze na época, os que lutávamos contra isso. Aqui, na época da ditadura houve algumas restrições às ações de professores, alguns professores que tinham algumas atitudes, o diretor acabava não renovando o contrato, mas também isso se justifica tão somente pela época da ditadura. Pela época, o tempo passou, a gente não cuidou disso historicamente. Mas claro que houve. É muito simples. Se você pegar os professores que nós perdemos, veja os cargos que eles ocupam hoje, todos estão metidos no atual governo. Todos, todos, todos, todos. Eles nunca rezaram nessa cartilha. Olha, quando nós fazíamos os nossos vestibulares aqui, quem coordenava o vestibular? Era um militar. Era um militar para coordenar o vestibular e não era o vestibular da UNESP generalizado. Cada regulação do solo. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 23/06/2010. 86 Prof. Dr. Rubem Alves é graduado em Teologia pelo Seminário Presbiteriano de Campinas. Mestre em Teologia pelo Union Theological Seminary. Doutor em Filosofia pelo Princeton Theological Seminary. Em 1969 foi professor de Filosofia na FFCL de Rio Claro. Em 1973, transferiu-se para a Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, como professor-adjunto na Faculdade de Educação. No início da década de 1980, tornou-se psicanalista pela Sociedade Paulista de Psicanálise. Em 1988, foi professor-visitante na Universidade de Birmingham, Inglaterra. Posteriormente, a convite da "Rockefeller Fundation", fez residência no "Bellagio Study Center", Itália. Na literatura tornou-se autor de inúmeros livros, é colaborador em diversos jornais e revistas com crônicas de grande sucesso, em especial entre os vestibulandos. O autor é membro da Academia Campinense de Letras, professor-emérito da Unicamp e cidadão-honorário de Campinas, onde recebeu a medalha Carlos Gomes de contribuição à cultura. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 23/06/2010. 110 unidade fazia o seu vestibular e o coordenador era um militar. Existia um militar aqui de plantão no vestibular. Ele vinha aqui e ficava aqui o tempo todo, durante o processo de seleção. Queriam dizer que isso era o quê? Isso porque nós não tínhamos competência para selecionar os alunos que iam entrar na universidade? Ah, tenha paciência. Quer dizer, não reconhecer esse tipo de coisa. Olha, eu sou biólogo, sou geneticista, nunca me preocupei em ir a fundo nessas coisas. Mas é só olhar um pouco ao lado, esticar o pescoço, que você acaba vendo essas coisas. Na realidade era o seguinte, nós tivemos um grande avanço na universidade, que eu não vou precisar a data, mas as datas estão aí, nesses livros todos. A universidade teve ganhos e perdas em determinados momentos. Quais foram os ganhos e quais foram as perdas? Os reitores das três universidades, antigamente, eles tinham praticamente um status de secretários de estado não é verdade? Eles despachavam com o governador. E evidentemente o que acontecia na época e logo depois da ditadura, quando as coisas foram um pouquinho afrouxadas, as pessoas começaram a falar, a se manifestar, a mostrar suas insatisfações com as situações da universidade. Muitas greves, greves, greves, greves e greves, todo ano tinha greve, todo ano tinha greve. Até que num determinado momento, no governo do Orestes Quércia, eu não me lembro o ano que foi isso, a universidade não tinha um orçamento. Ela não tinha um determinado orçamento, era a política do “pires na mão”. Enquanto instituto isolado e mesmo ainda enquanto universidade, eu não sei em que período nós ficamos nisso. Então a gente não tinha orçamento e o orçamento era muito engessado. O orçamento era passado para a universidade e qualquer possibilidade de alteração era praticamente impossível. Você tinha que ter autorização do governador e não era toda hora, evidentemente, que o governador ia receber os reitores. Porque, por exemplo, você tinha tantos milhões de orçamento para tocar a sua universidade, se você quisesse usar um pouco daquele orçamento para fazer algum investimento ou para uma reforma, você não podia, tinha que pedir autorização. Até que num determinado momento, e isso que eu estou dizendo é um fato, porque eu ouvi o Orestes Quércia falar isso. Quando ele estabeleceu um determinado valor de arrecadação de ICMS para a universidade, eu ouvi ele falar isso: “Me livrei do maior abacaxi que eu tinha no meu governo”. Que eram as greves de todos os anos. Quando ele estabeleceu isso, um determinado item de arrecadação de ICMS foi: “Bom, agora vocês têm o seu orçamento próprio. Virem-se com o seu orçamento, vocês têm autonomia.” Então isso foi dado para a universidade, principalmente como uma tentativa de se livrar das necessidades da universidade: “Você tem seu orçamento, agora vire-se com isso”. O que aconteceu também à época, é um grande problema e que eu reconheço hoje, se você olhar para a universidade, até 111 hoje essas coisas acabam acontecendo. Em educação isso acontece. Eles acabam se manifestando vários, vários, vários, vários anos depois. Por quê? O que aconteceu, na época principalmente? Ele estabeleceu um determinado valor de ICMS, é claro que se a economia está boa, o ICMS está bom, você tem mais recursos. Então nós passamos por épocas de carência na universidade que foram terríveis, terríveis. Primeiro na época de Instituto Isolado e mesmo depois do valor do ICMS. Nós tínhamos reitores cuja única preocupação era assim: “Será que nós teremos recursos para fazer a folha de pagamento?” Porque você não sabia quanto você ia receber. O país não crescia. Porque nós crescemos nos últimos anos? Porque de 2002 a 2008, esse país cresceu e o mundo inteiro cresceu, o que não havia crescido economicamente em toda a sua história. Então nós tivemos um boom de dinheiro nos últimos cinco anos, nos últimos quatro até hoje e a universidade cresceu muito. Lamentavelmente tivemos essa crise internacional e isso reduziu de novo, parece que começa a crescer, então a gente vai ao “vai da valsa”. Conforme a economia cresce, a gente cresce ou não cresce. Uma das críticas que eu faço, porque em Educação é muito difícil você fazer isso. Você viver nessa crise, porque você deve ter critérios mínimos de qualidade e de reposição de professores para suavizar esse ciclo. Eu tenho impressão que quando falo isso as pessoas falam assim: “Amilton, eu não estou entendendo mais o seu discurso”. Mas sabe, você vai mudando de pontos de vista durante a vida. Eu sempre acho que quem deve dirigir a universidade é professor universitário mesmo. Mas em determinados momentos da vida da universidade, nós não estamos preparados para aquilo que nós chamamos a executar. Eu tenho a impressão que tem um livrinho, que fez algum sucesso há algum tempo atrás um livrinho que se chama: ‘Todo mundo é incompetente, inclusive você’. Na universidade isso se dá muito, se encaixa muito bem. Porque as coisas são assim, você é muito competente para aquela coisa que você está fazendo no momento hoje, então você é competente para isso. Porque você faz isso, eles te põem com nível superior, sem saber se você é competente para esta faixa que está aqui, porque estão medindo você aqui. E assim você vai indo na carreira e muitas vezes você está subindo para coisas que você não tem a menor competência e habilidade para fazer. Então é assim: você é bom aluno? Então você vai para a pós-graduação, aí lá você vai ser pesquisador, você vai ser isso, você vai ser reitor. Olha, não é assim, não é assim. São níveis de complexidade e de exigência diferentes, mas na universidade funciona assim. Na universidade funciona assim, tanto é que você não chega lá se você não for professor. Só que os critérios... Nós não conseguimos avaliar algumas coisas, dada essa visão acadêmica que nós temos. Agora você imagine isso há anos atrás, quando o professor estava nos Institutos Isolados, essas coisas isoladas, esparsas por aí. Então na época nós cometemos um grande equívoco, 112 que foi terrível para a história da universidade, quando estabeleceu o ICMS. Bom, para estabelecer o ICMS, eles pegaram evidentemente como base, o orçamento de alguns anos anteriores: “Bom, nessa época aqui vocês tinham, teoricamente ganhavam 100 milhões, em hipótese. Daqui para frente eu vou estabelecer um ICMS que garanta esses 100 milhões para vocês”. Só que nós nos esquecemos de uma grande coisa, que foi o inferno da universidade, que esse povo ia envelhecer, que esse povo ia se aposentar e que esses professores tinham que ser repostos. Aproximadamente 30% da folha de pagamento hoje é para pagar professor aposentado. Fora o crescimento. Mas aí a economia cresceu. Quando a economia cresce como cresceu o ano passado, o crescimento da economia do Estado de São Paulo quando ela cresce 1%, meu Deus! A gente fica rindo sozinho. Mas nós esquecemos de algumas coisas dessa natureza. E nós começamos a ficar sufocados, porque nós não podíamos crescer porque tínhamos que pagar os aposentados. Por que? Porque ninguém pensou isso naquela época. Estávamos preocupados com Filosofia, com Botânica, estávamos preocupados com qualquer coisa, com Medicina, com fígado, com olho, com ouvido. Não com esses problemas. Nós não tínhamos sequer um curso de Economia, de Administração na universidade. Isso aconteceu com as três universidades. Foi a inexperiência. Nós tivemos um problema hoje, que eu não sei se é verdadeiro ou não, está circulando por aí. Se for verdade vai ser um passo terrível para a universidade. Só para dar um exemplo, a universidade num determinado momento começou a pagar insalubridade. Insalubridade é assim, se você trabalha num lugar insalubre, você recebe um plus salarial em razão disso. Em determinados momentos, você adquirir insalubridade, era só você querer. Tinha um papelzinho: “Eu trabalho aqui nesse departamento, nesse departamento tem a, b, c, d...” Entregava e se é insalubre, você ganhava um plus. Nunca se procurou na realidade, como deveria, falar assim: “Bom, você está num lugar insalubre, eu não tenho que te pagar melhor. Eu tenho que resolver esse problema de insalubridade e colocar para você trabalhar num lugar que seja saudável. Você não pode pagar a sua velhice com doenças porque eu estou te dando um recurso”. Um fato que se mantém até hoje. Agora dois professores da universidade entraram com uma ação requerendo aposentadoria especial em razão disso e ganharam no Supremo Tribunal Federal. Se isso for moda na universidade, a universidade quebra. Porque a grande maioria tem insalubridade, mas as insalubridades foram dadas com condições absurdas. Por quê? Era assim, o reitor falava assim: “Mas ganha tão pouco, o que custa dar uma insalubridade?” Mas não conseguia prever as coisas que iam acontecer lá no futuro. Então, essas coisas foram acontecendo assim na universidade, sem que a gente tivesse muitos cuidados que a gente deveria. 113 Para escrever esse livro 50 anos eu recebi um dia a vista de um ex-diretor, diretor do Instituto de Geociências. Ele veio conversar comigo: “Pois é diretor... você está escrevendo?”, eu falei: “Eu estou”. “O que você está escrevendo sobre isso?”, eu falei: “Olha, eu estou escrevendo o seguinte, tudo o que eu tinha que escrever sobre a sua universidade, eu escrevo, eu não falo.” Eu não falo, eu escrevo, quando eu acho que são momentos cruciais da universidade, eu escrevo. Eu não sei se você tem acompanhado os artigos que eu tenho escrito aí agora, espalhados pela internet. Isso deve deixar os diretores loucos, mas eu sou assim e pretendo não mudar. Sobre a doação dessa área que eles estão dando para o Fórum aqui na cidade. Eu tenho escrito, eu tenho colocado na internet, essas coisas todas. Então eu sempre ganho uma certa antipatia por isso. Mas esse ex-diretor me procurou querendo saber: “O que você vai escrever?” e eu falei assim para ele: “Olha, eu vou escrever o seguinte: sempre que teve momentos na universidade, eu nunca me afastei deles e escrevi documentos, tudo isso. Então eles estão espalhados por aí”. Acho que nesse depoimento eu falo isso, os historiadores que vão procurar, porque eles estão arquivados, estão gravados, não vou repetir. E procurei dar mais ou menos um outro tipo de visão desse tempo que eu passei aqui. Mas ele falava sempre, tão angustiado: “Eu não sei se falo a verdade do que eu vivi ou não”. Eu não tenho dúvidas que daqui a vinte anos as pessoas vão falar assim: “Meu Deus, onde nós vamos crescer? Nós não temos terreno mais para crescer. E agora?” Olha, eu escrevi, falei, até hoje. Não seria de se esperar que alguém falasse: “Amilton, eu li aquele negócio, eu concordo... ou não concordo... blá, blá, blá” nem no meu departamento, ninguém. Parece que o problema não existe. Não existe, não existe. Agora, há várias leituras para isso. Uma é o receio de enfrentar o Estado, eu não tenho dúvidas disso. E outra também, a comunidade se protege é dizendo assim: “Eu tenho tantas coisas a fazer, que não tenho tempo para outra coisa”. Então na verdade ele dizia assim: “Olha, a instituição não me interessa em absolutamente nada. Eu tenho que ficar aqui e garantir o meu emprego. Eu tenho que publicar tantos trabalhos aqui, tantos pontos aqui, tanto ali, porque vai somar, para ver se eu faço trinta pontos”. Criou-se um mecanismo, naturalmente, na universidade, que é um desastre. Para a instituição, enquanto instituição é um desastre. Aquilo que a Marilena Chauí falou, ela foi de uma precisão. Num determinado momento ela falou assim: “A universidade de hoje, ela não nos pertence mais. A universidade está terceirizada”. Ela foi de uma precisão e ninguém percebe isso. A universidade não é minha, não é do Estado, não é de ninguém, a universidade hoje é de agentes fora da universidade. A gente trabalha para vender as agências fora da universidade, não os interesses da universidade, da sociedade, da comunidade, isso acabou. 114 Por isso que ninguém quer discutir a instituição. Você discute o que pensa da Fapesp 87, você discute a Caps88, discute o Cnpq89, mas a instituição que se lixe, ninguém está preocupado com a instituição. Eu fico assustado da gente não ter poder de reação de nada, de nada. Eu às vezes uso de um artifício, para saber se estou escrevendo uma grande bobagem, eu pego os meus textos: “Corrige aqui para mim, dá uma olhada no texto”, para ver o que eles pensam. Mas mesmo assim eles corrigem, mas não fazem nenhum comentário sobre o texto. Eu fico assim: “Mas não é possível, meu Deus”. E não é só com isso e foi assim ao longo de toda a história da universidade Mas o que se vai fazer? Veja assim: eu acho que a gente precisa fazer uma reflexão maior para discutir a questão dos centros de excelência um pouco. Eu não tenho dúvida, e é uma coisa natural que fosse assim, não é? Porque você não tem parâmetros. Se continuasse aquilo que nós tínhamos lá, como seria hoje? Porque tem um in gap, você ficou anos parado, anos perdido, que se não tivesse acontecido isso, poderia estar muito mais desenvolvido, muito mais forte. Essa excelência que a universidade procura alcançar agora, não é uma excelência que está sendo cobrada pela universidade, é a Capes, é o Cnpq, é a Fapesp. É isso que vai dar excelência para a universidade. Porque o que a universidade faz? Veja bem, é um problema de visão de universidade. Você tem no Estado de São Paulo USP, UNESP, UNICAMP. Essas três universidades, na realidade, elas foram criadas com uma determinada concepção, como universidade de pesquisa. Principalmente a UNICAMP. Quando a UNICAMP foi criada, os professores diziam mesmo: “Vamos fazer disso aqui o grande centro de pesquisa do Brasil”. Tanto é que é. Se você falar: “Ah, a USP produz mais”, claro que a USP produz mais, ela tem duas vezes e meia mais professores que a UNICAMP, então produz mais mesmo, é natural que aconteça. Mas o espírito com que ela foi criada, entende? E você juntar pessoas num determinado local, isso acaba facilitando esse espírito. Aquele espírito que o Luiz Ferreira Martins tinha lá no início: “Vamos concentrar coisas aqui para fazer isso”. Mas isso você faz quando você está iniciando um projeto, você não pode destruir um projeto que está em curso e que não havia sido testado ainda. Os centros que nós tínhamos em Rio Claro eram ótimos. Se nós tivéssemos aquele grupo de pessoas que estavam aqui hoje, como seria isso? Se destruiu e começou tudo de novo. Agora, a UNESP, ela vive uma situação muito diferente das outras universidades. 87 Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. 89 Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. 88 115 Eu vou dizer para você o que eu penso da UNESP. Qual o grande problema que a universidade tem? Nós tivemos um docente daqui, o professor Landim90, que falava assim: “A UNESP é uma universidade caipira”. Então isso pegou, a universidade caipira. O sentido que ele falou era de uma universidade que estava voltada para o interior do Estado de São Paulo, para desenvolver as regiões nas quais ela estava localizada. Então você escolhe o sentido que você quer de acordo com a afinidade. Como você quer. Mas como você tem uma universidade que foi criada com o objetivo de desenvolver o interior do Estado de São Paulo. Por isso que ela foi instituída enquanto universidade, não ficou coisas isoladas, foi com esse propósito. Se ela foi criada com esse propósito, isso que faz a UNESP uma instituição muito diferente. Se ela foi criada com esse propósito, ela tem que estar preocupada com os problemas locais, os problemas regionais. Bom, em problemas locais e problemas regionais, você não consegue ter os resultados transformados em publicações que vão ser aceitas em revistas internacionais. Isso são assuntos locais e regionais. Então agora eles vêm e cobram de você, da universidade, uma produção de qualis nível A, internacional. “Mas espera aí, vocês não me contrataram para resolver os problemas locais, regionais? Eu não vou publicar em nível internacional.” Não foi como a UNICAMP. A UNICAMP foi criada para trabalhar na fronteira da ciência. Foram buscar as pessoas, os melhores brasileiros que estavam no exterior. Como eles criaram a Matemática e a Física lá na UNICAMP? Pegaram os nossos melhores professores de Rio Claro, levaram todos. Eles vão criar uma Educação Física aqui agora na UNICAMP, você não tenha dúvidas, os melhores nossos vão para lá. Entende? Porque é um outro modo de ver o mundo, de ver a universidade. Então agora você faz um esforço desgraçado e inútil para a universidade... quer dizer, eu sou obrigado a ouvir isso? Com quatro anos nós vamos estar entre as dez melhores universidades do mundo, dez que é a meta. Essa é a meta, estar entre as dez melhores universidades do mundo. Olha, eu tenho que ouvir isso. Foi um problema de concepção. Então o problema que a universidade, a UNESP, enfrente hoje, é isso. Quer dizer, vou pegar aqui o IB, o Instituto de Biociências de Rio Claro, vou pegar a parte de Biologia, que eu conheço muito melhor do que a Educação Física e do que o próprio Departamento de Educação. Você tem aqueles artigos publicados em revistas internacionais classe A? Tem, claro que tem. Mas isso não é uma coisa que acontece todo dia. Nos últimos três anos, por uma estranha coincidência, nós tivemos professores que publicaram na Science, na Nature. Nos últimos cinquenta anos tem quatro trabalhos publicados nessas revistas. Mas tem ótimos trabalhos publicados em revistas de alta importância que não são deste nível. Nós temos um 90 Prof. Dr. Paulo Milton Barbosa Landim foi Reitor da UNESP durante o período de 17/01/1989 a 15/01/1993. (GARCIA,2008. p. 370). 116 grande número de professores que publicam, isso foi numa época da universidade. A estrutura da mata daqui, bom, isso não interessa para ninguém, a não ser para o Estado de São Paulo, para a região saber que mata nós temos aqui e tal. Então essas coisas, que são de grande importância para você entender inclusive a diversidade local, isso não conta, isso não conta. Para ver as besteiras que a gente faz, a gente destrói, nessa pressa de fazer as coisas, a gente acaba destruindo tudo o que foi feito. Esquecendo-se, na realidade, que educação é um processo. Você não sai daqui e cai aqui, não é estalando o dedo: “Eu estou agora entre as setecentas melhores, vou estar entre as dez primeiras em quatro anos.” Não. Como se fosse possível essas coisas, entende? Então, nessas tentativas, a gente acaba destruindo, acabando para atender interesses momentâneos que a gente não consegue explicar. Para quem está querendo ver uma universidade com seriedade, competente, comprometida. E isso, na realidade, é outra consequência da própria estrutura da UNESP. Mas é muito simples: a USP está em fase de eleição de seu reitor, de seu novo reitor. O Estado de São Paulo, todos os domingos, dedica uma página, uma página, em entrevista ao candidato a reitor. São cinco. É uma página, você tem tempo para falar uma página no Estadão. E veja a importância que o Estadão dá à USP. À UNICAMP um pouco menos e à UNESP, nenhuma! Então você vê isso. Então, quando você tem uma universidade como a USP, você não tem poder de ingerência do estado sobre a USP, ou se tem é muito pequena. Por quê? Por causa da competência dela, do conselho universitário que ela tem. E porque você tem na realidade, também nessas universidades, uma representatividade nos altos escalões que são muito fortes e que fale com o governador: “Não mexa lá porque você está mexendo em besteira”. Cada vez que mexe vai ter problemas. Agora, quando se elege algum reitor da USP, se for eleito ‘A’, você sabe quem, você sabe. Por que? Porque é um homem que está na mídia, tem uma importância acadêmica, em determinado momento você cruzou com essa pessoa. Na UNESP não acontece isso. Por que? Quem conhece? Quem é um professor de Rio Claro que tem uma inserção nacional ou internacional, que tenha espaço? Não tem. De Rio Claro, de Assis, de Marília, não tem. Então quer dizer, em Rio Caro, quando você elege o reitor, você tem que apresentar o reitor. Na USP não, ele se apresenta, mas você sabe quem é. Em razão disso, a UNSEP é muito sensível a pressões políticas, sabe? Isso mata a universidade. Veja esse caso da Unifesp, do curso de Pedagogia. É preciso ver isso com mais cuidado, você não pode criar cinco mil vagas quando você não tem nenhuma. Você tem que ouvir as pessoas que estão envolvidas nisso. Eu sei que tem pessoas que são a favor e tem pessoas que são contra, tenho procurado ouvir todas. Mas eu tenho que conversar com elas. Você não pode reunir um grupo de diretores como foi feito, na frente do Secretário do Ensino Superior e falar assim: “Olha, esse é o projeto, o que você 117 acha?” Meu Deus! Nós somos caipiras. Olha, quando isso foi discutido, sabe como foi feito? Os administradores da universidade, do primeiro e segundo escalão, foram convidados a visitar o palácio. E foram almoçar no palácio. Gente que não sabe segurar no garfo e na colher. Porque somos caipiras. Eu não quero jogar no caipira pejorativo. Mas nós temos outros valores, nós somos pessoas simples, sabe? Eu sempre falo assim: “O fato de você morar em São Paulo, você já fica mais esperto. Porque senão para atravessar a rua você morre”. É outra natureza de pessoa, você vive num ambiente mais sofisticado. Então eu ouvi assim: “Mas, Amilton, como é que nós poderíamos negar um pedido do governador? Feito na sala de jantar da casa dele.” Porque não foi no palácio, o palácio era casa dele. Ah, não dá. Não dá para fazer as coisas na universidade dessa maneira. A universidade, a UNESP, lamentavelmente sofre essas ingerências, que são terríveis. O caso da Unifesp é emblemático. Emblemático nesse sentido: não dá para você fazer isso sem uma grande discussão na universidade. E não foi feito, não foi feito. Depois de feito: “Bom, vamos fazer. É uma experiência, não vamos fazer cinco mil, mas vamos fazer mil”. Eu pergunto uma coisa para você, nós começamos a falar, lá no início da entrevista, que a Pedagogia tinha uma grande demanda, uma grande procura. Eu pergunto uma coisa para você, você tem em todos os campi da UNESP agora, núcleos de área de humanas em razão das pedagogias. Pode não ter o curso, mas tem o núcleo. Eu pergunto para você, qual é a consequência que isso vai trazer na demanda da universidade a hora que abrir cinco mil vagas à distância? Vai ser terrível. Eu perguntaria assim: “Por que eu vou fazer um curso de Pedagogia, ficando lá em Rio Claro, pagando república, pagando isso e aquilo durante quatro anos, se eu posso fazer à distância?” E se o meu diploma vai ter o mesmo peso? Isso aí tem um peso, de repente o número de alunos vai cair. Ninguém pensa nessas coisas. Ninguém, infelizmente, acaba pensando nessas coisas. E não está pensando por que? É difícil pensar? Ou se eu não sei, eu tenho que conversar com quem vive isso, com quem tem experiência nisso, por pior que seja a experiência deles é melhor que a minha. Eu pergunto a você: vamos imaginar que os nossos antigos reitores fossem pessoas iluminadas, iluminadas. Quando o professor Marcari 91, com todo o respeito que ele merece, ele trabalha com galinha. Quer dizer, uma pessoa que trabalhou a vida inteira com galinha, de repente vai decidir se deve ter educação à distância? Eu, por exemplo, acho que, ao contrário de alguns dos colegas do Departamento de Educação, não rezo na cartilha do curso à distância, de Pedagogia com Ensino à Distância. Eu acho que tem que haver extensão sim, claro que tem que haver, mas com qualidade, com muita 91 Prof. Dr. Marcos Marcari foi Reitor da UNESP no período de 15/01/2005 a 2009. (GARCIA, 2008. p. 370). 118 prudência. Eu acho que, neste caso em particular, a universidade não teve sequer, até agora, um grupo de pesquisa que se preocupasse cuidadosamente com isso, para ver realmente como as coisas funcionam. Criar uma experiência nisso para depois caminhar nessa direção. É por isso que eu sempre digo, a gente tem que ficar de olho na USP. Veja o que a USP fez? Não assinou o convênio dos cursos à distância: “Estamos fora”. Os mandatários assinaram, o conselho universitário falou: “Eu não. Nós não”. Na UNESP essas coisas não acontecem assim, a influência dos reitores sobre os diretores é uma coisa tão forte como nessa época. Não se discutiu e os diretores não se rebelaram contra, cada um ficou, na realidade, pesando as vantagens, se ele ia ganhar ou ia perder nessa reestruturação. E não perceberam que quem perdia era o país, que quem perdia era o estado, que quem perdia era a sociedade. O temor que a UNESP tem, é uma coisa que sai do primeiro escalão e chega ao campus de Rio Claro: “Ah, se nós não obedecermos ao estado, nós seremos retalhados dessa maneira. Se eu não der o terreno para fazer o Fórum de Rio Claro, a prefeitura vai me retalhar dessa maneira”. E assim, num sistema de timidez e de medo, não se constrói a universidade. Não se constrói nada, não se constrói nada. Porque, independente disso, nós temos crescido. Mas a gente cresce por erro, você sabe que a gente cresce por erro? Você veja a pósgraduação, a pós-graduação foi a redenção da universidade brasileira. Por que ela foi? Hoje a gente tem a pós-graduação instituída em vários campi, tem gente trabalhando, formando mestre, formando doutores. Criaram-se um monte de universidades. E tem professores para trabalhar nessas universidades, porque antes não tinha. Como eu falei para você, na minha época você terminava o curso de graduação hoje, eu deixava de ser aluno hoje e amanhã era professor. E foi assim durante muitos anos, muitos anos foi assim. Não tinha gente, não tinha gente. Basta dizer que a minha turma de Biologia, nós éramos em dezesseis e eram vinte vagas o vestibular, apesar do grande número de candidatos, não preencheu, imagine? Não preencheu, então todo mundo se ajeitou no dia seguinte para trabalhar. Você pega a pósgraduação, e essas são coisas interessantes. Quando a pós-graduação foi instituída o governo militar acaba fazendo algumas coisas certas e nós temos que reconhecer. Por exemplo, a pósgraduação no Brasil foi instituída pelo governo militar. Mas ele tinha uma coisa muito clara na cabeça dele na época, eu sei por que eu participei dessas discussões, eu era bobinho, molequinho, mas eu gostava de viver. Em Rio Claro era terrível, era um ambiente politicamente horrível. Era dominado pela JUC92, tem que ir na missa, sabe essas coisas? Vai 92 A Juventude Universitária Católica (JUC) foi uma associação civil católica reconhecida pela hierarquia eclesiástica em 1950 como setor especializado da Ação Católica Brasileira (ACB). Tinha como objetivo difundir os ensinamentos da Igreja no meio universitário. Constituiu-se num importante movimento no seio das 119 à missa quem quiser, mas me obrigar a ir na missa, entende? Essas coisas. O ambiente era terrível, têm ainda algumas dessas pessoas que dominavam aqui, estão aí até hoje. O que o governo militar pretendia com a pós-graduação naquela época? Nós tínhamos um problema muito sério, quer dizer, não tínhamos competência para conquistar um mercado internacional. Então eles disseram: “Não, nós vamos criar a pós-graduação, uma pós-graduação voltada para a solução de problemas técnicos, para desenvolver uma tecnologia nacional, para a gente ter maior competitividade no cenário internacional.” Porque a gente vivia praticamente de importar tudo, tudo, tudo, tudo, tudo, tudo. E foi aí que se criou, a pós-graduação foi criada nesses termos. Só que isso nunca se deu, nunca se deu. Por quê? Porque a universidade, principalmente nas engenharias, começou a formar muita gente, as pessoas se formavam e não tinham onde trabalhar. Por quê? Porque você não tinha empresas nacionais. Você tinha empresas internacionais e as empresas internacionais, evidentemente, não tinham o menor interesse em desenvolver isso aqui, eles queriam trazer as coisas para cá. Os centros de pesquisa dessas empresas sempre estiveram no exterior, como estão hoje. Então até hoje isso acontece, até hoje isso acontece. Se você pegar os grandes egressos dos nossos cursos de engenharia hoje, a grande maioria está trabalhando em bancos, em financeiras, não estão na área específica. Por qu? Porque você não tem um mercado de trabalho voltado para aquilo. Porque paralelamente o governo deixou de criar centros de pesquisa que fizessem isso, e achava que a universidade deveria absorver tudo isso. Mas como absorver? Você não contrata, como você vai fazer pesquisa, entende? Então o que você tem hoje? Isso acabou criando-se em todas as áreas, hoje você tem um grande número de artigos publicados, mas quando você vai pegar aquela preocupação inicial, que era a produção de ciência técnica, você não tem nada. O número de patentes requeridas no país hoje praticamente inexiste. Por que? Porque não se criou nada paralelo à universidade. Aliás, esse é outro grande problema da universidade a meu ver, é essa tentativa, quando o estado não consegue resolver algumas coisas, ele fala: “Isso é um problema da universidade”. Como problema da universidade? Essa é uma das coisas que a gente tem que definir com muita clareza e que não está absolutamente definido: qual é a responsabilidade da universidade. Nós temos que definir isso, eles não podem ficar jogando tudo para a universidade. Agora virou moda a extensão universitária. A universidades, fornecendo diversos líderes para a jovem União Nacional dos Estudantes (UNE). Muitos jucistas participaram da organização dos trabalhadores rurais, estimulando sua sindicalização. Em 1954, a questão social já aparecia em seu encontro nacional. A crescente influência do marxismo na América Latina fez com que estes movimentos se aproximassem e houvesse uma crise com a hierarquia da Igreja. Muitos de seus membros ajudaram a fundar a Ação Popular, em 1962. Em 1968, em virtude de disputas internas, a JUC havia desaparecido. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 23/06/2010. 120 extensão universitária tem a mesma importância do que o ensino de graduação, se não tiver mais já e do que a pós-graduação e a pesquisa. Por que isso? Ora, porque é muito fácil falar para a universidade assim: “Olha, vocês têm que resolver isso.” Porque quando nós estamos fazendo extensão, me desculpe, mas nós estamos tirando responsabilidades que cabem ao Estado, não à universidade. É o Estado que tem que fazer aquilo que nós estamos fazendo. “As nossas coisas não são tão assistencialistas”. Como não são assistencialistas? Se você não está precisando de alguma coisa assistencial, o que você está fazendo com extensão? Você está tirando com certeza, o trabalho daquele formando que você formou, que poderia estar lá trabalhando, fazendo. E você está fazendo aqui. Então essa é uma das coisas que falta resolver. E outra, eu pergunto para você: quem é que tem vocação para fazer ensino, pesquisa e extensão? Não dá, não dá para você fazer isso, entende? Então esse é um dos problemas que a universidade sofre, ela tem que definir o que ela tem que fazer. E extensão, para mim, não é um programa de universidade, mas são cópias. A gente copia, vem copiando, copiando, copiando e a extensão universitária é uma cópia das universidades americanas, que vingou lá. Porque ela começou lá, no início não sei de quando e era assim: “Ah bom, invasão para o oeste. O que vai plantar no oeste? Eu não sei.” Então as grandes universidades americanas de agronomia desenvolviam sementes que se adaptavam, então ia lá ensinar o pessoal a plantar, como fazer, aí é perfeitamente compreensível. Mas hoje, curso de extensão é ensinar o pessoal da periferia a jogar futebol. Isso é extensão? Isso é assistencialismo, pobre, barato. Não resolve. Resolve o problema de algum professor, porque aumenta o currículo dele para ter uns pontos na avaliação. E resolve o problema de alguém que interessa à universidade, de falar assim com o senhor governador: “Ô governador, nós estamos dando uma contribuição mais efetiva. Olha o que estamos fazendo para a comunidade”, sem se esquecer realmente o papel que a universidade tem. E o pessoal de área de humanas, era um pessoal que tinha uma visão muito crítica dessas coisas todas, não é verdade? E foram eles que sofreram. Então quem tem visão crítica e consegue enxergar e falar e se manifestar acaba tendo dissabores na vida. Então as pessoas não querem falar, não querem se manifestar. Mas também há de se considerar a formação das pessoas, do espírito crítico das pessoas. Se você pegar esse pessoal da Matemática, da Física, é um pessoal que vive pelos números deles, pela regra disso, teorema disso, entende? Agora, eu não tenho dúvidas, claro que a situação melhorou. Como é que a gente pode falar que a situação não melhorou? Para você ter uma ideia, o Departamento de Biologia, no início dele, nós éramos três professores, três. Nós já chegamos a ser vinte, hoje somos doze ou treze. As coisas cresceram mesmo, ás vezes cresce, às vezes diminui. As salas aumentam. 121 Há uma chaga nesse país que não tem jeito, da própria humanidade. E por outro lado, talvez para a instituição tenha sido bom, mas é só esse aspecto que se tem que considerar? Onde é que está o professor nessa coisa toda? Onde é que está o humano nessa coisa toda. O projeto de vida que ele tinha feito, não só para a família dele, mas para desenvolvimento daquela instituição? 122 123 Prof. Dr. Cesar Basta Entrevista realizada com o Prof. Dr. Cesar Basta. Data: 05/07/2010. Local: em sua casa, em São Paulo, SP. Entrevistador: Luciana S. de Oliveira Zanardi. “Na minha opinião, face aos acontecimentos ocorridos na época e, em vista da decisão de transferência do Departamento de Matemática e Física de Araraquara para Rio Claro e São José do Rio Preto, foi uma manobra política, porque o Departamento estava muito bem estruturado, tanto em relação ao seu corpo docente como no conteúdo ministrado em relação àqueles Departamentos .” Para dar suporte à minha versão, expressa na afirmativa acima, gostaria de fazer um apanhado histórico de como entendi a transferência dos docentes do Departamento de Matemática e Física de Araraquara para os Departamentos de Matemática de Rio Claro e São José do Rio Preto. Comecei a trabalhar Na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Araraquara em 13 de julho de 1968, no Departamento de Matemática e Física criado em 1966 93, quando a mesma fazia parte dos Institutos Isoladas do Estado de São Paulo, tendo rescindido meu contrato com a Universidade Federal de Goiás, por ter sido aprovado no concurso em Araraquara, onde lecionei até 1978, por motivo da referida transferência. Em meados de 1974, se não me falha a memória, antes dos Institutos Isolados serem unificados dando origem à Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP – criada em 30 de janeiro de 1976) foi cogitada uma fusão de alguns Departamentos, dentro da UNESP, para reduzirem as despesas e melhor estruturarem alguns Departamentos que existiam em várias cidades do Estado. Estes estudos foram realizados pelo Conselho Universitário da UNESP (não sei se por uma comissão ou todo o Conselho), mas deveria ser aprovada por esse Conselho, do qual faziam parte os Diretores das Faculdades e representantes Docentes e Discentes. Nessa época, o nosso diretor era o Professor Francisco Borba do Departamento de Letras, Curso que também existia na Cidade de Marília, não muito distante de Araraquara. 93 Obtido da Wikipédia, a enciclopédia livre. 124 “Em 1976, pela Lei Estadual n° 952, os Institutos foram reordenados e agrupados numa universidade com vários campi, por meio da criação da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP. Isso implicou reformulação e fechamento de cursos e remanejamento de docentes. Nesse processo, a FFCL de Araraquara foi dividida em duas unidades universitárias: o Instituto de Letras, Ciências Sociais e Educação (ILCSE) e o Instituto de Química (IQ), integrantes do campus da UNESP de Araraquara. Nesse remanejamento, o curso de Matemática foi transferido para Rio Claro-SP” 94 (nestas notas não foi mencionado São José do Rio Preto –Adendo do entrevistado) A explicação que provavelmente foi dada (não tenho conhecimento quem a fez) provavelmente tenha sido que existia entre Rio Claro e São José do Rio Preto, uma distância de 500 quilômetros aproximadamente, quatro Cursos de Matemática, Rio Claro, Rio Preto, Araraquara e São Carlos (USP). Porém, o que não deve ter sido dito é que o Departamento de Matemática de São Carlos oferecia além das disciplinas de Matemática para a Engenharia somente Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em Matemática. Em consequência da decisão tomada pelo Conselho Universitário, sem que houvesse manifestação do Departamento de Matemática e Física de Araraquara (não sei se os outros dois Cursos foram ouvidos), o Departamento foi dividido em duas partes: uma parte foi para Rio Claro e outra para Rio Preto com exceção dos professores de Física e de dois professores de Matemática (prioridade para os mais antigos) que deveriam ficar para ministrar aulas no Departamento de Química. O professor mais antigo na época era o Professor José Maria Lopes que decidiu ficar na Química e eu, que decidi pela transferência. Poderia ter ficado em Araraquara, no Instituto de Química, mas decidi não ficar por razões que serão relatadas mais tarde. Considerando as questões que me foram feitas durante a entrevista realizada por Luciana Schreiner de Oliveira Zanardi, passo a respondê-los de forma discursiva por achar mais simples, o que não invalidada as perguntas feitas, nem as minhas respostas gravadas nem o conteúdo recebido em CD. Na época em que foi sugerida a proposta de desativação do Departamento de Matemática e Física de Araraquara para Rio Claro e São José do Rio Preto eu era o Chefe do Departamento. Durante dois anos não foram realizados vestibulares em face da referida notícia para saber da decisão do Conselho Universitário. Assim, após a decisão de que o Curso de Matemática seria extinto, deveria continuar como Chefe até que todos os alunos 94 Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. 125 concluíssem o Curso, porém deveria ministrar aulas em Rio Claro. Deste modo, passei dois anos viajando pelo menos uma vez por semana para cumprir minhas obrigações em Rio Claro. Pelo fato de continuar minhas pesquisas na área de mecânica celeste necessitava usar o computador IBM 1130, que me era gentilmente cedido pela USP de São Carlos. Este fato aliado à minha transferência para Rio Claro e o conhecimento de que havia um computador na Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá, que também fazia parte da UNESP, me alertou que poderia pedir ao Departamento de Matemática de Rio Claro, do qual já fazia parte, minha transferência para Guaratinguetá. Feita a solicitação, esta foi aprovada pelo Departamento de Matemática tanto de Rio Claro como de Guaratinguetá e pelas respectivas Congregações. Assim, em 1978, com a completa desativação do Departamento de Araraquara, me transferi para a Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá até a minha aposentadoria em 1992. Quero dar ciência, sem entrar em detalhes, que dois anos antes da notícia de que o Departamento poderia ser extinto, houve a demissão de professores de Física e que pode ter sido usado como justificativa visto que não foram autorizadas as suas substituições além de ter sido nomeado o Professor Dr. Antonio Fernandes Izé, docente do Departamento de Matemática do ICME – USP, São Carlos, SP como interventor e eu como seu auxiliar. Relato este fato por duas razões: A primeira porque outros entrevistados poderão fazer menção ao ocorrido como, por exemplo, o Professor Dr. Jorge Nagle (Diretor naquela ocasião) o Professor Dr. Francisco Borba (Departamento de Letras) e o Professor Dr. Ruy Madsen Barbosa e a segunda para dizer que o Departamento contava com os seguintes Professores de Física: Professores José Teixeira Freire, Satoshi Tobinaga, Nelson Lima Teixeira, Júlio Santana, Djalma Mirabelli Redondo, João Goedert, Plínio Amarante, José Medeiros Motta e Antônio Talarico que representava um número significativo de docentes. Na época da discussão pelo Conselho Universitário da extinção ou não do Departamento o mesmo constava dos seguintes Professores de Matemática: Ruy Madsen Barbosa, Antônio Espada Filho, Douglas Peres Bellomo, José Maria Lopes, Cesar Basta, Paulo Adão Monteiro, Clélio Fagion Belline, Tereza Toshico Udo, Luciano Barbanti, Celi Vasques, José Gaspar Ruas Filho, Maria Aparecida Soares Ruas, Sandra Venturelli, Massayoshi Tsuchida, José Manoel Baltazar, Geraldo Perez e Ivo Machado da Costa. Os Professores de Física eram: José Medeiros Motta e Antônio Talarico. A seguir farei um relato da transferência de cada um dos professores acima referidos, pedindo desculpas se me equivoquei em relação a alguns deles, deixando por último o meu caso. 126 O Professor Ruy Madsen Barbosa provavelmente teve conhecimento da extinção do Departamento antes da sua concretização e, por isso, pediu sua transferência para São José do Rio Preto. O Professor Antônio Espada Filho e o Professor Douglas Peres Bellomo que faziam parte da equipe de pesquisa do Professor Ruy Madsen Barbosa também pediram transferência, antes da extinção, para São José do Rio Preto. O Professor José Maria Lopes fez sua escolha por permanecer no Departamento de Química de Araraquara, pois, na ocasião da extinção, era o docente mais antigo do Departamento e podia escolher entre ser transferido ou permanecer em Araraquara. O Professor Paulo Adão Monteiro pediu demissão e se transferiu para a Universidade Federal de São Carlos, Instituição recém criada, o que facilitava continuar suas pesquisas com a USP de São Carlos. O Professor Clélio Fagion Belline foi transferido para Rio Claro, localidade mais próxima de sua família que era Araras. A Professora Tereza Toshico Udo apesar de realizar pesquisa com a USP de São Carlos, Sandra Ventureli e o Professor Massayoshi Tsuchida que tinha seu orientador no IAG (antigo Instituto Agronômico e Geofísico) da USP em São Paulo foram transferidos para São José do Rio Preto. O Professor Luciano Barbanti que deveria ser transferido para Rio Claro pediu demissão e foi contratado pela USP de São Paulo por realizar pesquisas com o Departamento de Matemática daquela Instituição. Os Professores Geraldo Perez, Celi Vasques, José Manoel Baltazar e Ivo Machado da Costa foram transferidos para Rio Claro. Os Professores José Gaspar Ruas Filho e sua esposa Maria Aparecida Soares Ruas pediram demissão e foram contratados pela USP de São Carlos facilitando assim as suas pesquisas com aquela Instituição. Os Professores José Medeiros Motta e Antônio Talarico, físicos, ficaram na Química de Araraquara. A minha transferência, como já foi dito, era para Rio Claro, mas poderia ter escolhido ficar na Química de Araraquara por ser, na época, o segundo mais antigo do Departamento. Porém, pelo fato de utilizar muito o computador para realizar minhas pesquisas, teria que continuar me deslocando para São Carlos. Como, na época os Institutos Isolados do Estado de São Paulo, formaram a atual UNESP e desta fazia parte a Faculdade de Engenharia de 127 Guaratinguetá que possuía um equipamento semelhante ao IBM 1130. Pedí e foi aceita a minha transferência para aquela Instituição. Apesar de ter me alongado muito durante a entrevista gostaria de encerá-la aqui fazendo as ponderações que sempre fiz e continuarei a fazer com relação à desativação do Departamento de Matemática e Física da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Araraquara nome do antigo Instituto Isolado de Araraquara. Inicialmente quero reafirmar, apesar de outras pessoas não concordarem, com a frase colocada no início deste relato face aos seguintes argumentos: a) Com relação às distâncias. 1. A afirmação da existência de três Cursos de Matemática em aproximadamente 500 quilômetros pertencentes à UNESP é correta e causava na época gasto muito grande ao Estado para mantê-las; 2. Apesar da afirmativa acima, a distância entre Rio Claro e Araraquara com São Carlos é de aproximadamente 40 quilômetros, cada uma, o que não justifica tomar São Carlos como ponto de referência para decidir sobre qual Instituição deva ser desativada; 3. A diferença de distância entre Rio Claro e Araraquara com São José do Rio Preto é pequena (500 e 400 quilômetros aproximadamente). Assim, com relação às distâncias, a meu ver, qualquer uma das duas poderia ser extinta. b) Com relação ao corpo docente. 1. Sem contar com a reposição dos docentes que foram embora e não repostos o número de docentes era bem maior em Araraquara em relação aos de Rio Claro e de São José do Rio Preto; 2. O corpo docente possuía, na época, 6 doutores e pelo menos 5 mestres sendo que todos os outros docentes estavam matriculados em Cursos de Pósgraduação, fato este superior aos outros dois Cursos, especialmente o de São José do Rio Preto. Devo salientar que o Curso de Rio Claro possuía excelentes docentes, porém alguns deles foram contratados pela USP de São Carlos. c) Com relação ao Vestibular. O Curso possuía 50 vagas e todas elas eram preenchidas no vestibular. d) Com relação às instalações. No início as aulas eram ministradas no centro, ocupando, na Praça Santos Dumont, o prédio do antigo Instituto de Educação Bento de Abreu (atual Casa da 128 Cultura Luiz Antonio Martinez Correa) e, em 1971, mudou-se para o primeiro prédio construído no campus universitário, localizado na Rodovia Araraquara-Jaú, Km 01 com 4 salas de aulas e escritório para todos os docentes e dependência para a secretaria departamental que posteriormente foi ampliado para receber os Cursos de Letras e Ciências Sociais e em 1973 os outros Cursos. e) Com relação aos Cursos de Letras. Apenas posso dizer que existiam três Cursos, Araraquara, Marília e Rio Claro cujas distâncias entre eles era inferior a 200 quilômetros e que também deveriam ser remanejadas. Levando em conta os fatos acima descritos minha opinião é que o Curso de Matemática de Araraquara foi desativado injustamente, pois merecia, na ocasião, ter sido consideradas as reais possibilidades de cada Curso. A afirmativa de que foi “uma ação política” não significa apenas o envolvimento com relação aos Cursos de Letras que não tenho como prová-los, mas sim em relação a outros membros do Conselho Universitário que tinham o poder de decisão, pelo menos com relação aos outros dois Cursos de Matemática. 129 130 Prof. Dr. Francisco da Silva Borba Entrevista realizada com o Prof. Dr. Francisco da Silva Borba. Data: 23/08/2010. Local: Em sua casa, em Araraquara, SP. Entrevistador: Luciana S. de Oliveira Zanardi. “Porque de certa forma, de um modo geral, a universidade foi montada, foi instalada, de cima para baixo. O que se reclamava na ocasião é que não houve discussões parciais, não houve amadurecimento.” É, realmente participei da criação da UNESP. Quando se pensou em criar uma universidade e reunir os Institutos Isolados, que funcionavam no interior do Estado, eu era diretor de uma unidade, a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Araraquara. Eu era diretor desse Instituto Isolado, que pertencia a uma coordenadoria vinculada à Secretaria de Educação do Estado. De alguma forma nós éramos, digamos, pilotados, coordenados, pela Secretaria de Educação do Estado. Então se cogitou de montar uma universidade nos moldes das que já existiam, no caso do Estado, duas: a Universidade de Campinas e a USP, que é a mais antiga. E a primeira dificuldade foi de como deveriam se agrupar os diversos cursos. Isso porque eram várias faculdades espalhadas pelo Estado de São Paulo, criadas de alguma forma aleatoriamente ou a partir de interesses políticos das diversas comunidades. Assim os cursos propostos se repetiam nas diversas unidades. Agora, não se poderia reunir isso tudo do jeito que estava e dar um tratamento de universidade simplesmente pela associação das unidades. Era preciso unificar, homogeneizar e verificar os tipos de faculdades que comporiam a universidade. Não seria uma universidade formada de Faculdades de Filosofia Ciências e Letras, como as 14 ou 15 que funcionavam. As Faculdades Isoladas foram instaladas a partir de interesses políticos, na época em que o Jânio Quadros era governador do Estado e resolveu interiorizar o ensino superior. Mas, com o tempo, elas foram tomando determinadas feições, foram se caracterizando em cada ponto, dependendo da equipe que montou cada faculdade, ou seja, de seus professores principalmente. Esses, com raríssimas exceções, vieram, quase todos, de fora da cidade. O sentimento inicial nisso tudo era de que os professores que lecionavam nos chamados 131 Institutos de Educação (hoje ensino fundamental e médio), que se localizavam nas cidades maiores como Araraquara, Rio Preto, Araçatuba, Marília, etc., professores chamados catedráticos, que já tinham concurso, seriam, de alguma forma, aproveitados na instalação da faculdade de filosofia da cidade. Mas não foi o que aconteceu, exceto em Franca, acho das últimas a ser instalada. Então o que acontecia? Havia uma certa animosidade entre a cidade como um todo, esses professores e a faculdade recém instalada. Essa situação se complicou quando se cogitou reunir os tais institutos isolados em uma universidade: “E agora? Como vai ser? Vão mexer em tudo, vão acabar com tudo, vão fazer de novo?”. E não era, ou melhor, não foi bem assim. Na verdade, era preciso dar um jeito na repetição dos cursos em funcionamento nas faculdades já instaladas nas diversas cidades do interior. O que prevaleceu foi a ideia de aproveitar a feição ou vocação de cada faculdade – o predomínio de uma área, ou seja, as humanas, as exatas, as biológicas. Na ocasião só três cidades ficaram com campus complexo: Araraquara e Botucatu com quatro faculdades cada uma e Rio Claro, com três. As demais cidades ficaram com uma faculdade cada. E aí é que começou o drama da transferência de cursos de uma faculdade para outra, ou seja, de uma cidade para outra. Foi uma operação muito penosa. A falha, muito criticada por todos os professores pertencentes a todas as unidades, é que não houve diálogo, reunião com os professores e demais membros das unidades. Pode-se até compreender a dificuldade em reunir professores, discutir, votar, decidir etc. É muito difícil você decidir sobre coisas do seu próprio interesse e do interesse da universidade sem estabelecer uma prioridade. Araraquara, por exemplo, o problema estava na Faculdade de Filosofia. A Farmácia, a Odontologia, a Química, essas eram específicas. Araraquara tinha um Departamento de Química que pertencia à Faculdade de Filosofia, mas já vivia até isolado, numa outra unidade. Então, separar aí os cursos não ofereceu grande dificuldade. Aliás, o grande problemas estava nas chamadas Faculdades de Filosofia. Araraquara ficou com a área de Letras, Ciências Sociais e Pedagogia. O curso de Matemática, por ser o mais novo, foi transferido para Rio Preto. Assim, Araraquara recebeu o pessoal de Letras de Franca e de Pedagogia de Botucatu e de Rio Claro. Como tudo foi feito meio na marra, é claro que houve muita briga, muito chiar e ranger de dentes. Depois, aos poucos, a coisa foi se acomodando. 132 O Luiz Ferreira Martins95, na ocasião coordenador da CESESP (Coordenadoria do Ensino Superior do Estado de São Paulo) foi o grande responsável por tudo. Ele vinha da Odontologia de Bauru, não tinha, em princípio, nada a ver com a UNESP, não tinha nenhum interesse pessoal, no sentido de bairrismo, claro. Ele era realmente muito dinâmico e entusiasmado, mas autoritário pra danar. Talvez por isso tenha levado a coisa com mão de ferro. Argumentava com veemência e tentava sempre neutralizar qualquer contra-argumento. Impunha e defendia com garra suas posições. Para nós que participamos diretamente da montagem, nós diretores que, em tese, levávamos as ideias das unidades, ficávamos praticamente dançando na corda bamba. Uma dificuldade adicional se relacionava com as licenciaturas, que obrigatoriamente tinham em cada cidade, o pessoal de Pedagogia, Psicologia, Prática de Ensino. Assim, esse pessoal deveria se unir aos da área de Pedagogia. Foi o que acorreu com os de Botucatu, onde se desenvolveram as biológicas e Rio Claro, com Geografia, Biologia (ou Biociências) e Matemática. De qualquer forma não houve fechamento de nenhum curso. Do pessoal transferido, que se acumulou em cada unidade, alguns já estavam se aposentando, outros foram saindo por conta própria, até a situação se acomodar. Na verdade, não se despediu ninguém. Aí então se instalou o Conselho Universitário com o Luiz Martins como primeiro reitor da nova universidade, e composto pelos diretores, que eram antigos diretores dos Institutos Isolados que continuaram. Quem estava vencendo o mandato como diretor, foi substituído ou foi reconduzido. Foi o meu caso, eu tive dois mandatos, fiquei oito anos como diretor. Foi muito trabalho porque se tratava, aqui em Araraquara, de um campus complexo e, quase tudo estava por fazer, inclusive a questão relacionada com o espaço físico - a construção de edifícios. Demorou um certo tempo, talvez até nem tanto, para a UNESP tomar feição de universidade. Bem, já lá se vão mais de 30 anos, ninguém pensa mais nos institutos isolados. Hoje tudo está mais tranquilo, cada cidade desenvolveu seus cursos já com o nome de Faculdade já com o nome de Instituto, mas dentro de novos padrões ou novo roteiro de atividades. Entretanto, a caminhada não foi fácil porque havia também o jogo de interesses pessoais. A resolução de muitos problemas ficava por conta da capacidade do jogo de cintura do diretor. Isso porque a relação do diretor com os professores, e ele era um deles, e com os demais funcionários, variava muito, mais até isso é assim mesmo. Na verdade o que nunca se 95 Prof. Dr. Luiz Ferreira Martins é professor de Odontologia aposentado pela FOB/USP, unidade de Bauru. Na época da criação da UNESP, era Coordenador dos Institutos Isolados. Foi reitor da UNESP e sua gestão compreendeu o período de 10/03/1976 – 9/3/1980. É entrevistado desta pesquisa. 133 aceitou, pelo menos em Araraquara, foi o fato de o diretor ser uma espécie de pau mandado da Reitoria. Na verdade o que acontecia em certas unidades era que o diretor não era bem um diretor, mas um feitor da Reitoria. Se a criação da UNESP foi resultado de interesses políticos? De política partidária? Não foi propriamente. Mas se trata de uma universidade mantida pelo Estado. E aí é claro que entra o interesse político, da política partidária vigente. Lembre-se de que a primeira reunião para discutir a instalação da UNESP foi em Ilha Solteira, com a presença do então governado Paulo Egydio96. E por que isso? Talvez para incentivar o desenvolvimento com um campus avançado. Entretanto, o que deveria ter havido e não houve, foi vigência efetiva da política universitária. Pelo menos não houve na dosagem adequada, ou não houve a atuação explícita de uma política universitária. Quero dizer, não houve um plano previamente embasado em princípios acadêmicos, um plano que recolhesse, primeiro, o que as ideias e o pensamento dos que atuavam no ensino superior do interior do estado de São Paulo. Aliás, esse pessoal já se ressentia do tratamento que vinha tendo, justamente por fazer parte do ensino superior isolado. Mesmo em termos salariais havia diferença. Lutava-se pela equiparação com o nível salarial da USP. E isso foi conseguido antes de as faculdades isoladas virarem UNESP. O que os Institutos pensavam, e foi até certo ponto ignorado, veio não só de professores entusiasmados, mas imbuídos de ideais universitários e dispostos a fazer um trabalho sério. Tanto é assim, que esses institutos se desenvolveram bem, a universidade se desenvolveu bem. A universidade tem cursos excelentes, ela está muito bem colocada. Isso porque se formaram equipes não endógena, quero dizer, equipe formada por pessoal de diversas procedências, de orientação teórica e ideológica diversificada. Em Araraquara essa endogenia nunca existiu. É gente que vinha de fora e daqui que saía com bolsa ou não para estudar fora, principalmente fora do país. Todos nós, do primeiro grupo de professores, que viemos organizar os cursos, todos nós nos formamos, fizemos a nossa carreira fora da cidade, obviamente. Eu, por exemplo, vinha da USP, mas depois tive bolsa para pós-graduação na França e, mais tarde, de pós-doutorado, nos Estados Unidos. Tive oportunidade de participar de congressos em vários lugares, sempre custeado pela universidade ou por órgãos de fomento à pesquisa como a FAPESP e o CNPq. É assim que se forma uma mentalidade, um espírito acadêmico, que dinamiza e faz avançar ensino e a pesquisa em nível realmente superior. É por isso que a decisão de reunir escolas isoladas numa universidade foi acertada. E 96 Paulo Egydio Martins foi o décimo - segundo governador do Estado de São Paulo, eleito indiretamente, durante o governo de Ernesto Geisel, pelo então colégio eleitoral, exerceu o cargo de 15/03/1975 a 15/03/1979. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 15/09/2010. 134 é por isso que estamos como estamos – estamos nos desenvolvendo bem, com trabalhos acadêmicos de colocação internacional e com um saldo de publicações para além do razoável. Resultado inesperado? Claro que não, porque a criação da UNESP, apesar dos desentendimentos iniciais, de brigas e discussões, não foi improvisada. Não foi mesmo. O se estranhou desde o princípio foi o fato de uma universidade com unidades espalhadas por diversas cidades do interior, tivesse seu órgão centralizador máximo – a Reitoria – localizado na Capital. É antiga a discussão sobre a mudança da Reitoria para o interior. Mas aí pega a política bairrista. Em termos objetivos a Reitoria deveria localizar-se na cidade mais central do Estado – Araraquara ou Bauru. Como Araraquara desde o início teve um campus complexo, então... Mas até hoje não se resolveu nada, que eu saiba. Também a alocação de biblioteca central – que ficou em Marília, por estar lá a biblioteca mais desenvolvida – chegou a ser discutida. Mas com o passar do tempo e com o desenvolvimento da informatização, a coisa se diluiu. Hoje é tudo muito mais fácil, com a informática. O trânsito de obras, se você precisar de uma obra aqui, em dois dias ela está aqui para você. Ficou em Marília, mas as bibliotecas, digamos de unidade, continuaram na unidade, continuaram a crescer do mesmo jeito, por meio de doações ou de compras. Em termos de compras, não só de livros, mas de qualquer material de consumo – papel, drogas de laboratório etc. – tudo precisou ser disciplinado com centralização e posterior distribuição segundo escalas de prioridades. Eu participei de toda essa mudança e, veja você, numa posição chave – diretor de unidade universitária. Eu me orgulho disso, eu me sinto feliz quando vejo o campus em pleno funcionamento no meio daquelas árvores copadas e alas de palmeiras imperiais que eu plantei. Você está autorizada a usar este texto Arq ago 2011 F. S. Borba 135 136 Prof. Dr. Ivo Machado da Costa Entrevista realizada com o Prof. Dr. Ivo Machado da Costa. Data: 21/10/2010. Local: Sala do Prof. Dr. Ivo, Departamento de Matemática, UFSCar, São Carlos, SP. Entrevistador: Luciana S. de Oliveira Zanardi. “Não houve respeito de forma nenhuma às pessoas que acabaram tendo que se deslocar. E conversando com os amigos, a voz é unânime: a Matemática foi vendida em Araraquara.” Foi assim, eu cheguei à UNESP. Quando eu cheguei não era nem UNESP, era Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Araraquara. Eu cheguei lá, prestei concurso no dia 17 de outubro de 1974 e tomei posse no dia 8 de março de 1975. A criação da terceira universidade paulista, chamada UNESP, se deu no dia 30 de janeiro de 1976. Nesse momento, eu já estava lá praticamente há nove meses. Bom, nessa criação da UNESP, aconteceu uma coisa muito desagradável. Eu, na época, sofri demais. Por quê? Eu saí de Presidente Prudente, prestei concurso, entrei e no momento em que eu entro o curso de Matemática acaba. Nesse momento eu senti revolta. E senti que a extinção do curso de Matemática foi extinção negociada: toma lá, dá cá. Ciências Sociais teve problema semelhante. O curso de Letras ficou, mas o curso de Matemática saiu. Houve um acordo de cavalheiros. Eles queriam de fato que a Matemática saísse. E porque eu senti que eles queriam que a Matemática saísse? Para mim o motivo foi uma briga pesada que houve no campus e no Departamento de Matemática provocada por três professores gaúchos ligados à Física que trabalhavam no Departamento de Matemática na época e que gostavam muito da dominação. Essas contendas iniciaram há pelo menos três anos antes de desfechos mais agressivos. Fiquei sabendo inclusive, que um dos professores na época, professor José Maria97, foi ameaçado, chegou a sofrer ameaças e agressões na rodoviária da cidade, a qual, hoje não existe mais no mesmo local. Essa informação me foi passada pelo próprio professor José Maria, infelizmente já falecido e que nitidamente quando falava sobre o assunto deixava transparecer seu sofrimento. Houve até um 97 Prof. Dr. José Maria Lopes. Já é falecido. 137 incidente desagradável, que foi a morte de um diretor, o professor Rivadávia98. Eu não estava lá, me contaram. E naquele momento, no calor do acontecimento, tentaram, pelo que me foi contado, num primeiro momento suspeitar que houvesse alguma correlação com as brigas internas no campus, mas depois perceberam que não, que tinha sido um assalto mesmo e nada havia de concreto para associar aos incidentes no campus. A briga foi horrorosa e os reflexos dessa briga foram marcantes. O professor José Maria, para mim, tornou-se uma pessoa doente. Doente porque vivia super assustado, apavorado. Foi um desastre essa briga, um desastre mesmo. E consequência dessa briga, para mim, foi que a Matemática deixou de existir em Araraquara. Deixou de existir... eu tenho um sentimento de que houve uma negociação: “Olha, vamos acabar mesmo. Vamos tirar essas pessoas envolvidas daqui...” Alguns ficaram. Quem ficou? O que foi que aconteceu nesse exato momento? Acabou o curso, mas algumas pessoas foram convidadas a ficar em Araraquara. Eu fui uma delas, foram convidadas outras três pessoas: Afonso Celso Guimarães99, Paulo Adão Monteiro100 e o professor José Maria. Mas me parece ainda, que a Celi Vasques 101 também continuou. O restante foi embora. Foi um desastre. O professor Afonso Celso Guimarães abandonou a UNESP e tornou-se professor da Fundação Moura Lacerda em Ribeirão Preto. Os professores José Maria, Celi Vasques e eu fomos alocados na Química. Nessa época o professor Paulo Adão recebeu convite e foi para a UFSCar. Eu, a Celi e José Maria estávamos fora de nosso ambiente natural, nos sentíamos professores deslocados, professores de Matemática alocados na Química. Uma situação desagradável. Considero que nós não tínhamos conhecimento e experiência suficientes, para trabalhar nesta interface. Eu estava emocionalmente muito insatisfeito. Recebi convite do Professor Dr. Janey Daccach para trabalhar na UFSCar e vim para cá. O José Maria e a Celi continuaram. José Maria faleceu anos mais tarde e hoje a professora Celi está aposentada. 98 Prof. Dr. Rivadávia Marques Júnior concluiu o Curso de Pedagogia em 1958, na USP. Obteve, em 18 de novembro de 1967, o título de Doutor na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara-FFLCA. Foi chefe do Departamento de Pedagogia da FFLCA, de maio de 1966 a abril de 1968, coordenador do Departamento de Pedagogia, de maio de 1968 a abril de 1969, e diretor , em julho de 1969. Entre as experiências administrativas, foi nomeado para o Conselho Estadual de Educação em 1972, tendo sido reconduzido para mais três anos de mandato. Faleceu em Araraquara 7 de novembro de 1974. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 02/11/2010. 99 Prof. Afonso Celso Guimarães. Não foi encontrada nenhuma informação sobre este professor. 100 Prof. Ms. Paulo Adão Monteiro graduou-se em Matemática pela UNESP /Rio Claro, SP, em 1963, e obteve o título de Mestre pelo Instituto de Ciências Matemática e de Computação, USP/São Carlos, SP, em 1976. Já é falecido. 101 A Profª Drª Celi Vasques Crepaldi trabalhou como professora em Araraquara no Departamento de Matemática e após o fechamento dele foi transferida para o Instituto de Química, em Araraquara mesmo, onde se aposentou. A professora orientou alguns trabalhos no PPGEM, em Rio Claro. Atualmente exerce cargo administrativo na UNIARA – Centro Universitário de Araraquara. É entrevistada desta pesquisa. 138 Então, essa foi a confusão. E muita, muita revolta, muita chateação, sabe? Foi um clima horroroso. Eu imagino, eu tento imaginar, o que esse pessoal sofreu antes. Parece que as ameaças foram ameaças violentas mesmo. E isso resultou nessa tragédia, aproveitaram o gancho da criação da UNESP para acabar com o curso. Para mim motivado por essa briga anterior que houve. Para mim particularmente foi um desastre, porque quem muda de Presidente Prudente para Araraquara e de repente vê o curso acabar... Em oito meses... eu coloco os pés dentro do campus e oito meses depois o curso acaba. Fui convidado para ficar na química, é verdade, sinto que fui privilegiado. Mas a Química não era o meu habitat natural, eu sou matemático, não sou químico, certo? Então foi uma coisa horrorosa. Bem horrorosa, sabe? Trouxe muita chateação. Nessa época eu me lembro que o professores Ruy Madsen Barbosa102 e Sandra Venturelli103 foram para São José do Rio Preto, me lembro que o professor José Manoel Balthazar104 foi transferido para Rio Claro. Houve mais transferências, mas, neste exato momento não me lembro de nomes. O pessoal da Matemática praticamente não usava laboratório, a gente usava a biblioteca. Os livros de matemática saíram de lá, não saíram tão rapidamente eu mesmo consultei livros da biblioteca por um bom tempo. Não acabou assim repentinamente. O que significou o acabar? Significou que não ia mais abrir vestibular para os alunos da Matemática. E aí, alunos que já estavam inscritos de anos anteriores, continuaram. Continuou a Matemática lá acho que por um bom tempo, até a grande maioria se formar. Até dar, entre aspas, “dar um fim ao restante que sobrou”. A UNESP foi criada de 30 de janeiro de 1976, eu me exonerei no dia 02 de julho de 1979 e nesse mesmo dia tomei posse na UFSCar. Voltando à causa, a briga, para mim, era briga de poder. O ambiente universitário é um ambiente de poder e dominação. Geralmente grupos querem dominar, mas quando há brigas como a que aconteceu, muitas vezes, perde-se a educação, pessoas perdem nível e respeito. E a briga pode até passar a ser uma briga de vida ou morte, passa a haver perseguições, o ambiente torna-se horroroso e cheio de ameaças. Em Araraquara houve uma briga muito feia. Muito feia mesmo. Imperou a falta de educação aliada a uma tentativa de dominação pela força. 102 Esses gaúchos tentaram dominar e impor as suas ideias. Muito O Prof. Dr. Ruy Madsen Barbosa é Bacharel e Licenciado em Matemática. No ensino Superior obteve os títulos de Doutor, Livre Docente, Professor Adjunto e Professor Titular. Após a extinção do Departamento de Matemática em Araraquara, foi transferido para a UNESP de São José do Rio Preto. Atualmente é professor titular aposentado da UNESP/São José do Rio Preto. É entrevistado desta pesquisa. 103 Profª. Drª. Sandra Venturelli, professora aposentada da UNESP/São José do Rio Preto. Atualmente é Professora da UNIRP, Centro Universitário de Rio Preto. 104 Prof. Dr. José Manoel Balthazar. Docente do Departamento de Estatística, Matemática Aplicada e Computação. UNESP/Rio Claro. 139 possivelmente pela força. O pessoal reagiu e eles apelaram feio. Tentaram e apelaram feio mesmo, até o momento em que foram, entre aspas, “expulsos de lá”. Pelo que fui informado à época, eles foram para o nordeste, não tenho certeza absoluta. Nunca tive e não tenho satisfação alguma em conhecê-los, pois, o que eu senti, o clima que eu vivi foi horroroso. Olha, eu não sofri a briga real que aconteceu com eles, eu apenas sofri os reflexos dessa briga. E presenciei o estado psicológico de outros colegas, que eu diria com toda certeza, que alguns deles, para mim, ficaram até certo ponto emocionalmente doentes. Não diria esquizofrênicos, mas com sequelas visíveis. O José Maria foi um deles. O José Maria morreu cedo inclusive. Tinha um medo inexplicável. Se você fosse a casa dele mesmo sendo convidado, para ele te receber ele pensava três vezes. Uma coisa terrível. Acredito que isto acontecia por causa das ameaças que sofrera. E isso não é uma coisa agradável. Deixa marcas. Ele e outros professores recebiam cartas de ameaça. A lógica fazia associar isto com o incidente. Os gaúchos foram embora e os professores que ficaram, pelo menos aqueles pertencentes à briga, recebiam cartas anônimas e ameaçadoras. De quem? Não sei. Quem teria interesse de mandar uma carta de ameaça? Dá impressão que sejam quem participava das desavenças da época. Nominá-los é uma atitude não correta, mas a lógica diz. Um grupo de professores que participou de uma briga vai receber cartas anônimas de quem? De pessoas que não tem nada a ver com isso? Você vai receber ameaças de quem? De quem você tem contato, com quem você se indispôs etc. Graças a Deus nenhuma das ameaças se concretizou. Mas eram ameaças pesadas. As pessoas sofriam muito com essas ameaças, ficavam assustadas, com medo da concretização delas. Foi um terror. Um terror, literalmente um terror. Eu até entendo que por isso, talvez as pessoas sentissem mesmo que o ambiente ficou de tal forma que talvez a melhor coisa era que tudo acabasse mesmo. Para mim foi a união do útil ao agradável, o interesse de quem estava “vendendo” o curso com pessoas que não estavam mais em condições emocionalmente estáveis. Pessoas bastante machucadas. Esse era o ambiente. O fato de o departamento ter sido extinto, foi uma espécie de casamento. Houve um grande interesse que isso acontecesse, porque o pessoal queria se livrar daquelas brigas e seus reflexos, queriam se livrar daquela situação traumática. Por isso que houve pouco empenho na manutenção do curso de Matemática e ninguém o defendeu. Houve tentativa de se acabar também com o curso de Matemática em Presidente Prudente. Só não acabou graças a um exprefeito de Presidente Prudente chamado Valter Leme Soares, dono na época, da empresa Andorinha. Esse homem mobilizou a cidade e eles enfrentaram as estruturas de poder da época e conseguiram manter o curso de Matemática em Presidente Prudente. As faculdades 140 cujos cursos de Matemática seriam transferidos eram a da cidade de Araraquara e a da cidade de Presidente Prudente. Só que Prudente teve um prefeito que subiu à mesa e conseguiu reverter a situação. Agora lá em Araraquara parece que houve até uma satisfação do pessoal: “Tomara que acabe mesmo, aí cada um vai para um canto”. Tive a impressão de um certo conformismo. Mas foi muito ruim ter acabado o curso eu acredito. Foi ruim para a cidade, foi ruim para a formação de professores. O curso lá era um bom curso com uma extensa lista de excelente alunos formados. Eu acho, até hoje, que foi uma atitude impensada. Eu acho que foi mais uma espécie de revanche, de pessoas que se desgastaram muito naquela época, do que uma solução racional. Eu não vi racionalidade em extinguir. Achavam que se o pessoal se juntasse em Araraquara, se juntasse em Rio Claro, se juntasse em São José do Rio Preto, formariam uma massa crítica melhor. Isso foi uma mera desculpa, não a razão principal. Motivo disso é o seguinte: Rio Claro tem mestrado e ou doutorado em matemática pura? Não tem. São José do Rio Preto tem alguma coisa? Não tem. Presidente Prudente tem? Não tem. O deslocamento e agrupamento de professores em alguns centros não trouxeram os resultados tão esperado. E o que eles justificavam na época é que, com essa mudança haveria um significativo salto de qualidade significativo. Não vi esse salto de qualidade, para mim só foi desculpa. Desculpa mesmo. Foi muito triste. Uma vez definido pelo final do curso chegaram a perguntar quem gostaria de ir para alguns locais. Na medida do possível não foi imposto: “Você é obrigado a ir para tal canto”, não. Foi dado oportunidade de escolha dentre as possibilidades existente, embora mínimas. Algumas pessoas acabaram optando por ficar em Araraquara, junto ao Departamento de Química. Mas não foi tranquilo. Foi sofrido. As pessoas podem não ter externado forte insatisfação, mas que sofreram, sofreram. Sofreram muito, sofreram muito mesmo. Para você ter uma ideia, hoje muitas daquelas pessoas que mudaram já faleceram. Conversando com outras da época você vai ter uma noção bem clara do sentimento delas. Eu tenho um sentimento assim, muito negativo sobre essa mudança, muito. Imagina, você chega lá, oito meses depois acaba o curso. E acaba o curso por causa do que? Eu não estava sabendo de nada que tinha acontecido no passado, aí quando eu estou lá dentro que eu descubro a bomba como que foi. E Araraquara era, e ainda continua sendo, um local muito agradável. Para mim, eu considerava que Araraquara era o berço da intelectualidade, por ali passaram grandes pessoas: Jean-Paul Sartre passou por ali, a esposa dele passou por ali, me lembro de muita gente boa que passou por ali. Se não me engano, até o Piaget esteve lá. Foi triste, foi muito 141 triste mesmo o que aconteceu. Esses meus desabafos mostrar a dor e a revolta sentida naquela época. Eu diria que os motivos pelos quais a Pedagogia foi extinta em Rio Claro não foram os mesmos da Matemática. A Matemática foi uma união do útil ao agradável. Eles acabaram vendendo a Matemática. Era um curso altamente procurado. Muitos alunos, bons professores, bom curso e mesmo assim vieram a sacrificá-lo. Então, a imagem que me ficou foi que venderam o curso por revolta, a única explicação que eu tenho, eram brigas passadas. Claro que no fundo também, há jogo de interesses. Por exemplo, porque Letras ficou em Araraquara? O que pesou muito naquela época? O diretor à época. O curso letras ficou. Essa é uma pergunta que podia ser feita, por exemplo, para o diretor do campus da época. Poderia ter sido feito ao contrário. Trouxesse o curso de Matemática e os professores de São José do Rio Preto para Araraquara. E porque trazer para Araraquara? Porque Araraquara, está mais próxima da USP, mais próximo da UNICAMP. E mais próximo de São Paulo. Não, deslocou para São José do Rio Preto. São José do Rio Preto tinha o que? Presidente Prudente? Presidente Prudente em termos de massa crítica era pouco expressiva na época, apesar de excelentes professores, mas Presidente Prudente não tinha, até pouco tempo atrás um mestrado em Matemática. Têm pessoas esforçadas, pessoas que eu respeito, pessoas que gosto, eu sou de lá. Mas a justificativa que eles deram não se concretizou. Se tivessem remanejado todo pessoal para Rio Claro, poderia ser uma solução mais racional. Rio Claro está no meio, entre São Carlos e Campinas. Mas olha, mesmo nesse caso, é um bom exemplo de que as coisas não funcionaram. Rio Claro não tem uma expressão matemática, apesar de ter bons professores. Mas não tem expressão mesmo. Então a desculpa da época, foi uma desculpa muito esfarrapada, sabe? Muito mesmo. Ao invés de estimular que o curso crescesse, contratar mais professores, não. Vieram com essa desculpa de deslocar. Sempre tem um amontoado de coisas que acabam convergindo. Isso era um jogo de interesses econômico também. Um jogo de interesses econômico. Você aumentava o número de professores de outra região, sem necessariamente você ter um aumento de gastos. Simplesmente deslocando o pessoal. E se isso custasse sangue, chateação e tal, que fizesse. Não houve respeito de forma nenhuma às pessoas que acabaram tendo que se deslocar. No meu caso particular, de maneira egoísta, fui uma pessoa, entre aspas, “privilegiada”. Eu fiquei lá. Mas fiquei como o que? Como um empregado da FEPASA105. Por que eu cito esse 105 A Ferrovia Paulista SA (FEPASA) foi uma empresa de estradas de ferro brasileira que pertencia ao Estado de São Paulo, embora sua malha se estendesse por Minas Gerais e um ramal no Paraná. Foi extinta ao ser 142 exemplo? A FEPASA é o típico exemplo de algo que funcionava, acabaram e muitos de seus empregados ficavam sem função específica à época. O pesadelo da época ficou na memória, a marca ficou, o sentimento de revolta ficou, de ver o que aconteceu. E conversando com os amigos, a voz é unânime: a Matemática foi vendida em Araraquara. Venderam a Matemática em Araraquara. Venderam a Matemática. E isso a gente não pode ter satisfação. Pode passar a vida toda, mas eu falo: “Fiquei muito chateado com o que aconteceu à época”. Quando você mexe com vidas, quando você mexe com pessoas e você resolve, numa mesa, em cima de um tabuleiro o destino de pessoas como se você mexesse peças de xadrez é horrível. Não é assim na vida não, não é assim. Foi falta de respeito, falta de consideração, jogo sujo. Agora, eu entendo que talvez a Matemática tenha dado motivos para esse tipo de insatisfação, a Pedagogia eu não sei por que. A Pedagogia eu não tenho a menor ideia do porque eles foram, entre aspas, “vendidos”. Outro aspecto que eu tento imaginar, é que se tiraram a Matemática de lá e tiraram a Pedagogia, porque consideraram que eram cursos fracos, eram cursos que o pessoal poderia somar em outro local, e não ao contrário. Às vezes eu pondero que o pensamento na época poderia ter sido: “Bem esse pessoal é mais fraco, vamos agrupá-los com pessoas de maior expressão” para se tentar formar o que hoje se chama: centro de excelência. Mas não estamos falando de excelência acadêmica, estamos falando de jogo de poder. Tenha certeza, isso aconteceu. Joguinho sujo, e o que favoreceu nesse caso? A UNESP tendo sido criada, o poder ficou na mão de meia dúzia que estava à frente desse poder. E eles acabaram decidindo, as pessoas foram desumanas, insensíveis e resolveram fazer. Tiveram umas ideias mirabolantes. A UNESP enquanto era constituída de Institutos Isolados sempre funcionou de forma exemplar, tinha, na minha opinião, mais autonomia, mais dinamismo. Para mim funcionava melhor. Com a criação o poder ficou centralizado em São Paulo e a distância era um grande empecilho. Você estava longe desse poder, longe das decisões. Naquela época não havia email, era só na base do telefone e os carros oficiais que circulavam com grande frequência. E as pessoas ficavam alheias sobre ao que estava acontecendo, ouvia-se comentários dos diretores do que estava acontecendo, mas não vivenciava. É diferente da época em que as decisões eram tomadas no local que estavam vivenciando. A UNICAMP para mim funciona porque o poder decisório está lá dentro da UNICAMP. Em São Paulo a USP funciona pela mesma razão. A USP aqui de São Carlos, incorporada à Rede Ferroviária Federal no dia 29 de maio de 1998. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 15/11/2010. 143 apesar de estar ligada com São Paulo, tem poder de decisão. Agora a UNESP vem aí sempre em segundo plano frente as co-irmãs USP e UNICAMP. Vejam a forma da distribuição de verbas na época. O Quércia106, para mim, apresentou e decidiu por uma forma de financiamento das universidades paulistas que eu considero não muito bom. A forma de financiamento das universidades paulistas, me lembro vagamente, baseava-se num percentual do ICMS107. Inicialmente, me parece, que começou com 8,5 ou 8,7% do ICMS do Estado de São Paulo. Só que na época a USP, ficou com 2,5% ou 2,3%; a UNICAMP ficou com 2,0% ou 1,9%, não me lembro bem e a UNESP com uma parte bem inferior. Hoje me parece que esse percentual chega a 9,5%, mas é insatisfatório. Mas o financiamento das universidades é vinculado ao ICMS, e essa forma de financiamento era votada todo ano. Não era uma coisa definida. Todo ano é aprovado, se dia resolverem criar uma outra base de financiamento, as três universidades poderão ficar em situação difícil. Voltando ao nosso foco, à época o curso de Letras em Araraquara era excelente, Ciências Sociais tinha uma expressão razoável. O curso de Direito de Franca é um curso ainda hoje de referência, enfim muitas faculdades isoladas tinham cursos excelentes. Pergunto, por que extinguir cursos se na época a procura era muito boa e a distância entre elas era significativa? Para mim a criação da UNESP só veio atrapalhar o bom funcionamento das antigas Faculdades de Filosofias que funcionavam muito bem. Aqui ficam registrados alguns desabafos de quem sofreu muito naquela época apesar de não ter de mudar de cidade, mas, agradeço muito a Deus pelos caminhos que me foram abertos. Tudo que fora dito reflete os sentimentos daquela época e não a realidade de hoje. Felicidades Luciana e desejo muito estar em sua defesa. Esta história me emociona muito. Espero que quem ouvir meu depoimento ouça minha alma. Se possível me convide. Abraços, Professor Ivo. 106 Orestes Quércia foi o 28° governador do Estado de São Paulo. Falecido em 24 de dezembro de 2010. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 15/11/2010. 107 O ICMS (imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação) é de competência dos Estados e do Distrito Federal. Sua regulamentação constitucional está prevista na Lei Complementar 87/1996 (a chamada “Lei Kandir”), alterada posteriormente pelas Leis Complementares 92/97, 99/99 e 102/2000. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 15/11/2010. 144 145 Profª. Drª. Celi Vasques Crepaldi Entrevista realizada com o Profª. Drª. Celi Vasques Crepaldi. Data: 26/10/2010. Local: Sala da Profª. Drª. Celi, UNIARA, Araraquara SP. Entrevistador: Luciana S. de Oliveira Zanardi. “Mas toda essa mudança foi assim terrível, entendeu? Nossa! Foi terrível. E as pessoas, eu percebia, por exemplo, que esse pessoal que veio de Rio Claro para cá, para a Pedagogia, eles acabaram não se integrando muito não”. Eu entrei aqui dia 9 de abril de 1973 na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, em Araraquara. E eu entrei no curso de Matemática, fui contratada. Naquela época a gente era contratada mesmo sem ter titulação. Eu tinha duas graduações, tinha feito alguns cursos paralelos, curso de mestrado, doutorado eu não tinha, tanto que eu entrei na categoria mais baixa, que era Auxiliar de Ensino. E daí eu comecei a dar aula para Matemática. Como eu tinha feito Pedagogia e Matemática, eu fui dar aula de Didática Especial em Matemática. Apesar de eu ter sido contratada para essa área específica, eu dava aula de todas as disciplinas que aparecessem, Álgebra, Cálculo. E tinha algumas outras disciplinas que acabei assumindo, como Fundamentos de Matemática Elementar. Porque tinha tido uma evasão de professores um pouco antes de eu chegar ao curso de Matemática, em função de algumas brigas entre os professores do Departamento. Então o curso de Matemática estava altamente deficitário quando eu vim para cá. Nesse concurso foram contratados dois professores, eu e um outro professor muito famoso, que até agora está com a gente aqui: Antônio Marcos Vila. Ele se aposentou pela USP de São Carlos. Ele ficou em Araraquara um tempo, foi para a USP de São Carlos, hoje ele é aposentado e trabalha na UNIARA – Centro Universitário de Araraquara. E eu fiquei no Departamento de Matemática até o ano de 1976, quando as Faculdades de Filosofia Ciências e Letras foram transformadas em UNESP. O pessoal brincava que era UNESP, “universidade espalhada por aí”. Aí nessa época, o que aconteceu? Dentre todos os cursos que havia aqui, na Faculdade de Filosofia Ciências Letras de Araraquara, o único que foi extinto foi o da Matemática. Nós tínhamos Ciências Sociais, Letras, vários cursos e o único que foi extinto foi a Matemática. 146 Então tinha duas opções: ou ia para Rio Claro, onde tinha o curso de Matemática ou ia para Rio Preto. Eu estava fazendo o curso de pós-graduação, estava fazendo mestrado, doutorado aqui em São Carlos e eu tinha duas filhas pequenas, então era muito complicado sair daqui de Araraquara. Aí eu fiquei. “Então você tem que optar, ou Rio Claro ou Rio Preto, porque aqui não vai ter mais o curso de Matemática”. Então eu optei por Rio Claro. Era mais perto, eu tinha amizade no departamento, o chefe era o Prof. Irineu Bicudo 108. Só que quando você termina um curso, você termina o primeiro ano na realidade, isso significa que não vai ter mais curso, não há mais vestibular para o curso. Só que você tem alunos do segundo, do terceiro, do quarto e do quinto ano, que eram aqueles que tinham as DPs. A maioria dos professores foi embora, mas alguns professores deveriam permanecer para poder terminar e dar continuidade, ao curso; esses alunos tinham o direito de terminar o curso. Então eu fui deslocada para Rio Claro, fui trabalhar na Matemática de Rio Claro, onde eu tinha muitos amigos. Eu tinha muita vontade de ir para lá, mas por causa do problema familiar, tinha que ponderar. Então falei com o Irineu, que era o chefe de departamento na época, que apesar de eu pertencer ao Departamento, eu não poderia no momento ir para lá. Só que eu fiquei preocupada como ia ser o meu futuro. O diretor do Instituto de Geociências, ao qual pertencia o Departamento de Matemática, falou que não queria saber de professor viajando e naquela época todo mundo viajava. Por exemplo, o pessoal de Rio Claro, quando acabou a Pedagogia lá, foi transferido para cá. E eles viajavam, a maioria, para dar aulas em Araraquara. Mas toda essa mudança foi assim terrível, entendeu? Nossa! Foi terrível. E que esse pessoal que veio de Rio Claro para cá, para a Pedagogia, eles acabaram não se integrando plenamente. Mas aí o diretor falou comigo: “Olha Celi, você pensa bem. Eu vou te dar um tempo, só que eu não quero professor” e ele usou essa expressão “de mala”. “Se você vier para o departamento aqui, você tem que realmente morar aqui.” Aí o que eu fiz? Eu conversei com o diretor do Instituto de Química, porque aqui em Araraquara nos temos quatro unidades da UNESP: O Instituto de Química, a Faculdade de Odontologia, a Faculdade de Farmácia e a Faculdade Filosofia Ciências e Letras, onde a gente trabalhava lá no campus. Essa Faculdade de Ciências e Letras envolvia Pedagogia, Ciências Sociais, cursos na área de humanas. Agora tem Administração Pública também. Então, na época, dentre essas, onde eu poderia contribuir? O Instituto de Química precisava de gente de Matemática, porque eles usam muita 108 Prof. Dr. Irineu Bicudo é professor aposentado pela UNESP/Rio Claro e orienta alunos no Programa de PósGraduação em Educação Matemática do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da UNESP/Rio Claro. É entrevistado desta pesquisa. 147 matemática. Então o diretor do Instituto de Química fez uma proposta para de eu ficar aqui, no Instituto de Química, para dar as disciplinas de Matemática para os alunos de Química. E como a Química também era responsável pela Farmácia, então eu dava Matemática para os alunos de Química e de Farmácia. Só que entre 1976, quando se criou a UNESP, eu tinha que terminar o curso para aqueles alunos que estavam no segundo, terceiro, quarto e quinto ano da Matemática. Eles contrataram alguns professores, porque o que aconteceu com a Matemática? A maioria dos professores ou foi para Rio Claro, ou para Rio Preto. Nós ficamos com muito pouca gente aqui para dar conta de tudo isso, o Prof. Ruy Madsen Barbosa109 foi um dos que ficou um pouco e depois foi embora. A UNESP contratou alguns professores em regime de tempo parcial só para ajudar. E eu fiquei aqui, entre 1976 a 1980, pertencente ao quadro docente da UNESP de Rio Claro, mas trabalhando na UNESP de Araraquara. Durante esse tempo, o diretor do Instituto de Química que era o Cirano Rocha Leite, fez uma solicitação para a Reitoria para me transferir. Quer dizer, na realidade eu nunca fui para Rio Claro. Foi feito esse pedido logo em 1976, mas quando eu estava terminando o segundo semestre de 1979, quando os últimos alunos da Matemática estavam concluindo o curso, veio a autorização para eu ficar no Instituto de Química, saiu no Diário Oficial. Então no primeiro semestre de 1980 eu comecei a trabalhar no Instituto de Química e lá fiquei até me aposentar. O Departamento mais próximo da minha área era o Departamento de Físico-Química, onde tinha a Matemática, a Física e a Físico-Química. Eu fiquei nesse departamento e dava aula das disciplinas relativas ao Cálculo que a Química precisava, o I, II, III e também para a Farmácia. Por que acabou o curso de Matemática? Eu acho que houve falta de vontade política, inclusive da direção. Os professores se sentiram totalmente negligenciados. Porque o curso era um curso muito bom, era o curso que mais tinha alunos no campus. Foi um sentimento de frustração muito grande. Eu também participei, mas os que estavam há mais tempo aqui... O pessoal se sentiu totalmente desmotivado, mesmo aqueles que foram para Rio Claro, para Rio Preto, porque eles achavam, que entre os cursos que deveriam ser extintos, nunca deveria ser o da Matemática. O argumento usado foi que nós tínhamos outros cursos de Matemática muito perto, um em Rio Claro e o outro em Rio Preto, que não é tão perto assim. Mas como a cúpula, o 109 O Prof. Dr. Ruy Madsen Barbosa é Bacharel e Licenciado em Matemática. No ensino Superior obteve os títulos de Doutor, Livre-Docente, Professor Adjunto e Professor Titular. Após a extinção do Departamento de Matemática em Araraquara, foi transferido para a UNESP/São José do Rio Preto. Atualmente é Professor Titular aposentado da UNESP. É entrevistado desta pesquisa. 148 diretor, o vice-diretor, todo mundo aqui, pertencia à área de humanas, então teve o interesse político de conservar as humanas. Então o único curso que foi terminado, que foi desativado, foi a Matemática. As próprias pessoas que frequentavam o campus faziam a seguinte observação: “Nossa! Isso aqui ficou deserto.” Porque nós é que tínhamos bastante alunos. O grupo de professores era grande, tinha muito aluno, era um curso muito bom. Muita gente, até hoje, não entende muito porque foi extinto. As áreas que permaneceram foram Letras e Educação, mais a área de Letras, que hoje são considerados centros de excelência, inclusive tem mestrado e doutorado. Os outros institutos que têm aqui já são separados. Araraquara é a única cidade que tem quatro unidades. Odontologia, a Faculdade de Farmácia, o Instituto de Química e a FCL - Faculdade de Ciências e Letras. Outro fator que foi predominante também eram as brigas entre os professores. Quando eu cheguei, já tinham acabado as brigas, mas diz que foi uma coisa muito complicada. Eu escutei muitos relatos. Os professores bons mesmo foram todos embora. A maioria deles foi para Rio Preto. O José Maria Lopes sofreu muito com a briga. Tanto é que a situação foi tão caótica que quando eu vim para cá, não tinha ninguém para responder pelo departamento, não tinha nenhum doutor. Isso em 1973, foi logo depois da briga. Tinha um professor da USP de São Carlos, Antonio Fernandes Izé, que respondia pelo Departamento aqui. Ao ingressar na Faculdade, desenvolvi um projeto de pesquisa para o tempo integral que foi orientado pelo Prof. Dr. Antonio Fernandes Izé. Na época da extinção do curso de Matemática, tínhamos uma biblioteca boa. E quando o curso acabou o que fizeram com esse material? Foi para o Instituto de Química, onde ficou temporariamente. O Instituto de Química tinha um problema sério de espaço, que hoje melhorou, cresceu bastante, mas na época não tinha como crescer. É claro que não se comprou mais livro de Matemática, eu mesmo precisei fazer uma briga para atualizar a biblioteca. Mas o que foi acontecendo? As bibliotecárias, falavam que não tinham interesse pela Bibliografia de Matemática, que elas tinham um problema sério de espaço e que elas iam enviar os livros para onde existia Matemática. Então foi uma outra briga que nós tivemos que enfrentar. O Instituto de Química, onde eu me aposentei, hoje é o Instituto da UNESP que recebe mais verbas da FAPESP, CAPES, CNPq no estado, porque eles têm uma produtividade incrível. Eles trabalham com materiais, eles têm equipamentos aqui que não tem em lugar nenhum, nem na USP. O Instituto de Química tem uma produção relevante, mas isso é uma coisa mais recente. E aí foi uma briga. Nós éramos três ou quatro professores e elas chegavam para a gente e diziam: “Mas eu não tenho lugar para os seus livros”. “Eu vou mandar esses livros para Rio Claro.” Foi complicado, foi desgastante. Eles chegaram até a 149 separar material para mandar, mas acabamos conseguindo ao menos uma pequena atualização. As pessoas que ficaram, na realidade fui eu, o Ruy Madsen e tinha um outro professor, o José Maria Lopes, um excelente professor, que faleceu muito precocemente. A gente não tinha um amparo, éramos considerados uma área menor. Porque não tinha Departamento e a nossa pesquisa era incipiente. Fiz o mestrado e doutorado no Instituto de Ciências Matemáticas de São Carlos, na USP, sob a orientação do Prof. Dr. Cândido Linea da Silva Dias (já falecido). Logo que eu terminei, foi quando começou o curso de Pós-Graduação em Educação Matemática em Rio Claro e o Prof. O Dante110 que era o coordenador, me chamou para trabalhar, orientar, dar cursos. Era uma oportunidade para produzir, para fazer pesquisa. Eu cheguei a fazer pesquisa com a professora Maria Lúcia Lorenzetti111, e outros docentes de Rio Claro. Ela continua até agora na ativa, embora já aposentada, e ela orientou esse ano uma professora nossa aqui, na área de Estatística. E andei realizando pesquisas com as pessoas de lá, orientei mestrados, dei cursos, o que foi gratificante. É terrível você trabalhar num Instituto, que não tem ninguém da área, que o pessoal acha a área uma coisa menor, é um auxilio, uma ferramenta. Quando tinha o curso de Matemática e tinha o curso de Química, os alunos da Química iam ter as aulas de matemática lá no Departamento de Matemática. Os professores do curso de Química achavam que o pessoal da Matemática não dava o curso de uma maneira que eles pudessem aproveitar, de uma maneira aplicada. Quando eu vim para cá, eu propus: “Vamos ver o que vocês vão precisar de matemática”. Fizemos uma reunião dos professores da Química, Físico-Química, Termodinâmica, que são disciplinas que usam muito a matemática. “O que vocês vão precisar?” Então direcionei o meu curso para o Instituto de Química e conclusão: fiquei integrada. O próprio diretor na época falou: “Finalmente a gente tem agora um curso de Matemática que os alunos vêem onde vão aproveitar”. Uma frustração que eu tinha, é que quando você dá aula para alunos da Matemática, todo mundo gosta de matemática. E para alunos que não são da Matemática, precisa haver um convencimento, eu ficava algumas aulas mostrando que a matemática era importante, para o curso. Então isso era complicado. Porque o professor se sente como um “peixe fora d’água”. Eu me entrosei super bem, fiquei até me aposentar. Até hoje a gente se dá bem com o pessoal da Química. Eu tenho 110 Prof. Dr. Luiz Roberto Dante é Licenciado em Matemática pela Unesp de Rio Claro (1966), Mestre em Matemática pela USP/São Carlos (1972), Doutor em Psicologia da Educação pela PUC-SP (1980) e LivreDocente em Educação Matemática pela Unesp/Rio Claro (1988). Professor aposentado pela UNESP/Rio Claro. 111 Profª Drª Maria Lúcia Lorenzetti Wodewotzki, professora aposentada, ligada ao DEMAC, UNESP/Rio Claro e à Pós-Graduação em Educação Matemática da UNESP/Rio Claro. 150 alunos, que embora fossem meus alunos somente no primeiro ano, me chamavam para ser homenageada na formatura. O Cálculo que sempre era o “bicho papão”, principalmente para quem não faz Matemática, eu conseguir transformar, mostrar que não era nada disso, mostrar o que eles iam precisar dar exemplos na área deles, que eles iam trabalhar. Para motivar, depois eu começava com o curso, senão... É isso que eu falo para, para os professores que chegam aqui no departamento: “Vocês tem que mostrar para o que vai servir”. Por exemplo, os alunos do curso de Farmácia diziam: “Celi, nós escolhemos o curso de Farmácia, agora a gente só tem aula de Matemática, Física e Química.” Porque o primeiro ano deles era assim. Eu falava: “Pessoal, o primeiro ano é básico. Vocês têm que ter toda essa Matemática, Física e Química para depois poderem aprender, e aplicar nos conteúdos específicos da Farmácia”. É muito frustrante para o aluno do primeiro ano e muitos desistem por causa disso. Então eu fazia toda uma fala, mostrando, convencendo. Mas assim, em termos de pesquisa, em termos de carreira profissional, realmente você acaba sendo prejudicado. Só depois de algum tempo que veio um outro professor contratado, que foi Romeu Magnani112, da área da Estatística, com o qual dividia as disciplinas. Aí eles foram contratando mais gente para Matemática e começamos a formar um grupo de pesquisa, a oferecer iniciação científica para os alunos daqui, aqueles que tinham aptidão para essa área. Foi até a época que eu já estava para me aposentar. Eu tinha tido 10 anos de Ensino Fundamental e Médio antes de vir para a UNESP, é por isso que em 1992, 1993 eu já podia aposentar. Eu aposentei em 1993, a exigência na época era vinte e cinco anos para professora. Nessa época fui contratada pela UNIARA, para o curso de Matemática, que foi extinto em 2000. Na realidade os alunos têm muita dificuldade, é um curso muito difícil. E a nossa clientela não tinha e não tem facilidade até hoje. Quando houve a mudança da Matemática para a Química, na UNESP, o começo foi difícil, mas depois tudo se ajeitou rapidamente. Ainda tinha machismo naquela época. Ingressei em 1973, casei em 1974 e tive uma filha em dezembro de 1974. Naquele tempo a gente só tinha 84 dias de licença, tive que voltar. Eles reservaram as piores aulas para mim, no Departamento de Matemática. Atribuiram estas aulas para mim, porque eu não estava lá na hora de escolher. O próprio chefe de departamento falou assim: “Ah, esse negócio de licença... Por isso que é ruim ter mulher.” Hoje em dia tem quatro meses, seis meses de 112 Prof. Dr. Romeu Magnani é professor aposentado da UNESP/ Araraquara, Mestre e Doutor em Estatística pela USP, professor voluntário no Instituto de Química da UNESP/Araraquara e presta serviços de assessoria em análises de trabalhos de pesquisa científica na mesma instituição. 151 licença. Naquele tempo a gente não tinha nem três meses. Era terrível. Tinha o problema do machismo ainda, quer dizer, e, além disso, tínhamos que vencer um monte de barreiras. “Matemática não serve para nada no Instituto de Química”, até que mostramos que não tinham razão. E também o machismo, que naquela época ainda tinha muito, tanto no Departamento de Matemática quando eu entrei, como no Departamento de Físico-Química. Agora, aí você tem que ter aquele jogo de cintura. Você tem que encarar, ir para frente. Às vezes eu me pergunto hoje, após 17 anos que eu estou aqui na UNIARA e como eu passei por tudo isso. Fora os problemas pessoais, familiares que a gente tem que sobrecarregam mais a mulher. Foi muito difícil para as pessoas. Para mim, teve alguns transtornos, mas assim, eu encarei numa boa. Eu me enquadrei, mas acho que a minha carreira acadêmica foi prejudicada. Em termos de fazer pesquisa, eu ia fazer pesquisa com quem? Por isso que desde 1986, quando eu terminei o meu doutorado até a aposentadoria, colaborei no Programa de Educação Matemática, porque eu achava que ali era uma forma de estar em contato com as pessoas da área. Entrei na UNIARA como coordenadora do curso de Matemática. Atualmente sou chefe de toda a área de saúde, o curso de Matemática acabou e houve a reformulação para Centro Universitário. Eu percebo que eu perdi essa possibilidade de ter feito uma carreira mais profícua em termos de pesquisa. Isso é uma coisa que às vezes eu penso, mas eu sou uma pessoa muito positiva, o que eu ganhei? Eu consegui fazer os meus cursos, terminar a minha formação acadêmica, consegui realizar um trabalho produtivo na UNESP. Cumpri bem o meu papel como profissional e eu consegui criar as minhas filhas. Acho que você tem que fazer escolhas na vida e a hora que você faz a escolha por um caminho, o outro você deixa. E não me arrependo nem um pouco das minhas escolhas. 152 153 Prof. Dr. Luiz Ferreira Martins Entrevista realizada com o Prof. Dr. Luiz Ferreira Martins. Data: 22/10/2010. Local: Casa de Luiz Ferreira Martins, Bauru, Sp. Entrevistador: Luciana S. de Oliveira Zanardi. “Mas eu tenho certeza absoluta que mesmo aqueles que, à época foram contra, porque existiam muitos interesses em jogo, se fizer uma análise crítica isenta hoje, há de reconhecer que a decisão foi válida. (...) Foi muito difícil, realmente foi. Mas acabou sendo criada, eu acho que valeu. Eu faria tudo de novo”. Para contar a você como as coisas se passaram, tenho que fazer um preâmbulo, para entenda a problemática dos professores. Existiam, no Estado de São Paulo, duas universidades estaduais, que eram a USP113 e a UNICAMP114. Existiam também os chamados Institutos Isolados, que eram faculdades que ministravam cursos distribuídos pelo Estado de São Paulo. A USP constituía-se de poucos campi, o principal, que era na cidade universitária de São Paulo, tinham outros como o Luis Queiroz, em Piracicaba, a Engenharia em São Carlos e também a Faculdade de Medicina em Ribeirão Preto. A UNICAMP encampava um campus em Limeira na época e depois foi transferida para o campus de Campinas, portanto era uma universidade de um único campus. Ao lado delas duas existiam então, 15 Institutos Isolados115, e esses eram vinculados à Secretaria de Educação do Estado. A secretaria tinha as coordenadorias relativas ao ensino de primeiro e segundo graus e uma coordenadoria que regia os Institutos Isolados, que era chamada Coordenadoria do Ensino Superior do Estado de São Paulo, cuja sigla era CESESP, subordinada à Secretaria de Educação, ao Secretário de Educação. 113 Universidade de São Paulo. Universidade de Campinas. 115 FFCL de Araraquara, FFCL de Assis, FFCL de Franca, FFCL de Marília, FFCL de Presidente Prudente, FFCL de Rio Claro, FFCL de São José do Rio Preto, Faculdade de Odontologia de Araçatuba, Faculdade de Odontologia de São José dos Campos, Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá, FCMB de Botucatu, FMVA de Jaboticabal, Faculdade de Musica, Faculdade de Farmácia e Odontologia de Araraquara e o novo campus criado em Ilha Solteira. 114 154 Quando se pensa a reforma da Secretaria, pra adequá-la à reforma do ensino brasileiro, com a criação do primeiro e segundo graus 116, não se sabia bem o que fazer com os Institutos Isolados. Nessa época, eu era o coordenador dos Institutos Isolados, tinha sido convidado pelo Governador Paulo Egydio117 e pelo Secretário de Educação da época, Dr. José Bonifácio Coutinho Nogueira118 para ser o Coordenador dos Institutos Isolados. Isso foi em 1973, então de 1973 a 1976 fui Coordenador dos Institutos Isolados e com a reforma da Secretaria, surgiu o problema: o que se fazer com os Institutos Isolados? A Secretaria ia cuidar do ensino de primeiro e segundo graus e os Institutos Isolados? Eu, conversando com o Secretário da época, sugeri: “Bom, eu entendo que talvez a única solução” porque havia duas hipóteses, dentro da legislação, que rege digamos, o ensino superior: ou seria uma federação de escolas ou universidade, não tinha outra alternativa. Federação de escolas praticamente já era, porque era um conjunto de faculdades isoladas coordenadas, então era uma federação. Eu disse: “A única forma de nós darmos efetivamente um avanço, é ter a ousadia de criar uma nova universidade”. Falei: “Será uma universidade diferente, seria sui generis, porque eram 15 Institutos Isolados em municípios diferentes”. Portanto seria uma universidade de múltiplos campi, multicampi. Existe uma, por exemplo, a Universidade da Califórnia nos EUA que é uma universidade de múltiplos campi, embora tenha um campus principal. Aí o Bonifácio se convenceu de que talvez fosse a solução, discutiu com o Governador Paulo Egydio e ele topou que nós partíssemos para a criação da terceira universidade. Veio o problema inclusive de escolher o nome, nós pensamos inicialmente em se chamar UNESP. “Qual a sigla que nós vamos colocar?” eu, discutindo com o Bonifácio. Falei: “Olha, ou colocamos UESP ou UNESP, Universidade Estadual Paulista. Não podia ser “de São Paulo”, já tinha a USP, que era da capital. Ele falou: “Mas UESP seria muito próximo de USP”. Aí falei: “Então vamos ficar com UNESP” e aí foi criada a UNESP. Isso foi em 1976, aí começaram os problemas da implantação da UNESP. Nós tínhamos 15 Institutos Isolados. Embora uma universidade com características próprias, numa verdadeira universidade. É importante também que se diga que a universidade trazia com ela 116 A Reforma do Ensino de 1º e 2º graus foi oficialmente denominada de Lei Federal n.º 5692/71. Basicamente ela instituía o ensino profissional obrigatório nas séries do ensino médio, criaram as Licenciaturas Curtas e inseriram, obrigatoriamente, novas matérias nas grades curriculares das séries do 1º e do 2º grau. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 15/11/2010. 117 Paulo Egydio Martins foi o vigésimo-quarto governador do Estado de São Paulo. Seu mandato foi de 15 de março de 1975 a 15 de março de 1979. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 15/11/2010. 118 Prof. Dr. José Bonifácio Coutinho Nogueira foi nomeado Secretário da Educação do Estado de São Paulo, no governo de Paulo Egydio Martins, em 1975. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 15/11/2010. 155 uma característica que era extremamente importante: a autonomia universitária. Por exemplo, a universidade tem um orçamento global, que é distribuído dentro da própria universidade, em relação aos diferentes Institutos Isolados, através de Comissão assessora, com o Reitor e etc. participando. Anteriormente, com os Institutos Isolados, nós tínhamos um orçamento para cada instituto, cada professor que devesse ser contratado ou admitido na universidade dependia do autorizo do Governador, porque ele não tinha autonomia. Com a criação da universidade nós resolveríamos todos esses problemas e poderíamos estabelecer uma política em relação aos professores. Porque até então, o órgão que administrava os Institutos Isolados era o Conselho Estadual de Educação que é um órgão que rege e fixa as normas complementares às normas que eram fixadas pelo Conselho Federal de Educação, hoje Conselho Nacional de Educação. Este fazia às vezes, entre aspas, quase como um conselho universitário dos Institutos Isolados. Então era o Conselho Estadual de Educação que sugeria ao próprio Secretário de Educação era quem deveria ser o coordenador. Eu, por exemplo, fui indicado Coordenador através desse mecanismo e o Secretário de Educação aceitou e me indicou. Com a reforma do sistema educacional e da Secretaria de Educação, se criou a UNESP, em 1976. A implantação trazia agora uma liberdade maior, para o agora reitor, que tinha sido indicado através de uma lista tríplice por um conselho, chamado “Conselho Universitário Provisório” da UNESP, que era composto pelos antigos diretores dos Institutos Isolados. Os 15 diretores dos Institutos Isolados, mais um representante do corpo discente constituíam o Conselho Universitário Provisório, que deveria indicar uma lista tríplice, para que o Governador escolhesse o Reitor que deveria promover a efetiva implantação da UNESP. A universidade foi criada por proposta do Governador à Assembléia Legislativa, através de um projeto de lei, que consolidou a criação da universidade. Então nós tínhamos um problema sério, porque nós tínhamos agora uma universidade, de múltiplos campi e cujas faculdades na verdade tinham uma vida própria e tinham sido criadas ao sabor de influências políticas, e sem um planejamento efetivo, como agora era necessário que efetivamente se fizesse. O que acontecia em relação a essas faculdades? A maioria delas era as antigas chamadas Faculdades de Filosofia, às vezes Faculdade de Filosofia Ciências e Letras. Poucas não eram dessa natureza, por exemplo, Faculdade de Botucatu. A Faculdade de Botucatu tinha Medicina, Veterinária, Agronomia, todas elas sob a égide de uma Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas. Tinha a Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá, era uma faculdade de engenharia própria, não teria muitos problemas. Mais no caso das faculdades de 156 odontologia: nós tínhamos a Faculdade de Odontologia de Araçatuba, a Faculdade de Odontologia de Araraquara, a Faculdade de Odontologia de São José dos Campos. A Faculdade de Farmácia era associada às faculdades de odontologia, então era Faculdade de Odontologia e Farmácia, é o caso, por exemplo, da Faculdade de Farmácia e Odontologia de Araraquara. As escolas que eram das Faculdades de Filosofia, o que acontecia? Você tinha, por exemplo, Marília, Assis, Presidente Prudente, todas elas com Faculdades de Filosofia. Filosofia era um curso específico, mas se agregava o curso de Letras, Pedagogia e coisas dessa ordem. Tinha Pedagogia praticamente em quase todos os campi, porque como tinha a área de formação de professores, obrigatoriamente tinha que ter Pedagogia. Então realmente os pedagogos, os professores da área de Pedagogia, sofreram com esse processo de desativação em alguns locais. Agora, onde havia a formação de professores mais forte, ficou a Pedagogia. Nós tivemos alguma dificuldade na época, com Botucatu. Porque Botucatu rejeitava um pouco a ideia de se integrar na UNESP, por ser uma área médica que tinha no momento mais prestígio. Eles achavam que era preferível se manter isoladamente e não se integrar na universidade. Eu tenho impressão que se superou, se desmembrou a Veterinária, a Agronomia, me disseram que o campus cresceu, as Ciências Biológicas. Mas também sofreram, porque saiu a Pedagogia de lá na época. Tenho impressão que logo depois voltou, não tenho certeza. Nós mantivemos o bacharelado em Biologia e não a licenciatura, e isso também ‘machucou’ a universidade. Foi difícil para todos que perderam alguma coisa, e como a maioria perdeu... Então realmente eu recebia uma pressão muito forte, muito forte. E se não fosse por ser universidade, não teria se conseguido implantar, o processo político não permitiria, o Governador não aguentaria a pressão dos Deputados que representavam cada uma dessas regiões. Então nós tínhamos que trabalhar com tudo isso e mais. Nessas alturas não existiam mais as cátedras, mas eram os departamentos. Com a criação da nova lei de diretrizes e bases119, desapareceram as cátedras, se criaram os departamentos e se poderia ter um 119 Em 1968, o Congresso Nacional aprovou a Reforma Universitária pela Lei n° 5.540, de 28/11/68, fixando normas de organização e funcionamento do ensino superior, e o presidente da República, invocando o Ato Institucional n° 5, de 13/12/68, editou o Decreto-lei nº 464, de 11/2/1969, estabelecendo "normas complementares à Lei nº 5.540". Trata-se, na realidade, de uma LDB para o ensino superior, revogando os dispositivos da Lei 4.024, de 1961, sobre esse nível de ensino. As principais mudanças da reforma foram: 1) o desaparecimento das cátedras ou cadeiras como unidades básicas do ensino e da pesquisa, substituídas pelos departamentos, que aglutinariam os professores pertencentes às disciplinas afins; 2) a integração das várias áreas que desenvolviam ensino e pesquisa comum; 3) a criação dos assim chamados cursos básicos (primeiro ciclo) e profissionais (segundo ciclo); 4) o estabelecimento das matrículas por disciplina, em substituição às tradicionais 157 departamento primeiro heterogêneo, porque você não tinha um grupo de professores suficiente, para efetivamente criar um departamento, em que os professores pertencessem à especialidades bem correlatas ou praticamente um única especialidade. Então nós tínhamos o curso de Filosofia em Marília, em Araraquara e em Assis. E cada um tinha dois ou três professores. Eu costumo dizer que fazer ciência também é dialogar. Então se você tem um professor de Histologia, mesmo dois ou três é muito pouco. Se você tem dez professores num departamento, então efetivamente você tem uma condição melhor para fazer ciência propriamente dita. Então qual foi a ideia básica? Nós vamos ter que unificar esses professores num grupo maior, para que efetivamente, nós tenhamos uma produção científica mais efetiva. Foi aí que começou o problema. Existia uma pressão política muito forte e nisso a universidade estava ‘ coberta’, porque ela não precisava sofrer as influências políticas, pela sua autonomia. Ela só dependia de si própria. Quer dizer, por mais forte que fosse uma pressão política, nós podíamos resistir. Neste momento é que veio esse tipo de pressão em relação ao fechamento dos cursos. Qual curso que nós vamos fechar? Eu vou fechar o de Marília, o de Assis ou o de Presidente Prudente? Às vezes podia se admitir até a hipótese de dois, mas como regra só deveria ficar um. Então nós tivemos que fazer uma análise para saber qual era o grupo mais forte, aquele que produz mais cientificamente, qual curso é mais concorrido em número de alunos e coisas do tipo. Até porque nós tínhamos um número extremamente reduzido de alunos em cada um desses cursos. Então nós fizemos uma análise e identificamos os núcleos mais fortes. Aí falamos: “Bom, então agora, esse curso só será oferecido neste campus.” E os professores? Os professores moravam nas outras cidades. Aí não teve jeito, nós tivemos que enfrentar esse problema e os professores que estavam em Assis ou Marília, se Presidente Prudente fosse o núcleo mais forte, eles teriam que se vincular a Presidente Prudente, e vice-versa. Ou Assis ou Marília, de acordo com o núcleo que fosse subsistir àquele projeto de reforma. Foi aí que realmente as coisas se complicaram. E é compreensível, porque tinha professores que estavam naquela cidade há muito tempo, tinham toda uma estrutura montada. Mas não tinha jeito, ou se fazia isso ou a universidade jamais iria se consolidar efetivamente como entidade universitária, como se pretende que ela efetivamente funcione. E aí nós enfrentamos o grande problema e você pode imaginar o quanto eu fui pressionado e eu diria que realmente foi uma das coisas mais difíceis que eu passei ao longo da minha vida. Eu tive várias experiências no decorrer da minha atividade, sempre estive matrículas por série; e 5) a extinção das Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 15/11/2010. 158 inserido na Educação. Fui professor da USP, fui Coordenador, depois Reitor, fui Secretário de Educação, mas de todos os problemas que eu enfrentei, inclusive na Secretaria, eu diria que o maior foi a implantação da UNESP. E foi também o que mais me realizou. Eu acho que de todos os projetos do quais participei, porque fui um partícipe, não fiz isso tudo sozinho, é claro. Os diretores e todos os demais me ajudaram, o pessoal que estava comigo dentro da Reitoria. Eu fiquei como Reitor da UNESP de 1976, quando ela foi criada, até 1979, fim de 1979, quando eu fui convidado a ir para a Secretaria de Educação e deixei a UNESP no fim do meu mandato. Mas esses três anos foram extremamente proveitosos, mas foram extremamente difíceis, para a minha vida profissional e até particular. Porque realmente acabei desagradando muita gente. Mas tinha que ser feito. Eu fui entrevistado algum tempo atrás, quando foi aniversário da UNESP e tudo isso foi rememorado, foi na TV Cultura. No final eles perguntaram para mim: “O senhor faria tudo de novo?” Falei: “Faria”. Porque eu acho que valeu. A UNESP hoje é uma realidade que ninguém pode ignorar. Das mais conhecidas cientificamente, mas o começo foi difícil. Foi muito difícil, agora eu acho que não tem mais retorno. Foi muito difícil. Me lembro que durante o processo de formação da UNESP, na aprovação da lei, quando o Governador Paulo Egydio mandou a mensagem, nós passamos três dias e três noites na Assembléia, eu e mais os meus assessores. Para tentar dar apoio à bancada governista, para sustentar a criação da UNESP, porque a pressão era muito forte para que não fosse criada. Por causa da perda de cursos em alguns municípios. Foi muito difícil, realmente foi. Mas acabou sendo criada, eu acho que valeu. É possível que com a evolução a UNESP até venha a ser, era uma concepção que a gente tinha na época, desmembrada em universidades regionais. Nós chegamos a pensar numa universidade do oeste mais voltada para o Vale do Paraíba, uma mais central, mas isso é o tempo que vai dizer. É uma hipótese. Em algum momento qualquer ela daria origem a várias universidades, a duas ou três ou mais. Com a criação da UNESP os Institutos Isolados ganharam mais. Com certeza. Abstraído aquela sensação que determinados municípios tinham de que estavam perdendo alguma coisa, o ensino superior do Estado, quer dizer, o ensino oficial mantido pelo poder público. É só dar uma analisada. É que é muito difícil fazer uma análise, considerando períodos tão diferentes, mas é só fazer uma análise da produção científica. O que eu realmente acho que mede, porque a universidade tem, além da parte de formação, ensino, pesquisa e 159 extensão. Quer dizer, eu acho que nos três setores houve uma evolução muito grande. Daí dizer que me sinto feliz, me vanglorio por ter participado desse processo. Agora, teve gente que pagou um ônus por isso, os professores, digamos até certo ponto. Mas em compensação nós conseguimos. Agora, eles pagaram um tributo, claro. Foi difícil, muito difícil. Foi a parte mais doída do processo, se deslocar. Mesmo que não mude com a família, foi complicado. Foi muito complicado. Mas se não tivesse sido assim, não existiria a UNESP hoje. Desde a época que fui para a Coordenadoria, mas principalmente depois da implantação da universidade, tinha o regime de tempo integral para os professores, tudo isso foi muito importante. Talvez com os Institutos Isolados eles tivessem muito mais dificuldade. Quando eu fui para a Coordenadoria dos Institutos a dificuldade que eles tinham de obter tempo integral, era muito complicado. E autonomia também. O fato de você poder gerir os seus recursos. A universidade tem uma dotação que agora até evoluiu, um percentual do orçamento do Estado. E o Conselho de Reitores que faz a divisão, independente de você estar esmolando junto a Secretaria de Planejamento, pedindo recurso. Então a autonomia trouxe essa vantagem muito grande. E o fato de você não precisar estar indo ao Governador obter a contratação de um professor, quer dizer, é imensa a diferença. Mas eu acho que foi um pouco precipitado o crescimento desmesurado da UNESP. Quando a UNESP foi criada eram 15 Institutos Isolados, depois passaram a 16, porque nós criamos o Instituto de Artes, inicialmente em São Bernardo, depois não deu certo, passou a ser em São Paulo e hoje evoluiu muito. Portanto eram 16 unidades, hoje nem sei quantas são. Bauru foi incorporada, então quer dizer, cresceu muito, eu acho que cresceu. Hoje provavelmente já se superou essa parte, mas naquela fase de expansão muito grande, penso que a UNESP sofreu um pouco. A nossa ideia é que ela fosse evoluindo mais lentamente, a ponto de que se criassem as universidades regionais e quem sabe um dia em cada município se transformasse numa universidade, mas isso seria a muito longo prazo. Acompanhei de longe, porque já não tinha participação, mas achei que foi um crescimento muito rápido, quando nós pretendíamos que ela se consolidasse mais firmemente para depois se expandir. Mas eu acho que isso também já está superado. Havia uma preocupação, por parte da USP e da UNICAMP: acharam que talvez eles fossem ser prejudicados orçamentariamente com a criação da nova universidade. Mas isso era apenas uma preocupação. Hoje essas outras universidades vêem a UNESP com bons olhos. Não tenho nenhuma dúvida. Nenhuma dúvida. Hoje é uma realidade onde já se passaram trinta e quatro anos. É uma vida, e foi ótimo ter participado disso. 160 Depois disso a minha vida tomou outro rumo. Eu fui para a Secretaria depois da Reitoria, dali eu acabei, pelas circunstâncias, tendo um mandato de Deputado Federal e aí eu já estava há um ano de me aposentar. Saí do Brasil por um ano, completei o meu tempo, me aposentei, encerrei a minha carreira. Mas eu tenho certeza absoluta que mesmo aqueles que, à época foram contra, porque existiam muitos interesses em jogo, se fizer uma análise crítica isenta hoje, há de reconhecer que a decisão foi válida. 161 162 Prof. Dr. Ruy Madsen Barbosa Entrevista realizada com o Prof. Dr. Ruy Madsen Barbosa. Data: 28/10/2010. Local: na casa do Prof. Ruy Madsen Barbosa, em Campinas, SP. Entrevistador: Luciana S. de Oliveira Zanardi. “Bom, na verdade eu não sei os reais sentimentos de cada um. Mas aqueles que a gente convivia um pouco mais, assim, no aspecto social, eu observava que eles tinham a mesma tristeza que eu tinha na ocasião” Bem, pelo que você está me pedindo, a ideia é que eu descreva alguma coisa do desaparecimento do curso de Matemática de Araraquara. Você já deve conhecer, em função de algumas entrevistas que você já fez, principalmente o reitor da UNESP na ocasião: o Ferreira Martins120. Bem, então, como causa inicial, eu o citaria. Ele, com as ideias pessoais, talvez tenha encontrando guarida junto a outros professores locais. Mas houve outros fatos, porque podia haver outras trocas. A segunda causa que eu vejo é o fato de Araraquara estar no meio de São José do Rio Preto e Rio Claro. Do ponto de vista geográfico é entendível que Prudente continuasse, que São José do Rio Preto continuasse e Rio Claro. Três pontas. Araraquara estava no meio. No começo ainda não existia o curso de Matemática. Então não fui para o curso de Matemática, ao contrário, fui para o curso de Química, dar algumas disciplinas, por exemplo, Cálculo Numérico e de Observações, Cálculo Algébrico e Diferencial, e Geometria, era um composto de cinco nomes. O curso de Química demorou um pouquinho, eu acho que cerca de um a dois anos, para ser instalado; então, dei aulas para os cursos de Pedagogia e de Ciências Sociais. Depois, conseguimos levar alguns outros professores de Matemática e de Estatística; aliás, já havia um de estatística A Pedagogia tinha, no terceiro ano, uma trifurcação, uma delas era de pesquisador. Nesse curso de pesquisador tinha Matemática e Estatística, ministramos entre outros temas um pouco de Cálculo Diferencial e Integral que os alunos precisariam para, no futuro, fazer pesquisa mais cientifica, em Educação. 120 Prof. Dr. Luiz Ferreira Martins é professor de Odontologia aposentado pela FOB/USP, unidade de Bauru. Na época da criação da UNESP, era Coordenador dos Institutos Isolados. Foi reitor da UNESP e sua gestão compreendeu o período de 10/03/1976 – 9/3/1980. É entrevistado desta pesquisa. 163 Quando trabalhávamos em seminários surgiu a ideia de criar o curso de Matemática. Necessitávamos novos professores, fugimos daquela ideia tradicional de trazer os “aparentados”, os protegidos. Abrimos concurso algumas vezes, dando divulgação que estava aberto o concurso, mas sem essas proteções. Aparentemente isso daí é certo, mas houve um erro: entraram pessoas que ocasionaram um grande desastre lá. E que, por sua vez, em termos de votações internas, conseguiram trazer outros amigos. Quero dizer, aquilo que nós não queríamos que acontecesse, aconteceu. Aí houve brigas internas muito feias. Houve perseguição do grupo novo contra um professor local, me permito não citar o nome. Coisas bem ruins, até ameaças. Eu saí em licença, em contrário entraria em brigas. Eu tinha esse período possível, então eu tirei dois anos de afastamento e fiquei ministrando cursos e proferindo conferências em várias faculdades do estado. Esses cursos, em geral, eram os chamados de especialização. Muito bem, acabou havendo um processo e foram demitidos professores do grupo; se não estou enganado, sete pessoas. A razão da briga era poder. Poder! A busca do poder é que subiu à cabeça. Coisas até que eu me reservo o direito de não comentar o que eu soube, que felizmente não estava lá. Porque senão eu precisaria ter tomado partido. Muito bem. Então, isso eu acho que foi, talvez, a causa preponderante, dando maior peso à ideia do cancelamento do curso do ponto de vista geográfico, do qual já comentei. O curso continuou mais um pouquinho, porque havia os alunos que ainda estavam nos anos iniciais. Então alguns professores permaneceram. Eu tomei posse e depois fui para São José do Rio Preto, a convite de professores e empenho da direção, também professor de matemática. Para terminar o curso ficaram os principiantes junto com alguns de Rio Claro, um mais experiente, completando o quadro necessário. Não ficou gente assim de peso. O único que eu posso dizer que era bom foi o primeiro a ir para Rio Preto. Ele além de ser estudioso e etc., ele era uma boa pessoa. Foi o primeiro a se afastar. Infelizmente hoje falecido já. Depois foi mais um para São José do Rio Preto, também já faleceu. Eu fui para São José do Rio Preto; mas, felizmente não morri, estou aqui até hoje. Porque eu tinha pouco tempo depois para a aposentadoria. É bom você ter ideia que mais... deixa eu pensar, acho que com mais alguns anos; agora já fiz “bodas de prata” de aposentado. Então não faltava tanto tempo, eu fui para lá em 1979 e fiquei viajando, em 1980 me mudei para lá e depois eu vim para Rio Claro, quando eu aposentei. Vim para Rio Claro a convite da direção, quem estava na direção 164 era o Irineu Bicudo121 nessa ocasião. Dei algumas aulas de graduação, mas infelizmente, sempre existe essas coisas mesmo no meio universitário, mais que em outros meios. Todos os meios têm encrencas. Eu fui deixado de lado. O Irineu me levou para trabalhar na PósGraduação, mas quem coordenava a Pós-Graduação me deixou de lado. Mas não faz mal, porque depois eu trabalhei e consegui ajudar vários mestrados e doutorados; participei de uma quantidade enorme de mestrados e doutorados. Continuo indo lá, não é por esse fato; mas para seminários, conferências e até Pós-Graduação. Isso aí foi algo que eu não sei até hoje o que estava havendo por lá. Bem, com essas possíveis causas..., não seria de estranhar, vamos substituir a palavra “possíveis” por “por essas” causas. Porque é fato que isso provocou a debandada obrigatória, alguns por demissão e outros para não ficarem ali vendo as discordâncias. Então aconteceu isso: alguns professores de lá continuaram, foram alguns de Rio Claro em substituição àqueles demitidos e aos que se afastaram mesmo, que é o meu caso, por exemplo. Então, alguns escolheram Rio Claro e outros escolheram Rio Preto, parece-me que um ou dois para outra instituição. Eu não vejo com certeza outra causa, quero dizer, talvez influências de outros professores, com isso tentando levar vantagem em Araraquara. Eu não sei se houve pressão, não sei. Porque o curso de Matemática de lá, como o de Rio Claro, eu não diria tanto como o de Prudente, por exemplo, que na ocasião era, vamos dizer assim, aquele menos conhecido, menos divulgado e talvez o mais fraco. Então, Rio Claro teve um bom começo, Araraquara teve então um bom começo, formou gente muito boa, que ocuparam altas posições no meio universitário, ouros foram para suas cidades ou próximo às suas cidades, no ensino superior. Então o curso em Araraquara era bom, como o de Rio Claro era muito bom. Mas claro, depois de um tempo, alguns deixam a faculdade. E lá, com maior razão, alguns deixaram a faculdade por motivos óbvios, em função dessas encrencas e brigas. Até hoje eu não entendi as razões dessa briga. Eu tenho impressão que era o gênio deles, do grupo, eles eram assim. É claro, que havia no meio vários físicos-matemáticos, possivelmente julgando-se os melhores. Mas veja que o começo da história foi com um dos que se inscreveram, que era do sul, levou depois outros do sul, Santa Catarina ou Rio Grande do Sul e um de São Paulo. Esse que foi o primeiro, o que começou a levar outros. Ele tinha título alto já naquela ocasião, já era Livre-Docente. Diria: quem pode recusar alguém que tem 121 Prof. Dr. Irineu Bicudo é professor aposentado pela UNESP/Rio Claro e orienta alunos no Programa de PósGraduação em Educação Matemática do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da UNESP/Rio Claro. É entrevistado desta pesquisa. 165 Livre-Docência, não é verdade? Ainda mais no departamento em formação. E aí foi esse levou o outro, aquele outro levou mais um... Bom, nenhum foi chefe lá. Eu me lembro de uma ocasião, numa reunião, eu não era chefe nem coordenador na época, mas na ocasião era dito Chefe de Departamento. Houve um empate numa votação e o chefe, que podia dar o voto de Minerva, não deu. Então ficou tudo como era e começaram as brigas mais feias ainda. Porque na verdade, um deles se inscreveu para ocupar certa disciplina que não lhe era adequada. Eu não vou dizer que eles não eram bons. Eram bons no sentido de conhecimento. Mas também não sei nem se davam boas aulas. Meu sentimento com toda essa história, da extinção do Departamento de Matemática de Araraquara, é que eu só me lembro quando me perguntam. Tanto é que você pode verificar que eu voltei lá. Voltei, voltei agora a pouco tempo para a comemoração dos cinquenta anos. Em Rio Claro também. Não me afetou assim, profundamente. Foi mais na época. Fiquei entristecido pelo fato de não considerarem coisas boas que fizemos. Mas também eles não poderiam considerar: “Ah, esse aí fez isso, então deve ficar”. Se eu quisesse ficar em Araraquara eu ficaria, voltava a trabalhar na Química e terminar só com a turma da Matemática. Mas eu sabia que não era uma coisa que seria boa para mim. Nós sempre almejamos algo melhor. Aí que eu fui para São José do Rio Preto. O diretor de Rio Preto, que era de Matemática, quis que eu fosse para lá. Aí depois de muito custo, eu aceitei. Produzimos bastante em São José do Rio Preto. Criamos, com a colaboração de colegas, duas pequenas publicações – Combinatória e Métrica; as quais aumentaram os argumentos junto à Reitoria para que se criasse a Revista de Matemática e Estatística da universidade. Em particular na área de Combinatória formamos um grande grupo de estudo e pesquisa reunindo pessoas de Araraquara, Assis, Guaratinguetá, Presidente Prudente, Rio Claro e São José do Rio Preto. Realizamos vários eventos, todos com sucesso, contando até com estrangeiros. Foram dois, fora a minha pessoa. Os dois já morreram. Mas um foi meu orientado do doutorado depois, esse primeiro ficou até diretor lá em Rio Preto. Depois fez Livre-Docência. Bom, na verdade eu não sei os reais sentimentos de cada um. Mas aqueles que a gente convivia um pouco mais, assim, no aspecto social, observava que eles tinham a mesma tristeza que eu tinha na ocasião. Eu, pessoalmente, tive mais. Porque, você deve ter conhecido o prédio lá, o campus de Araraquara? Muito bem. O primeiro prédio fui eu que consegui. Veja um pouquinho, nós conseguimos montar o curso de Matemática, demorou um pouco, precisamos mostrar serviço, mas conseguimos. Então, nós não pedimos um curso de Matemática no sentido de mais um curso; mostramos serviço antes de termos o curso. Muito bem. Nessa época, estava vencendo uma doação da família Lupo de uma gleba de terra para a 166 faculdade. E aí presenciamos os interesses de cada área. Sei que foi um professor das Letras para São Paulo para tentar conseguir ajuda financeira para construir o prédio das Letras, também foi gente da Pedagogia. Muito bem, todos fracassaram. Eles acompanhavam o diretor, que na ocasião era um diretor imposto, o diretor da Odontologia ficou sendo o da Filosofia. Então, ele tentou levar esses aí, mas falharam. Cada sessão era feita com um grupo de profissionais, que ficavam perguntando para essa pessoa que ia tentar conseguir verba, fazendo indagações, exigindo respostas que justificassem aquele ato. Muito bem. Aí, num certo dia, eu fui procurado pelo próprio diretor e ele perguntou se eu estava disposto a ir. Ele me disse: “Olha, já falharam dois grupos aí. Você está disposto a ir lá? Você vai ser bombardeado”. Eu respondi: “Está bom”, fui. Mas felizmente os nossos objetivos para o curso de Matemática eram bons, então eu sabia responder bem às indagações, argumentar cobre as necessidades; e a verba foi concedida. Eu precisei fazer, para ter uma ideia, onze viagens a São Paulo. Mas aí eu ia sozinho, porque antes o diretor ia e ficava de lado, só escutando. Era proibido ele interferir, olha como era a coisa: tinha membros da Secretaria da Fazenda, gente do Conselho. Muito bem, conseguimos. E o primeiro prédio que está lá, fui eu que consegui, é onde funcionava o do curso de Matemática, porque inicialmente, foi preciso continuarmos no mesmo prédio da Química. Bom, então isso aí me ocasiona... sempre que eu lembro, lembro com pesar, porque eu vivi e trabalhei muito por aquilo lá. E depois, tivemos os maus acontecimentos. Mas talvez tivessem razão, eu não discuto se eles estavam certos ou não. Porque havia motivos, sim havia motivos. Geográfico e essas encrencas lá. Tanto que depois, quando eu fui para Rio Preto, quando participei da comissão de tempo integral, sabia que havia isso? Era constituída por nove docentes, um de cada área da UNESP e dávamos pareceres. Eu tinha que analisar todos os planos de pesquisa, relatórios finais, mesmo os parciais dos docentes das áreas de Matemática, Física, Química e Engenharia. Ceder, dar licença para essas pessoas viajarem para fazer suas pós-graduações, nós da comissão trabalhávamos bastante. E fui também de outros órgãos mantidos pela universidade, trabalhei com o mesmo gosto que trabalho sempre, até hoje. Só que hoje em dia eu trabalho de outra maneira. Hoje em dia eu trabalho mais naquilo que eu gosto atualmente. Pesquiso a parte de ensino ou da matemática pela matemática, eu escrevo livros. Puxa vida! Aqui, no escritório, não cabe mais. Então eu vou para a “mesona” da sala e esparramo. E faço a mesma coisa de madrugada, trabalho aqui, mas lá que eu rabisco e ali fica a papelada. Ali têm alguns livros e criamos outros. Bom, Também tinha essa história: os professores que eu conheci, que vieram no início, principalmente de São Paulo, quase todos eram vindos da USP. Depois é que vieram 167 outros professores, até estrangeiros, principalmente em Letras. Alguns eram do campus de Assis, oriundos de Portugal. Gente boa, gente famosa. A observação minha é a seguinte: Outros, eram crias dos famosos de São Paulo. Então tudo o que eles precisavam fazer, sempre eles precisavam “correr” em São Paulo e pedir a benção, entendeu? Você deve imaginar como era. Então só doutoravam quando os de lá concordavam. Então a USP ficava de “mãezona” desses institutos assim. Talvez na UNESP, depois de muitos anos, em uma unidade só, esse mal desapareceu. Pode ser que seja isso. Digo, o pessoal da UNESP agora é livre há alguns anos, mas não eram. A UNESP é sempre considerada a terceira. Então ela não está numa briga assim, mais forte. Mas talvez o motivo que isso não tenha acontecido é que a UNESP está esparramada pelo estado, então o que a USP e a UNICAMP gastam para os fins de pesquisa científica, a UNESP tem que dividir. Até biblioteca. O que tem numa faculdade tem que ter em outra, ou reciprocamente. Mas isso não adianta, ficar pedindo, porque ás vezes aquele livro é bastante usado. Estão isso é um mal, gasta-se dinheiro nisso. Toda faculdade na UNESP tem lá os seus diretores, cada um com seu carro, isto é carro da UNESP; e se fosse uma só não precisava de tanto carro por aí. Despesas de viagem, diárias, etc. O que mais que aconteceu? A UNESP foi forçada a aceitar, como é que diria? Ficar a UNESP uma instituição universitária dali, outra lá, que vieram sendo incorporadas. Não sei se eu me fiz entender? Bauru é um exemplo. O maior exemplo, mas existem outros. Que hoje são da UNESP. Eu nem sei quantas. Bom, isso exigiu dinheiro. No caso de Bauru, os professores tiveram um prazo para conseguir títulos, mas esse prazo foi meio dilatado. E nunca eles foram demitidos por causa disso. Se ele era “professorzão” lá, ele continuava sendo “professorzão” e de outro jeito ele seria obrigado a fazer doutorado. Alguns mais fortes, mais dedicados, mais objetivos, conseguiram os seus doutorados. Mesmo depois de uma certa idade. É isso, eu acho que foi uma mudança positiva. Trouxe melhoras. Para os Institutos Isolados era constituído um Conselho, dos professores da USP, de lá da USP, entende? E eram eles que ditavam as regras; quando tinha um contrato novo, eles que olhavam, examinavam e então aceitavam ou rejeitavam. Eu me formei numa instituição que hoje eu diria que é fraca, aqui na PUC. Chamavase Universidade Católica de Campinas, hoje é PUC122. Nunca precisei desses trâmites, pelo contrário, recebi convites deles. Porque eu sempre ganhei. Nunca participei de um concurso sem ser o primeiro colocado ou único aprovado, e acho que foi bom para mim. 122 Atualmente denominada Pontifícia Universidade Católica – Campinas, SP. 168 Eu acho que a cidade de Araraquara perdeu com a extinção do curso de Matemática porque pelo menos era uma outra opção para o público araraquarense e região. E também porque perdeu pessoas boas que trabalhavam lá. Mas não vejo outra grande coisa faltando não, acho que só no primeiro aspecto. Bom, antes dessas coisas, fizemos alguma coisa, que pode ser dito para a cidade: disputas gerais dos alunos nas escolas, cursos, conferências, isso são perdas. Mas como outras áreas foram beneficiadas, talvez haja uma compensação em perdas e ganhos. 169 170 Prof. Dr. Jorge Nagle Entrevista realizada com o Prof. Dr. Jorge Nagle. Data: 02/02/2011. Local: em sua casa em Mogi das Cruzes, Sp. Entrevistador: Luciana S. de Oliveira Zanardi. “Em vez de você ter vários departamentos, de Matemática, de Ciências Sociais, de Pedagogia, você ter menor número deles, mas mais pesados, mais fortes; mais significativos. Isso nunca aconteceu na UNESP, por isso que estou achando: às vezes a medida autoritária tem que ser feita, senão a coisa não vai para a frente” Comecei minha carreira em Instituto Isolado, que era a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Araraquara, já em 1959. Fui da primeira turma de professores e foi lá que comecei minha carreira na UNESP. Bom, a gente tinha contato com outros Institutos Isolados, digamos, os nossos irmãos. Cada um realmente isolado do outro. Comecei minha carreira, que foi mais ou menos o início de carreira de todo o pessoal docente dos Institutos Isolados. Mais ou menos de todos eles. Sempre trabalhei lá, e me aposentei lá, na Filosofia de Araraquara. Depois teve outros nomes, mas de qualquer forma o nome original era Faculdade de Filosofia Ciências e Letras. Foi nessa transição entre Instituto Isolado e Universidade que ocorreram muitos problemas, que ficaram muito presentes durante muito tempo na Universidade. Porque os Institutos Isolados, de uma forma ou de outra, tinham uma história e eles eram importantes pela história que fizeram. Cada um deles, talvez com diferenças de um para o outro, tiveram uma importância histórica muito grande. Uma certa independência de um em relação a outro também grande. A Universidade foi criada em 1976, e nessa época já houve alguns problemas sérios, que ficaram, muito arraigados. Os Institutos Isolados custaram para entender que agora estavam numa outra situação, que era a Universidade. Foi muito difícil. Porque eles mantinham ainda aquela história anterior, que foi importante. E como na época as coisas foram feitas um pouco assim, de forma muito agressiva, com cursos que se transferiram, com professores que tiveram que se deslocar, então ficou essa marca, mesmo depois da UNESP constituída. O que eu quero dizer? É que mesmo com a criação da UNESP, essa questão continuou a ser importante e muito significativa em relação aos Institutos Isolados. Bom, aí a 171 UNESP apareceu, foi criada em 1976. Eu costumo dizer assim: “Ela foi criada em 1976, mas realmente foi fundada quando o novo Estatuto foi aprovado”. Este novo Estatuto então, diferentemente do que ocorreu na situação anterior, reuniu todo o pessoal, alunos, professores e administração, para pensar qual seria o Estatuto adequado para a Universidade. E aí penso que foi fundada a Universidade. Bom, é claro que mesmo depois disso, persistiu durante algum tempo a história dos Institutos Isolados, que tinham dificuldade de entrar na nova situação. Penso que não foi muito tempo. Começamos a perceber que os antigos Institutos Isolados, ou melhor, que o pessoal desses Institutos começou a se manifestar: “Eu sou da UNESP.” Quando essa situação apareceu, deixou de existir, de certa maneira, o Instituto Isolado e passou a existir a Universidade. Penso que foi a grande virada e isso aconteceu depois do novo Estatuto, que foi feito juntamente e de acordo com a comunidade universitária. O que era difícil também entender é que os Institutos Isolados, cada um deles, estava numa dependência muito grande da capital, São Paulo, de diversas Secretarias. Por exemplo, a gente tinha que, ‘volta e meia’, vir para São Paulo para acertar com a Secretaria do Planejamento a questão de recurso financeiro, depois tinha que ir para a Fazenda, para ver se liberou ou não liberou, além de problemas com o Conselho Estadual de Educação; éramos dependentes deles. Então era uma situação que também não podia continuar, este vai e vem, lidar com várias Secretarias, Tribunal de Contas também. Então era uma situação difícil. Quando passou a existir a UNESP, era uma instituição: a UNESP que cuidava disso. Não precisava aquela correria de sempre, pedindo dinheiro para cá e para lá. Bom, então a situação acabou se acertando, melhorando muito durante o governo Montoro123, que favoreceu demais a UNESP. Na época da transição, eu era professor da área Pedagógica em Araraquara e também era diretor, por isso que também estava no Conselho Superior da Universidade. Quando se cria uma Universidade, você tem uma série de prerrogativas que o Instituto Isolado não tem. Não é só do ponto de vista administrativo, é do ponto de vista acadêmico também. A palavra Universidade é uma categoria que importa para qualquer instituição de ensino superior, sobre isso não tenho dúvida. Agora, o que aconteceu foi que essa transição foi um pouquinho, chamemos de violenta. Eu não sei se também estava certo ou estava errado, o caso é que a medida vinha da então Reitoria e “cumpra-se”. E o pessoal ficou aborrecido com isso, saiu o curso daqui, foi para lá, professor foi deslocado e tudo mais. Bom, 123 André Franco Montoro nasceu na cidade de São Paulo, em 14 de julho de 1916, e faleceu em 16 de julho de 1999 . Foi o 27° governador de São Paulo entre 15 de março de 1983 e 15 de março de 1987. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 17/03/2011. 172 há algumas coisas que são complicadas. Agora, se devia fazer isso ou não, também não sei, mas de qualquer forma, não dava para viver como Instituto Isolado. Você vinha pedir recursos, ficava andando para lá e para cá, numa situação muito desagradável, difícil de resolver. Quando a Universidade foi fundada, o que aconteceu? Havia uma figura, a do Reitor. A Reitoria comandava a situação. Portanto, você vai falar com uma só instituição para resolver seus problemas. Não com várias instituições como acontecia antes. Uma dependência do Conselho Estadual de Educação, da Secretaria do Planejamento, da Secretaria da Fazenda e assim por diante, criava muitas dificuldades. E ficar isolado também, com o tempo haveria uma perda muito grande de poder. Se você me perguntar qual a importância dos Institutos Isolados, quando eles surgiram e começaram a se desenvolver eu respondo: foi fundamental para o Estado de São Paulo. Quer dizer, foi superada aquela situação segundo a qual instituição de ensino superior pública só podia ser a USP. Ou se vinha para São Paulo ou então não havia o que fazer. Isso foi outra questão que julgo interessante pelo menos propor: a USP recusou a existência dos Institutos Isolados. Sempre recusou. Porque acabou havendo competição. Agora, como é que pode o Estado de São Paulo, com a riqueza que tinha, só ter uma instituição de ensino superior pública? E tinha aquela questão do número de vagas; muito limitado. Como é que faz? Um estado que se diz pujante, grande locomotiva do Brasil, etc. Então, a interiorização foi uma medida fundamental para tornar mais acessível o Ensino Superior no Estado de São Paulo. E a UNESP teve o privilégio de se distribuir por todo o interior do Estado. Então, acredito que foi uma medida extremamente prudente para o Ensino Superior brasileiro, não só para o Estado de São Paulo. Houve uma melhoria de tudo. De tudo, de tudo. Veja, se você depende do Conselho Estadual de Educação, que naquela época dava as normas para nós; se você depende de várias Secretarias do Estado de São Paulo, para pedir recursos, para ajeitar recursos e agora você se dirige para uma instituição só, no caso a Reitoria, a situação muda completamente. É preciso sempre lembrar essas viagens frequentes que se faziam, que eram uma coisa terrível, porque você conseguia um recurso no Planejamento, você ia para a Fazenda o recurso não estava liberado, etc. Então era muito complicado. Agora não, você se dirige para uma Reitoria, que se comunica diretamente com o Governo e decide as coisas. Ela tem condições de decidir. Pesou também o fato de a USP ser detentora de tudo, porque era a única que existia. Com uma tradição grande, prestigiada pela elite paulista, por jornais paulistas, especialmente pelo Estadão. Depois surgiu a UNESP, coitada, o que era a UNESP? Institutos Isolados: sem força de contrapor, cada um lutava pela sua parte. Então, por isso que foi importante a UNESP, é o conjunto que vai brigar agora. Não é Rio Claro, Presidente Prudente ou 173 Guaratinguetá. É Universidade. Ganhou uma força que não existia quando eram Institutos Isolados. Então veja, a USP estava sozinha, ela tem o predomínio sobre o Ensino Superior no Estado público de São Paulo. Aí surge uma outra instituição. Enquanto Instituto Isolado tudo bem, a gente tolera. Aí surge uma outra Universidade, que é a UNESP, aí você fica olhando com mais cuidado para a instituição. Eu não consigo lembrar, mas no caso de Araraquara, por exemplo, só para você ter uma ideia, a minha vaga lembrança é esta: para a direção da Filosofia de Araraquara foi indicado um professor da USP. Recusou, porque achava que não tinha que existir Instituto Isolado. Bom, até que houve uma segunda escolha, de um outro professor da Química, da Poli, que foi para lá. Então havia essa questão, essa recusa de aceitar a existência de Institutos Isolados, depois Universidade com a USP, penso que não precisava acontecer isso. Depois a UNICAMP, aí a coisa ficou mais complicada ainda, porque a UNICAMP era muito mais agressiva. Não estava tão distribuída como a UNESP e essa distribuição acaba dificultando um pouco a situação. Bom, agora são três. Mesmo assim, a disputa continua. Não se esqueça do seguinte, pense na FAPESP, por exemplo. A FAPESP, é bom lembrar, que na década de 1940 foi estabelecida e só existia como Universidade pública, a USP. Então ela era instituição e recursos para a USP; todo o pessoal da administração superior da FAPESP era o pessoal da USP. Que de certa forma continua até hoje, apesar de existir a UNICAMP e a UNESP. Quer dizer, a metade dos conselheiros do Conselho Superior da FAPESP é formado só de gente da USP. Até hoje não mudou. Bom, então a USP tinha essa hegemonia. Na medida em que passa a existir a UNESP e UNICAMP disputando posições, cargos e recursos, é claro que o quadro fica mais complicado. E a UNESP só concorre nas votações como Instituto Isolado, as unidades da UNESP. Devia haver mudança nisso, mas nunca houve. O grande momento da UNESP apareceu no governo Montoro. E aí não é problema de querer fazer propaganda, acontece que coincidiu que eu era o Reitor e o governo Montoro foi generoso em conceder recursos. Olha, não deu mais recursos financeiros porque não havia condições de gastar. Fui Reitor por duas vezes124, pro tempore durante seis meses e depois Reitor indicado pelo Conselho Universitário, aprovado pelo Governo do Estado. O Reitor anterior com o mandato vencido; substituiu então o vice Reitor e o Governador Montoro não estava aprovando a situação. Porque a UNESP vivia numa ebulição muito grande, era revolta de professor, de aluno, de pessoal administrativo, uma complicação muito grande. Então aí, o vice-Reitor insistia em ficar e o Montoro resolveu abrir a perspectiva de um Reitor pro 124 Prof. Dr. Jorge Nagle foi reitor da UNESP em duas ocasiões: 1ª gestão: 1/8/1984 – 16/1/1985 – pro tempore e 2ª gestão: 17/1/1985 – 16/1/1989. 174 tempore e eu fui escolhido. Depois de consultar outras pessoas também, que não aceitaram, aí começou a minha administração de seis meses. Quando houve a eleição no Conselho Universitário, fui escolhido. Deu encrenca também, com um outro competidor, o Prof. Saad125 e o Governo do Estado resolveu por mim. Aí começou outra luta, que ficou mais ou menos seis meses, oito meses. Depois tudo foi se assentando e consegui fazer bastante coisa em condições mais calmas. Voltando um pouco mais à situação anterior. O problema é que a comunidade da UNESP não aceitava a situação existente. Quer dizer, o vice-Reitor assume, não há eleição e fica aquela briga interna, que o governo vai assistindo, assistindo... Depois, decidiu: “Bom, não há outra saída para mim senão indicar um Reitor pro tempore”. Então o que aconteceu nesse período? Havia uma revolta da universidade em relação à Reitoria que era autoritária. Havia um grupo pequeno que insistia em comandar, era o dos titulares que se julgavam superiores a tudo. Por isso, posso falar, a UNESP foi fundada com o novo Estatuto, e com o novo Estatuto o que aconteceu? Primeiro, com reuniões em vários campi da UNESP, foram recolhidas sugestões sobre as novas normas para o novo Estatuto. Entre elas, essa norma de que o titular já não é mais aquela pessoa que manda, não é mais. O que mudou o poder no interior da UNESP, foi uma das medidas mais importantes que aconteceram. Aquela hegemonia do poder do titular deixou de existir; já era possível, por exemplo, ser Reitor um Livre-Docente. Doutor ficou também uma função importante na estrutura de poder, quer dizer, estas e outras iniciativas mudaram a estrutura de poder. De uma estrutura autoritária, para uma estrutura democrática, se você quiser usar essas duas expressões, para fazer contraponto. Em 1964, durante a ditadura, as universidades sofreram muito, todas. Incluindo a UNESP. Incluindo Araraquara, que é o meu caso. Talvez a que mais tenha sofrido tenha sido Rio Preto. No caso de Araraquara, parte da própria cidade se revoltou contra a gente. A cidade e o padre também, contra nós, da Filosofia. E coisa era pesada. O padre fazia sermão todo dia às seis horas contra a gente. Mas, fomos suportando a pressão. O pessoal mais atrasado, mais conservador da cidade era contra a gente também. De um modo geral, diziam que nós estávamos pondo a perder os filhos deles. Foi pesado, mas acabamos vencendo. Agora, a extinção do Departamento de Matemática. É uma história muito triste, não gosto nem de lembrar. Ah, foi terrível. Não sei se você sabe, mas por causa da truculência de 125 Prof. Dr. William Saad Hossne é graduado em Medicina pela Universidade de São Paulo (1951). Professor Titular de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UNESP/Botucatu. Atualmente é professor emérito, coordenador do Curso de Pós-Graduação Mestrado em Bioética do Centro Universitário São Camilo. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 17/03/2011. 175 parte de seus professores, apenas não completei dois anos de diretoria em Araraquara. Pedi demissão. Eram de uma truculência, de uma violência brutal. Eles queriam dominar tudo. Não vou usar os qualificativos apropriados, prefiro não usar, mas foi algo muito triste, muito triste. Bom, também não vou falar sobre os matemáticos que às vezes são complicados, além do que a gente das Ciências Humanas aceita. Eu estou dizendo de um grupo de professores que veio de fora e depois voltou acho que para o Ceará. Eu era diretor, esse pessoal era muito agressivo, muito agressivo. Penso que eles queriam dominar. Acho que eles eram meio contra o Ruy Madsen Barbosa126, que acabou também ficando numa situação que, para mim, não foi muito clara. Eles ameaçavam os professores, eles ficavam esperando professor chegar de ônibus para ameaçar, telefonavam ameaçando família de professor. Eu nunca entendi uma coisa dessa, eles foram extremamente agressivos, grosseiros. Eu estava até com receio de acontecer alguma coisa mais grave por causa disso. Agora, porque aconteceu isso? Eu digo: “Não sei.” Eles eram respeitados como intelectuais no campo da Matemática. Então eu não entendia isso. Eram muito agressivos. Teve alguns que depois se arrependeram, vieram falar comigo, mas não interessava mais, porque o que se sofreu lá naquele tempo, foi coisa muito grande. Muito grande, muito grande, para a escola inteira. Então foi assim e foi uma pena, porque era um pessoal de primeira linha. Não sei se por esse motivo queriam o domínio do Departamento de Matemática. Estavam brigando com o Ruy? Não sei. Achavam que eles sozinhos deviam ser os professores de lá? Também não sei. Então foi assim, até que chegou num certo ponto, eu falei: “Não vou aguentar mais”. Para mim não houve nenhum tipo de ameaça, mas criou-se esse ambiente, que eu ficava sabendo. Como é que telefona para a mulher de outro professor ameaçando? Para o filho do professor? Não tem sentido. Esperando gente sair do ônibus para... sei lá. Para brigar, etc. Não tem sentido isso, nunca vi isso na minha vida. Então eu falei: “Eu não vou aguentar, prefiro pedir demissão.” Eu não sei em que situação eles foram também para o nordeste. Mandados embora, eu acho que eles não foram. Eu não lembro, não sei como eles conseguiram ir para lá. Depois não soube mais nada. Veja o seguinte, vou dar outro exemplo também de Araraquara, das dificuldades encontradas. Como Reitor, achava que seria importante que existisse um curso de pósgraduação em Ciências Sociais na cidade de São Paulo. E que, portanto, fosse um curso que 126 O Prof. Dr. Ruy Madsen Barbosa é Bacharel (1953) e Licenciado (1954) em Matemática. No ensino Superior obteve os títulos de Doutor, Livre-Docente, Professor Adjunto e Professor Titular. Após a extinção do Departamento de Matemática em Araraquara, foi transferido para a UNESP/ São José do Rio Preto. Atualmente é Professor Titular aposentado da UNESP/ São José do Rio Preto. É entrevistado desta pesquisa. 176 aproveitasse o pessoal dos vários institutos, das várias unidades da UNESP Otavio Ianni 127 tinha sido consultado. Ele foi assistente do Florestan Fernandes128, foi uma pessoa importante da USP no campo das Ciências Sociais. Julguei que ele podia ser coordenador, uma pessoa que ia montar esse curso de Pós-Graduação em Ciências Sociais na cidade de São Paulo. Fui boicotado logo por Araraquara. Entende a dificuldade? Em vez de você ter vários departamentos, de Matemática, de Ciências Sociais, de Pedagogia, você ter menor número deles, mas mais pesados, mais fortes; mais significativos. Isso nunca aconteceu na UNESP, por isso que estou achando: às vezes a medida autoritária tem que ser feita, senão a coisa não vai para a frente. Nesse sentido, Araraquara, de onde eu era, a origem... nada. Então não foi criado esse curso em São Paulo e eu julgava que seria importante. E o argumento, qual é que foi? Não teve argumento. Quer dizer, porque São Paulo? Aí você ia discutir, bom, porque Araraquara, porque outro, porque outro... É a mesma coisa, é uma disputa. É uma disputa que não tem sentido. E é uma pena, porque seria uma medida importante. O Ianni era uma pessoa importante, conhecida no Brasil e fora do Brasil. Então você veja como é o argumento. Para boicotar uma iniciativa, podia ser um argumento mais forte. Mas não adianta. A pessoa está incrustada num lugar, ela não quer sair e usa o argumento menos fundamentado para justificar. Talvez tenha sido isso que aconteceu com os outros casos também. Têm certas brigas um pouco complicadas. Mas, de qualquer forma, não se faz assim. Não é? Agora, não sei se conversando a coisa resolveria também, essa é a questão. Era muita gente. E tinha aquela norma que não pode ter, na mesma universidade, cursos duplicados. Esse foi o argumento. Dá para entender? Se tem um curso aqui, não pode ter lá. Isso era da legislação federal. Podia ser reacertado, mas de qualquer forma, foi usado como argumento. A Filosofia não saiu de Araraquara. O caso é que a Filosofia de Araraquara, depois o Instituto de Letras, Ciências Sociais e Educação era muito importante na época, foi muito importante, talvez o principal Instituto Isolado. Então ir para Araraquara tinha certa 127 Prof. Dr. Octavio Ianni formou-se em Ciências Sociais na FFCL/USP, em 1954. Aposentado pelo AI-5 (e proibido de dar aulas na USP), foi para a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), integrou a equipe de pesquisadores do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), foi professor visitante e conferencista em universidades norte-americanas, latino-americanas e europeias. Voltou à universidade pública como professor na Universidade Estadual de Campinas. Ianni também participou da chamada Escola de Sociologia Paulista. Faleceu em 4 de abril de 2004. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 17/03/2011. 128 Prof. Dr. Florestan Fernandes graduou-se em Ciências Sociais pela USP, tornou-se Mestre pela Escola Livre de Sociologia e Política, Doutor pela USP, Livre Docente e Professor Titular na cadeira de Sociologia até 1964. Aposentado compulsoriamente pela ditadura militar em 1969, foi Visiting Scholar na Universidade de Columbia, Professor Titular na Universidade de Toronto e Visiting Professor na Universidade de Yale e, a partir de 1978, professor na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Em 1986 foi eleito Deputado constituinte pelo Partido dos Trabalhadores. Em 1990, foi reeleito para a Câmara. Publicou mais de 50 livros e centenas de artigos. Faleceu na cidade de São Paulo, em 10 de agosto de 1995. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 17/03/2011. 177 importância. O acolhimento foi simples, também o pessoal de Rio Preto que foi para lá, o acolhimento foi ótimo, não houve problema. Acolhemos como colegas que precisam da gente; tem professor que está lá até agora, mesmo aposentado. Olha, você me lembrou do pessoal da Matemática. Eu me lembro muito pouco. Por quê? Talvez porque eu tenha me aborrecido além dos limites naquela época, então a gente põe no esquecimento. Esse negócio de memória é complicado também. E a gente não é mais moço. E nem sempre ganha quem tem mais força política. Não necessariamente não, mas pode ser força acadêmica também. Porque veja, não vamos falar mais na Matemática. O curso de Geografia em Rio Claro é importante, quem compete com Geografia de Rio Claro? Prudente? Talvez. Então tem mais força o que? Pode ser política, mas também convence por ter força acadêmica. É isso que eu quero dizer. É como o curso de História de Assis, foi um dos cursos mais importantes, tinha força acadêmica e talvez por ter força acadêmica, conseguiu ter força política. Só política, penso que não resolveria. Claro, pode ter acontecido até isso, mas não acredito. São José do Rio Preto competia, de certa maneira, com Rio Claro, na área das biológicas. Era importante também, embora o de Rio Claro fosse um pouco mais ativo. Assim vai. Porque veja, se você faz uma relação: o que tem feito tal curso academicamente? É muito difícil você dizer: “Não, esse aqui tem menos força acadêmica, mas eu o apoio.” É muito complicado. Era a questão também de distribuição de recursos financeiros. Eu lembro que no meu tempo, distribuíam-se muitos recursos financeiros para Jaboticabal, porque era uma questão simples, Jaboticabal ia reivindicar recursos com projeto e você analisava o projeto. Outro ia reivindicar recurso, sem projeto. Então ficava aquela disputa: “Porque foi para Jaboticabal e não foi para outro lugar? Digamos, Botucatu?” E eu digo: “Bom, Jaboticabal fez projeto e o projeto foi aprovado. Vocês fazem um projeto, se o projeto for aprovado, vai recurso também para vocês”. Então veja, Jaboticabal para mim, sempre foi uma instituição, naquela época, em que se ganhava um real, se transformava no dia seguinte em três reais, por causa de projetos. Tanto é que ficaram famosos alguns projetos que fizeram. Então era assim, não era fácil não. Você quer dinheiro porque precisa, outro quer dinheiro, mas tem projeto e o projeto você avalia. Se você avalia, e julga que é importante e se é importante, você fornece recurso. Porque no governo Montoro nós tínhamos recursos demais. Repito: não havia mais porque não tinha condição de gastar mais. Tal era o desenvolvimento que a UNESP teve nesse tempo. Foi muito grande. Foi no governo Montoro, coincidentemente no governo democrático do Montoro, não foi no governo dos militares. É uma coincidência que deve ser acentuada. 178 179 Profª. Drª. Maria Aparecida Viggiani Bicudo Entrevista realizada com o Profª. Drª. Maria Aparecida Viggiani Bicudo129. Data: 23/08/2011. Local: Casa da Profª. Drª. Maria, em São Paulo, SP. Entrevistador: Luciana S. de Oliveira Zanardi. “Não dá para tirar daqui e levar para lá, como foi feito, faltou uma intermediação. Eu acho que é isso que essa história oral vai contar: a ausência dessa intermediação. (...) ninguém foi solicitado a se manifestar. Foi ignorada a situação pessoal de cada um.” Eu comecei a trabalhar na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, em Rio Claro-SP, em 1966, no curso de Pedagogia. Eu cheguei ao meio da primeira crise (aplicação rígida de leis) que a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras enfrentava e que foi detonada por uma briga interna do pessoal que tinha vindo para constituir a Faculdade de Filosofia, e muita gente vai embora, principalmente da área de Educação e das Ciências Sociais. Esta é uma primeira crise, depois vêm outras. Essas crises vão enfraquecendo os Institutos Isolados (IIs), e chega a um nível em que esses IIs ficam sem recursos. Quando vem o governo do Adhemar de Barros130, nós não recebíamos pagamento, o salário atrasava. O que nós tínhamos de assinaturas de revistas na FAFI era um número bastante grande e significativo. Quando chega a primeira crise param-se as assinaturas. No começo da década de 1970, não se tem dinheiro para uma revista. Quando cheguei, qual era o sentimento que nós tínhamos aqui? Vou contar o sentimento que eu tinha quando vim trabalhar aqui. Eu me sentia “um peixe fora d’água”, sozinha. Não tinha com quem discutir, para estudar eu tinha que ir a São Paulo. Qualquer 129 A textualização final desta entrevista teve como base a fala da Profª. Drª. Maria Aparecida Viggiani Bicudo, proferida em três momentos em que ela discorreu sobre este assunto: em uma palestra ministrada em comemoração dos 25 anos do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da UNESP-campus Rio Claro, ocorrida no dia 08 de novembro de 2009 , nas dependências do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da UNESP, em Rio Claro; em sua fala durante a banca examinadora do exame de qualificação desta pesquisa, ocorrido em 18 de abril de 2011, nas dependências do Departamento de Matemática na UNESP, em Rio Claro; e na entrevista cedida no dia 23 de agosto de 2011, em sua casa, na cidade de São Paulo. 130 Adhemar de Barros foi prefeito da cidade de São Paulo (1957–1961), interventor federal (1938–1941) e duas vezes governador de São Paulo (1947–1951 e 1963–1966). Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 09/11/2011. 180 coisa que eu queria – livros, assistir a seminários, etc. -, eu tinha que ir para São Paulo. E isso que eu vivia, todos nós vivíamos. Todos nós que não éramos nascidos na cidade e que para cá havíamos vindo para trabalhar, como era o caso daqueles que haviam ido para Assis, Rio Preto, Araraquara. Sempre tinha que ir buscar coisas fora. Então era esse sentimento de estar sozinho e isolado. Nos Institutos Isolados a gente se sentia isolado. E eu gostava de estar em Rio Claro, porque eu não estava para “lá do rio”, eu estava mais perto de São Paulo. Hoje as estradas são boas, mas antes era muito longe. Para fazer um doutorado, tínhamos que viajar, ir e voltar, deixar filhos, a casa, preparar as aulas: o sentimento era o de estar isolado. Nós queríamos encontrar um meio de não sermos isolados - essa história de isolar não estava só na cabeça de militares - era uma ansiedade da comunidade toda que se sentia isolada. E a gente ia buscar em São Paulo. Dentro da estrutura de universidade naquela época, nós tínhamos o que se chamavam Cadeiras e por conta da crise, já mencionada, muitos professores pediram demissão. Com isso a Cadeira da Filosofia e História da Educação, para a qual fui contratada, ficou praticamente sem ninguém. Eu fui contratada, junto comigo dois outros professores, um foi o José Carlos Bruni131, o outro foi o Emir Simão Sader132. De nós todos, apenas eu morava em Rio Claro e, assim, assumi a posição de responder pela Cadeira. A Maria Lucia Hilsdorf133 já estava como assistente e continuou. Ela era recém-formada. O Bruni e o Emir eram formados em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, e eu era formada em Pedagogia também por essa universidade. Isso foi em 1966, em 1967, a gente foi fazendo o que podia para se manter vivo. Dando aula, estudando, regendo a Cadeira. O que era reger a Cadeira? Era fazer o projeto para o ano seguinte, fazer listas de livros para serem comprados pela biblioteca, enfim dar conta do processo do ano letivo que vinha. Bom, quando chega 1968, nós estamos vivendo em pleno recrudescimento da ditadura, há um movimento intenso de debates envolvendo alunos, professores e funcionários sobre possível reforma dos 131 Prof. Dr. José Carlos Bruni é doutor em Filosofia pela USP em 1989. É professor aposentado do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Ainda atua como orientador de Pós-Graduação neste universidade na linha de pesquisa de Teoria Sociológica. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 09/11/2011. 132 Prof. Dr. Emir Simão Sader é graduado em Filosofia pela USP, mestre em Filosofia Política e doutor em Ciência Política por essa mesma instituição. Atualmente, é professor aposentado da Universidade de São Paulo, dirige o Laboratório de Políticas Públicas (LPP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, onde é professor de Sociologia. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 09/11/2011. 133 Profª. Drª. Maria Lucia Spedo Hilsdorf é graduada em Pedagogia, mestre e doutora pela Universidade de São Paulo, Faculdade de Educação. Atualmente é professora do Departamento de Filosofia da Educação e Ciência da Educação, USP. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 09/11/2011. 181 Institutos Isolados. É um movimento reflexo do golpe de 1964, quando se passou a lutar por mais vagas no vestibular parar o ensino superior, por exemplo. Em 69, aconteceu uma nova crise. Depois da criação da UNICAMP, a FAFI-RC foi encampada pela UNICAMP, de modo que eles queriam levar daqui a Matemática, a Física e a biblioteca. Aí o Altenfelder134 – professor regente da cadeira de Sociologia, das Ciências Sociais – liderou todo um movimento na Faculdade junto à cidade; brigou, ele se ergueu e todo mundo foi junto, brigou, brigou, brigou, e o II não ficou com a UNICAMP, separou-se e continuamos como Instituto Isolado (II), mas aí, cada vez com menos poder. A proposta do Reitor da UNICAMP – o Zeferino Vaz - era a de que toda a Licenciatura da UNICAMP fosse dada aqui. A Educação ficaria aqui, a Física e a Matemática iriam para lá. Foi uma briga feia. Aí as forças da cidade entraram na luta. Junto com o Prefeito, com o Gijo 135, que era deputado, e toda a maçonaria. Entra todo mundo e mais a faculdade, e não conseguem levar a FAFI-RC para a UNICAMP, mas o Instituto fica muito enfraquecido. E continuou enfraquecido até a criação da UNESP. Com a criação da UNESP, este campus é um dos melhores centros dentro da UNESP, em termos de produção de docentes, principalmente da Biologia e da Geografia. E aí Rio Claro fica com dois Institutos. Araraquara fica com quatro Institutos e Botucatu com quatro Institutos. Então na hora em que o poder se estabelece na Universidade para decisões importantes, como escolha de Reitor, por exemplo, Rio Claro representa um peso importante que, em decorrência de sua posição, pode conduzir à vitória Botucatu ou Araraquara. Nós, com Botucatu, desbancávamos Araraquara. Tanto que você vê, na história, quem foi reitor? Mas nesse momento de constituição da UNESP, quando se constitui o Conselho Universitário e que os diretores têm assento no Conselho Universitário, que podem decidir, é que se estabelece o poder da universidade. Aí o Martins136 tem razão em falar sobre a força do lado institucional. Mas, antes da criação da UNESP, o que acontece é o seguinte: quando a gente começou, tardiamente, a se reunir para ter voz como Instituto Isolado, como uma unidade de Institutos Isolados, isso não foi para frente. Então os Institutos Isolados continuaram separados. Só que se tivéssemos conseguido nos reunir naquele momento, nós teríamos tido mais força. Mas já na primeira tentativa, no tempo do congresso no Vocacional, não foi para a 134 Prof. Dr. Fernando Altenfelder, regente da Cadeira de Sociologia na FAFI-RC. Já falecido. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 09/11/2011. 135 José Felício Castellano, o Gijo, ex-deputado estadual por sete legislaturas, atua hoje como superintendente do SESI – Serviço Social da Indústria. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 09/11/2011. 136 Prof. Dr. Luiz Ferreira Martins é professor de Odontologia aposentado pela FOB/USP, unidade de Bauru. Na época da criação da UNESP, era Coordenador dos Institutos Isolados. Foi reitor da UNESP e sua gestão compreendeu o período de 10/03/1976 – 9/3/1980. É entrevistado desta pesquisa. 182 frente. Portanto, continuam isolados os Institutos Isolados, só que agora os cabeças – eu vou chamar de cabeças os diretores dos Institutos Isolados - já não eram mais aquelas pessoas importantes. Inicialmente, os diretores dos Institutos Isolados eram indicados pelo governador e sempre eram de outras instituições, fora dos próprios IIs. E por que era indicado alguém de outra universidade? Porque nós não tínhamos poder e não éramos consultados nunca, mesmo contendo todas essas figuras importantes. Porque, quando se tinham os Institutos Isolados e o corpo docente era importante, o diretor tinha um poder, eles eram pessoas bem escolhidas, não um dentre a nossa comunidade, em geral eram provenientes da USP137 ou do ITA138. Quando eles iam despachar assuntos pertinentes à instituição, despachavam diretamente com o governador, e quando você despacha diretamente com o governador, é a sua voz, e se você foi trazido aqui pelo governador, você foi trazido porque você tem um status, ele te ouve. Quando esses postos foram ocupados por outras pessoas que eram da localidade, eles passaram a ter muita força política local, mas não lá em cima, com o governador. Perdemos esse poder. Esses diretores não têm mais aquele poder de antes; começa então uma articulação para reunir administrativamente os IIs, agora não mais por nossa iniciativa, mas externa. Com isso é criada uma articulação administrativa superior aos Institutos, a CESESP139. Para responder pela CESESP, é escolhida uma pessoa de fora desta comunidade, ligada à Secretaria da Educação. E junto com isso, vem o movimento, tumultuado, que leva à criação da universidade. Com a administração centralizada da CESESP, se inicia um descompasso entre o modo de conduzirmos nosso trabalho e o imposto ‘de cima’. Por exemplo: nós dávamos duas disciplinas por semestre ou três por ano, veio uma portaria dizendo que todo mundo teria que dar treze horas de aula por semana. Para darmos treze horas de aula, como é que ficava a tal da pesquisa? Sabe? Era coisa que vinha assim, de fora. Como é que eu vou contar treze horas de aula, viajar para fazer minha pesquisa, etc.? Fazíamos reuniões, discutíamos o assunto, não aceitávamos, etc.. Naquela época eu já tinha o que se chamava de Pós-Graduação, de acordo com aquela estrutura de universidade, em Orientação Educacional. Eu já tinha feito esse curso com a 137 Universidade de São Paulo. Instituto Tecnológico de Aeronáutica. 139 Coordenadoria do Ensino Superior do Estado de São Paulo (Cesesp), que, de certa maneira, seria o embrião da futura universidade, criada na tentativa de aglutinar os Institutos Isolados, em 1969. 138 183 Maria José Garcia Werebe140; eu tinha trabalhado muito numa linha de fundamentação em educação e na linha filosófica também. Todo o meu curso de Pedagogia sempre foi orientado para a Filosofia, de modo que, entre Filosofia e História da Educação, eu fiz onze semestres, só na graduação. Também eu já estava dando aulas. Terminei em 1964 a graduação, morava aqui em São Paulo e estava dando aulas no Colégio Estadual Otávio Mendes, aqui na zona norte. Era um colégio muito bem conceituado, era estadual. Eu dava aula de Filosofia para o curso clássico; estava dando aula há três anos, quando fui para Rio Claro dar o curso de Introdução a Filosofia, que era anual, para a Pedagogia. Bem, isso foi em 1966, em 1967. Em 1968, nós tivemos todo aquele problema já decorrente do próprio golpe de 1964. Mas, conforme eu vivi e compreendo, o pico mesmo, quando foi silenciada a universidade foi em 1968. Mas antes de termos isso, o que estávamos discutindo em 1968 na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras? Porque era uma faculdade única, que alocava os cursos existentes em Rio Claro. Nós tínhamos a Biologia muito forte, a Geografia, Matemática, Física, Ciências Sociais e Pedagogia. Que eu me lembre eram estes os cursos que nós tínhamos. Havia as Ciências Sociais, as exatas e as biológicas, nunca tivemos Letras. Em 1968 estávamos vivendo um momento muito interessante, muito político no Brasil devido à questão da falta de vagas no ensino superior. Nós tínhamos os excedentes, que eram aqueles que passavam no vestibular embora tivessem a nota acima de cinco e que não obtinham vagas, porque elas eram limitadas. O curso de Medicina sempre teve muitos excedentes. Inclusive aqui, na cidade de São Paulo, foi criado o curso da Santa Casa para acomodar excedentes da Medicina, porque eles tinham notas altíssimas na seleção feita no vestibular, mas não conseguiam uma das 80 vagas da Pinheiros e entre aquelas da Paulista de Medicina (hoje UNIFESP). As Ciências Sociais também tinham um contingente muito alto de excedentes. Nesse contexto todo, mais o contexto do golpe e muitas outras questões de fundo, por exemplo, a separação da teoria e prática e outras, é que estávamos pensando sobre a questão da estrutura universitária. Estávamos num momento de discutirmos uma reforma universitária. Em nossas assembleias, os momentos de discussão eram fantásticos; reuníamos todos os professores, todos os funcionários, todos os alunos de todos os cursos e propostas interessantes que eram colocadas. Já se falava em criação de institutos e faculdades e isso em 1968. Eu participei muito dessas 140 Profª. Drª. Maria José Garcia Werebe, graduada em Pedagogia pela USP, Livre Docente pela Faculdade de Filosofia da USP, em 1953. Docente aposentada pelo curso de Pedagogia da USP. Perseguida no período da ditatura militar no Brasil, Escolheu morar na França, onde pesquisou sobre educação sexual na escola, na qualidade de pesquisadora do Centre National de Recherches Scientifiques, entre 1972 e 1990. Falecida em 18 de setembro de 2006, em Paris, de complicações pulmonares. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 09/11/2011. 184 discussões. Em 1968, nós tivemos o Primeiro Congresso dos Institutos Isolados do Ensino Superior e isso foi em Rio Claro. Foi organizado principalmente pelo pessoal das Ciências Sociais. Eu me lembro muito bem do Altenfelder organizando esse congresso com o pessoal de Araraquara; tivemos um congresso muito bem organizado, vieram professores dos diferentes Institutos, para discutirmos uma proposta de universidade para esses Institutos Isolados. E esse congresso ocorre, do meu ponto de vista - mas eu não era da cúpula organizadora, eu era recém-formada, estava apenas começando -, nos mesmos dias do Congresso da UNE141. E o pessoal de Rio Claro, não sei hoje como eu definiria, a comunidade de Rio Claro era contra a universidade, no sentido de nos olharem como estrangeiros, estrangeiros no sentido de estranhos. A cúpula de políticos de Rio Claro entendia que nós todos éramos de esquerda e estávamos nesse congresso. Até pensavam que nós fossemos da UNE, que aquele nosso congresso era “fachada”. Nosso congresso ocorreu no Colégio Vocacional. Estávamos em pleno 1968, clima efervescente de debates, de questionamentos, de propostas. Então eram discussões muito acaloradas, nós colocávamos também os funcionários para discutirem. Se eu não me engano, foi nesse momento que foi criada a ASFAFI, Associação de Funcionários da Faculdade de Filosofia. Quando veio o AI- 5142, cai um “balde de água” sobre isso tudo. Em 1969, final de 1968, nossas vozes todas foram caladas. Eu me lembro dessas discussões, nessas assembleias, de pessoas, como: Landim143, que depois foi reitor; Amilton144, que foi várias vezes diretor do IB145; Carminda146, que foi diretora do IB; Altenfelder, Jeanne Berrance de Castro147, Bruni, todos muito presentes; muitos de nós éramos da Pedagogia. Nesse momento o Emir Sader 141 XXX Congresso Nacional da UNE (União Nacional dos Estudantes), realizado em 13 de outubro de 1968 na cidade de Ibiúna, sul do Estado de São Paulo. Este encontro, que começou na clandestinidade, entrou para a história, pois foram presos pelos soldados da Força Pública e os policiais do DOPS cerca de mil estudantes que dele participavam, sob a alegação de serem encontros subversivos. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 09/11/2011. 142 O Ato Institucional Nº5, ou AI-5, foi o quinto de uma série de decretos emitidos pelo regime militar brasileiro nos anos seguintes ao Golpe Militar de 1964 no Brasil. Sobrepôs à Constituição de 24 de janeiro de 1967, bem como às constituições estaduais, pois dava poderes extraordinários ao Presidente da República e suspendia várias garantias constitucionais. Este instrumento deu à Ditadura poderes absolutos, e a primeira consequência foi o fechamento do Congresso Nacional por quase um ano. Para maiores aprofundamentos sobre este período, consultar SKIDMORE (2000) e GASPARI (2002). 143 Prof. Dr. Paulo Milton Barbosa Landim, professor aposentado do curso de Geologia pela UNESP/Rio Claro. Foi diretor do IGCE, UNESP/Rio Claro, no período de fevereiro de 1981 a janeiro de 1985. 144 Prof. Dr. Amilton Ferreira, professor do Departamento de Ciências Biológicas da UNESP/Rio Claro. Foi diretor do Instituto de Biociências por três vezes. 1ª gestão: agosto de 1979 a agosto de 1983, 2ª gestão: de agosto de 1983 a setembro de 1987, 3ª gestão: de setembro de 2003 a setembro de 2007. É entrevistado desta pesquisa. 145 Instituto de Biociências da UNESP/Rio Claro. 146 Profª. Drª. Carminda da Cruz Landim, professora aposentada do curso de Biologia pela UNESP/Rio Claro. Foi diretora do Instituto de Biociências da UNESP/Rio Claro no período de setembro de 1987 a setembro de 1991. (GARCIA, 2008. p. 370). 147 Profª Drª Jeanne Berrance de Castro, professora de Ciências Sociais aposentada pela UNESP/Rio Claro. 185 estava afastado, fazendo um curso em Nanterre. Quando ele retornou, não pôde voltar como professor. Sempre fui atuante politicamente, então eu me colocava sempre nos grupos de discussão e, lentamente, mas muito lentamente, a voz desses grupos foi se elevando, associações foram sendo criadas, como a de docentes. E estava muito claro que aquela voz só ia ser ouvida quando saíssemos da ditadura e foi o que aconteceu. Vou voltar a 1968, pois é um marco. Em 1968, nós tínhamos reuniões constantes, assembleias, grandes assembleias, para discutirmos a proposta de reestruturação que nós tínhamos para essa faculdade. Como poderíamos nos organizar, que cursos nós poderíamos ter. Então foi a primeira vez que trabalhamos todos juntos, professores, alunos e funcionários. Suspendemos todas as atividades, eu não lembro se nós falávamos que estávamos em greve ou não, mas eram grandes fóruns de debates que aconteciam e nós ficávamos o dia inteiro na FAFI148. Vários dias, o dia inteiro discutindo, isso foi em 1968 quando também veio a Reforma Universitária, essa reforma que persiste até hoje. É uma reforma com caráter totalmente diferente do que nós tínhamos na Faculdade de Filosofia. E aí vêm os AIs e todo mundo se aquieta. Essas grandes reuniões, esses grandes debates na cantina com a presença de professores, alunos e funcionários, já não acontecem. Faz-se silêncio. Eu me lembro, por volta de 1971, do marasmo que reinava na FAFI. Antes havia grandes assembleias e discussões na cantina da Rua 10. Agora, nessa mesma cantina, jogava-se pingue-pongue, sentava-se para tomar Coca-Cola, era assim: um marasmo. Esse era o lastro; o solo em que a gente se movimentava. Essas vozes desse solo foram caladas em 1968, 1969, 1970. E junto com isso nós todos tínhamos a obrigação, quem não era doutor, de fazermos o doutorado. No meu caso, especificamente, estava fazendo a minha tese, fui orientada pelo Joel Martins, que naquele momento estava na PUC de São Paulo. Eu tinha crianças pequenas, a minha filha mais nova nasceu em 1967 e eu ficava viajando para ser orientada, eu ia e vinha no mesmo dia, viajando de trem para São Paulo e largava criança em Rio Claro para não deixar de fazer o doutorado, porque, caso contrário, pela reforma universitária de 1968, quem não tivesse titulação poderia ser demitido. Bom, isso foi em 1968, 1969, 1970, 1971, cada um trabalhando no seu curso, dando as aulas, trabalhando muito com os alunos, mas a gente não podia ficar se movimentando para fazer discussões. Aí eu termino toda a pesquisa do meu doutorado em 1972; e, em começo de 1973, defendi a tese. Nesse período também orientei alunos na graduação, eram trabalhos muito fortes, 148 Faculdade de Filosofia. 186 significativos, e os alunos, na maioria mulheres, eram muito envolvidos. As salas eram grandes, com 50 alunos que eu dividia em grupos. Além da aula eu trabalhava com eles isoladamente, eles vinham para a faculdade no momento que a gente marcava e aí eram aquelas reuniões longas com os grupos, em termos dos assuntos trabalhados. Não tínhamos iniciação científica, mas era mais do que isso. Era todo um trabalho em grupo, muito interessante, efetuado pelos alunos. Em 1974, assim que defendi o doutorado, como eu era casada com o Irineu149 e ele tinha muita vontade de ir para os Estados Unidos fazer um trabalho lá junto a um grande centro de Lógica Matemática, em Berckley, que era o que ele estudava, comecei a ver o que eu poderia fazer em Berckley e elaborei um projeto para pedir afastamento para ir para lá. Comecei a fazer no segundo semestre de 1973, e em setembro 1974, fui com afastamento e com bolsa da FAPESP. Hoje em dia seria chamado de Pós-Doutorado, eu fui como “Research Fellow”. Fomos todos: ele, eu e as duas filhas (uma com 7 e outra com 9 anos) e ficamos lá por dois anos. Em janeiro de 1976, é criada a UNESP, o departamento de Educação daqui foi fechado e eu voltei com uma Livre-Docência pronta e não existia mais o departamento onde eu trabalhava, pois havia sido transferido para Araraquara. Nesse período em que eu estava lá, é que ocorreu todo o movimento de criação da UNESP, mas um movimento efetuado de cima para baixo e não mais com debates com a comunidade acadêmica, mas como uma decisão política de dar uma forma políticoadministrativa a esses Institutos Isolados. Esse movimento se dá quando eu estou nos Estados Unidos, não participando das reuniões, portanto. A professora de Rio Claro que participa das reuniões de estruturação da área da Pedagogia no Instituto Isolado em Rio Claro é a Alda Junqueira Marin150. Ela foi convidada a participar junto com o Nagle151, que organizava reuniões com pessoas dos diferentes cursos de Pedagogia dos diversos Institutos Isolados para pensar uma Pós-Graduação em Educação. Essas reuniões eram feitas em São Paulo, junto à CESESP. Eu não estava, então não participei, portanto não sei como foram as discussões, por onde se caminhou. 149 Prof. Dr. Irineu Bicudo é professor aposentado pela UNESP/Rio Claro e orienta alunos no Programa de PósGraduação em Educação Matemática do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da UNESP/Rio Claro. É entrevistado desta pesquisa. 150 Profª Drª Alda Junqueira Marin leciona hoje na PUC/São Paulo. 151 Prof. Dr. Jorge Nagle, professor de Pedagogia aposentado pela UNESP/Araraquara. Entrevistado desta pesquisa. 187 É interessante que, em setembro de 1974, quando eu fui para os Estados Unidos, a Cecília Micotti152 era a chefe de departamento. Nesta época, ela e a Lívia de Oliveira153, que também era do departamento, já estavam conduzindo reuniões entre nós, professores do Departamento de Pedagogia de Rio Claro, para pensarmos uma Pós-Graduação em Educação aqui em Rio Claro mesmo. Eu lembro que nós já tínhamos delineado uma Pós-Graduação que pudesse contar com aquele departamento. Naquele momento nós éramos, se eu não me engano, 19 docentes. Desses 19 docentes, a Lívia, a Cecília, a Alda, eu, o Frank154, pelo menos nós cinco éramos doutores, o que na época era bastante. E existia um grande contingente já de mestres, formado já na nova estrutura determinada pela Reforma Universitária de 1968. Eram mestres pela USP, poucos pela PUC e o restante todo já estava fazendo Pós-Graduação. Então, era um departamento bastante forte, no contexto daquele momento, e nós tínhamos chegado a pensar, até onde eu me lembro, em uma Pós-Graduação voltada para formação de professor, embora parece-me que não explicitamente com esse nome naquele momento; era isso, era o “ensino de”. Porque era o que nós fazíamos, assim poderíamos trabalhar todos juntos. Quem éramos nós? Eu era de Filosofia, o Frank era de Sociologia, a Cecília e a Lívia, da Didática (já eram Livre-Docentes). Os de Psicologia estavam em formação, a Lucila Maciel155 já tinha Mestrado e estava no Doutorado, então logo seria doutora, o que realmente aconteceu. Quando fui embora nós estávamos assim organizados e com esse projeto. Quando voltei, o movimento era outro: se conduziu a uma proposta para toda a UNESP, para todos os cursos de Pedagogia, para toda a “Educação”. A Reforma Universitária ocorre aos poucos, e esse período de 1970 a 1976 é um período de marasmo, é um período que não se sabe bem o que fazer. Há que se aquietar. Continua-se dando as aulas, trabalhando com os alunos e nas próprias pesquisas. O que ocorre é que em 1973, 1974, essa Reforma Universitária começa a ser implantada em termos de mudar algumas coisas nos cursos. Mas, nesse período todo de 1975, eu sei que as discussões todas sobre a estruturação da futura UNESP continuaram a todo vapor, não mais reunindo toda a comunidade, como fazíamos em 1968, mas com os indicados para participarem das discussões em São Paulo, na CESESP. 152 Profª Drª Maria Cecília Oliveira Micotti, professora aposentada de Pedagogia. Ainda na ativa do Programa de Pós-Graduação em Educação na UNESP/Rio Claro. 153 Profª Drª Lívia de Oliveira, professora Emérita da UNESP, aposentada pelo curso de Geologia, na UNESP/Rio Claro. 154 Prof. Dr. Frank Perry Goldeman foi responsável pela Cadeira de Sociologia da FAFI em Rio Claro, em 1959. 155 Profª Drª Lucila de Oliveira Maciel, professora de Pedagogia aposentada pela UNICAMP. Entrevistada desta pesquisa. 188 Quando foi em janeiro de 1976, foi criada a UNESP a partir de um ato do governo, de cima para baixo, reunindo os Institutos Isolados e olhando para esses Institutos como se fossem uma única universidade, que estivessem todos em uma mesma área física. A ideologia taylorista: era preciso organizar em termos de economia, não repetindo cursos e, assim, muitos cursos foram fechados. No caso aqui de Rio Claro, foram fechados Ciências Sociais e Pedagogia. Talvez os focos de maiores críticas e debates tivessem sido aí. Em Araraquara, que eu me lembre, foi fechado Matemática, não lembro se algum outro curso, e assim foi pelos IIs afora. Os professores de Matemática de Araraquara foram transferidos ou para São José do Rio Preto ou para Rio Claro. Quando eu voltei, em julho de 1976, a UNESP já tinha sido criada, nós, da Pedagogia, já tínhamos sido transferidos mediante o diário oficial para Araraquara. Mas havia a possibilidade de ser transferida para dois cursos entendidos como “núcleos de excelência”, Marília e Araraquara. E essa foi uma grande discussão: por que eram polos de excelência? Na verdade foi uma distribuição política entre os Institutos Isolados e não um trabalho voltado para a força de produção dos grupos de professores e de alunos. Olhemos para a história desses Institutos Isolados. Eles não foram criados do nada. Houve um movimento político forte no Estado de São Paulo visando à expansão e interiorização do ensino superior neste Estado, conduzidas pelo governo do Carvalho Pinto156. Tanto que eles não foram criados de qualquer modo, foram escolhidos profissionais de destaque em suas áreas para irem iniciar o trabalho de criação dos IIs de acordo com suas especificidades por área de conhecimento. Como exemplo, nomes que me veem à memória: em Assis, Antonio Cândido157; em Araraquara, Dante Moreira Leite158, Rivadávia159; Rio 156 Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto formou-se em direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Exerceu o cargo de Secretário das Finanças do município de São Paulo em 1953 e, entre 1955 e 1958, foi Secretário da Fazenda quando Jânio governou o Estado de São Paulo. Foi o 19º governador do Estado de São Paulo e seu governo, que decorreu de 1959 a 1963, orientou-se pelas diretrizes delineadas no seu PAGE (Plano de Ação do Governo do Estado). Foi o primeiro governador a estabelecer um planejamento orçamentário dos vários setores da administração pública. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 09/11/2011. 157 Prof. Dr. Antonio Candido de Mello e Souza, graduado em Ciências Sociais pela USP. Aposentou-se em 1978 pela USP, todavia manteve-se ainda como professor do curso de pós-graduação até 1992. É professor emérito da USP e da UNESP e doutor honoris causa da Unicamp. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 09/11/2011. 158 Prof. Dr. Dante Moreira Leite formou-se em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCL-USP) em 1950. Foi docente na FFCL-USP entre 1951 e 1958 e na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara entre 1959 e 1971. Retornando à Universidade de São Paulo, em 1971, para o Instituto de Psicologia, foi chefe do Departamento de Psicologia Social do Trabalho até 1974, quando assumiu a diretoria do Instituto. Faleceu no dia 24 de fevereiro de 1976, aos 48 anos. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 09/11/2011. 159 Prof. Dr. Rivadávia Marques Junior. Graduado em Pedagogia pela FFCL da USP. Foi professor da FFCL de Araraqura. Já é falecido. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 09/11/2011. 189 Claro, Carolina Martuscelli Bori160, Maria da Penha Villalobos161, Bento Prado Junior162, Nelson Onuchic163 (depois veio o Mário Tourasse164), Warwick Kerr165. São profissionais contratados entre os de muita projeção no cenário nacional e, às vezes internacional, de Ensino Superior e em termos de pesquisa. E esse era, conforme eu entendo, o motivo pelo qual a cidade nos via como estranhos, porque essas pessoas não tinham nada a ver com a cidade. Esses professores chegavam, em todos os lugares onde foram criados os Institutos Isolados, com visão diferente daquela dos moradores locais, em sua maioria, com projeto de ensino e de formação científica. Os Institutos Isolados foram inicialmente criados no final da década de 1950, no governo Carvalho Pinto – considero importante para essa análise olhar para distribuição desses IIs no Estado: Presidente Prudente, Araçatuba, Assis, Marília, São José de Rio Preto, Franca, Araraquara, Rio Claro e, penso que posteriormente, São José dos Campos e 160 Profª. Drª. Carolina Martuscelli Bori iniciou seus estudos na área de psicologia social e depois introduziu a análise de comportamento no Brasil. Na USP, participou da criação do Instituto de Psicologia (IP) e de seu Programa de Pós-Graduação. Também ajudou a fundar o IP da Universidade de Brasília (UnB), o Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura (Ibecc), a Associação Interciência e a Estação Ciência. No início de outubro de 2004, época de seu falecimento, atuava como presidente de honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 09/11/2011. 161 Profª. Drª. Maria da Penha Villalobos graduou-se em Filosofia pela USP e doutorou-se em 1967. Foi docente da FFCL campus de Marília, atual UNESP. Docente aposentada da FE/USP. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 09/11/2011. 162 Prof. Dr. Bento Prado de Almeida Ferraz Júnior fez graduação na USP e pós-doutorado na Centre National de la Recherche Scientifique. Defendeu em 1965 sua tese de livre-docência na USP. Foi professor de Filosofia na USP e posteriormente professor titular da Universidade Federal de São Carlos. Faleceu em 12 de janeiro de 2007, em São Carlos. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 09/11/2011. 163 Prof. Dr. Nelson Onuchic licenciou-se em Física pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Instituto Mackenzie, São Paulo. Trabalhou como Professor Assistente no Departamento de Matemática do ITA no período de 1956 a 1958. Doutorou-se na USP em 1957 e finalizou a Livre-Docência em 1965. Em 1958, foi convidado para criar o curso de Matemática na FFCL de Rio Claro, atual UNESP. Em 1972, tornou-se professor titular de Matemática na USP, São Carlos. Faleceu em 03 de setembro de 1999. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 09/11/2011. 164 Prof Dr. Mario Tourasse Teixeira licenciou-se em Matemática pela Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, em 1954, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em 1965, doutorou-se pela FFCL da USP. Em 1959, foi convidado a assumir a Cadeira de Geometria Analítica, Projetiva e Descritiva na FFCL de Rio Claro, atual UNESP. De julho de 1988 a abril de 1989, foi vice-coordenador da Pós-Graduação em Educação Matemática e aposentou-se em maio de 1991 pela UNESP/Rio Claro. Faleceu em 12 de junho de 1993, em Rio Claro. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 09/11/2011. 165 Prof. Dr. Warwick Kerr graduou-se Engenheiro Agrônomo. Fez seu Doutorado e Livre-Docência na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, USP, em Piracicaba. Em 1955, foi chefe do Departamento de Biologia em Rio Claro. Em 1965, assumiu a chefia do Departamento de Genética da Faculdade de Medicina da USP – Ribeirão Preto, da qual se tornou professor titular por concurso em 1971. Foi o primeiro diretor científico da Fapesp, no início de 1962. Montou o Departamento de Genética da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Entre 1975 e 1979, transferiu-se para Manaus para reorganizar o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, o Inpa. Depois de aposentar-se pela USP, em janeiro de 1981, foi para o Maranhão. Após terminar suas atividades no Maranhão, foi convidado a continuar suas pesquisas na Universidade Federal de Uberlândia, onde ainda orienta alunos na Pós-Graduação. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 09/11/2011. 190 Guaratinguetá. Cobrem o Estado todo. A maioria das unidades eram Faculdades de Filosofia e situadas em pontos estratégicos em relação à proposta política. Que pontos estratégicos eram esses? Eram pontos estratégicos em termos do desenvolvimento do Estado e de uma região político-histórico-geográfica. Em Campinas não tinha, porque em Campinas já tinha a PUC e Campinas é muito perto de São Paulo. Deve ter havido um projeto bem delineado, porque todo o movimento de criação, visivelmente, não foi casuístico. Junto com a criação das unidades foram efetuados aportes econômicos. Veio o dinheiro junto a uma intenção, um propósito firme, de localizar grandes nomes nesses locais. Tanto que, conforme eu soube à época dessa criação, o governo estadual havia criado uma carteira na Caixa Econômica para fornecer moradias aos professores que vinham. Havia uma carteira de crédito, conforme soube, para comprar casas, sem acréscimo, pagavam o valor bruto da casa. A ideia era fixar aquelas pessoas no lugar. Eu sei que o pessoal da Filosofia, da minha Cadeira, no início recebeu dinheiro vivo em mãos para comprar livro e os comprou de modo selecionado. A melhor biblioteca em Ciências Sociais, Pedagogia, Biologia era a daqui. Porque esse pessoal sabia comprar livros, sabia onde buscar. Então, conforme entendo, teve, sim, um projeto. Nessa época, do início do movimento de criação desses Institutos, eu não estava nem na Pedagogia, o que significa que, do que falo, não se trata de um depoimento do vivido diretamente à época da criação desses Institutos, mas eu estou falando dos indícios que se mostraram para mim, ao viver aqui durante toda a história da FAFI e dos Institutos Isolados e, depois, da UNESP, de 1966 (fui contratada em maio desse ano) até hoje. Assim, cada Instituto Isolado tinha sua história e isso se constituiu em um problema sério na criação da UNESP. Essa história não foi respeitada. Os Institutos foram reunidos e separados conforme a ideologia taylorista: economia. No meio dessa “revolução”, estávamos nós, os professores (os únicos que sofreram na pele a briga da “maré com a montanha”, pois nenhum funcionário foi transferido, e os alunos passam, pela própria concepção do curso que cursam, o qual está em curso). É claro que, no real vivido, formam-se concepções a respeito de tal Instituto, Departamento etc. ser forte ou não, bom ou não. Isso fazia parte de nossa história. Quando a UNESP é criada, assume o constructo “centro de excelência” como o fundante para justificar fechamento de cursos e transferência de seus docentes para um determinado lugar (centro de excelência). Isso mexeu com cada um de nós, no orgulho próprio de nossa identidade, de como nos víamos, etc. e, além disso, exigiu que pagássemos, individualmente, um preço muito alto por algo que não queríamos. abandonássemos nossas casas, nossa vida familiar, nosso lugar de trabalho.... Foi exigido que 191 A lógica imperante era: no momento que você tem um centro de excelência que vinga em detrimento de outros, é porque esse é mais forte. Aí toda a questão: por que eles são mais fortes que os outros? O que eles fazem mais do que nós? Aí que entra toda aquela questão que você estava levantando, uma questão de um sentimento ruim, um sentimento de ser menosprezado, de não ser bem aceito como profissional, que tudo o que você fez não valia. Então começa a comparação de um com o outro, por exemplo, nós, de Rio Claro, nos comparávamos com o pessoal de Araraquara. Em termos de Pedagogia, naquele momento, se Araraquara tinha sido um pouco mais forte, é porque tinha o Nagle, o Rivadávia, o Dante Moreira Leite, grandes nomes, em um momento anterior àquele e que já não existia. O Rivadávia e o Moreira Leite tinham falecido, então só tinha o Nagle, e os outros professores pertencentes a Araraquara ou não tinham doutorado, ou eram recém-doutores e todos, até onde eu saiba, orientados ali mesmo, em geral pelo Nagle, que assumiu os orientandos dos colegas que haviam falecido. Ou seja, não haviam ido para outra universidade para se doutorarem, conhecendo outro centro, etc. (Note-se que ainda se estava fazendo doutorado sem que fosse no regime de cursos de Pós-Graduação do sistema como hoje há). E assim se criou uma animosidade muito forte, um sentimento muito ruim de não ter sido bem sucedido, de ter sido conduzido para caminhos que você não tinha escolhido. Eu me lembro bem dessa passagem: quando volto em 1976, o que eu encontro? A UNESP recém-criada, uma desestruturação do que havia e uma tendência a reestruturar a partir da nova estrutura, do novo estatuto da UNESP. Especificamente o meu departamento, que tinha sido extinto, assim como o curso em que eu trabalhava e, por questões do destino, eu tenho que assumir a “chefia” daquele departamento em processo de extinção. Por destino eu estou chamando coisas que ocorrem, sem que ninguém tenha programado para acontecer. É bem existencial. O que ocorre: quando eu chego, em julho, o pessoal está em férias e muitos do departamento estão participando da SBPC166, porque íamos muito para a SBPC apresentar trabalhos, uma vez que não tínhamos outros congressos. Quem está no departamento é a Alda, que está esperando o primeiro filho e acontece que o filho dela nasce e só estamos lá em Rio Claro a Alda e eu. Nasce, infelizmente morre. O diretor naquela época era o Ceron 167 (já era IGCE), então ele me chama e diz: “Você tem que assumir a posição de chefe de departamento.” Respondo: “Mas eu? Estou chegando, eu não sei o que aconteceu”. Ele diz: “É só você que está aqui.” Agora, como eu poderia falar não, se eu tinha ficado dois anos 166 Sociedade Brasileira de Progresso à Ciência. Prof. Dr. Antonio Olívio Ceron. Foi o primeiro Diretor do IGCE, UNESP/Rio Claro, no período de fevereiro de 1977 a janeiro de 1981. Professor aposentado pelo Departamento de Geografia, IGCE, UNESP/Rio Claro. (GARCIA, 2008. p. 370). 167 192 afastada? Completamente afastada, sem trabalhar, eu estava chegando e ia falar “não” ao trabalho? Precisei assumir e foi muito ruim para mim, porque eu não sabia o que tinha acontecido. Então eu estava em uma posição de estar chegando, de não saber o que tinha acontecido, de não saber por que a Alda tinha sido chamada constantemente e não a Cecília para as reuniões com o Nagle. A Alda naquela situação tão sofrida e eu tinha que ir até a casa dela conversar, para ela me contar como estava a situação para eu assumir essa chefia. Então, eu assumo a chefia de um departamento em extinção, enquanto ela estava afastada. Foi muito ruim, porque eu tive que assumir naquele momento a extinção, ou seja, quando estava se dando a locomoção das pessoas. Eu lidei com tudo isso, quer dizer, todo aquele sentimento de estarmos muito mal e de termos que trabalhar em um curso em extinção, pois já não teria uma nova turma no próximo ano e, ao mesmo tempo, manter uma certa vontade, uma expectativa, daqueles alunos que estavam se formando. “Não é porque não existe mais esse curso aqui, que a profissão não vai existir”. Foi um momento muito difícil. Nós estávamos muito bravos, discutindo, nós não estávamos quietos. Eu cheguei com um pouco de sangue novo. Por não ter estado lá, não estava ainda muito tocada pelos acontecimentos ruins. Então nesse momento, a Dalva Cristofolete, que era aluna do curso e secretária do prefeito de Rio Claro, nos ajudou a criar um espaço para que “pudéssemos nos mostrar”, ou seja, mostrar um pouco nosso trabalho, fazer barulho. Neste momento eu e a Cecília demos um curso pela prefeitura que foi muito fotografado. O tema hoje seria formação de professores, mas na época não tinha esse nome. Então, há muito movimento para mostrar o que a Pedagogia fazia, mas nada adianta: as decisões já tinham sido tomadas. Lembro-me que, nesse movimento todo durante a criação da UNESP, de discussão, de não aceitar sem uma luta o que tinha sido colocado, vem o Luiz Ferreira Martins que tinha sido o presidente da CESESP e que depois acabou sendo o primeiro reitor na universidade, vem a Rio Claro. E nós discutimos com ele, não só a Pedagogia, todos vamos debater com o Luiz Martins. Nesse momento há algo que me fugiu, que eu não entendi muito como teria sido e há um corte aí, um corte porque tudo que nós tínhamos a falar para o Luiz Martins, ele veio falando para nós. O que parecia é que alguém havia contado para o Luiz Martins antes, nós não sabíamos quem. Pelo menos assim alguns de nós entenderam. Porque nós tínhamos tido uma reunião prévia, onde discutimos muito o que proporíamos e argumentaríamos com ele. Quando ele entra no anfiteatro, o discurso com que ele abre aquele evento esvaziou o que nós tínhamos a dizer, daí parecer que ele teria sido informado de nossa reunião. Mas quem? Por quê? Não sei. Foi assim. Como vejo hoje: pode ter ocorrido que, por nós falarmos tanto, estarmos tão bravas, inconformadas, nosso pensamento estava pelos corredores e ele, que é 193 uma mente brilhante, é político, é rápido, então com alguns indícios pode ter articulado o discurso. Não entendo, necessariamente, que alguém tenha chegado a ele e informado de nossa reunião. Mas, com isso, instala-se um mal-estar grande. O clima entre nós – professores da Pedagogia – muda. Apenas disso posso falar, fora isso, eu não sei mais nada. A organização da UNESP fica mesmo como tinha sido traçada para a Educação: dois polos, Marília e Araraquara, tidos como os dois centros de excelência em Educação da UNESP. O pessoal de Presidente Prudente é transferido para Marília por questões de proximidade. O pessoal de Rio Preto pôde escolher entre Marília e Araraquara. Nós fomos para Araraquara, estávamos mais próximos desse local, mas se eu quisesse ter ido para Marília poderia, tanto do ponto de vista administrativo, quanto do ponto de vista de ter havido convite pessoal para que eu fosse para lá. Os professores de Franca vieram para Araraquara. Ponto. Simples assim. No papel. Fomos transferidos para Araraquara e lá eles não sabiam o que fazer com a gente. A gente brigava com eles, ninguém se entendia com ninguém. Esse era o clima. A primeira reunião que nós fizemos em Araraquara, todo mundo muito bravo, muito crítico, muito azedo, com aquela crítica ruim que se faz para cutucar o outro. Éramos quase 100 professores de Educação e desses 100, pelo menos 50 eram doutores. Nesse momento, a UNESP poderia ter criado um grande Programa de Pós-Graduação e Pesquisa na Educação. Não sei se não tinha um projeto ou se o projeto estava para ser construído. Mas os líderes talvez não tenham sabido conduzir, ou por uma expectativa muito elevada, acima da realidade, uma autocrítica muito contundente, eu não sei, mas nós poderíamos ter criado esse programa e estouraríamos com a Educação no Estado de São Paulo. Mas isso não é feito, naquele momento eu senti que perdemos a oportunidade. Nós discutimos muito, entre nós que estávamos contra: “Esse pessoal não tem nada. É centro de excelência e não tem uma proposta?”. Porque, se isso estivesse pronto – a proposta de Pós Graduação –, o caminho teria sido outro. Não teríamos ficado à míngua, nem nós e nem eles. Tudo teve que ser reinventado, e muitos de nós voltamos para nossas cidades, feridos, sem lugar de trabalho, academicamente falando, etc. No momento em que nos levam para Araraquara, fortalece esse projeto do centro de excelência em Educação. Mas não foi para frente, e não foi porque não dava para ir. Você tem uma história, essa história dos Institutos Isolados é a história de cada um. Nós nos constituímos aqui, outro grupo se constituiu em Assis. Não dá para tirar daqui e levar para lá, como foi feito, faltou uma intermediação. Eu acho que é isso que essa história oral vai contar: a ausência dessa intermediação. Eu gostaria que tivesse chegado para mim e tivesse falado: “Olha, você aqui não interessa mais como professora. Você que ir para Araraquara ou quer ser 194 mandada embora? Se você for mandada embora, tem direito a tanto”, e me pagassem o devido. Se eu tivesse optado por ir para Araraquara, eu tinha que assumir, era diferente a história. E isso não foi feito, ninguém foi solicitado a se manifestar. Foi ignorada a situação pessoal de cada um. O problema da Pedagogia é diferente do problema das Ciências Sociais, da Filosofia, por quê? Porque existiam as Licenciaturas aqui. Por exemplo, em Rio Claro tinha as Licenciaturas de Biologia, Geografia, Matemática e Física. O curso de Geologia não tem Licenciatura, mas todos os outros tinham. E essa célula da Educação e Ciências Humanas permaneceu viva, porque, embora os professores desses cursos mencionados que aqui ficaram falassem com a “boca cheia” que era um Instituto de Geociências e Ciências Exatas, cujo objetivo era fazer ‘ciência’ e não Educação e Ciências Sociais, não tiveram a coragem de fechar as licenciaturas e ficarem apenas com os bacharelados. Aí morou o perigo para a ideologia dos Centros de Excelência de Rio Claro. E por essa porta voltaram a Educação, a Educação Matemática, as Ciências Sociais, trabalhadas nesses cursos e em uma facção da Geografia, que, também, não se assumiu apenas como Geografia Física. As Licenciaturas precisavam de cursos de Didática e das demais matérias pedagógicas. Com isso, as pessoas tinham que vir de Araraquara até aqui para dar aula. Então, algumas pessoas que estavam “incomodando” a consumação da ideologia traçada tiveram que ficar aqui. Só que todas as reuniões de departamento e o cotidiano da vida funcional eram lá, em Araraquara. Por exemplo, se você caísse e se arrebentasse em Rio Claro, e precisasse ir para o hospital, aquele papel da licença médica, você tinha que ir buscar lá. Imagina o transtorno que isso causa no cotidiano, porque no modelo a universidade era uma, mas geograficamente não era. Isso cria uma situação de as pessoas se sentirem desacomodadas, injustiçadas. Era bem isso: desacomoda aqui, não acomoda lá. Eu saí daqui, com toda uma trajetória de estudos de Filosofia da Educação, já havia feito o Doutorado, havia ido para o exterior e voltado com a pesquisa para a Livre Docência pronta. Nesse momento, estou nesse patamar. Eu vou para lá, para Araraquara: o meu discurso, com esse meu poder, não dava liga com o pessoal de lá, por mais que a gente quisesse ser colega e, muitas vezes, havia amizade afetiva entre nós. E nessa história todos perdemos. Os que nos receberam, porque se desestruturam, não tiveram a liderança para conduzir uma trajetória que reunisse e não separasse; nós, porque vivemos profissionalmente uma ruptura. Apenas lembrando de alguns episódios, os professores da Educação do campus de Botucatu, todos doutores, também foram para lá. Então foi um momento em que não se soube conduzir a história. Não se soube fazer valer o que tínhamos em mãos. Estou falando para a 195 Educação, eu não sei dos outros cursos. Se tivéssemos caminhado na direção da reunião de nossa força, política e cientificamente teria sido um grande momento. Mas caminhamos para a separação enfraquecida. Durante muito tempo, isso ocorre de 1976 a 1978, mais ou menos, nenhum centro de excelência criou curso de Pós-Graduação em Educação. Na UNESP, a primeira que vai acontecer é a de Educação Matemática em Rio Claro, que eu peguei “na unha” e preparei todo o processo, subsidiado pela reunião de forças produtivas que estavam à disposição aqui em Rio Claro, contando também com a história do Departamento de Matemática daqui e com sua tendência para cuidar do Ensino de Matemática, juntamente com pessoas que vinham com frequência da UNICAMP para darem palestras, etc. (Ubiratan168, Rodney169 e o Sebastiani170). Note-se que a própria Matemática de Rio Claro, que seria “um centro de excelência”, pois recebeu professores de outras unidades, também não tinha PósGraduação. Se você pega o exemplo da Geografia, que já tinha Pós-Graduação, ela continuou forte, não desperdiçou forças. Nem a Biologia, mas a Matemática desperdiçou. Nós todos sempre pensamos muito no Nagle, vendo-o como o líder e responsável por propostas que avançassem, porque ele era a pessoa que se destacava. Tanto era assim que depois ele foi reitor, num outro momento. Ele era a liderança. Hoje eu vejo que ele estava um tanto quanto só. Eu estava com a minha pesquisa já bastante adiantada, com suporte teórico bom, mas eu não tinha aquela vida política que ele já tinha. Hoje em dia talvez eu conseguisse ajudar a dar um norte. Mas naquele momento, não estava amadurecida e, além disso, eu não estava na minha casa, estava na casa dele, portanto aguardava as indicações. Hoje eu poderia contribuir, reunindo o pessoal, conversar, formar grupo de estudo. Mas o pessoal de lá não soube fazer isso naquele momento. Então as pessoas foram se desanimando, cada uma se 168 Prof. Dr. Ubiratan D’Ambrósio tem graduação em Matemática pela Universidade de São Paulo e doutorado em Matemática pela Universidade de São Paulo. É Professor Emérito da Universidade Estadual de Campinas/UNICAMP. Atualmente é Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade Bandeirante de São Paulo/UNIBAN. É também Professor Credenciado dos Programas de PósGraduação em História da Ciência da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em Educação da Faculdade de Educação/FE da Universidade de São Paulo/USP e em Educação Matemática da UNESP-Rio Claro. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 09/11/2011. 169 Prof. Dr. Rodney Carlos Bassanezzi tem graduação em Matemática pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1965), mestrado em Matemática pela Universidade Estadual de Campinas e doutorado em Matemática pela Universidade Estadual de Campinas. Trabalhou no IMECC- Unicamp de 1969 a 2001 quando passou a ser pesquisador voluntário nesta universidade, permanecendo até 2006. A partir de 2007, é Professor Titular na Universidade Federal do ABC, onde é o coordenador do programa de pós-graduação do CMCC. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 09/11/2011. 170 Prof. Dr. Eduardo Sebastiani Ferreira tem graduação em Bacharel em Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1962), mestrado em Matemática pela Universidade de Brasília (1965), doutorado em Doctorat de Troisiemme Cycle pela Universite de Grenoble I (Scientifique Et Medicale - Joseph Fourier) (1970) , pós-doutorado pela Universite de Grenoble I (Scientifique Et Medicale - Joseph Fourier) (1976) e pós-doutorado pela Michigan State University (1989). É professor aposentado do IMECC/UNICAMP. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 09/11/2011. 196 fechando em si e voltando, de algum modo, para o seu campus ou indo para outros lugares, como para o Instituto de Artes, por exemplo. O pessoal de Botucatu não foi para Araraquara, nunca foi. Houve um desentendimento sério e ninguém saiu de Botucatu, onde havia Pedagogia, apenas um Departamento de Educação. Franca continuou com a licenciatura, havendo disciplinas de Educação solicitando professores. Veja a situação de Rio Claro, como um caso da UNESP. Aqui ficaram as licenciaturas de Geografia, Biologia, Matemática e Física. As disciplinas pedagógicas precisavam ser ministradas. Quem dava aula nas pedagógicas aqui? O pessoal que tinha sido transferido para Araraquara. Então as pessoas tinham que se locomover ou para darem essas aulas ou para atenderem às outras instâncias do trabalho universitário (reuniões, etc). O que ocorre com isso? O descontentamento geral, as pessoas estavam com suas vidas estruturadas e muitos casais são separados, porque um vai dar aula aqui e outro ali, todo mundo com filhos em uma idade muito problemática de 10, 11, 12 anos. De 1976 a 1980 se dá um marasmo maior, com muito descontentamento. Eu me lembro que as pessoas ficavam cada uma no seu gabinete estudando, sem grupo, sem muito ânimo para ir para frente. As pessoas foram ficando muito sem lugar, em um campus ou no outro. Eu estou focalizando aqui em Rio Claro, mas isso ocorreu na universidade toda. Então muitos voltaram funcionalmente para seu campus de origem, alguns podiam se aposentar e logo se aposentaram. No meu caso eu ainda não tinha tempo para poder me aposentar; se naquele momento eu pudesse, eu teria me aposentado. Eu fiquei com muita vontade de pedir demissão e ir para São Paulo. Eu tinha onde trabalhar em São Paulo, tinha convite em dois lugares, inclusive escola para as minhas filhas e tudo. Mas eu era casada, o Irineu não queria ir para São Paulo, as minhas filhas estavam também em uma fase que não queriam sair de Rio Claro. Eu sabia que daí a três anos elas iriam sair, como saíram. Mas naquele momento, era “o momento”. Não deu certo, então eu tive que me reinventar e reinventar o meu local de trabalho. Uma série de coisas aconteceram juntas. Volto para Rio Claro, funcionalmente em 1982, depois de ter passado por momentos muito tensos e desgastantes, do ponto de vista pessoal. Em termos profissionais e de relacionamentos entre professores que foram se estabelecendo em Araraquara, estava sendo criado um ambiente em que eu poderia ter trabalhado. Mas pessoalmente estava muito ruim: eu ia para Araraquara toda segunda feira, devendo ficar lá até quinta. Ainda não tinha um lugar para ficar, que fosse meu. Ficava na casa da professora Tirsa171 ou em hotel ou na casa de outra professora, etc. Deixava minha casa abastecida, a semana organizada. Minhas filhas 171 Profª. Drª. Tirsa Regazzini Peres é Doutora em Educação. Professora aposentada da FFCL – UNESP/Araraquara. 197 estavam em uma idade difícil, nesse período em que fiz essa vida, de 1978 a 1981: uma estava com 13 anos e outra com 11 anos. Era muita turbulência. Eu me revoltava com o fato de ser eu a sacrificada e não meu marido. Por que não nos mudávamos para Araraquara? As crianças gostavam da escola, tinham amigos, etc. A vida de casal também balançava. E por aí vai. Enfim, saindo machucada dessa situação, voltei para Rio Claro em 1982, deixando para trás Araraquara e o campo de trabalho que lá se abria, não aceitando uma excelente proposta de trabalho em São Paulo. Volto para Rio Claro e sou funcionalmente colocada no Departamento de Matemática. O que me restava? Ficar à deriva ou criar um espaço de trabalho. A segunda opção foi assumida, claro que com apoio de muita gente da própria Matemática, como do Prof. Mário Tourasse, da Eurides172 e, claro, por razões diversas, do Irineu. E quando eu voltei, comecei a trabalhar com Tópicos Específicos de Ensino de Matemática, em que trabalhava questões relacionadas à epistemologia e à realidade de objetos matemáticos. Com isso dei uma guinada nas questões que estava estudando. Minha pesquisa apresentada na Livre Docência foi com Ética, Valores e Educação. Havia “varrido” toda a literatura de Construção de Valores, estudando Piaget, Kohlberg; em Filosofia, toda a Teoria dos Valores etc. Esse tema, se for feito um levantamento entre os temas trabalhados em Psicologia e em Educação, ainda é relevante hoje, com os estudos desses mesmos autores. Mas esse meu trabalho ficou de lado. Ao voltar, junto às aulas, comecei a organizar uma proposta de criação de PósGraduação, ao mesmo tempo em que comecei a dar cursos de extensão sobre Filosofia e Antropologia Filosófica para o campus e a participar das reuniões da ADUNESP173. Com isso, adentrei a vida do novo campus. No Departamento de Matemática, havia professores remanejados de Araraquara e alguns contratados. Olhando para esse campus, IGCE174 e IB, era fácil detectar quais os grupos fortes: os que tinham Pós-Graduação implantada. Seria preciso fazer isso na Matemática: criar uma Pós-Graduação. Havia um pequeno núcleo de Ensino de Matemática com o prof. Mário, o Dante175. Já havia uma revista que vinha divulgando ideias sobre ensino, conduzida pelo Mário. Em Rio Claro estavam a Cecília, de Didática, Livre-Docente; a Lucila, de Psicologia; e eu, de Filosofia da Educação. Podíamos contar com os três professores da UNICAMP e mais uns dois ou três da própria Matemática. 172 Profª Drª. Eurides Alves de Oliveira é Doutora em Matemática – FFCL, Rio Claro. Professora aposentada pelo IGCE, UNESP/Rio Claro. 173 Associação dos Docentes da Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho", UNESP. 174 Instituto de Geociências e Ciências Exatas, UNESP/Rio Claro. 175 Prof. Dr. Luiz Roberto Dante é Livre-Docente aposentado pela UNESP/Rio Claro. 198 Foi por aí que a ideia de criar a Pós-Graduação nasceu. Porém, estando no Departamento de Matemática, era preciso reunir a força existente e dar vazão à ideia, já trabalhada antes da criação da UNESP por eles, de ter um curso em Fundamentos de Matemática, pois o pessoal de Fundamentos é que era forte em Rio Claro. De acordo com o regimento da Pós-Graduação da UNESP, naquele momento precisava que fosse um título abrangente que desse possibilidade a toda Matemática da UNESP, não só de Rio Claro, mas de São José de Rio Preto, o outro núcleo de excelência em Matemática, se alojar nessa estrutura. Deveria ser uma Pós-Graduação em Matemática com tendências, não me lembro o nome correto atribuído a essa organização pelo currículo. Então a proposta que coordenei para ser apresentada aos órgãos colegiados ficou: Pós-Graduação em Matemática: Tendência em Ensino de Matemática e Tendência em Fundamentos de Matemática. As pessoas fortes em Fundamentos eram o prof. Mário, a Eurides. O Irineu, podia contribuir e outros professores que agora não me lembro, e o Jairo176 vinha despontando. O de Ensino de Matemática contava com nós três (já mencionadas da Educação), com o Mário, o Dante, o Irineu, com a Maria Lúcia Wodewotzki177, com o Ubiratan, o Rodney e o Sebastini. Nós assumimos o curso e avançamos pelos caminhos da universidade para que fosse aprovado. Entre 1982 e 1983, foi aprovado e os alunos da primeira turma, selecionados. O pessoal do Ensino de Matemática veio com vontade: professores e alunos. O de Fundamentos sempre lidou com certa animosidade por parte dos professores que não eram de Fundamentos. Acabou se enfraquecendo e fechando. É engraçada a história. Os professores da área que não eram de Fundamentos agora recentemente abriram um Mestrado Profissionalizante, mas poderiam perfeitamente ter retomado aquele projeto, ter reformulado na direção das pesquisas que faziam, que não eram em Fundamentos. Mas isso não aconteceu. Sintetizando: falo de minha compreensão da história da UNESP. Mas não sei se em termos políticos foi bem assim. Mas, foi por aí que aconteceu. Primeiro ocorre uma organização em nível do Estado, decorrente de uma política de interiorização do Ensino Superior e que podemos ver foi bem sucedida. Os Institutos Isolados eram excelentes. Há estudos na UNESP sobre o impacto econômico das regiões em que os IIs foram sediados. 176 Prof. Dr. Jairo José da Silva tem graduação em Física pela UNESP em 1974, mestrado em Matemática pela USP (1979), curso de doutorado em Matemática pela University of California - Berkeley e doutorado em Filosofia (Lógica e Epistemologia) pela UNICAMP. Atualmente é Professor Titular da UNESP/Rio Claro. 177 Profª. Drª Maria Lúcia Lorenzetti Wodewotzki é doutora em Ciências pela antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro e Livre-Docente em Estatística Aplicada à Educação pelo IGCE da UNESP/Rio Claro. É professora do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da UNESP/Rio Claro e coordenadora do GPEE. 199 Parece-me que há um livro editado pela EDUNESP178. Por exemplo, veja Rio Claro, a quantidade de alunos e de famílias englobados no trabalho da Universidade aqui. Os recursos que são movimentados com os salários de professores e funcionários, com o dinheiro pago pelas famílias para manterem seus filhos estudando aqui, todos os alunos de Pós-Graduação que, muitas vezes vêm com a família e respectivo ordenado de outros lugares, as bolsas, a quantidade de produção. A UNESP é uma universidade forte; tem uma produção fantástica, agora eu posso falar da posição de Pró-Reitora, eu deixei de ser há 10 anos, mas até então eu via uma produção inigualável em termos de interiorização. Inigualável mesmo comparada a grandes universidades. Somos fortes. Claro que nós não temos uma produção maior que a USP, mas exercemos grande impacto no Estado. Há, também, nesta universidade, pesquisas de ponta, como na área de Medicina, na área das Biológicas, de Agronomia. Em termos de educação, fazemos um grande trabalho com as escolas, veja-se a história dos Núcleos de Ensino da UNESP. Também se tem uma história relevante com a formação de pessoal em Letras, também na área de Exatas. Muito se fez na área de Exatas, mesmo sem a Pós-Graduação, por exemplo, em Rio Claro e Rio Preto. A formação do pessoal que é formado em Assis e Presidente Prudente, Marília, que são regiões que estão quase em fronteira com outros Estados. Mesmo Franca, que já vai para Minas. Então, a UNESP está cumprindo o que foi traçado em seu projeto político: interiorização do ensino superior. Sua estrutura muito grande vai pelo interior do Estado e caminha em direção a outros. E ao mesmo tempo em que estou ciente (e outros também) desse fato, constato o sentimento de os nossos professores (claro que não todos) se verem como inferiores àqueles de outros grandes centros, como USP e UNICAMP. Uma ambiguidade em saber que somos tão fortes e ver as pessoas se sentirem tão enfraquecidas, tão secundárias em relação a outras universidades, tão menos, eu posso falar assim. Tentei trabalhar isso um pouco na reitoria. Eu me lembro de uma vez que fui para uma reunião com professores em Presidente Prudente e ouvia as reclamações sobre falta de estrutura de possibilidade de fazerem um trabalho diferenciado, pois estavam tão longe dos centros. Olhei para aquele campus imenso, bem cuidado, com projetos, com pessoas querendo fazer, mas também esperando que algo viesse de fora. Disse, então: “Não, vocês aqui têm muito para fazer. Olha aqui, vocês não são assim como vocês dizem. Onde vocês estão? Em que região do Estado vocês estão? Nesta região, o que vocês podem fazer? Vocês mesmos já me anunciaram hoje. Então comecem com o que 178 Editora UNESP. 200 vocês são e têm à mão e vão em frente”. São ambiguidades que eu fui vivendo, fui percebendo. Ficou clara a necessidade de constituirmos uma visão mais unificada da UNESP. O Arthur179, quando foi Reitor, procurou muito isto, sua proposta era dar um salto de qualidade da UNESP. A UNESP se vendo como UNESP e não como uma reunião de Institutos Isolados. Isso era o que queríamos. Esse trabalho já havia sido iniciado na época do Nagle, mas por que? Porque o movimento todo que nós fizemos na ADUNESP, aí eu sei porque fui presidente da ADUNESP em Rio Claro e, portanto, junto com os outros, sempre esse movimento foi no sentido de darmos um salto para além daquelas questões de desgosto, de nos sentirmos minorados, sem lugar, porque era ali que nós tínhamos chegado. Era o momento da transcendência. Eu sei que na reitoria com o Nagle isso foi muito trabalhado, tanto que foram criados os jornais, o Ágora, foram investidos recursos bastante fortes para a editora, porque a UNESP tinha que se assumir e se mostrar como uma universidade. Tomemos os pontos fortes e falemos deles para nós e para os outros. Por exemplo: o hospital sempre foi excelente em Botucatu, então vamos mostrar o que fazemos lá. E toda uma formação de professores do ensino fundamental e médio, tanto inicial como continuada que, na UNESP, sempre foi muito forte. Quando eu assumi em 1993 a Pró-Reitoria de Graduação, nós tínhamos 36 cursos de Licenciatura, em todas as áreas, na UNESP toda. Na Reitoria não se olha mais o próprio campus, no meu caso Rio Claro, mas a UNESP toda. Naquele momento, em termos de formação de professores, nós éramos talvez a universidade que tivesse mais cursos e que sempre se preocupou com essa formação. A parte de pesquisa sempre foi bastante realizada, ela avançou muito com as biológicas, lá em Rio Claro com a parte de Genética, a parte toda de Medicina. A área biológica sempre foi muito forte, de ponta. As engenharias também vinham se destacando e por aí vai. Mas junto com isso, nós tínhamos a formação de professores. E aí vem todo um discurso do Fernando Henrique com o pessoal da Educação que não se assume em termos da sua grandeza. Por que isso é dito? Porque é verdade. Trago nosso exemplo da UNESP. Havia a formação de professores, só que o grande esforço, eu acho desperdiçado, foi em relação a ajudar a melhorar pontualmente as escolas. Se você vai formar professores e não trabalha com uma política pública de formação de professores, que é o papel da universidade, o trabalho não aparece. Pode-se trabalhar de escola a escola, melhorar A, B, C, D professores 179 Prof. Dr. Arthur Roquete de Macedo é professor emérito da Faculdade de Medicina da UNESP e ex-reitor dessa universidade (1993-1997), membro da Academia Brasileira de Educação, do Conselho Nacional de Educação e presidente do Instituto Metropolitano da Saúde. Nota obtida de Wikipédia, a enciclopédia livre. End. Eletrônico: www.wikipédia.com.br. Data de acesso: 09/11/2011. 201 e isso não tem fim; é um trabalho sem fim e insano. Desse modo não aparece como política pública e como pesquisa. As pesquisas foram feitas e muitas foram feitas. As pessoas da área de Educação foram para as escolas, elas conseguiram seus dados, conseguiram fazer intervenções boas, muito boas, trabalhos muito bem feitos. Quando consegui, na pró-reitoria, reunir os trabalhos dos Núcleos de Ensino, eles eram fantásticos! Mas você tem que transformar esse esforço em uma política de ensino e pesquisa e de política pública. Quando se fala que a vocação da UNESP era ou é a formação de professores, isso não é desmerecedor. É uma grande vocação. Só que o trabalho feito até então (falo de 1993) era muito pontual, pessoa a pessoa ou escola a escola. Quer dizer, a universidade tem a pesquisa, o conhecimento teórico e alguma prática e vai a tal escola buscar dados ou trabalhar junto ou ajudar, etc. Mas a escola em geral recebe a universidade como um favor, deixando-a entrar. Não sei hoje como é. E penso que não tinha que ser assim, tinha que ser uma questão institucional: esta instituição “universidade” tem isto a oferecer a esta outra instituição “X” e espera isto da instituição “X”. Foi o Nagle que inicia o projeto dos Núcleos de Ensino, nem sei se como reitor, ou antes, mas ele tem uma percepção interessante e bastante aguçada sobre onde e como trabalhar. Os Núcleos de Ensino avançam (eu não trabalhei nos Núcleos de Ensino) com o dinheiro da universidade para projetos a serem desenvolvidos por professores da UNESP com professores de determinadas escolas que se prontificassem a trabalhar; pelo que eu tomei conhecimento - então como Pró-Reitora e não de ouvir dizer - na prática, o que ocorria era que o trabalho era efetuado com os professores que assim se dispusessem e não com a Escola, em sua totalidade. Daí esses professores - de escolas públicas - trabalharem como auxiliares de pesquisa nas pesquisas desenvolvidas por professores da UNESP. Nesse momento está havendo transformação e melhora desse professor específico e talvez da escola. Mas não era um projeto voltado para a escola. Como indicador de não ter se estabelecido uma política forte e clara, tinha-se que os Núcleos de Ensino batalhavam, batalhavam e não conseguiam sequer a dispensa desses professores na Secretaria de Educação. Não tinha uma contrapartida, não tinha troca. Tinha troca pontual. Claro, se eu sou professora de Português, eu vou trabalhar com você, que é pesquisadora em Ensino de Línguas, nós trocamos conhecimento e experiência, mas é uma troca pontual. Então, trabalhos importantes ocorreram, acredito que foram produzidos, acho até que em algumas escolas foram efetuadas boas coisas, mas não uma política pública. Quando é que vem essa política pública? Vem por meio do Banco Mundial mediante convênio com a Educação. Há um aporte grande de dinheiro destinado à formação de professores e o coloca na Secretaria de Educação. Ela chama as universidades. Aí nós fomos, eu, como pró-reitora, sou convidada e aceito colaborar 202 em nome da UNESP e coloquei aquele projeto nas mãos dos Núcleos de Ensino. Daí então, as coisas se amarraram. Você não tinha o dinheiro só da UNESP, você tinha o dinheiro que vinha de fora e tinha uma ação da UNESP junto com a escola. Já existia uma organização, na UNESP, que era dos Núcleos de Ensino. Então essa vocação da UNESP foi, sim, uma vocação bastante forte, mas não foi bem orientada. Se tivesse sido efetuada uma política nessa direção na década de 1980, 1990, teria sido muito diferente. Até nós fizemos, mas isso já foi por volta de 1996, por aí, quando veio esse dinheiro para a Secretaria da Educação. E aí, com a minha vivência em termos dos Institutos, da Educação e da Reitoria, deu para assumir tudo e fazer sem jogar o que se tinha fora, sem “criar a roda”. Porque nós tínhamos os Núcleos de Ensino, tínhamos essas organizações e eles trabalhavam muito e bem, só que não aparecia, era um trabalho que não aparecia. Era quase como se o esforço todo fosse pelo ralo. Não aparecia assim, em termos de uma grande política. Então, se a UNESP tem como vocação a formação de professores e se ela tem um programa desses, é para aparecer. A UNICAMP não tinha um programa desses lá, a USP não tinha, a UNESP tinha, mas não aparecia. E ainda tem, tem programas ótimos, mas não aparece. É uma coisa incrível, como esta universidade trabalha muito, muito, muito, muito. É uma grande universidade, tanto que podemos ter uma ideia da importância desse trabalho ao analisarmos as modificações dos ambientes nessas regiões. Mas em termos de mídia ela não aparece. O Arthur tinha uma visão muito importante da universidade e de como fazer isso. Precisávamos construir uma autoconcepção juntamente com a concepção pública. Para ele tudo que fazíamos com qualidade tinha que ir para a mídia, nós tínhamos que dar entrevistas, etc., mas depois me parece que essa política não continuou. 203 Capítulo 3 - O choque entre forças contrárias As verdades únicas não existem: as verdades são múltiplas, só a mentira é global. (José Saramago, In: AGUILERA, 2010, p. 45) Logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, houve a necessidade de expandir o Ensino Superior no interior do Estado de São Paulo. Necessidades estas criadas a partir das demandas política e econômica da época que visavam às capacitações profissional e tecnológica que sustentassem o acelerado processo de desenvolvimento industrial pelo qual o Brasil passava. Uma das estratégias utilizadas para resolver este problema foi a interiorização do Ensino Superior a partir da criação, durante a década de 1950, dos Institutos Isolados no interior do Estado de São Paulo. Olhemos para a história desses Institutos Isolados. Eles não foram criados do nada. Houve um movimento político forte no Estado de São Paulo visando à expansão e interiorização do ensino superior neste Estado, conduzidas pelo governo do Carvalho Pinto. Tanto que eles não foram criados de qualquer modo, foram escolhidos profissionais de destaque em suas áreas para irem iniciar o trabalho de criação dos IIs de acordo com suas especificidades por área de conhecimento. Como exemplo, nomes que me vêm à memória: em Assis, Antonio Cândido; em Araraquara, Dante Moreira Leite, Rivadávia; Rio Claro, Carolina Martuscelli Bori, Maria da Penha Villalobos, Bento Prado Junior, Nelson Onuchic (depois veio o Mário Tourasse), Warwick Kerr. São profissionais contratados entre os de muita projeção no cenário nacional e, às vezes internacional, de Ensino Superior e em termos de pesquisa. (Maria Bicudo) Além dos motivos já citados, essa medida foi proposta também porque muitas famílias não tinham condições financeiras de enviar seus filhos para prosseguir os estudos em São Paulo, isto é, ingressar no Ensino Superior, pois no interior praticamente não havia opção. Por esta razão estes jovens, normalmente, não conseguiam dar continuidade aos seus estudos acadêmicos. Se você me perguntar qual a importância dos Institutos Isolados, quando eles surgiram e começaram a se desenvolver eu respondo: foi fundamental para o Estado de São Paulo. Quer dizer, foi superada aquela situação segundo a qual instituição de ensino superior pública só podia ser a USP. Ou se vinha para São Paulo ou então não havia o que fazer. (Jorge Nagle) O Estado de São Paulo foi divido em regiões e em cada uma delas foi escolhida uma cidade para sediar a Faculdade. Os critérios de escolha destas sedes foram feitos a partir do desenvolvimento cultural e econômico que cada cidade possuía, mas também, e talvez este seja o critério que mais tenha pesado, devido à força de políticos locais. 204 (...) considero importante para essa análise olhar para distribuição desses IIs no Estado: Presidente Prudente, Araçatuba, Assis, Marília, São José de Rio Preto, Franca, Araraquara, Rio Claro e, penso que posteriormente, São José dos Campos e Guaratinguetá. Cobrem o Estado todo. A maioria das unidades eram Faculdades de Filosofia e situadas em pontos estratégicos em relação à proposta política. Que pontos estratégicos eram esses? Eram pontos estratégicos em termos do desenvolvimento do Estado e de uma região político-histórico-geográfica. (...) Deve ter havido um projeto bem delineado, porque todo o movimento de criação, visivelmente, não foi casuístico. Junto com a criação das unidades foram efetuados aportes econômicos. Veio o dinheiro junto a uma intenção, um propósito firme, de localizar grandes nomes nesses locais. Tanto que, conforme eu soube à época dessa criação, o governo estadual havia criado uma carteira na Caixa Econômica para fornecer moradias aos professores que vinham. Havia uma carteira de crédito, conforme soube, para comprar casas, sem acréscimo, pagavam o valor bruto da casa. A ideia era fixar aquelas pessoas no lugar. Eu sei que o pessoal da Filosofia, da minha Cadeira, no início recebeu dinheiro vivo em mãos para comprar livro e os comprou de modo selecionado. A melhor biblioteca em Ciências Sociais, Pedagogia, Biologia era a daqui [em Rio Claro]. Porque esse pessoal sabia comprar livros, sabia onde buscar. (Maria Bicudo) No entanto, essa opinião não era unânime, existiam outros pontos de vista sobre as condições de criação, funcionamento e infraestrutura dada aos Institutos Isolados. Possivelmente em localidades diferentes, as condições e incentivos tivessem sido outros. Por exemplo, em Presidente Prudente. Desde que comecei a trabalhar na Faculdade, em 1964, até a criação da Universidade, em 1976, foi um período de crescentes melhorias na Faculdade quanto à estrutura administrativa, recursos de infraestrutura como prédios, material de consumo, instrumentos para pesquisa, veículos, acervo bibliográfico (livros e periódicos), etc. Os Institutos Isolados eram, no começo, bem precários do ponto de vista administrativo, mal institucionalizados. (...) o pessoal trabalhava todos juntos numa sala só. Oficialmente, das 8h às 18h, mas chegava-se mais cedo, trabalhava-se à noite, de madrugada. (...) Não havia projeto pedagógico. (...) Visava-se formar um bom profissional seja na docência do ensino médio ou superior seja para exercer a função de profissional. Mas, tudo feito empiricamente. (...) Os contratos, o modo de receber o salário (depósito em conta bancária), a equiparação dos vencimentos dos professores dos Institutos Isolados com os da USP tudo isto foi sendo implantado, dando segurança aos docentes, permitindo tranquilidade para a docência e pesquisa. (...) não havia linha de pesquisa. Cada professor pesquisava o que quisesse, isto é, temas relacionados com sua especialidade. (...) A maior parte do financiamento da pesquisa saía do bolso do professor com pequena parcela vinda da Faculdade. (Dióres Santos Abreu, In: ALEGRE, 2006, p. 89-91) Mas em Rio Claro, o ambiente de trabalho era bom, não havia distinção entre as diversas áreas, todos trabalhavam juntos, havia interação entre os professores, troca de experiências, os professores tinham maior autonomia. Penso que os Institutos Isolados passaram por várias etapas. Dependia muito do governo da época. Quando os Institutos Isolados foram criados, no governo de Carvalho Pinto, todas as condições foram dadas pra que eles funcionassem direitinho. Então por exemplo, Rio Claro. A biblioteca do ponto de vista da Matemática, em termos de revistas, de jornais científicos, Rio Claro foi absolutamente privilegiada. Nós temos uma coleção extraordinária desde o começo dos anos 60 até meados de 70. (...) na antiga Faculdade de Filosofia de Rio Claro havia mais harmonia entre os cursos do que com a divisão em dois institutos, na criação da UNESP. A criação de dois institutos traçou uma linha divisória entre eles, 205 e parece que não havia cruzamento possível dessa linha divisória. Ao passo que na Faculdade de Filosofia convivíamos em perfeita harmonia, trocando ideias com os vários grupos dos vários departamentos. Sou saudosista... Também porque era menor. Claro, a massificação sempre prejudica o andamento das coisas, mas creio que a Faculdade de Filosofia funcionava muito bem. Em matéria de recursos, pouca coisa mudou. Evidentemente a faculdade só começou a ganhar mesmo com a autonomia que passou a ter de uma época em diante. Antes a dificuldade era a mesma. Nós acabávamos sempre dependendo do governo de plantão. Agora, com a autonomia, com a atribuição de um percentual do ICMS a coisa melhorou um pouco. (Irineu Bicudo) Para um professor de Araraquara, a forma com que estavam estruturados os Institutos Isolados funcionava bem: A UNESP enquanto era constituída de Institutos Isolados sempre funcionou de forma exemplar, tinha, na minha opinião, mais autonomia, mais dinamismo. Para mim funcionava melhor. Com a criação [da UNESP] o poder ficou centralizado em São Paulo e a distância era um grande empecilho. Você estava longe desse poder, longe das decisões. Naquela época não havia e-mail, era só na base do telefone e os carros oficiais que circulavam com grande frequência. E as pessoas ficavam alheias sobre ao que estava acontecendo, ouvia-se comentários dos diretores do que estava acontecendo, mas não vivenciava. É diferente da época em que as decisões eram tomadas no local que estavam vivenciando. (Ivo Machado da Costa) Isso foi anterior à Reforma do Ensino Superior, enquanto vigorou o sistema de Cátedras. (...) quando os Institutos foram criados, em Rio Claro em particular, eu disse: “eles foram privilegiados”, por que gente da mais alta estirpe veio pra coordenar as chamadas Cadeiras. Gente da USP, gente muito tarimbada veio pra coordenar, pra reger essas Cadeiras. (Irineu Bicudo) O que era reger a Cadeira? Era fazer o projeto para o ano seguinte, fazer listas de livros para serem comprados pela biblioteca, enfim dar conta do processo do ano letivo que vinha. (Maria Bicudo) No tempo das Cátedras, determinado professor era o responsável pela Cadeira e este era um título vitalício. Ao seu redor circulavam vários assistentes que não tinham grandes chances de ocupar a Cadeira. A Universidade era muito diferente, a minha geração era a geração do culto à personalidade. A gente curtia muito aqueles grandes professores, os grandes nomes que tinham uma constelação de aprendizes, que eram muito respeitados, muito. Era um pessoal que não ligava muito para os títulos, para a competitividade, assim que eu via. Grandes professores cientistas, que os alunos procuravam seguir e até imitavam. A gente tinha aqui no corpo docente, professores que tinham vindo da USP e do exterior também. Eram grandes nomes e a gente cultuava muito essas pessoas e também suas personalidades, seus jeitos de ser. (...) Logo depois de formada você era uma bolsista, era uma monitora, ia trabalhando, ia aprendendo dentro do departamento (não era Departamento, era Cadeira) junto a um professor que tinha seus alunos instrutores. E daí você era convidado a entrar, a trabalhar. Fazia um caminho de aprendizado mesmo e não era um edital aberto. (Berenice Guardia) Era um outro tempo, em que se dependia unicamente do esforço do diretor de cada unidade para conseguir os recursos necessários a fim de manter a Faculdade. Este era o tempo 206 do “pires na mão”. Faltava autonomia aos Institutos Isolados, que em tudo dependiam do aval do governo. Você vinha pedir recursos, ficava andando para lá e para cá, numa situação muito desagradável, difícil de resolver. (...) É preciso sempre lembrar essas viagens frequentes que se faziam, que eram uma coisa terrível, porque você conseguia um recurso no Planejamento, você ia para a Fazenda o recurso não estava liberado, etc. Então era muito complicado. (Jorge Nagle) Além de não possuir recursos a instituição não tinha autonomia. Até para se contratar um professor era preciso pedir autorização para o governador do Estado, em São Paulo e para que se tomasse qualquer decisão a USP tinha que ser consultada. Muitos destes assistentes, os chamados “segundos” da USP, é que vieram a compor os quadros de professores dos Institutos Isolados, juntamente com alguns professores do ITA. (...) Inicialmente, os diretores dos Institutos Isolados eram indicados pelo governador e sempre eram de outras instituições, fora dos próprios IIs. E por que era indicado alguém de outra universidade? Porque nós não tínhamos poder e não éramos consultados nunca, mesmo contendo todas essas figuras importantes. Porque, quando se tinham os Institutos Isolados e o corpo docente era importante, o diretor tinha um poder, eles eram pessoas bem escolhidas, não um dentre a nossa comunidade. Em geral eram provenientes da USP ou do ITA. (Maria Bicudo) Bom, também tinha essa história: os professores que eu conheci, que vieram no início, principalmente de São Paulo, quase todos eram vindos da USP. Depois é que vieram outros professores, até estrangeiros, principalmente em Letras. Alguns eram do campus de Assis, oriundos de Portugal. Gente boa, gente famosa. A observação minha é a seguinte: os outros eram crias dos famosos de São Paulo. Então tudo o que eles precisavam fazer, sempre eles precisavam “correr” em São Paulo e pedir a benção, entendeu? Você deve imaginar como era. Então só doutoravam quando os de lá concordavam. Então a USP ficava de “mãezona” desses institutos assim. (...) o pessoal da UNESP agora é livre há alguns anos, mas não eram. (Ruy Madsen Barbosa) Manter o controle de liberação de verbas dos Institutos Isolados e indicar seus diretores, sendo todos externos, é uma atitude própria do Estado dominador que, segundo Nietzsche (2009), mostra sua força concedendo favores, quando quer em troca da aceitação de sua proteção e tutela. Assim, exerce seu domínio mantendo a submissão e tirando a autonomia tanto de pessoas quanto de instituições a ele subordinadas. Durante o governo de Adhemar de Barros, os recursos escassearam muito e não havia dinheiro nem para renovar as assinaturas de revistas. Até o salário dos professores atrasava. Quando vem o governo do Adhemar de Barros, nós não recebíamos pagamento, o salário atrasava. O que nós tínhamos de assinaturas de revistas na FAFI era um número bastante grande e significativo. Quando chega a primeira crise param-se as assinaturas. No começo da década de 1970, não se tem dinheiro para uma revista. (Maria Bicudo) Outro problema era o isolamento acadêmico que os professores sentiam. No interior de São Paulo, não existiam muitas instituições de Ensino Superior, até por isso os Institutos Isolados foram criados. Todos acabavam recorrendo à USP em busca de conhecimento. 207 Vou contar o sentimento que eu tinha quando vim trabalhar aqui. Eu me sentia “um peixe fora d’água”, sozinha. Não tinha com quem discutir, para estudar eu tinha que ir a São Paulo. Qualquer coisa que eu queria – livros, assistir a seminários, etc. -, eu tinha que ir para São Paulo. Era isso que eu vivia, todos nós vivíamos. Todos nós que não éramos nascidos na cidade e que para cá havíamos vindo para trabalhar, como era o caso daqueles que haviam ido para Assis, Rio Preto, Araraquara. Sempre tinha que ir buscar coisas fora. Então era esse sentimento de estar sozinho e isolado. Nos Institutos Isolados a gente se sentia isolado. E eu gostava de estar em Rio Claro, porque eu não estava para “lá do rio”, eu estava mais perto de São Paulo. Hoje as estradas são boas, mas antes era muito longe. Para fazer um doutorado, tínhamos que viajar, ir e voltar, deixar filhos, a casa, preparar as aulas: o sentimento era o de estar isolado. Nós queríamos encontrar um meio de não sermos isolados - essa história de isolar não estava só na cabeça de militares - era uma ansiedade da comunidade toda que se sentia isolada. (Maria Bicudo) Durante essa época, um problema enfrentado pelo Ensino Superior era a falta de vagas, os chamados “alunos excedentes”. Em 1968 estávamos vivendo um momento muito interessante, muito político no Brasil devido à questão da falta de vagas no ensino superior. Nós tínhamos os excedentes, que eram aqueles que passavam no vestibular embora tivessem a nota acima de cinco e que não obtinham vagas, porque elas eram limitadas. O curso de Medicina sempre teve muitos excedentes. Inclusive aqui, na cidade de São Paulo, foi criado o curso da Santa Casa para acomodar excedentes da Medicina, porque eles tinham notas altíssimas na seleção feita no vestibular, mas não conseguiam uma das 80 vagas da Pinheiros e entre aquelas da Paulista de Medicina (hoje UNIFESP). As Ciências Sociais também tinham um contingente muito alto de excedentes. (Maria Bicudo) A maior oposição à interiorização do Ensino Superior no Estado de São Paulo foi feita pela USP, e a justificativa para esta oposição é que as cidades do interior não teriam condições de manter uma instituição de nível superior de qualidade. Isso foi outra questão que julgo interessante pelo menos propor: a USP recusou a existência dos Institutos Isolados. Sempre recusou. Porque acabou havendo competição. Agora, como é que pode o Estado de São Paulo, com a riqueza que tinha, só ter uma instituição de ensino superior pública? E tinha aquela questão do número de vagas; muito limitado. Como é que faz? Um Estado que se diz pujante, grande locomotiva do Brasil, etc. Então, a interiorização foi uma medida fundamental para tornar mais acessível o Ensino Superior no Estado de São Paulo. E a UNESP teve o privilégio de se distribuir por todo o interior do Estado. Então, acredito que foi uma medida extremamente prudente para o Ensino Superior brasileiro, não só para o Estado de São Paulo. (Jorge Nagle) Esse era um momento em que o Ensino Superior passava por diversos problemas que estavam sendo amplamente discutidos, juntamente com as questões da Ditadura Militar, regime político autoritário vigente no país. Era o período da efervescência do Movimento Estudantil, do combate à Ditadura. No decorrer de 1968 , começaram nas unidades da USP estudos e reuniões para uma reforma da universidade. Reforma administrativa e acadêmica dos cursos para que eles fossem mais voltados para os interesses da população, para os problemas brasileiros, voltados mais para os interesses do povo, cursos ligados às grandes problemáticas nacionais. Foi esse o embasamento dessa tentativa de reforma universitária. Começaram na USP reuniões chamadas de “comissões partidárias”, 208 professores e alunos igualmente representados para as discussões dos temas da reforma. Isso também acontece nos Institutos Isolados. Começam a ter reuniões em que os alunos e professores debatem temas, os alunos muito agitados, os alunos muito reivindicadores, cobrando, não há nenhum professor que se negue, todo mundo participa. (Dióres Santos Abreu, In: ALEGRE, 2006, p. 100) Com esse Movimento Estudantil, os nossos estudantes começavam a agir, sob orientação do pessoal da USP. Os alunos da USP, Diretório Acadêmico vinham até aqui [Presidente Prudente], como iam em Rio Claro, como iam em Araraquara. E traziam apostilas e documentação, toda ela de caráter marxista. Realmente era, e a polícia estava sempre de olho. (...) de 64 até o início de 69 nós tivemos umas dez, doze vistorias da Polícia Militar, que vasculhava sala, vasculhava biblioteca, procurava livro, não sei o que, muita coisa a gente escondeu. Livro que tinha capa vermelha era suspeito mesmo que fosse a bíblia. (Marcos Alegre, In: ALEGRE, 2006, p. 125) Alguns professores, principalmente os da área de Humanas, sofreram perseguições e ações restritivas. Aconteceu mesmo um caso de ação restritiva, durante a ditadura aqui em Rio Claro. Eu sei porque a pessoa era minha amiga e nós fomos a São Paulo conversar com o pessoal da universidade e o pessoal da universidade estava tirando um pouco “o corpo fora”. E depois viemos a saber que havia mesmo um general que ficava encarregado de ver como andavam as coisas na universidade e a restrição ao nome desse professor, porque ele tinha sido membro do JUC, Juventude Universitária Católica. O nome dele teve a restrição então do exército. (...) Ele era da Pedagogia. Disse que era um problema do Dops. (Irineu Bicudo) Alguns professores que tinham realmente uma linha mais radical, simplesmente foram embora [de Presidente Prudente], porque não tinham ambiente para trabalhar aqui. (Marcos Alegre, In: ALEGRE, 2006, p. 125) Em 1964, durante a ditadura, as universidades sofreram muito, todas. Incluindo a UNESP. Incluindo Araraquara, que é o meu caso. Talvez a que mais tenha sofrido tenha sido Rio Preto. No caso de Araraquara, parte da própria cidade se revoltou contra a gente. A cidade e o padre também, contra nós, da Filosofia. E a coisa era pesada. O padre fazia sermão todo dia às seis horas contra a gente. Mas, fomos suportando a pressão. O pessoal mais atrasado, mais conservador da cidade era contra a gente também. De um modo geral, diziam que nós estávamos pondo a perder os filhos deles. Foi pesado. (Jorge Nagle) Os militares tentavam controlar todas as áreas da Universidade. É durante este tipo de regime político autoritário que se exerce a dominação de forma mais nítida e evidente, pois não há necessidade de esta dominação ser velada. Não há muita liberdade para a rebelião ou para a revolta. Olha, quando nós fazíamos os nossos vestibulares aqui [em Rio Claro], quem coordenava o vestibular? Era um militar. Era um militar para coordenar o vestibular e não era o vestibular da UNESP generalizado. (Amilton Ferreira) Em meio a todos esses problemas e discussões que fervilhavam nesse momento, a questão dos Institutos Isolados já aparecia. Nesse contexto todo, mais o contexto do golpe e muitas outras questões de fundo, por exemplo, a separação da teoria e prática e outras, é que estávamos pensando sobre a questão da estrutura universitária. Estávamos num momento de discutirmos 209 uma reforma universitária. Em nossas assembléias [em Rio Claro], os momentos de discussão eram fantásticos; reuníamos todos os professores, todos os funcionários, todos os alunos de todos os cursos e propostas interessantes que eram colocadas. Já se falava em criação de institutos e faculdades e isso em 1968. Eu participei muito dessas discussões. (...) Em 1968, nós tínhamos reuniões constantes, assembleias, grandes assembleias, para discutirmos a proposta de reestruturação que nós tínhamos para essa faculdade. Como poderíamos nos organizar, que cursos nós poderíamos ter. Então foi a primeira vez que trabalhamos todos juntos, professores, alunos e funcionários. Suspendemos todas as atividades, eu não lembro se nós falávamos que estávamos em greve ou não, mas eram grandes fóruns de debates que aconteciam e nós ficávamos o dia inteiro na FAFI. Vários dias, o dia inteiro discutindo, isso foi em 1968 quando também veio a Reforma Universitária, essa reforma que persiste até hoje. É uma reforma com caráter totalmente diferente do que nós tínhamos na Faculdade de Filosofia. (Maria Bicudo) Havia já uma tentativa, por parte dos professores, funcionários e alunos sobre a melhor maneira de se organizarem os Institutos Isolados. Em 1968, nós tivemos o Primeiro Congresso dos Institutos Isolados do Ensino Superior e isso foi em Rio Claro. Foi organizado principalmente pelo pessoal das Ciências Sociais. Eu me lembro muito bem do Altenfelder organizando esse congresso com o pessoal de Araraquara; tivemos um congresso muito bem organizado, vieram professores dos diferentes Institutos, para discutirmos uma proposta de universidade para esses Institutos Isolados. E esse congresso ocorre, do meu ponto de vista - mas eu não era da cúpula organizadora, eu era recém-formada, estava apenas começando -, nos mesmos dias do Congresso da UNE. E o pessoal de Rio Claro, não sei hoje como eu definiria, a comunidade de Rio Claro era contra a universidade, no sentido de nos olharem como estrangeiros, estrangeiros no sentido de estranhos. A cúpula de políticos de Rio Claro entendia que nós todos éramos de esquerda e estávamos nesse congresso. Até pensavam que nós fossemos da UNE, que aquele nosso congresso era “fachada”. Nosso congresso ocorreu no Colégio Vocacional. Estávamos em pleno 1968, clima efervescente de debates, de questionamentos, de propostas. Então eram discussões muito acaloradas, nós colocávamos também os funcionários para discutirem. Se eu não me engano, foi nesse momento que foi criada a ASFAFI, Associação de Funcionários da Faculdade de Filosofia. (Maria Bicudo) Entretanto, o momento político vivido na época era de Ditadura, período de ações coercivas impostas por meio da força e do medo. Este não era um tempo de liberdade de expressão ou de ação. No final de 68, com o endurecimento do AI-5 muita gente (professores e alunos) caem fora das partidárias. (...) Com o AI-5, a Secretaria da Educação instaurou um processo administrativo na faculdade para levantar o que fora a ação das partidárias. Todo mundo ficou com muito medo porque podia haver até a perda de emprego. Muitas pessoas foram chamadas para depor. (Dióres Santos Abreu, In: ALEGRE, 2006, p. 100-101) Sempre fui atuante politicamente, então eu me colocava sempre nos grupos de discussão e, lentamente, mas muito lentamente, a voz desses grupos foi se elevando, associações foram sendo criadas, como a de docentes. E estava muito claro que aquela voz só ia ser ouvida quando saíssemos da ditadura e foi o que aconteceu. (...) Quando veio o AI- 5 cai um “balde de água” sobre isso tudo. Em 1969, final de 1968, nossas vozes todas foram caladas. (...) Essas grandes reuniões, esses grandes debates na cantina com a presença de professores, alunos e funcionários, já não acontecem. Faz-se silêncio. Eu me lembro, por volta de 1971, do marasmo que reinava na FAFI. Antes havia grandes assembleias e discussões na cantina da Rua 210 10. Agora, nessa mesma cantina, jogava-se pingue-pongue, sentava-se para tomar Coca-Cola, era assim: um marasmo. (Maria Bicudo) Em 1969 começou uma articulação na tentativa de aglutinar e normatizar os Institutos Isolados, mas que não mais partia dos professores, funcionários e alunos, e sim da Secretaria de Educação, como a criação da CASES, que posteriormente se transformou em CESESP. Em 1967 havia sido criada, por decisão do Conselho Estadual de Educação a CASES, Coordenação da Administração do Sistema de Ensino Superior junto à Secretaria da Educação e posteriormente mudada para CESESP, Coordenadoria do Ensino Superior do Estado de São Paulo que, num primeiro momento, apenas estudava a forma de administrar as faculdades e que deu origem aos Institutos Isolados como autarquias de regime especial e com indicação para que tais institutos fossem se congregando em federações ou incorporados a universidades. Foi o Decreto-Lei 191 de 30 de janeiro de 1970, que se reportava à lei federal nº 5.540 de novembro de 68. Essa lei estabelecia que os institutos oficiais deveriam se agregar em confederação ou incorporar-se a uma universidade, A partir daí as relações das faculdades com o governo se faziam por intermédio desse órgão, cujo Conselho era formado pelos diretores dos institutos. (...) Portanto, embora isolados de direito, de fato já havia certa aglutinação. Os institutos agora agiam em conjunto. (Marcos Alegre, In: ALEGRE, 2006, p. 127) É criada uma articulação administrativa superior aos Institutos, a CESESP. Para responder pela CESESP, é escolhida uma pessoa de fora desta comunidade, ligada à Secretaria da Educação. E junto com isso, vem o movimento, tumultuado, que leva à criação da universidade. (...) Com a administração centralizada da CESESP, se inicia um descompasso entre o modo de conduzirmos nosso trabalho e o imposto “de cima” (Maria Bicudo) (...) dizia-se que esta nova federação ou universidade não funcionaria bem pelo fato de ser espalhada pelo estado, de difícil administração. Enquanto isso nós, da área de ensino, achávamos que o ideal seria que o Governo do Estado criasse uma grande universidade abrangendo todo o território estadual ou várias universidades. Seriam as universidades regionais. (Marcos Alegre, In: ALEGRE, 2006, p. 128) Também na Secretaria de Educação do Estado de São Paulo se discutiam essas mesmas questões. Sabia-se, entretanto, que na Secretaria de Educação havia um grupo de trabalho, criado pelo Secretário que na época era o senhor José Bonifácio Coutinho Nogueira, com o objetivo de estudar uma nova vinculação dos Institutos Isolados até aí vinculados ou subordinados à CASES. Não sei dizer para você se, nesse grupo, havia ou não gente dos Institutos. Discutia-se a diversidade de tratamento acadêmico e administrativo que existia entre as faculdades e institutos vinculados e fazendo parte das universidades USP e UNICAMP e a dos Institutos Isolados em posição inferior, tendo, entretanto objetivos idênticos aos das universidades. (Marcos Alegre, In: ALEGRE, 2006, p. 129) 211 Notícias do Poder... Então se cogitou de montar uma universidade nos moldes das que já existiam, no caso do Estado, duas: a Universidade de Campinas e a USP, que é a mais antiga. E a primeira dificuldade foi de como deveriam se agrupar os diversos cursos. Isso porque eram várias faculdades espalhadas pelo Estado de São Paulo, criadas de alguma forma aleatoriamente ou a partir de interesses políticos das diversas comunidades. Assim os cursos propostos se repetiam nas diversas unidades. Agora, não se poderia reunir isso tudo do jeito que estava e dar um tratamento de universidade simplesmente pela associação das unidades. Era preciso unificar, homogeneizar e verificar os tipos de faculdades que comporiam a universidade. (Francisco Borba) Enquanto isso, professores, funcionários e alunos debatiam qual deveria ser o futuro dos Institutos Isolados Fazíamos ‘barulho’ e nossa voz começou a irritar quem estava dominando. O que é essa dominação? É uma dominação de estrutura, institucional e que foi se mostrando ineficaz, solicitando um passo além de uma CESESP, porque a CESESP é só uma coordenadoria. Aí então, dando-se um passo maior, criando-se uma universidade, cria-se outra estrutura, cria-se um poder maior para esses Institutos em termos de autonomia, em termos de voz e, por sua vez, um poder menor para cada Instituto Isolado. (Maria Bicudo) As discussões dessa coordenadoria subordinada à Secretaria de Educação e a dos professores, funcionários e alunos não caminhavam na mesma direção. (...) nós preparamos aqui [em Presidente Prudente] documentos, deve haver cópias por aí, do nosso apoio à ideia da federação. Nós estávamos nessa fase quando, de repente, explode a ideia da UNESP, quer dizer, ela devia estar em gestação em algum lugar. Possivelmente no gabinete do senhor Secretário da Educação. Talvez, envolvendo alguém da CESESP ou, o mais provável, do palácio do governo. (Marcos Alegre, In: ALEGRE, 2006, p. 131) 212 Notícias do Poder... Ao lado delas duas [USP e UNICAMP] existiam então, 15 Institutos Isolados, e esses eram vinculados à Secretaria de Educação do Estado. A Secretaria tinha as Coordenadorias Relativas ao Ensino de Primeiro e Segundo Graus e uma coordenadoria que regia os Institutos Isolados, que era chamada Coordenadoria do Ensino Superior do Estado de São Paulo, cuja sigla era CESESP, subordinada à Secretaria de Educação, ao Secretário de Educação. Quando se pensa a reforma da Secretaria, pra adequá-la à Reforma do Ensino brasileiro. Com a criação do Primeiro e Segundo Graus, não se sabia bem o que fazer com os Institutos Isolados. Nessa época, eu era o Coordenador dos Institutos Isolados, tinha sido convidado pelo Governador Paulo Egydio e pelo Secretário de Educação da época, Dr. José Bonifácio Coutinho Nogueira para ser o Coordenador dos Institutos Isolados. Isso foi em 1973, então de 1973 a 1976 fui Coordenador dos Institutos Isolados e com a Reforma da Secretaria, surgiu o problema: o que se fazer com os Institutos Isolados? A Secretaria ia cuidar do Ensino de Primeiro e Segundo Graus e os Institutos Isolados? Eu, conversando com o Secretário da época, sugeri: “Bom, eu entendo que talvez a única solução” porque havia duas hipóteses, dentro da legislação, que rege, digamos, o Ensino Superior: ou seria uma federação de escolas ou universidade, não tinha outra alternativa. Eu disse: “A única forma de nós darmos efetivamente um avanço, é ter a ousadia de criar uma nova universidade”. Falei: “Será uma universidade diferente, seria sui generis, porque eram 15 Institutos Isolados em municípios diferentes”. Portanto seria uma universidade de múltiplos campi, multicampi. (...) Aí o Bonifácio se convenceu de que talvez fosse a solução, discutiu com o Governador Paulo Egydio e ele topou que nós partíssemos para a criação da terceira universidade. Veio o problema inclusive de escolher o nome, nós pensamos inicialmente em se chamar UNESP. “Qual a sigla que nós vamos colocar?” eu, discutindo com o Bonifácio. Falei: “Olha, ou colocamos UESP ou UNESP, Universidade Estadual Paulista. Não podia ser “de São Paulo”, já tinha a USP, que era da capital. Ele falou: “Mas UESP seria muito próximo de USP”. Aí falei: “Então vamos ficar com UNESP” e aí foi criada a UNESP. (Luiz Ferreira Martins) A criação da UNESP, portanto, foi um ato autoritário, decidido por um pequeno grupo, sem levar em conta a opinião dos que seriam envolvidos e que de fato foram os maiores prejudicados, os professores, os quais foram somente comunicados. A UNESP foi criada por lei de 30 de janeiro de 1976. Foi instalada durante solenidade no salão nobre da Faculdade de Direito no Largo São Francisco. Foi uma festa em que muita gente dos Institutos Isolados participou. Eu estive lá. Havia muita esperança de que a criação da Universidade, agrupando os Institutos Isolados, seria uma coisa boa. Um passo a mais na consolidação dos Institutos Isolados. A partir de fevereiro de 1976, começaram a circular boatos de como seria a 213 composição da universidade, campus, faculdades e cursos. A partir daí, o pânico se estabeleceu para Prudente porque se falava em extinção da unidade. (Dióres Santos Abreu, In: ALEGRE, 2006, p. 97) Esse tipo de ação autoritária do Estado em relação aos homens por ele tutelados nos lembra os escritos de Nietzsche (2009). Ele nos indica que, durante o processo civilizatório, há um ganho de civilidade para o homem em detrimento de sua autonomia. Este homem torna-se enfraquecido e subjugado, ficando à mercê das regras impostas pelo Estado. Este homem, quando recalca seus instintos e aceita se submeter, torna-se manso, sendo facilmente manipulado, transformando-se em massa de manobra. Para a comunidade acadêmica, essa notícia foi um choque, ninguém esperava esse tipo de solução, porque essas ideias não tinham sido amplamente discutidas com as pessoas que realmente iriam sofrer as consequências desses atos. (...) sobretudo foi um assombro nós sabermos que a sede seria em Ilha Solteira, depois a gente entendeu que era um acordo do Governo do Estado com a CESP, que ia deixar os laboratórios lá, vazios. (...) Houve esta preocupação, o Governador agora era o Paulo Egydio, e eu me lembro da instalação da UNESP lá na Ilha Solteira. Compareci à cerimônia. Então o Governador pediu um mapa do Brasil, arranjaram um mapa da América do Sul. Ele pediu um compasso, colocou uma ponta na Ilha Solteira deu um giro com o compasso e disse: “Essa será a Universidade transcontinental.”. Acho que o Governador tinha um projeto colonialista e, em certa medida, serviria para cortar um pouco as asas da USP, o grande foco de resistência contra o autoritarismo vigente. Era, portanto, uma jogada política. (Marcos Alegre, In: ALEGRE, 2006, p. 13. Grifos nossos.) Notícias do Poder... O Luiz Ferreira Martins, na ocasião coordenador da CESESP (Coordenadoria do Ensino Superior do Estado de São Paulo) foi o grande responsável por tudo. Ele vinha da Odontologia de Bauru, não tinha, em princípio, nada a ver com a UNESP, não tinha nenhum interesse pessoal, no sentido de bairrismo, claro. Ele era realmente muito dinâmico e entusiasmado, mas autoritário pra danar. Talvez por isso tenha levado a coisa com mão de ferro. Argumentava com veemência e tentava sempre neutralizar qualquer contra-argumento. Impunha e defendia com garra suas posições. Para nós que participamos diretamente da montagem, nós diretores que, em tese, levávamos as ideias das unidades, ficávamos praticamente dançando na corda bamba. (Francisco Borba) (...) fui um partícipe, não fiz isso tudo sozinho, é claro. Os diretores e todos os demais me ajudaram, o pessoal que estava comigo dentro da Reitoria. (Luiz Ferreira Martins) 214 Nem todos estavam de acordo com a criação de uma nova universidade no interior do Estado de São Paulo. A USP se opôs, iniciando-se uma briga por recursos que vinham todos da mesma fonte, o governo do Estado. Então veja, a USP estava sozinha, ela tem o predomínio sobre o Ensino Superior Público no Estado de São Paulo. Aí surge uma outra instituição. Enquanto Instituto Isolado tudo bem, a gente tolera. Aí surge uma outra Universidade, que é a UNESP, aí você fica olhando com mais cuidado para a instituição. (Jorge Nagle) Alguns professores, como a professora Maria Bicudo, de Rio Claro, nem estavam no Brasil. Eu me lembro bem dessa passagem: quando volto em 1976, o que eu encontro? A UNESP recém-criada, uma desestruturação do que havia e uma tendência a reestruturar a partir da nova estrutura, do novo estatuto da UNESP. Especificamente o meu departamento, que tinha sido extinto, assim como o curso em que eu trabalhava e, por questões do destino, eu tenho que assumir a “chefia” daquele departamento em processo de extinção. (...) Foi muito ruim, porque eu tive que assumir naquele momento a extinção, ou seja, quando estava se dando a locomoção das pessoas. Eu lidei com tudo isso, quer dizer, todo aquele sentimento de estarmos muito mal e de termos que trabalhar em um curso em extinção, pois já não teria uma nova turma no próximo ano e, ao mesmo tempo, manter uma certa vontade, uma expectativa, daqueles alunos que estavam se formando. “Não é porque não existe mais esse curso aqui, que a profissão não vai existir”. Foi um momento muito difícil. Nós estávamos muito bravos, discutindo, nós não estávamos quietos. (Maria Bicudo, grifos nossos) Esse sentimento descrito acima nos parece de não aceitação das ações impostas, percebe-se a tentativa de embate, mas esses indivíduos não tinham o poder, ao menos naquele momento, de reagir, de revidar ou de se vingar. Este é o lugar do dominado e muitas vezes é ocupado por imposição. Logo após o ato de criação, a comunidade acadêmica foi convidada a se manifestar a fim de dar início à reestruturação da Universidade. Eu me lembro que aqui e cada unidade deveria se manifestar. Eles deram um prazo pequeno para isso, sabe? Como se eles já soubessem o que iam fazer e que tanto fazia ter propostas ou não. (...) Olha, eu acho que eles tinham uma proposta pronta e foi ela que foi instalada, sabe? Por ventura, eu me lembro que o dia que o reitor veio a Presidente Prudente, na nossa unidade para apresentar a sua proposta. (...) E, enquanto ele se apresentou, nós, a comunidade, se manifestou contra, entende? De uma forma muito objetiva, de uma forma muito pertinente, mas acho que não houve resultados positivos, pelo menos significativos em termos de reestruturação. Acho que a reestruturação foi feita como queria um grupo formado predominantemente por professores da área da saúde, disciplinas tecnológicas e onde não compareciam representantes das áreas humanas. (...) E a proposta que vigorou foi a proposta do reitor e desse pequeno grupo. (...) o que venceu mesmo foi a proposta prévia e autoritariamente colocada pelo reitor. (Thereza Marini, In: ALEGRE, 2006, p. 333335, grifos nossos). Ao que nos parece, esses professores não foram convidados a opinar, mesmo sendo essas as ações que trariam consequências à vida deles e à das suas famílias. Este é o tipo de ação do Estado dominador. Os professores prejudicados tentaram se defender, tentaram impor 215 sua vontade, mas, diante da força e do poder demonstrado pelo dominador, acabaram cedendo. Ao todo foram fechados catorze cursos. Foi a chamada “reestruturação da Universidade”, que se baseou nas ideias e nas políticas educacionais vigentes da época. Vale dizer que, por esta época o Brasil, por intermédio do Ministério de Educação e Cultura, assina um convênio na área da Educação com uma agência americana de desenvolvimento com o objetivo de planejar o ensino no país, em especial o de nível superior. Era o chamado acordo MEC/USAID. As propostas resultantes do acordo geram muita polêmica. Pois havia nítida intenção de priorizar as áreas técnicas e pouca ou nenhuma preocupação com as áreas humanas. O projeto propunha-se também trabalhar pela privatização do ensino. (Marcos Alegre, In: ALEGRE, 2006, p. 121) Esse era um período de grande efervescência nos meios acadêmicos, de movimentação estudantil e de combate à Ditadura. Estávamos vivendo o período que os acólitos do regime chamavam de “milagre brasileiro”. As Ciências Humanas abrigavam os contestadores que, na ótica dos senhores do poder, só poderiam atrapalhar. O jeito seria extingui-las ou reuni-las num único lugar que seria mais fácil manter a vigilância sobre elas. Com o passar do tempo percebeu-se que os tais centros de excelência representavam apenas uma forma para explicar, na verdade encobrir, as verdadeiras razões dos atos praticados. (Marcos Alegre, In: ALEGRE, 2006, p. 136) A gente estava em tempos de ditadura, um tempo em que se falava bastante em teoria de sistemas. E uma das coisas que se ouvia era “não duplicação de recursos para fins idênticos.” Essa frase foi falada bastante na hora da reestruturação da UNESP onde havia vários cursos. (Berenice Guardia) Cada Instituto Isolado tinha sua história e isso se constituiu em um problema sério na criação da UNESP. Essa história não foi respeitada. Os Institutos foram reunidos e separados conforme a ideologia taylorista: economia. No meio dessa “revolução”, estávamos nós, os professores (os únicos que sofreram na pele a briga da “maré com a montanha”, pois nenhum funcionário foi transferido, e os alunos passam, pela própria concepção do curso que cursam, o qual está em curso). É claro que, no real vivido, formam-se concepções a respeito de tal Instituto, Departamento etc. ser forte ou não, bom ou não. Isso fazia parte de nossa história. (Maria Bicudo) Na época da criação da universidade (...) fizeram um decreto, cria e diz onde vai ser a sede e pronto! Está criado de cima para baixo. Nessa criação vem a legislação complementar: os cursos não podem ficar duplicados, então esse deixa de existir, esse, esse, esse. E aí foi um a briga para dizer quem ficava e quem saia. Porque aqui, a gente já tinha cursos estaduais próximos de Rio Claro. Então o que fica aqui e o que vai embora? O que é forte para ficar? (Geraldo Perez) A direção da vida desses professores e de seus trabalhos mudou devido à criação da UNESP. Coube a essa cúpula de dominadores fazer as escolhas de quais campi seriam centros de excelência, quais cursos e departamentos seriam extintos, quais seriam remanejados, quais professores ficariam, quais seriam transferidos. A professora Thereza Marini, de Presidente Prudente, faz a seguinte reflexão sobre todos os acontecimentos do período: 216 Houve um momento em que nós vivíamos uma realidade universitária dentro dos Institutos Isolados, em que havia, assim, uma grande liberdade e uma, vamos dizer assim, uma concepção de unidade de Instituto Isolado como um núcleo universitário. Um núcleo que ia trabalhar as Ciências Humanas, que ia formar pensadores e filósofos, que a nossa Faculdade era uma Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, que nós íamos formar um grupo de profissionais que fossem atuar dentro dessa realidade social, etc. E que nós poderíamos, sempre, até crescer nessas duas dimensões, a dimensão humana e a dimensão tecnológica, certo? Agora, a partir da década de 70, a Universidade começou a se agitar e a se movimentar, mas dentro desta proposta pragmática e tecnicista que o próprio estado brasileiro vivia, que foi a grande ocasião dos planos nacionais de desenvolvimento. Esses planos nacionais de desenvolvimento traziam também uma parte, era o planejamento educacional, o planejamento da Educação e eles passavam uma ideologia desenvolvimentista e uma ideologia de segurança nacional e de capacidade técnica para fazer o país dar um salto de desenvolvimento. Então, o que é que se começou a ver? E isso é mostrado pela proposta da criação da UNESP, que interessava mais formar profissionais técnicos do que pensadores, porque as Ciências Humanas perdiam seu valor diante do grande interesse de formar bons técnicos para trabalhar no mercado de trabalho e contribuir para o desenvolvimento da nação. (Thereza Marini, In: ALEGRE, 2006, p. 337-338) Notícias do Poder... Agora, o que aconteceu foi que essa transição foi um pouquinho, chamemos de violenta. Eu não sei se também estava certo ou estava errado, o caso é que a medida vinha da então Reitoria e “cumpra-se”. E o pessoal ficou aborrecido com isso, saiu o curso daqui, foi para lá, professor foi deslocado e tudo mais. Bom, há algumas coisas que são complicadas. Agora, se devia fazer isso ou não, também não sei, mas de qualquer forma, não dava para viver como Instituto Isolado. (...) Têm certas brigas um pouco complicadas. Mas, de qualquer forma, não se faz assim. Não é? Agora, não sei se conversando a coisa resolveria também, essa é a questão. Era muita gente. E tinha aquela norma que não pode ter, na mesma universidade, cursos duplicados. Esse foi o argumento. Dá para entender? Se tem um curso aqui, não pode ter lá. Isso era da legislação federal. (Jorge Nagle) Com a criação da UNESP, os campi de Araraquara e de Marília foram escolhidos para se transformarem em “Centro de Excelência” na área de Humanas. Portanto, todos os cursos pertencentes à área de Humanas de outras unidades foram transferidos para estes dois campi e com eles, seus professores. Quando eu voltei, em julho de 1976, a UNESP já tinha sido criada, nós, da Pedagogia, já tínhamos sido transferidos mediante o diário oficial para Araraquara. Mas havia a possibilidade de ser transferida para dois cursos entendidos como “núcleos de excelência”, Marília e Araraquara. E essa foi uma grande discussão: por que eram polos de excelência? Na verdade foi uma distribuição política entre os Institutos Isolados e não um trabalho voltado para a força de produção dos grupos de professores e de alunos. (Maria Bicudo, grifos nossos) Os professores pertencentes aos cursos de Ciências Humanas de Rio Claro, e em especial do Departamento de Educação, foram transferidos para Araraquara, pela proximidade 217 entre as duas cidades. O Departamento de Educação em Rio Claro era combativo, debatia muito as questões da universidade e do Brasil, era bem-organizado e já com pretensões de criar uma Pós-Graduação, porque tinha um número expressivo de professores bastante titulados para a época. Em setembro de 1974, quando eu fui para os Estados Unidos, a Cecília Micotti era a chefe de departamento. Nesta época, ela e a Lívia de Oliveira, que também era do departamento, já estavam conduzindo reuniões entre nós, professores do Departamento de Pedagogia de Rio Claro, para pensarmos uma Pós-Graduação em Educação aqui em Rio Claro mesmo. Eu lembro que nós já tínhamos delineado uma Pós-Graduação que pudesse contar com aquele departamento. (...) Era um departamento bastante forte, no contexto daquele momento. (...) Quem éramos nós? Eu era de Filosofia, o Frank era de Sociologia, a Cecília e a Lívia, da Didática (já eram Livre-Docentes). Os de Psicologia estavam em formação, a Lucila Maciel já tinha Mestrado e estava no Doutorado, então logo seria doutora, o que realmente aconteceu. Quando fui embora nós estávamos assim organizados e com esse projeto. Quando voltei, o movimento era outro: se conduziu a uma proposta para toda a UNESP, para todos os cursos de Pedagogia, para toda a “Educação”. (Maria Bicudo) Uma das hipóteses do porquê da extinção da área de Humanas do campus de Rio Claro é que, enquanto ele estava organizado na forma de Instituto Isolado, encontrava-se enfraquecido devido a repetidas crises em que acabou perdendo bons professores. E só voltou a se fortalecer quando se transformou em UNESP. Eu cheguei ao meio da primeira crise (aplicação rígida de leis) que a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras enfrentava e que foi detonada por uma briga interna do pessoal que tinha vindo para constituir a Faculdade de Filosofia, e muita gente vai embora, principalmente da área de Educação e das Ciências Sociais. Esta é uma primeira crise, depois vêm outras. Essas crises vão enfraquecendo os Institutos Isolados (IIs), e chega a um nível em que esses IIs ficam sem recursos. (...) Em 69, aconteceu uma nova crise. Depois da criação da UNICAMP, a FAFI-RC foi encampada pela UNICAMP, de modo que eles queriam levar daqui a Matemática, a Física e a biblioteca. Aí o Altenfelder – professor regente da cadeira de Sociologia, das Ciências Sociais – liderou todo um movimento na Faculdade junto à cidade; brigou, ele se ergueu e todo mundo foi junto, brigou, brigou, brigou, e o II não ficou com a UNICAMP, separou-se e continuamos como Instituto Isolado, mas aí, cada vez com menos poder. (...) As forças da cidade entraram na luta. Junto com o Prefeito, com o Gijo, que era deputado, e toda a maçonaria. Entra todo mundo e mais a faculdade, e não conseguem levar a FAFI-RC para a UNICAMP, mas o Instituto fica muito enfraquecido. E continuou enfraquecido até a criação da UNESP. Com a criação da UNESP, este campus é um dos melhores centros dentro da UNESP, em termos de produção de docentes, principalmente da Biologia e da Geografia. (Maria Bicudo) A extinção do curso de Pedagogia, em Rio Claro, causou muita mágoa nos professores pertencentes ao Departamento de Educação, pois este era um curso forte e bem-estruturado e com uma quantidade grande de alunos. Até hoje eles procuram por justificativas para a extinção. A mágoa resultou do fato de que a Educação em Rio Claro usufruía de uma situação bastante estável, uma quantidade de alunos grande, funcionava regularmente durante o dia. Quando eu passei a dar aulas em Araraquara, dava aula para dois, três ou 218 quatro alunos à noite. O número de alunos não servia de justificativa. (Lucila Maciel, grifos nossos). Os professores pertencentes a esse curso, até por sua formação, se envolviam com a comunidade. Eu acho que os da área de Ciências Humanas sofreram mais para sair de Rio Claro. Todos eles tinham a vida feita aqui em Rio Claro. Participavam de um monte de coisas aí na cidade, se envolviam. Tinha alguns que se envolviam bastante com a sociedade de Rio Claro, fora da universidade. Outros se envolviam mais basicamente com a universidade. (Geraldo Perez) A princípio todos os professores da área de Humanas de Rio Claro foram transferidos para Araraquara. Não houve negociação. A medida já havia sido tomada e não lhes deram outra opção: ou se transferiam ou pediam demissão. Todos fomos. E depois alguns ficaram, alguns saíram da instituição. Foi um decreto mesmo, saiu no Diário Oficial. Todos foram transferidos, não teve apelação. (...) Realmente foi uma medida imposta, tendo por trás toda uma negociata, inclusive com os professores daqui, e seus respectivos departamentos. As pessoas de mais prestígio político foram as que obtiveram as melhores vitórias. Na Educação havia o Jorge Nagle em Araraquara, profissional respeitado, com bom trânsito político, que acabou levando a Pedagogia para lá. (Lucila Maciel) Não, não foi pensado na parte humana durante a transferência dos professores. Absolutamente. Ninguém chegou ao professor e falou assim: “Olha, nós estamos pensando em fazer isso, isso, isso, isso, isso... O que você acha disso? Você quer ir para lá?” De todas as pessoas que eu conheço e que eu conheci, não vi ninguém satisfeito com isso. Porque você desestruturou famílias. Você tinha famílias que estavam trabalhando em um lugar há anos e anos e de repente você tem que pegar esse casal e passar para outra cidade. E isso não aconteceu com uma pessoa, aconteceu com um grande número de pessoas na universidade. Então eu não sei... olha, eu não posso acreditar que as pessoas que sofreram isso ficaram felizes. Eu não posso acreditar, não posso acreditar. (Amilton Ferreira, grifos nossos) Notícias do Poder... Agora, teve gente que pagou um ônus por isso, os professores, digamos até certo ponto. Mas em compensação nós conseguimos. Agora, eles pagaram um tributo, claro. Foi difícil, muito difícil. Foi a parte mais doída do processo, se deslocar. Mesmo que não mude com a família, foi complicado. Foi muito complicado. Mas se não tivesse sido assim, não existiria a UNESP hoje. (Luiz Ferreira Martins) Não dá para tirar daqui e levar para lá, como foi feito, faltou uma intermediação. Eu acho que é isso que essa história oral vai contar: a ausência dessa intermediação. Eu gostaria que tivesse chegado para mim e tivesse falado: “Olha, você aqui não interessa mais como professora. Você que ir para Araraquara ou quer ser mandada embora? Se você for mandada embora, tem direito a tanto”, e me pagassem o devido. Se eu tivesse optado por ir para Araraquara, eu tinha que assumir, era diferente a história. E isso não foi feito, ninguém foi solicitado a se manifestar. Foi ignorada a situação pessoal de cada um. (Maria Bicudo, grifos nossos) 219 Não vinha nenhuma documentação junto, só vinha pura e simplesmente o professor. A parte da documentação, eu acho que foi feita nas altas esferas. Simplesmente eles foram transferidos. Ponto. (Irineu Bicudo) Não houve diálogo anterior, nem intermediação. Os professores tentaram reagir a essas mudanças. Lembro-me que, nesse movimento todo durante a criação da UNESP, de discussão, de não aceitar sem uma luta o que tinha sido colocado, vem o Luiz Ferreira Martins que tinha sido o presidente da CESESP e que depois acabou sendo o primeiro reitor na universidade, vem a Rio Claro. E nós discutimos com ele, não só a Pedagogia, todos vamos debater com o Luiz Martins. (Maria Bicudo) Mas não houve acordo. A maioria dos professores foram sozinhos, tiveram que deixar os filhos, o cônjuge, a casa, os afazeres domésticos. Foi realmente traumática esta mudança, porque imagina no meu caso, por exemplo, a professora Maria Bicudo e eu éramos casados, ela ficou sendo professora de Araraquara e eu continuei em Rio Claro. Era uma coisa muito traumática. (...) Ela viajava. Ia no começo da semana e vinha do fim de semana. Foi realmente traumático. Você imagina uma pessoa bem situada, com casa, a vida estabelecida num lugar e ter que mudar de repente. (Irineu Bicudo, grifos nossos) Foram mudanças que mexeram com a estrutura da família e deixaram marcas. Havia alguns casais que, como ambos trabalhavam na UNESP, puderam ser transferidos juntos, era a chamada “transferência por união de cônjuge”. Entre os professores que foram transferidos havia alguns casais quando, por coincidência, ambos trabalhavam em cursos transferidos então ainda viajavam juntos, arrumavam os seus horários para trabalhar juntos. Mas mantiveram suas casas aqui. Esse é um sinal de que, eu acho, pretendiam voltar uma hora. (Lucila Maciel, grifos nossos) O fato de os professores ainda manterem suas casas na cidade da qual tiveram que sair nos indica um tipo de imposição ao dominador. Mostra-nos a vontade do homem dominado em se vingar do dominador, a esperança de uma vingança adiada. Todos esses professores tinham a vida estruturada na cidade onde moravam: casa montada, o resto família residindo na cidade, filhos na escola, trabalho e pesquisa encaminhada na instituição em que trabalhavam. Tinha gente com bons trabalhos, com bastante tempo de trabalho no seu campus e também pesquisa. A parte da Educação em que a gente trabalha com pesquisa aplicada, o relacionamento com a escola pública do lugar, a colaboração, o relacionamento muito bom com o pessoal da rede de Primeiro e Segundo graus. Tudo isso já estabelecido, para você começar outra vez num outro lugar... (Berenice Guardia, grifos nossos) 220 Notícias do Poder... E os professores? Os professores moravam nas outras cidades. Aí não teve jeito, nós tivemos que enfrentar esse problema. (...) Foi aí que realmente as coisas se complicaram. E é compreensível, porque tinha professores que estavam naquela cidade há muito tempo, tinham toda uma estrutura montada. Mas não tinha jeito, ou se fazia isso ou a universidade jamais iria se consolidar efetivamente como entidade universitária, como se pretende que ela efetivamente funcione. (Luiz Ferreira Martins) Como a distância entre as duas cidades era menos de 100 km, esses professores podiam continuar com a residência fixa em Rio Claro e viajar diariamente para Araraquara. Olhando essa questão de estruturação pelo critério geográfico, da distância física, parece que há uma regra dentro do funcionalismo público, pela qual você não pode morar, ter sua residência, a mais de 100 quilômetros do seu trabalho. De Rio Claro a Araraquara, de um campus a outro, eram 100 quilômetros. Então a gente ainda podia viajar. Para não ficar tão penosa a questão de viajar, um dos professores montou uma casa lá para quando a gente desse aula até à noite e no dia seguinte de manhãzinha desse aula outra vez, e também para o caso dos professores em tempo integral, com o compromisso de quarenta horas semanais dentro da instituição. (Berenice Guardia) No começo a UNESP disponibilizou um veículo para levá-los pela manhã e trazê-los à noite. Eram horas e horas aguardando a condução que ficava até tarde esperando as aulas acabarem. A estrada era muito ruim, não era a mesma que se tem hoje. Aí acontecia todo tipo de problema... Era o pneu que furava, o carro que enguiçava e todos só conseguiam chegar a Rio Claro de madrugada, pegar carona no caminhão do leite, cansaço, sono, vontade de chegar a casa, filho doente, marido esperando, falta de tempo para preparar as aulas, uma lista interminável... A maioria desses professores chegava tarde da noite a Rio Claro e dava aula em Araraquara no outro dia cedo. Com o tempo alguns professores se organizaram melhor e alguns passaram a ir de carro. Então podiam voltar mais cedo e não precisavam esperar a condução da UNESP. Quando começou nosso trabalho em Araraquara a Washington Luiz ainda estava sendo ainda duplicada. Tínhamos um motorista que levava o grupo de professores, e a gente procurava acertar nossos horários, víamos quem dava aula no curso da tarde ou no curso à noite, então procurávamos acertar para viajarmos juntos. Isso no início. Depois a gente passou a dirigir. No tempo em que eu dava aula de Estrutura no Projeto de Licenciatura Integrada, eu dava aula de manhã e à noite, na segunda, terça e quarta-ferias; o curso era diurno e noturno. Eu não morava lá, eu viajava quilômetros e quilômetros. O curso lá terminava às onze horas da noite e começava às sete e vinte, sete e meia da manhã. (Berenice Guardia) 221 Os professores acabaram se submetendo a essas condições. Alguns deles conseguiram voltar a trabalhar em Rio Claro, pois na UNESP de Rio Claro haviam ficado vários cursos que possuíam licenciatura, portanto necessitavam de professores para ministrar as disciplinas chamadas de didáticas e pedagógicas. (...) só que eles se esqueceram de uma coisa que era fundamental, porque todos os cursos que nós tínhamos aqui eram cursos de licenciatura. E que as licenciaturas têm um componente curricular dependente da área da Educação que é muito forte, então de repente os professores foram para lá, mas eles tinham que vir dar as disciplinas aqui. E quando eles foram para lá nenhuma facilidade foi oferecida. Mudem-se, virem-se, ninguém veio oferecer facilidades. (...) Veja bem, eles foram para Araraquara, de repente perceberam que tinham que dar as aulas do currículo e acabaram voltando aqui para dar as aulas. Mas no começo eles viajavam. De repente se preocupou “Se tem que dar aula por que não fica?”, mas ficava uma situação assim, totalmente estranha. Por exemplo, a Cecília era do Departamento de Zoologia, o outro ficava no Departamento de Matemática. Foram separando. Separando as pessoas assim. Por que? Porque eles perceberam que havia a necessidade e que isso não foi absolutamente pensado. Quer dizer, vamos imaginar que eles poderiam até pensar assim: “Ah, não dá para ter o curso de Pedagogia, o centro de excelência em Educação vai ser em Araraquara. Mas tem que ter um núcleo aqui para tocar as turmas de licenciatura”. Mas não se pensou nisso. (Amilton Ferreira) As Licenciaturas precisavam de cursos de Didática e das demais matérias pedagógicas. Com isso, as pessoas tinham que vir de Araraquara até aqui para dar aula. Então, algumas pessoas que estavam “incomodando” a consumação da ideologia traçada tiveram que ficar aqui. (Maria Bicudo) A escolha de quem deveria voltar a trabalhar em Rio Claro foi feita com base na indicação pessoal. As relações pessoais falaram mais alto e alguns docentes titulados ficaram vinculados aos Cursos de Ciências Biológicas e Matemática. Portanto, nem todos foram transferidos efetivamente. A mim, me foi dito que seria transferida por “união de cônjuges” já que meu marido também estava sendo transferido junto com o Curso de Ciências Sociais. (Lucila Maciel) Mas essa também não era a opção ideal, pois, como o setor administrativo e de recursos humanos da Pedagogia continuava em Araraquara, se um professor precisasse ir ao médico ou de qualquer outro tipo de guia ou requisição, teria que pegá-la em Araraquara. Isso atrapalhava muito a vida dos professores. (...) Só que todas as reuniões de departamento e o cotidiano da vida funcional eram lá, em Araraquara. Por exemplo, se você caísse e se arrebentasse em Rio Claro, e precisasse ir para o hospital, aquele papel da licença médica, você tinha que ir buscar lá. Imagina o transtorno que isso causa no cotidiano, porque no modelo a universidade era uma, mas geograficamente não era. Isso cria uma situação de as pessoas se sentirem desacomodadas, injustiçadas. Era bem isso: desacomoda aqui, não acomoda lá. (Maria Bicudo, grifos nossos) Claro que o melhor era que eles se mudassem e organizassem suas vidas em Araraquara, mas isso nem sempre era possível. Com isso muitas famílias se desestruturaram, casamentos foram desfeitos e muitas carreiras profissionais deixaram de deslanchar. Com o 222 tempo muitos cansaram da vida de “professores viajantes” e acabaram por fixar residência em Araraquara. Outros pediram demissão, alguns fizeram concurso e passaram a trabalhar em outra instituição e houve ainda os que mudaram completamente o rumo de suas vidas. Foram anos viajando, já que minha família toda ficou aqui. Alguns professores se mudaram, ficaram por lá estabelecendo um novo ritmo de vida. (Lucila Maciel) Muitos foram obrigados a se mudar, a deixar casa e família em sua cidade, a reestruturar novamente sua vida em uma cidade diferente. Tudo isso contra sua vontade e, para não perder seu emprego, a fonte de renda da família, então acabaram cedendo e aceitando as imposições do Estado dominador. A ideia reinante na época era transformar as unidades que não tinham sido extintas em “Centros de Excelência”, agrupando um número maior de professores, dando certa “densidade” ao grupo, a chamada “massa crítica”. A ideia na época era formar massa crítica. A famosa massa crítica. Para mim, toda massa é burra, mas achavam que a massa podia ser crítica. (Irineu Bicudo) Quando a UNESP é criada, assume o constructo “centro de excelência” como o fundante para justificar fechamento de cursos e transferência de seus docentes para um determinado lugar (centro de excelência). Isso mexeu com cada um de nós, no orgulho próprio de nossa identidade, de como nos víamos, etc. e, além disso, exigiu que pagássemos, individualmente, um preço muito alto por algo que não queríamos. Foi exigido que abandonássemos nossas casas, nossa vida familiar, nosso lugar de trabalho... A lógica imperante era: no momento que você tem um centro de excelência que vinga em detrimento de outros, é porque esse é mais forte. Aí toda a questão: por que eles são mais fortes que os outros? O que eles fazem mais do que nós? Aí que entra toda aquela questão que você estava levantando, uma questão de um sentimento ruim, um sentimento de ser menosprezado, de não ser bem aceito como profissional, que tudo o que você fez não valia. Então começa a comparação de um com o outro, por exemplo, nós, de Rio Claro, nos comparávamos com o pessoal de Araraquara. (...) E assim se criou uma animosidade muito forte, um sentimento muito ruim de não ter sido bem sucedido, de ter sido conduzido para caminhos que você não tinha escolhido. (Maria Bicudo, grifos nossos) Notícias do Poder... Eu costumo dizer que fazer ciência também é dialogar. Então se você tem um professor de Histologia, mesmo dois ou três é muito pouco. Se você tem dez professores num departamento, então efetivamente você tem uma condição melhor para fazer ciência propriamente dita. Então qual foi a ideia básica? Nós vamos ter que unificar esses professores num grupo maior, para que efetivamente, nós tenhamos uma produção científica mais efetiva. Foi aí que começou o problema. (Luiz Ferreira Martins) 223 Mas para formar um centro de excelência, era necessário certa organização, um projeto bem-estruturado e pensado. Fomos transferidos para Araraquara e lá eles não sabiam o que fazer com a gente. A gente brigava com eles, ninguém se entendia com ninguém. Esse era o clima. A primeira reunião que nós fizemos em Araraquara, todo mundo muito bravo, muito crítico, muito azedo, com aquela crítica ruim que se faz para cutucar o outro. Éramos quase 100 professores de Educação e desses 100, pelo menos 50 eram doutores. Nesse momento, a UNESP poderia ter criado um grande Programa de PósGraduação e Pesquisa na Educação. Não sei se não tinha um projeto ou se o projeto estava para ser construído. Mas os líderes talvez não tenham sabido conduzir, ou por uma expectativa muito elevada, acima da realidade, uma autocrítica muito contundente, eu não sei, mas nós poderíamos ter criado esse programa e estouraríamos com a Educação no Estado de São Paulo. Mas isso não é feito, naquele momento eu senti que perdemos a oportunidade. Nós discutimos muito, entre nós que estávamos contra: “Esse pessoal não tem nada. É centro de excelência e não tem uma proposta?”. Porque, se isso estivesse pronto – a proposta de Pós Graduação –, o caminho teria sido outro. Não teríamos ficado à míngua, nem nós e nem eles. Tudo teve que ser reinventado, e muitos de nós voltamos para nossas cidades, feridos, sem lugar de trabalho, academicamente falando. (Maria Bicudo, grifos nossos) Para que tal projeto fosse levado adiante, extinguiram-se cursos da área de Humanas em diversos campi e todos esses professores foram transferidos. No início a gente encontrava lá em Araraquara professores de Botucatu, onde havia o grupo de licenciatura, professores até de Presidente Prudente, que é longe, professores de Marília, de São José do Rio Preto. Tentando efetivar a ideia de que Araraquara seria “o campus”, em relação à Pedagogia, a sede de todo um trabalho de formação pedagógica para toda a UNESP. Por exemplo, alunos de Presidente Prudente que cursassem Geografia, fariam lá só a parte do bacharelado, depois viriam para Araraquara fazer a parte de licenciatura. O grupo de Araraquara tinha um projeto, chamado de Licenciatura Integrada, em que toda a licenciatura, a parte das disciplinas pedagógicas, seria dada em um ano só, intensivamente. Duas matérias no primeiro semestre, duas no segundo. Introdução à Educação e Estrutura, depois Psicologia, no primeiro semestre e no segundo semestre Didática e Prática de Ensino. Esse grupo foi trabalhando e então os professores dos outros campi iam lá, estudavam, discutiam esse projeto e tal. Mas, ao mesmo tempo, as pessoas não estavam contentes de vir dos seus lugares tão longe, para fazer esse projeto ali. E não acreditavam também que isso fosse ser viável do ponto de vista dos alunos. Os alunos viriam lá de Marília, para fazer essa parte, a gente falava: “para ter um verniz de educação no final do curso”, “A formação do professor deve ser junto com a formação específica”, tudo isso estava em discussão. E dentro disso havia assim, uma... eu não sei se eu diria “mágoa”, mas uma vontade de ficar em seu lugar, continuar o seu trabalho. (Berenice Guardia, grifos nossos) Os professores do Departamento de Educação de Botucatu não aceitaram essa situação e acabaram voltando. O pessoal de Botucatu não foi para Araraquara, nunca foi. Houve um desentendimento sério e ninguém saiu de Botucatu, onde havia Pedagogia, apenas um Departamento de Educação. (Maria Bicudo) Os professores transferidos até que foram bem recebidos, porque já havia bastante contato entre o Instituto de Rio Claro e o de Araraquara, porém essa medida imposta acabou por desestruturar a vida das pessoas envolvidas, tanto na parte pessoal como na profissional. 224 Eu saí daqui, com toda uma trajetória de estudos de Filosofia da Educação, já havia feito o Doutorado, havia ido para o exterior e voltado com a pesquisa para a Livre Docência pronta. Nesse momento, estou nesse patamar. Eu vou para lá, para Araraquara: o meu discurso, com esse meu poder, não dava liga com o pessoal de lá, por mais que a gente quisesse ser colega e, muitas vezes, havia amizade afetiva entre nós. E nessa história todos perdemos. Os que nos receberam, porque se desestruturam, não tiveram a liderança para conduzir uma trajetória que reunisse e não separasse; nós, porque vivemos profissionalmente uma ruptura. (Maria Bicudo, grifos nossos) Mas o que se percebeu com o passar do tempo é que esse projeto acabou não se consolidando. Olhando para o passado, a figura que me salta aos olhos é o Jorge Nagle. Ele foi um nome de grande importância. Tinha algumas ideias na época e dentre elas tornar Araraquara um centro de excelência. Era comum ele dizer: “Não, quem quiser a licenciatura vem buscar aqui” e a gente retrucava: “Jorge, você está maluco. Olha a distância.” (...) O discurso da época revelou-se um contra-censo e sua prova documental foi a recriação, anos mais tarde, do Departamento de Educação em Rio Claro. (Lucila Maciel) No momento em que nos levam para Araraquara, fortalece esse projeto do centro de excelência em Educação. Mas não foi para frente, e não foi porque não dava para ir. Você tem uma história, essa história dos Institutos Isolados é a história de cada um. Nós nos constituímos aqui, outro grupo se constituiu em Assis. (Maria Bicudo, grifos nossos) Com relação ao trânsito de professores na época da criação da UNESP, devo dizer que não foi tranquila. Para os professores da Educação a situação ficou pesada, porque foi uma medida totalmente errada, fruto de uma política universitária, e da ideologia da época. (...) Quanto à influência desses acontecimentos todos na vida pessoal, devo dizer que foi bem grande. (...) Houve todo um período de adaptação bastante demorado. (...) Dentre os colegas que foram transferidos, restou sempre muita mágoa. Querer voltar muitos queriam, tanto que voltamos... (Lucila Maciel, grifos nossos) Notícias do Poder... A Filosofia não saiu de Araraquara. O caso é que a Filosofia de Araraquara, depois o Instituto de Letras, Ciências Sociais e Educação era muito importante na época, foi muito importante, talvez o principal Instituto Isolado. Então ir para Araraquara tinha certa importância. O acolhimento foi simples, também o pessoal de Rio Preto que foi para lá, o acolhimento foi ótimo, não houve problema. Acolhemos como colegas que precisam da gente; tem professor que está lá até agora, mesmo aposentado. (Jorge Nagle, grifos nossos) Essa diferença de discurso - que se evidencia quando os professores transferidos deixam claro que a transferência não foi tranquila, que não se adaptaram, que o sentimento de dor, de mágoa ficou, enquanto outros que não passaram por essa experiência, que não foram afetados pelas mudanças, mantêm em suas falas que toda esta mudança foi muito tranqüila - 225 nos lembra a guerra de memória descrita por Ansart (2001), em que diferentes tipos e vertentes de memórias brigam entre si para se impor e consolidar-se na memória coletiva. Entretanto, esse não era o pensamento de todos, nem era o mais comum. Em reuniões fora ou dentro da Universidade a expressão da mágoa sempre aparecia. A superação depende de cada um, das sucessivas releituras que são feitas cada vez que se abre o baú. O fato primeiro, esse não tem mudança. A mudança que ocorre, vem com o passar do tempo, à medida que se reajusta através de outras leituras. Então se torna possível a superação. Quem não atinge esse estágio fica com uma chaga aberta indefinidamente. Não é saudável. Eu acho que quem quer continuar vivendo bem, tem que arrumar uma maneira de se ajustar aos fatos, justificar, adaptar, superar. Então cada um encontra o seu jeitinho, a sua maneira de se readaptar. Acaba encontrando outro caminho. (...) Esse foi um período muito amargo na vida dos professores. (Lucila Maciel, grifos nossos) Essa é uma das formas de se lidar com lembranças e memórias traumáticas. Revisitálas, atribuindo a elas novos significados, atualizando-as, tentando torná-las mais palatáveis no presente, no sentido da superação, para que se possa ter uma melhor qualidade de vida e não ficar preso ao passado e à situação traumática. Muitos professores acabaram voltando para suas antigas unidades. Os professores do Departamento de Educação eram de Rio Claro, foram para Araraquara e voltaram para Rio Claro. Eles acabaram voltando, entende? Isso aconteceu. Muitos anos depois, na verdade (Amilton Ferreira) Houve grupos de resistência, não só em Rio Claro. Esses professores foram os que continuaram a dar as matérias da licenciatura nos seus campi. O tempo foi passando, e esses professores, com seus excelentes trabalhos voltaram a ter força. No caso de Rio Claro, foram elaborando projetos, no começo para a licenciatura e depois projetos para o curso de Pedagogia, que acabou voltando. Eram professores com grande capacidade, com títulos, professores que continuaram o trabalho em Rio Claro, foram elaborando projetos e propondo para a Reitoria. Esses projetos foram crescendo, e ao mesmo tempo a população foi pedindo a volta do curso de Pedagogia, que era um curso muito bom. Tudo isso junto foi crescendo, até que o curso voltou para cá. Ou melhor, não foi a volta, mas um novo curso de Pedagogia que foi criado. Muitos professores ficaram em Araraquara, acabaram estruturando seus trabalhos lá. Professores que começaram tudo outra vez, e outros que fizeram toda sua carreira lá. Outros voltaram para trabalhar no novo curso de Pedagogia, para preencher as necessidades das disciplinas desse curso. (Berenice Guardia) O que ocorre com isso? O descontentamento geral, as pessoas estavam com suas vidas estruturadas e muitos casais são separados, porque um vai dar aula aqui e outro ali, todo mundo com filhos em uma idade muito problemática de 10, 11, 12 anos. (...) Eu me lembro que as pessoas ficavam cada uma no seu gabinete estudando, sem grupo, sem muito ânimo para ir para frente. As pessoas foram ficando muito sem lugar, em um campus ou no outro. Eu estou focalizando aqui em Rio Claro, mas isso ocorreu na universidade toda. Então muitos voltaram funcionalmente para seu campus de origem, alguns podiam se aposentar e logo se aposentaram. No meu caso eu ainda não tinha tempo para poder me aposentar; se naquele momento eu pudesse, eu teria me aposentado. Eu fiquei com muita vontade de pedir demissão e ir para São Paulo. (...) Enfim, saindo machucada dessa situação, voltei para Rio Claro em 1982, deixando para trás Araraquara e o campo de trabalho que lá se abria, não aceitando uma excelente proposta de trabalho em São Paulo. Volto para Rio Claro e sou funcionalmente colocada no Departamento de Matemática. O que me restava? Ficar à deriva ou criar um espaço de trabalho. A segunda opção foi assumida. (Maria Bicudo, grifos nossos) 226 Há uma chaga nesse país que não tem jeito, da própria humanidade. E por outro lado, talvez para a instituição tenha sido bom, mas é só esse aspecto que se tem que considerar? Onde é que está o professor nessa coisa toda? Onde é que está o humano nessa coisa toda. O projeto de vida que ele tinha feito, não só para a família dele, mas para desenvolvimento daquela instituição? (Amilton Ferreira. Grifos nossos.) Outro exemplo de curso extinto foi o Departamento de Matemática do Instituto Isolado de Araraquara, porém a sua história e a dos cursos da área de Humanas em Rio Claro são diferentes. Esse também era um departamento bem-estruturado, com uma quantidade expressiva de alunos, com bons professores, que interagiam com a comunidade promovendo cursos e palestras, olimpíadas de Matemática nas escolas, etc. (...) nós é que tínhamos bastante alunos. O grupo de professores era grande, tinha muito aluno, era um curso muito bom. (Celi Vasques) No entanto, era o único curso na área de exatas em um Instituto onde o forte era área das Ciências Humanas, principalmente os cursos de Letras e Pedagogia. (...) A cúpula, o diretor, o vice-diretor, todo mundo aqui, pertencia à área de humanas, então teve o interesse político de conservar as humanas. (...) As áreas que permaneceram foram Letras e Educação, mais a área de Letras, que hoje são considerados centros de excelência, inclusive tem mestrado e doutorado. (Celi Vasques) Um tempo antes da criação da UNESP, enquanto essa unidade ainda era Instituto Isolado, houve um desentendimento muito sério, envolvendo os professores que pertenciam ao Departamento de Matemática, que o dividiu ao meio. Para melhor explicá-lo, devemos voltar um pouco no tempo e tentar apontar quem fazia parte de cada um destes grupos antagônicos. Alguns anos antes, o Departamento sentiu necessidade de contratar novos professores e, por meio de concurso, passou a fazer parte do quadro de professores deste departamento um professor vindo do Rio Grande do Sul. Um ótimo profissional, LivreDocente, título raro na época, e pertencente à área de Física, pois no começo da década de 1970, ainda não havia a distinção entre os cursos de Matemática, Matemática Aplicada e Física, todos pertenciam ao mesmo departamento. Foi um concurso justo, sem apadrinhamento. Porém, logo após este professor se vincular ao departamento, acabaram por vir outros professores também pertencentes à Física, todos conhecidos e apadrinhados deste professor, o que não era prática comum nem interessante para a constituição deste departamento na época. Isto acabou por dividir o departamento na medida em que este pequeno grupo, que estava se tornado forte, tinha intenção de deter o poder interno e quem 227 sabe tentar implantar uma Pós-Graduação em Física dentro do Departamento de Matemática, no Instituto Isolado, em Araraquara. Necessitávamos novos professores, fugimos daquela ideia tradicional de trazer os “aparentados”, os protegidos. Abrimos concurso algumas vezes, dando divulgação que estava aberto o concurso, mas sem essas proteções. Aparentemente isso daí é certo, mas houve um erro: entraram pessoas que ocasionaram um grande desastre lá. E que, por sua vez, em termos de votações internas, conseguiram trazer outros amigos. Quero dizer, aquilo que nós não queríamos que acontecesse, aconteceu. Aí houve brigas internas muito feias. Houve perseguição do grupo novo contra um professor local, me permito não citar o nome. Coisas bem ruins, até ameaças. (Ruy Madsen Barbosa) Formaram-se dois grupos distintos brigando entre si: um pequeno grupo composto pelos físicos e professores que apoiavam suas intenções e o outro, pelo restante dos professores pertencentes ao Departamento. Até hoje eu não entendi as razões dessa briga. Eu tenho impressão que era o gênio deles, do grupo, eles eram assim. É claro, que havia no meio vários físicos matemáticos, possivelmente julgando-se os melhores. (...) A razão da briga era poder. Poder! A busca do poder é que subiu à cabeça. (Ruy Madsen Barbosa) Seria somente uma briga interna pelo poder, e de certa forma, uma briga acadêmica, se os ânimos não tivessem ficado exaltados e o grupo dos físicos não tivesse se tornado agressivo, truculento e até violento. Havia insultos, agressões físicas e verbais dentro de salas de aula, o que fazia com que até mesmo os alunos se envolvessem e tomassem partido. Também nos corredores do departamento e nas salas de professores. Houve relatos que alguns professores pertencentes ao grupo dos físicos esperavam determinado professor chegar de ônibus para ameaçá-lo e tentar coagi-lo a mudar de lado. (...) o professor José Maria, foi ameaçado, chegou a sofrer ameaças e agressões na rodoviária da cidade, a qual, hoje não existe mais no mesmo local. Essa informação me foi passada pelo próprio professor José Maria, infelizmente já falecido e que nitidamente quando falava sobre o assunto deixava transparecer seu sofrimento. (...) A briga foi horrorosa e os reflexos dessa briga foram marcantes. O professor José Maria, para mim, tornou-se uma pessoa doente. Doente porque vivia super assustado, apavorado. Foi um desastre essa briga, um desastre mesmo. (...) Então, essa foi a confusão. E muita, muita revolta, muita chateação, sabe? Foi um clima horroroso. Eu imagino, eu tento imaginar, o que esse pessoal sofreu antes. Parece que as ameaças foram ameaças violentas mesmo. (Ivo Machado da Costa) Eu escutei muitos relatos. Os professores bons mesmo foram todos embora. A maioria deles foi para Rio Preto. O José Maria Lopes sofreu muito com a briga. Tanto é que a situação foi tão caótica que quando eu vim para cá, não tinha ninguém para responder pelo departamento, não tinha nenhum doutor. Isso em 1973, logo depois da briga. (Celi Vasques) A briga e a violência não ficaram restritas somente à universidade. Atingiram também as famílias dos professores envolvidos. Houve ameaças aos familiares dos professores, cartas 228 anônimas, telefonemas. O diretor do campus teve que interferir e acabou não aguentando a pressão: Então foi assim, até que chegou num certo ponto, eu falei: “Não vou aguentar mais”. Para mim não houve nenhum tipo de ameaça, mas criou-se esse ambiente que eu ficava sabendo. Como é que telefona para a mulher de outro professor ameaçando? Para o filho do professor? Não tem sentido. Esperando gente sair do ônibus para... sei lá. Para brigar, etc. Não tem sentido isso, nunca vi isso na minha vida. Então eu falei: “Eu não vou aguentar, prefiro pedir demissão.” (Jorge Nagle) Resultado de toda essa truculência: o diretor do campus acabou realmente se demitindo. Os integrantes do grupo de físicos foram afastados e acabaram por se transferir para o nordeste, provavelmente para o Ceará. Durante a briga, alguns professores, que não pertenciam ao grupo dos físicos, preferiram se afastar temporariamente da universidade, outros pediram transferência para outros Institutos Isolados. Muito bem, acabou havendo um processo e foram demitidos professores do grupo; se não estou enganado, sete pessoas. (Ruy Madsen Barbosa) Esses gaúchos tentaram dominar e impor as suas ideias. Muito possivelmente pela força. O pessoal reagiu e eles apelaram feio. Tentaram e apelaram feio mesmo, até o momento em que foram, entre aspas, “expulsos de lá”. Pelo que fui informado à época, eles foram para o nordeste, não tenho certeza absoluta. (Ivo Machado da Costa) Portanto o departamento se esvaziou e se enfraqueceu. A fim de completar o quadro de professores, foram contratados novos professores, porém eram, em sua maioria, recémformados, ainda por se consolidarem em suas pesquisas. Eu entrei aqui dia 9 de abril de 1973 na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, em Araraquara. E eu entrei no curso de Matemática, fui contratada. (...) tinha tido uma evasão de professores um pouco antes de eu chegar ao curso de Matemática, em função de algumas brigas entre os professores do Departamento. Então o curso de Matemática estava altamente deficitário quando eu vim para cá. (Celi Vasques) Alguns poucos anos depois, durante a criação da UNESP, o Departamento de Matemática foi extinto e seus professores foram realocados para outros campi. Em consequência da decisão tomada pelo Conselho Universitário, sem que houvesse manifestação do Departamento de Matemática e Física de Araraquara (não sei se os outros dois Cursos foram ouvidos), o Departamento foi dividido em duas partes: uma parte foi para Rio Claro e outra para Rio Preto com exceção dos professores de Física e de dois professores de Matemática (prioridade para os mais antigos) que deveriam ficar para ministrar aulas no Departamento de Química. (Cesar Basta). Poucos professores ficaram ainda em Araraquara a fim de terminar o curso, pois tinham alunos nos anos iniciais. O que significou o acabar? Significou que não ia mais abrir vestibular para os alunos da Matemática. E aí, alunos que já estavam inscritos de anos anteriores, continuaram. Continuou a Matemática lá acho que por um bom tempo, até a grande maioria se formar. Até dar, entre aspas, “dar um fim ao restante que sobrou” (Ivo Machado da Costa) 229 Alguns professores pertencentes ao Departamento de Matemática de Araraquara, na época, tentam levantar hipóteses sobre o motivo dessa extinção. Por que acabou o curso de Matemática? Eu acho que houve falta de vontade política, inclusive da direção. Os professores se sentiram totalmente negligenciados. Porque o curso era um curso muito bom, era o curso que mais tinha alunos no campus. Foi um sentimento de frustração muito grande. Eu também participei, mas os que estavam há mais tempo aqui... O pessoal se sentiu totalmente desmotivado, mesmo aqueles que foram para Rio Claro, para Rio Preto, porque eles achavam, que entre os cursos que deveriam ser extintos, nunca deveria ser o da Matemática. (Celi Vasques, grifos nossos). Às vezes eu pondero que o pensamento na época poderia ter sido: “Bem, esse pessoal é mais fraco, vamos agrupá-los com pessoas de maior expressão para se tentar formar o que hoje se chama centro de excelência”. Mas não estamos falando de excelência acadêmica, estamos falando de jogo de poder. Tenha certeza, isso aconteceu. Joguinho sujo, e o que favoreceu nesse caso? A UNESP tendo sido criada, o poder ficou na mão de meia dúzia que estava à frente desse poder. E eles acabaram decidindo, as pessoas foram desumanas, insensíveis e resolveram fazer. Tiveram umas ideias mirabolantes. (Ivo Machado da Costa, grifos nossos) O argumento usado para justificar a extinção foi que esse departamento pertencia à área de Exatas, que se encontrava isolada em meio a um campus, onde predominavam as Ciências Humanas, que se transformaria em um centro de excelência nesta área. Outro argumento apresentado foi o da proximidade geográfica com outros Institutos Isolados que tinham curso de Matemática em suas unidades. Era o caso de Presidente Prudente, Rio Claro e São José do Rio Preto, como também o da USP de São Carlos. Este argumento foi um dos critérios adotados para a reestruturação da Universidade que estava sendo criada. Vieram com essa desculpa de deslocar. Sempre tem um amontoado de coisas que acabam convergindo. Isso era um jogo de interesses econômico também. Um jogo de interesse econômico. Você aumentava o número de professores de outra região, sem necessariamente você ter um aumento de gastos. Simplesmente deslocando o pessoal. E se isso custasse sangue, chateação e tal, que fizesse. Não houve respeito de forma nenhuma às pessoas que acabaram tendo que se deslocar. (Ivo Machado da Costa, grifos nossos) Entretanto, segundo depoimentos de diversos professores, esse era um curso importante para o desenvolvimento da cidade e da região, com uma quantidade expressiva de alunos e de boa qualidade. Porém, muito se diz que esta foi a forma encontrada de pôr fim ao triste episódio da briga interna que acabou por enfraquecer esse Departamento. (...) eu tenho um sentimento de que houve uma negociação: “Olha, vamos acabar mesmo. Vamos tirar essas pessoas envolvidas daqui...” (...) Houve um acordo de cavalheiros. Eles queriam de fato que a Matemática saísse. (...) Claro que no fundo também, há jogo de interesses. Por exemplo, porque Letras ficou em Araraquara? O que pesou muito naquela época? O diretor à época. O curso Letras ficou. Essa é uma pergunta que podia ser feita, por exemplo, para o diretor do campus da época. (Ivo Machado da Costa, grifos nossos) 230 Inicialmente quero reafirmar, apesar de outras pessoas não concordarem (...) face aos seguintes argumentos: a) Com relação às distâncias. 1. A afirmação da existência de três Cursos de Matemática em aproximadamente 500 quilômetros pertencentes à UNESP é correta e causava na época gasto muito grande ao Estado para mantê-las; 2. Apesar da afirmativa acima, a distância entre Rio Claro e Araraquara com São Carlos é de aproximadamente 40 quilômetros, cada uma, o que não justifica tomar São Carlos como ponto de referência para decidir sobre qual Instituição deva ser desativada; 3. A diferença de distância entre Rio Claro e Araraquara com São José do Rio Preto é pequena (500 e 400 quilômetros aproximadamente). Assim, com relação às distâncias, a meu ver, qualquer uma das duas poderia ser extinta. b) Com relação ao corpo docente. 1. Sem contar com a reposição dos docentes que foram embora e não repostos, o número de docentes era bem maior em Araraquara em relação aos de Rio Claro e de São José do Rio Preto; 2. O corpo docente possuía, na época, 6 doutores e pelo menos 5 mestres sendo que todos os outros docentes estavam matriculados em Cursos de Pós-Graduação, fato este superior aos outros dois Cursos, especialmente o de São José do Rio Preto. Devo salientar que o Curso de Rio Claro possuía excelentes docentes, porém alguns deles foram contratados pela USP de São Carlos. c) Com relação ao Vestibular. O Curso possuía 50 vagas e todas elas eram preenchidas no vestibular. d) Com relação às instalações. No início as aulas eram ministradas no centro, ocupando, na Praça Santos Dumont, o prédio do antigo Instituto de Educação Bento de Abreu (atual Casa da Cultura Luiz Antonio Martinez Correa) e, em 1971, mudou-se para o primeiro prédio construído no campus universitário, localizado na Rodovia Araraquara-Jaú, Km 01 com 4 salas de aulas e escritório para todos os docentes e dependência para a secretaria departamental que posteriormente foi ampliado para receber os Cursos de Letras e Ciências Sociais e em 1973 os outros Cursos. e) Com relação aos Cursos de Pedagogia. Apenas posso dizer que existiam três Cursos, Araraquara, Marília e Rio Claro cujas distâncias entre eles era inferior a 200 quilômetros e que também deveriam ser remanejadas. Levando em conta os fatos acima descritos minha opinião é que o Curso de Matemática de Araraquara foi desativado injustamente, pois merecia, na ocasião, ter sido consideradas as reais possibilidades de cada Curso. A afirmativa de que foi “uma ação política” não significa apenas o envolvimento com relação aos Cursos de Letras que não tenho como prová-los, mas sim em relação a outros membros do Conselho Universitário que tinham o poder de decisão, pelo menos com relação aos outros dois Cursos de Matemática. (Cesar Basta, grifos nossos). Os professores sentiram-se injustiçados, magoados pelas imposições de seus superiores. Tentaram reagir, mostrar seus pontos de vista, mas novamente não houve negociação e eles tiveram que ceder, que aceitar, porém as marcas ficaram e para alguns esta foi uma situação traumática. Muitos adoeceram, outros perderam a chance de se desenvolver em sua carreira profissional. 231 Notícias do Poder... O curso de Matemática, por ser o mais novo, foi transferido para Rio Preto. (...) De qualquer forma não houve fechamento de nenhum curso. Do pessoal transferido, que se acumulou em cada unidade, alguns já estavam se aposentando, outros foram saindo por conta própria, até a situação se acomodar. Na verdade, não se despediu ninguém. (...) Como tudo foi feito meio na marra, é claro que houve muita briga, muito chiar e ranger de dentes. Depois, aos poucos, a coisa foi se acomodando. (Francisco Borba, grifos nossos) Em vez de você ter vários departamentos, de Matemática, de Ciências Sociais, de Pedagogia, você ter menor número deles, mas mais pesados, mais fortes; mais significativos. Isso nunca aconteceu na UNESP, por isso que estou achando: às vezes a medida autoritária tem que ser feita, senão a coisa não vai para a frente. (...) E nem sempre ganha quem tem mais força política. Não necessariamente não, mas pode ser força acadêmica também. (...) E como na época as coisas foram feitas um pouco assim, de forma muito agressiva, com cursos que se transferiram, com professores que tiveram que se deslocar, então ficou essa marca, mesmo depois da UNESP constituída. (Jorge Nagle, grifos nossos) Deveriam, porém, ter levado em conta o quanto uma decisão destas mudaria a vida das pessoas envolvidas. Mas não foi tranquilo. Foi sofrido. As pessoas podem não ter externado forte insatisfação, mas que sofreram, sofreram. Sofreram muito, sofreram muito mesmo. Para você ter uma ideia, hoje muitas daquelas pessoas que mudaram já faleceram. Conversando com outras da época você vai ter uma noção bem clara do sentimento delas. Eu tenho um sentimento assim, muito negativo sobre essa mudança, muito. Imagina, você chega lá, oito meses depois acaba o curso. E acaba o curso por causa do que? Eu não estava sabendo de nada que tinha acontecido no passado, aí quando eu estou lá dentro que eu descubro a bomba como que foi. (...) Foi triste, foi muito triste mesmo o que aconteceu. Esses meus desabafos mostraram a dor e a revolta sentida naquela época. (Ivo Machado da Costa, grifos nossos) Araraquara tinha um departamento grande, eu lembro que eles sentiram bastante. Eu sei que as pessoas sofreram muito, porque as pessoas estavam instaladas. Todo mundo tinha a sua família, tinha filhos, muita gente tinha filho pequeno na escola, era uma tristeza. Porque você ia ter que tirar filho da escola, começar a formar um outro ambiente em outro lugar. Quando sai de um lugar e vai para o outro, vai alugando casa. Gente que tinha casa própria, alugar casa em outro lugar. E aí o que você faz com a casa que você tem? Que é própria. Vai alugar? As pessoas vão estragar a casa ou não? Tudo isso aconteceu com um monte de gente. (Geraldo Perez, grifos nossos) O pesadelo da época ficou na memória, a marca ficou, o sentimento de revolta ficou, de ver o que aconteceu. E conversando com os amigos, a voz é unânime: a Matemática foi vendida em Araraquara. Venderam a Matemática em Araraquara. Venderam a Matemática. E isso a gente não pode ter satisfação. Pode passar a vida toda, mas eu falo: “Fiquei muito chateado com o que aconteceu à época”. (...) Aqui ficam registrados alguns desabafos de quem sofreu muito naquela época apesar de não ter de mudar de cidade, mas, agradeço muito a Deus pelos caminhos que me foram abertos. Tudo que fora dito reflete os sentimentos daquela época e não a realidade de hoje. (...) Esta história me emociona muito. Espero que quem ouvir meu depoimento ouça minha alma. (Ivo Machado da Costa, grifos nossos) 232 Nos depoimentos acima, fica clara a mágoa profunda, a vontade de não esquecer, o não acomodamento da situação que causou dor e sofrimento. Com o passar do tempo, a vida se acomodou, mas as marcas, superadas ou não, ficaram. Eu me enquadrei, mas acho que a minha carreira acadêmica foi prejudicada. Em termos de fazer pesquisa, eu ia fazer pesquisa com quem? Por isso que desde 1986, quando eu terminei o meu doutorado até a aposentadoria, colaborei no Programa de Educação Matemática, porque eu achava que ali era uma forma de estar em contato com as pessoas da área. (...) Eu percebo que eu perdi essa possibilidade de ter feito uma carreira mais profícua em termos de pesquisa. (Celi Vasques, grifos nossos) Bom, então isso aí me ocasiona... sempre que eu lembro, lembro com pesar, porque eu vivi e trabalhei muito por aquilo lá. (Ruy Madsen Barbosa, grifos nossos) Mas das marcas deixadas por dores e as ocasionadas por um sentimento ruim, nem todos querem se lembrar. Lembramos a “tentação do esquecimento”, descrito por Ansart (2001), na qual aquele que sofreu com uma memória traumática tende a esquecê-la e recalcála para que a dor cesse. Olha, você me lembrou do pessoal da Matemática. Eu me lembro muito pouco. Por que? Talvez porque eu tenha me aborrecido além dos limites naquela época, então a gente põe no esquecimento. (Jorge Nagle, grifos nossos) Outro Departamento de Matemática que deveria ser extinto, durante a reestruturação da Universidade com a criação da UNESP, era o do Instituto Isolado de Presidente Prudente. Isto só não aconteceu devido à incansável luta de professores, alunos e da comunidade em geral que defenderam não só o curso de Matemática, como o campus todo, que também estava ameaçado de extinção. O campus de Presidente Prudente é muito afastado da capital. Nos anos de 1950, 1960, partindo de São Paulo, a viagem até esta cidade era feita pela Rodovia Raposo Tavares com trechos sem asfalto, o que tornava a viagem mais difícil e penosa. Prudente era muito pequena, era muito pobre, muito longe. Essa distância era apavorante, o trem demorava 18 horas de São Paulo até aqui, quando não sofria atrasos, o que era muito comum, ônibus 10 horas, depois passou para oito e, ainda hoje, são sete horas de viagem. Portanto, não era fácil. (Marcos Alegre, In: ALEGRE, 2006, p. 125) Talvez essa fosse a causa do sentimento de abandono e descaso do qual os professores da antiga FAFI - e logo após os da recém-criada UNESP - se sentiam acometidos: os primeiros sentiam isso em relação ao governo, que sempre liberava menos verba para esta instituição; os segundos, em relação à Reitoria, pois se consideravam menos favorecidos financeiramente por ela. 233 (...) Nós sentíamos, nós sabíamos que, por algum motivo, e aí realmente não nos ficou claro o porquê, de Presidente Prudente ser um espinho nos olhos do reitor. (Rute Künzli, In: ALEGRE, 2006, p. 282) Na ocasião em que a UNESP foi criada e durante a reestruturação da Universidade, o campus de Presidente Prudente foi um dos mais prejudicados. Perdeu quatro cursos: Ciências Sociais, Pedagogia, Licenciatura em Ciências e Estudos Sociais. Ficaram somente dois: Geografia e Matemática. Notícias do Poder... [os professores falavam] “E agora? Como vai ser? Vão mexer em tudo, vão acabar com tudo, vão fazer de novo?”. E não era, ou melhor, não foi bem assim. Na verdade, era preciso dar um jeito na repetição dos cursos em funcionamento nas faculdades já instaladas nas diversas cidades do interior. O que prevaleceu foi a ideia de aproveitar a feição ou vocação de cada faculdade – o predomínio de uma área, ou seja, as humanas, as exatas, as biológicas. (...) E aí é que começou o drama da transferência de cursos de uma faculdade para outra, ou seja, de uma cidade para outra. Foi uma operação muito penosa. A falha, muito criticada por todos os professores pertencentes a todas as unidades, é que não houve diálogo, reunião com os professores e demais membros das unidades. Pode-se até compreender a dificuldade em reunir professores, discutir, votar, decidir etc. É muito difícil você decidir sobre coisas do seu próprio interesse e do interesse da universidade sem estabelecer uma prioridade. (Francisco Borba) Em um primeiro momento, o curso de Matemática também era para ser extinto, mas professores, alunos, políticos locais e a comunidade se manifestaram fortemente. Houve uma grande manifestação no Ginásio de Esportes de Presidente Prudente, onde acordos foram firmados impedindo a extinção de mais este curso. [Houve] um grande encontro no Ginásio de Esportes de Presidente Prudente, aberto para todo o povo e com representantes de todas as unidades da UNESP, nós queríamos envolver a comunidade na nossa luta, na nossa reivindicação. (Thereza Marini, In: ALEGRE, 2006, p. 334) A manifestação contou com a presença de políticos regionais, dos professores E. Oliveira França e J. R. Araújo Filho da FFCL da USP, da atriz Aracy Balabanian e do representante da Casa Civil, R. Peternelli que, em discurso, prometeu apoio à causa da FFCL e por ocasião das “reformas” cumpriu a promessa, obrigando L. F. Martins a excluir dos cortes um curso de cada FFCL, Matemática no caso de Presidente Prudente. (Armen Mamigonian, In: ALEGRE, 2006, p. 319) A sensação dos professores na época era a de que o campus não interessava à Reitoria por ser muito distante de São Paulo e deveria ser desativado. 234 As discussões foram mais em termos de uma preocupação com a sobrevivência deste campus, porque uma das falas que nos chegava era a de que Prudente não interessava à reitoria, por ser muito distante; era um campus que necessitava de muito investimento e não havia interesse em estar investindo em Prudente. (Rute Künzli, In: ALEGRE, 2006, p. 282) Para a extinção da unidade foi alegado que não tinha massa crítica, que a unidade não prestava, não tinha nada feito. Um absurdo que revoltou mais ainda. (Dióres Santos Abreu, In: ALEGRE, 2006, p. 96) Mas, ao que parece, esse não era um problema que se restringia somente a Presidente Prudente. Alguns campi sofreram extraordinariamente com esse processo. Um deles foi Prudente, outro foi Franca. Franca foi quase dizimada, falava-se inclusive em fechar o campus de Franca, Assis, Marília. Agora, hoje, se você fizer uma leitura assim, mais aberta, que a gente não fazia à época, quer dizer, eu digo aqui em Rio Claro a gente não fazia. Porque os cursos de humanidades já estavam esfacelados. Quer dizer, eles eram os cursos que na realidade, poderiam fazer um discurso mais crítico à situação que se vivia à época. “Para que ter essa ‘encheção de saco’?” Foi o que aconteceu especialmente com Rio Preto. A influência da ditadura era muito grande. A influência da ditadura, a influência da USP e de um reitor que veio da USP e que veio com ideias pré-concebidas. Isso era muito claro. Acabou-se com Rio Preto. Rio Preto sofreu drasticamente. (Amilton Ferreira) Para este campus, contudo, parecia que havia uma política de desestruturação e desmontagem. Lá chegavam as notícias de que a proposta inicial era extinguir a faculdade toda. (...) A lei que criou a UNESP é de 30 de janeiro de 1976. Ao longo do ano, foi elaborado o primeiro estatuto a ser apresentado ao Conselho Universitário provisório para aprovação. Nele se reorganizavam os antigos Institutos Isolados, estabelecendo-se a extinção da unidade de Presidente Prudente. Ao longo de 1976 e até a aprovação do primeiro estatuto, foi uma luta titânica para se impedir o fechamento da unidade. A Faculdade acabou subsistindo, restando só os cursos de Geografia e Matemática. (Dióres Santos Abreu, In: ALEGRE, 2006, p. 95) (...) a reforma da Universidade, que eles já chamavam de reforma então dos institutos, começou exatamente aqui em Prudente. (...) não sabíamos nada além do que se discutia no conselho provisório, nenhum documento que falasse em fechamento de curso. A não duplicação de cursos era entendida, e assim interpretada, para novos cursos que se pretendia criar. (...) Quando o Luiz Ferreira Martins esteve aqui, neste anfiteatro, totalmente lotado, havia gente do lado de fora, em volta. O povo daqui esperava anúncio de novos cursos, como zootecnia, administração, economia, serviço social e outros que resultassem na ampliação da faculdade, mais prestígio para a cidade, mas não sabíamos qual era a proposta dele. Mas a proposta do reitor era extinguir alguns cursos, substituindo-os por outros de maior prestígio. Isso ele disse ali no anfiteatro. Dizendo isto ele ganhou não a faculdade, ele ganhou a cidade. (...) Só que isto não aconteceu, foi aí que se extingue Pedagogia, Matemática, Estudos Sociais, Ciências Sociais. Só ia ficar um, o de Geografia. (Marcos Alegre, In: ALEGRE, 2006, p. 135) Era desesperador vermos a Faculdade que ajudamos a crescer simplesmente ser desmontada e nós absolutamente impotentes frente aos fatos. (...) O Reitor chegou a dizer: “qual é o problema? O cidadão de Prudente que quiser fazer Matemática pode ir para Rio Preto, Ciências Sociais em Marília ou Araraquara.” Tudo muito simples, não? (Marcos Alegre, In: ALEGRE, 2006, p. 136, grifos nossos) 235 A justificativa, mais uma vez, foi a ideia vigente na época: “não duplicação” de mesmos cursos em regiões próximas. A própria universidade é que fez essa divisão. A universidade não queria duplicar cursos. Ela queria formar centros de excelência, então Araraquara seria um centro de excelência em Educação. Mas o centro de excelência não era só de formação de professores. Era para ser um centro de excelência, o que nunca se tornou na verdade. E quando, eu acho, os professores que haviam sido transferidos verificaram que não ia dar em nada, acabaram pleiteando pela volta e conseguiram mesmo. Muitos deles conseguiram voltar. (Irineu Bicudo) Os docentes que pertencenciam ao curso de Pedagogia e de Ciências Sociais, de Presidente Prudente, foram transferidos para Marília, e os de Ciências Sociais foram divididos entre os campi de Araraquara e Marília, escolhidos para serem “Centros de Excelência” na área de Humanas, política educacional vigente no momento. O campus perdeu muitos docentes e alunos, pois estes cursos eram bem populosos. A população estudantil caiu muito porque dois dos cursos fechados, como Ciências Sociais e Pedagogia, tinham muitos alunos; a gente viveu uma situação muito dramática, vendo o campus quase vazio, sobretudo à noite. (Rute Künzli, In: ALEGRE, 2006, p. 281, grifos nossos) Na tentativa de alocar os professores que continuaram em Prudente e que pertenciam à área de Humanas, foi criado o Departamento de Planejamento. Esta também foi uma tentativa de manter um núcleo de Humanas dentro do campus. Para manter os que permaneceram da área de Humanas aqui no campus, foi criado o Departamento de Planejamento. O Planejamento foi um departamento que foi criado por dois motivos: por um lado, fazer jus ao nome de Instituto de Planejamento e Estudos Ambientais, (...) e, por outro lado, esse Planejamento tinha por objetivo estar unindo todos os professores da área de Humanas que não saíram para outros campi, como o pessoal de Pedagogia, Antropologia, Sociologia, Economia. (Rute Künzli, In: ALEGRE, 2006, p. 281) Logo após a transformação da FAFI em UNESP, em Presidente Prudente, o clima entre os professores era de total tensão, preocupação, insegurança e, por vezes até desespero, devido à falta de informações vindas da Reitoria. Havia boatos de que o campus iria ser extinto, que os professores iriam perder o regime de tempo integral, que seriam demitidos ou transferidos. Época de incertezas. Nessa época havia pessoas com crises de choro, muita tensão, não se sabia o que fazer no futuro, e num futuro próximo, como é que ia ser esse futuro, etc. Então alguns já foram saindo de cara, precipitados. Como os outros, durante um bom tempo também eu fiquei muito preocupada sobre o que iria acontecer comigo, se eu perderia o tempo integral, se seria transferida para outro campus, como é que iria fazer, já que minha família é daqui, como é que eu faço se de repente tiver que ir para Marília ou para Araraquara? Foi uma tensão que todo mundo viveu e realmente muitos foram mandados embora, eu me lembro que numa determinada época, creio que no final da década de 70 ou início de 80, em que oito professores foram mandados embora, tomando conhecimento do fato pelo Diário Oficial, ou seja, não haviam sido sequer comunicados pessoalmente. Este fato ocorreu assim que o doutor Pannain assumiu a direção, e até hoje nós não temos muito claro qual foi o 236 motivo para essa dispensa, aparentemente foi ordem de cima. (Rute Künzli, In: ALEGRE, 2006, p. 289) Passado o momento mais crítico, nova crise abateu-se sobre Prudente. Ainda durante a implantação da reforma da universidade e alegando a implementação futura e já projetada do curso de Engenharia Cartográfica no campus, houve novamente a ameaça da Reitoria em descumprir o acordo firmado, e a Matemática corria o risco mais uma vez de ser extinta. De novo houve a mobilização de forças políticas e da opinião pública a fim de garantir a sobrevivência da Matemática. E a Matemática ficou. Depois da votação da “reforma”, a reitoria ameaçou novamente descumprir o acordo, alegando a implantação projetada do curso de Engenharia Cartográfica em Presidente Prudente e propondo a extinção do curso de Matemática. Novamente a FAFI mobilizou forças políticas e a opinião pública de Presidente Prudente, incluindo a Associação Comercial e o Sr. Servantes, vinculado a Laudo Natel, e conseguimos garantir a sobrevivência da Matemática. (Armen Mamigonian, In: ALEGRE, 2006, p. 319) Esse curso de engenharia acabou vindo em substituição aos que foram fechados e foi um curso que foi muito discutido aqui no campus porque na realidade a tendência era de Faculdade de Filosofia, área de Humanas, e pretendia-se manter o quanto possível a área de Humanas. (...) Portanto a implementação do curso de Engenharia Cartográfica foi bastante contestada por toda uma ala aqui da faculdade durante muito tempo. (Rute Künzli, In: ALEGRE, 2006, p. 283) A nova tentativa de fechamento do curso de Matemática, aliada à imposição da criação do curso de Engenharia Cartográfica para substituir os cursos perdidos, evidencia a tendência das políticas educacionais vigentes quando se vivia imerso no regime da Ditadura. Era conveniente implementar as tecnológicas, porque era um pessoal mais, entre aspas, dócil, com relação às regras estipuladas e por outro lado também, seria a formação de pessoal mais qualificado tecnicamente. (Rute Künzli, In: ALEGRE, 2006, p. 291) Naquele primeiro momento, até porque ele [o curso de Engenharia Cartográfica] foi constituído inicialmente por vários professores militares, tinha-se aquela sensação de que estavam realmente cerceando a gente, que era um curso mais técnico, para neutralizar uma discussão em torno da manutenção de cursos das Humanas, da área de Humanas. (...) A Engenharia Cartográfica foi o primeiro curso civil de Engenharia Cartográfica, já que havia dois cursos militares. (...) os primeiros chefes de departamento foram militares, foram trazidos três coronéis do Exército para dirigirem o curso. (Ruth Künzli, In: ALEGRE, 2006, p. 284- 291) Houve tentativas anteriores de implantar dois outros cursos nesse campus só que mais voltados para a área de Humanas: Administração Pública e Educação Especial, ambos negados. O que pareceu aos professores de Presidente Prudente da época é que seria mais conveniente criar mais um curso profissionalizante na área de formação mais técnica a fim de qualificar profissionais não só para atender a necessidade do momento econômico, mas 237 também para cercear a proliferação de cursos da área de Humanas, historicamente formados por indivíduos mais contestadores e mais interessados pelos debates acadêmicos. Por exemplo, em Araraquara, que eu saiba, continua a área de Humanas bastante firme e em Marília também continuou, em condições melhores do que em Prudente; tem-se a impressão que Assis e Prudente foram as que sofreram mais. Então, dentro de uma política toda de desestabilizar a área de Humanas, porque as áreas de Humanas eram contestadoras e não havia interesse em contestação do regime e foi exatamente o tratamento que foi dado à Engenharia Cartográfica pelos recursos restantes, ela foi vista como uma tentativa de solapar a área de Humanas aqui na faculdade. (Rute Künzli, In: ALEGRE, 2006, p. 283) (...) as coisas começaram a melhorar um pouco [para o campus de Presidente Prudente e para a área de Humanas em geral] quando o professor Nagle assumiu a reitoria, porque aí nós tínhamos alguém de Araraquara da área de Humanas. (Ruth Künzli, In: ALEGRE, 2006, p. 284) Era algo mais ou menos assim: “Não vamos permitir que esse pessoal se aglutine, se reúna num departamento só. Porque se isso acontecer deve haver um perigo qualquer”. Essas coisas eram assim, só não via quem não queria, as coisas eram assim. E não é muito diferente hoje. As coisas hoje, elas estão um pouco mais camufladas, veladas. Mas funcionam assim. (Amilton Ferreira) Dá também para observar que a maioria dos cursos extintos eram na área das Ciências Humanas. (Marcos Alegre, In: ALEGRE, 2006, p. 137) Outra hipótese levantada pelos professores de Presidente Prudente, para justificar a criação do curso de Engenharia Cartográfica, era que esta, juntando-se à Matemática, acabasse por isolar o curso e os docentes da Geografia, pois partiu destes últimos a reação mais vigorosa em defesa das FFCL ameaçadas de extinção durante a reestruturação da universidade na época da criação da UNESP, mesmo não estando o próprio curso de Geografia em posição de ser extinto. Foi em Presidente Prudente que a reação foi mais vigorosa e onde o curso de Geografia, que se destacava nacionalmente, assumiu a defesa de todas as FFCL ameaçadas. (...) Naquele movimento de resistência democrática a maior manifestação de defesa do ensino público e gratuito e de repúdio às “reformas” se deu em Presidente Prudente, no ginásio municipal de esportes e mereceu chamada de primeira página na Folha de São Paulo. Conseguimos mobilizar a simpatia popular, dos estudantes, dos políticos regionais e estaduais. (Armen Mamigonian, In: ALEGRE, 2006, p. 318) Os professores dessas áreas [Pedagogia e Ciências Sociais, que foram extintas em Presidente Prudente] foram remanejados para outras unidades. Outros foram demitidos inclusive como represália como foi o caso do Prof. Armen Mamigonian que era o líder da resistência para a manutenção da Faculdade. Foi uma perda muito grande. Foi um desgaste muito grande a briga contra reitores, contra diretores, contra professores. A unidade só encontrou paz quando foi nomeado diretor o Prof. Marcos Alegre (1986). (Dióres Santos Abreu, In: ALEGRE, 2006, p. 95) 238 Notícias do Poder... As escolas que eram das Faculdades de Filosofia, o que acontecia? Você tinha, por exemplo, Marília, Assis, Presidente Prudente, todas elas com Faculdades de Filosofia. Filosofia era um curso específico, mas se agregava o curso de Letras, Pedagogia e coisas dessa ordem. Tinha Pedagogia praticamente em quase todos os campi, porque como tinha a área de formação de professores, obrigatoriamente tinha que ter Pedagogia. Então realmente os pedagogos, os professores da área de Pedagogia, sofreram com esse processo de desativação em alguns locais. Agora, onde havia a formação de professores mais forte, ficou a Pedagogia. (...) Neste momento é que veio esse tipo de pressão em relação ao fechamento dos cursos. Qual curso que nós vamos fechar? Eu vou fechar o de Marília, o de Assis ou o de Presidente Prudente? Às vezes podia se admitir até a hipótese de dois, mas como regra só deveria ficar um. Então nós tivemos que fazer uma análise para saber qual era o grupo mais forte, aquele que produz mais cientificamente, qual curso é mais concorrido em número de alunos e coisas do tipo. Até porque nós tínhamos um número extremamente reduzido de alunos em cada um desses cursos. Então nós fizemos uma análise e identificamos os núcleos mais fortes. Aí falamos: “Bom, então agora, esse curso só será oferecido neste campus.” (...) Com a criação da UNESP os Institutos Isolados ganharam mais. Com certeza. Abstraído aquela sensação que determinados municípios tinham de que estavam perdendo alguma coisa, o ensino superior do Estado, quer dizer, o ensino oficial mantido pelo poder público. (Luiz Ferreira Martins) Poucas vezes os participantes dos acontecimentos históricos de relevo têm consciência de que estão realizando algo que alterará os fundamentos de uma comunidade ou nação. (Dióres Santos Abreu, In: ALEGRE, 2006, p. 101) Para muitos dos professores envolvidos, a criação da UNESP foi fruto de uma injunção política. Dentro deste jogo, não foi pensado na questão humana, não foi levado em conta que se lidava com vidas, destes professores e de suas famílias, que seriam completamente modificadas a partir das decisões tomadas. É terrível, não é? (...) as coisas acontecem sempre por injunções políticas nem sempre muito claras... (Marcos Alegre, In: ALEGRE, 2006, p. 132) A UNESP foi uma injunção política. A criação da UNESP foi, não tenho dúvida nenhuma, uma injunção política. Alguém queria ser reitor de uma universidade e criaram a UNESP. Porque do meu ponto de vista não houve nada de significativo na mudança dos Institutos Isolados para a UNESP. (Irineu Bicudo) Quando você mexe com vidas, quando você mexe com pessoas e você resolve, numa mesa, em cima de um tabuleiro o destino de pessoas como se você mexesse peças de xadrez é horrível. Não é assim na vida não, não é assim. Foi falta de respeito, falta de consideração, jogo sujo. (Ivo Machado Da Costa, grifos nossos) 239 Notícias do Poder... Se a criação da UNESP foi resultado de interesses políticos? De política partidária? Não foi propriamente. Mas se trata de uma universidade mantida pelo Estado. E aí é claro que entra o interesse político, da política partidária vigente. Lembre-se de que a primeira reunião para discutir a instalação da UNESP foi em Ilha Solteira, com a presença do então governado Paulo Egydio E por que isso? Talvez para incentivar o desenvolvimento com um campus avançado. Entretanto, o que deveria ter havido e não houve, foi vigência efetiva da política universitária. Pelo menos não houve na dosagem adequada, ou não houve a atuação explícita de uma política universitária. Quero dizer, não houve um plano previamente embasado em princípios acadêmicos, um plano que recolhesse, primeiro, o que as ideias e o pensamento dos que atuavam no Ensino Superior do interior do Estado de São Paulo. (Francisco Borba) Esses professores não foram consultados anteriormente, não participaram das decisões tomadas que mudaram o rumo da vida de muitos deles. A criação da UNESP foi uma medida autoritária e sem direito a negociação nem revogação, tudo muito de acordo com o momento político vivido nesse período. Embora a gente achasse que cada unidade devesse crescer em si mesma, cada uma delas a gente via a possibilidade da criação desta Universidade, mas o que nos chocou foi a forma como a criação desta universidade foi feita, porque ela extinguiu muitos cursos, quer dizer, ela dilapidou muitas unidades para fazer surgir a Universidade. Era contra isso que nós nos opúnhamos e nos opúnhamos também à forma autoritária e sem consulta com que a UNESP foi instalada. Essa maneira de conduzir autoritariamente os destinos da Universidade expressa aquilo que acontecia na sociedade maior, na sociedade aberta, no Estado. (Thereza Marini, In: ALEGRE, 2006, p. 332-338) Notícias do Poder... Porque realmente acabei desagradando muita gente. Mas tinha que ser feito. Eu fui entrevistado algum tempo atrás, quando foi aniversário da UNESP e tudo isso foi rememorado, foi na TV Cultura. No final eles perguntaram para mim: “O senhor faria tudo de novo?” Falei: “Faria”. Porque eu acho que valeu. A UNESP hoje é uma realidade que ninguém pode ignorar. Das mais conhecidas cientificamente, mas o começo foi difícil. Foi muito difícil, agora eu acho que não tem mais retorno. (...) Mas eu tenho certeza absoluta que mesmo aqueles que, à época foram contra, porque existiam muitos interesses em jogo, se fizer uma análise crítica isenta hoje, há de reconhecer que a decisão foi válida. (Luiz Ferreira Martins) 240 Apesar de tanta luta, de tantos sacrifícios, dos erros e acertos cometidos ao logo dos anos, a grande maioria dos professores que ajudou a construir a história da UNESP se orgulha de tê-lo feito. Muitos professores aqui contaram sua história, revisitaram seu passado, as emoções vividas, remexendo em sentimentos esquecidos, não digeridos completamente. Desvendar a história significa reviver os fatos passados, trazê-los à luz e fazer justiça àqueles que escreveram e que fizeram esta história, que lançaram as bases do atual edifício. Essa é a grande importância do resgate da memória. Não se pode esquecer que a UNESP é hoje, uma das mais importantes e prestigiosas universidades do país, mas que essa grandeza está assentada nos pilares que são as antigas Faculdades do interior e que essas Faculdades sobreviveram graças ao trabalho e sacrifício de gerações anteriores. (Marcos Alegre, In: ALEGRE, 2006, p. 120) Essa deve ter sido uma viagem muitas vezes dolorosa, em que se entra em contato com as dores e traumas passados. Porém, cada vez que revisitamos nosso passado e o atualizamos, temos a chance de retrabalhar o acontecido, rearranjar a memória do vivido a fim de melhor conviver com ele no presente, na tentativa de superá-lo. 241 Conclusões - A história de uma luta surda A rememoração também significa uma atenção precisa ao presente, particularmente a estas estranhas ressurgências do passado no presente, pois não se trata somente de não se esquecer do passado, mas também de agir sobre o presente. A fidedignidade ao passado, não sendo um fim em si, visa à transformação do presente. (GAGNEBIN, In: Bresciani, S. e Naxara, 2001, p.91) Quando houve a necessidade de fazer uma reforma de estrutura na Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, no governo de Paulo Egydio, havia de se pensar no que fazer com os Institutos Isolados, que eram instituições de ensino criadas nas décadas de 1950 e 1960. Foram criadas para atender as demandas econômicas e a arrancada desenvolvimentista da época. Existia o problema da falta de vagas no ensino superior em todo Brasil, mas principalmente no Estado de São Paulo, que era o mais rico do país e necessitava de mão de obra especializada para dar conta do processo acelerado de desenvolvimento em que se encontrava. Houve algum planejamento para sua criação, mas o que acabou determinando a escolha das cidades que abrigariam cada unidade foi mesmo o critério político. Era o político que achava importante para seu prestígio trazer uma escola de nível superior para sua cidade. Normalmente esta era uma promessa eleitoreira a ser cumprida. O Estado foi dividido em regiões e em cada uma delas foi feito um levantamento das cidades que teriam condições políticas, econômicas e culturais para comportar uma faculdade. Para organizar e implantar cada uma das unidades criadas foi designado um diretor trazido da USP, que era a universidade mais importante existente no Estado de São Paulo. Ela ditava as regras que normatizavam as outras que porventura surgissem no Estado. Era o modelo a ser seguido e tinha uma relação de tutela com estas escolas de ensino superior para que não fugissem ao modelo proposto. O desenvolvimento e o sucesso na implantação dessas escolas dependia exclusivamente do prestígio de seu diretor, pois este deveria ter desenvoltura e passagem livre no meio político o bastante para negociar gastos, pedir verbas, tudo discutido diretamente com o Governador do Estado. Portanto essas faculdades não tinham nenhum tipo de autonomia. Algumas unidades possuíam professores de renome, verbas para livros, ajuda de custo para que estes professores de primeiro time não saíssem do interior. Já outras viviam na penúria, sem nenhuma infraestrutura, sempre atrás de verbas exíguas conseguidas a alto custo. Os 242 professores escolhidos para compor o quadro dessas faculdades foram retirados entre os “segundos” da USP, isto é, aqueles recém-formados que se destacavam o bastante para ser assistentes dos regentes da Cadeira na USP, mas como este era um cargo vitalício, eles teriam poucas chances de ocupar a Cadeira. Até para a contratação de professores para compor os quadros da nova universidade, os diretores deveriam consultar tanto o Governador do Estado quanto os Catedráticos da USP. Com o passar do tempo, este modelo tornou-se inviável, porque havia um número considerável de faculdades no interior do estado. Era difícil o acesso a essas faculdades espalhadas pelo Estado, bem como a administração, pois cada uma deveria ser vista como um caso em particular, o que demandava muito tempo e gastos. Este problema estava sendo percebido pelos professores pertencentes a essas faculdades e partiu deles a primeira tentativa de aglutinação desses institutos. Houve vários debates, e as discussões eram bem comuns em cada unidade, porém não se chegou a um acordo possível. Enquanto as discussões continuavam a acontecer entre professores, alunos e funcionários, houve uma reforma necessária para modernização da estrutura na Secretaria da Educação, onde este assunto foi abordado sem que houvesse nenhuma consulta aos envolvidos diretamente, isto é, os professores pertencentes a essas instituições de ensino. Foi decidido por um pequeno e restrito grupo pertencente à elite política da época que esses institutos deveriam se agrupar, formando a terceira universidade paulista, a UNESP. Foi criada por um ato totalmente autoritário, bem de acordo com o regime político vivido à época, a Ditadura Militar. Talvez esta fosse a única saída para um possível agrupamento dessas faculdades, mas o discutível foi o tipo de ação empregado para o surgimento da universidade. Não houve nenhuma consulta aos professores, que acabaram sendo os maiores prejudicados na implantação da nova universidade. Para muitos destes professores, este ato foi um divisor de águas em suas vidas. Nem todos eram a favor da criação de uma nova universidade no Estado. A USP e seus professores sempre deixaram bastante claro que eram opostos à criação de uma nova universidade no interior do Estado de São Paulo, pois alegavam que as cidades escolhidas não teriam condições de implantar e sustentar cursos com a qualidade de ensino esperada. Mascarada por trás deste discurso havia a questão financeira. Já existiam duas universidades estaduais no Estado de São Paulo, a USP e a UNICAMP, que dividiam as verbas destinadas à Educação Superior. Com a criação da nova universidade, as verbas seriam divididas em três partes. O agravante é que esta nova universidade teria uma infraestrutura maior, com vários campi, o que oneraria em muito os cofres públicos. Portanto a USP, que anteriormente detinha toda a verba, agora teria que dividir seu quinhão com as outras duas universidades, 243 tanto para a manutenção da infraestrutura, quanto para as bolsas cedidas pelos órgãos de fomento à pesquisa. As regras que direcionaram a organização inicial que estruturaria a nova universidade eram baseadas na economia, portanto visavam à “não duplicação de meios idênticos”, à criação de “centros de excelência” e à aglutinação de ‘massa crítica’. Estas eram as palavras de ordem que normatizaram a reforma estrutural inicial da UNESP. Na prática o que realmente aconteceu foi que escolheram algumas unidades da UNESP para serem “centros de excelência” em detrimento de outras. A alegação era que cada unidade possuía poucos professores com titulação e experiência para que determinado curso tivesse uma alta qualidade. A ideia era aglutinar massa crítica e fazer com que o centro de excelência em determinada área se desenvolvesse melhor. Desse modo, foi escolhida uma unidade, ou no máximo duas, para sediar este curso. Nas demais unidades que possuíssem o mesmo curso e fossem próximas à unidade escolhida, ele deveria ser extinto, também para diminuição de gastos. E houve vários casos em que isso realmente aconteceu, pois a maioria das unidades dos Institutos Isolados eram compostas de Faculdades de Filosofia, onde a área de Humanas era bastante forte e possuíam o curso de Pedagogia. Portanto esta área foi a mais prejudicada, vários cursos de Pedagogia se extinguiram e seus professores foram realocados nas unidades escolhidas para se transformarem em centros de excelência. Foi esse o grande problema durante a criação da UNESP, a transferência humana. De um dia para o outro e sem que houvesse nenhuma consulta ou aviso prévio, vários professores - e a maioria ficou sabendo via Diário Oficial - foram transferidos de uma unidade da UNESP para outra. Isto significava que teriam de deixar sua casa, seus filhos, sua família, sua pesquisa, enfim, toda a vida estruturada em uma localidade para se mudar para outra. Em alguns casos toda a unidade estava ameaçada de extinção. Este foi o caso dos campi de Presidente Prudente, Assis e Franca, que eram consideradas unidades “mais fracas”. Nestas unidades a briga e a luta eram maiores, pois os professores, os políticos e a comunidade precisaram unir forças para lutar pela manutenção da universidade. A mágoa de muitos professores se deu porque se escolheram algumas unidades para serem centro de excelência, em detrimento das demais que tinham as mesmas condições das escolhidas. Cada um dos cursos tinha qualidade, uma quantidade expressiva de alunos e o corpo docente era bem-qualificado e titulado para a época. Todas as indicações nos levam a crer que as ações foram realmente impostas, isto é, a extinção do curso não foi determinada pela falta de qualidade nem por baixa quantidade de alunos, mas por uma injunção política. 244 Houve muitas brigas, passeatas, assembleias, discussões. Algumas unidades se rebelaram, simplesmente não cumpriram a determinação e não se transferiram. Já outras não tiveram força para lutar e acabaram cumprindo a ordem de se transferir, mas praticamente todas organizaram focos de resistência em suas unidades de origem. A evidência de que não houve muita organização no ato de criação dos centros de excelência foi que havia o curso de Pedagogia em quase todas as unidades porque era necessário, pois existiam vários cursos de licenciatura nesses campi que necessitavam de professores para ministrarem as disciplinas da área de didática. Ao que parece a ideia era fazer com que os alunos que precisassem destas disciplinas pedagógicas se locomovessem para as unidades que tivessem o centro de excelência, isto é, fizessem uma parte de sua graduação em um campus e a outra parte em outro, o que, com o passar do tempo, provou ser inviável. Na prática foram os professores que acabaram se locomovendo diariamente para ministrar estas disciplinas nas suas unidades de origem. Isso abriu precedente para que, anos depois, fosse criado novamente um núcleo de Pedagogia nestas unidades e, em muitas delas, implantou-se um novo Departamento de Educação. Logo após o decreto que impunha todas essas mudanças, houve um pedido para que os professores de cada unidade dessem sua opinião sobre as mudanças que deveriam ser cumpridas. Ao que parece esta foi uma atitude meramente teatral e com o intuito de acalmar os ânimos já tão exaltados, pois, segundo os depoimentos dos professores, suas reivindicações não foram atendidas e o que prevaleceu mesmo foi a ideia anteriormente proposta pela cúpula. Portanto ficou claro que as ideias defendidas pelos professores não iam realmente ser colocadas em prática. O resultado de todas estas mudanças é que os professores que tinham condição acabaram se aposentando. Outros foram transferidos, e muitos acabaram dando um jeito de voltar para sua instituição de origem. Outros tantos se mudaram e acabaram por se adaptar e reconstruir suas vidas na nova unidade. Alguns ainda deixaram a docência e partiram para outra profissão. Fato é que esta ação imposta e autoritária deixou marcas em todos. Como bem diz a professora Lucila Maciel: “o fato inicial, este não se apaga”. O fato realmente não se apaga, todos tiveram suas vidas afetadas, tanto os transferidos, que presumivelmente foram os que sofreram mais, mas também os que recepcionaram os professores transferidos e se transformaram em centro de excelência, pois tiveram que rearranjar desde lugar em suas salas para o grande número de professores que chegavam, até reestruturar seus grupos de pesquisa para se adaptar ao novo formato. 245 Havia uma relação de tensão, de mal-estar entre os que lá estavam e os que chegaram. Muitos desses professores se conheciam e já interagiam entre si, pois pertenciam à mesma área de conhecimento. O sentimento ruim deu-se pelo fato de que nos centros de excelência não havia nenhuma proposta maior organizada, por exemplo, de implantação de uma PósGraduação, para que o salto de qualidade pretendido realmente se concretizasse. Simplesmente aglutinaram a tal massa crítica e, quem sabe, esperavam que as ideias e a organização surgissem apenas por haver tantos professores qualificados e titulados juntos. Segundo a professora Maria Bicudo, foi perdida uma oportunidade única de se criar um grande centro de estudos na área das Humanidades, algo nunca acontecido no Brasil, mas não houve um planejamento prévio, não houve quem tivesse experiência o bastante para realizar as ações necessárias a fim de concretizar as ideias defendidas. Estamos usando o exemplo da área de Humanidades, mas isto aconteceu em todas as áreas. Na área de Exatas, o caso específico acontecido com os dois cursos de Matemática pertencentes à UNESP foi diferente dos demais. Conforme as políticas educacionais vigentes da época, a ideia era dar prioridade ao bacharelado e uma ênfase maior ao desenvolvimento das áreas tecnológicas, portanto a Matemática seria privilegiada. No caso de Presidente Prudente, o que pareceu é que se tinha a intenção de fechar o campus de modo geral. Então foram extintos vários cursos e os professores remanejados para outras unidades. Porém, o que não se esperava era a resistência de professores, funcionários e alunos, muito menos o envolvimento de políticos da região e da comunidade de modo geral visando à manutenção deste curso na cidade. Acordos tiveram de ser firmados para que o curso permanecesse na universidade. Mesmo havendo tentativas posteriores de não respeitar estes acordos, a comunidade conseguiu evitar o fechamento do curso de Matemática. Já no caso de Araraquara, que também foi uma injunção política, não houve como impedir a extinção do curso de Matemática, pois o departamento se encontrava enfraquecido devido a brigas internas anteriores. Foram usadas as mesmas justificativas em voga no momento, como a ‘não duplicação de fins idênticos’, ‘aglutinação de massa crítica’ e criação de ‘centros de excelência’, mas, ao que parece, estas eram meras desculpas para desmanchar um curso que tinha trazido tantos problemas para a direção e o campus de modo geral. Com base neste recontar da história da criação da UNESP, que perpassou toda a trajetória da pesquisa, pude constatar que houve trânsito de professores em vários campi durante a reforma estrutural da UNESP, logo após sua criação. Nas unidades de Araçatuba, São José dos Campos, Guaratinguetá, Botucatu, Jaboticabal, São Bernardo do Campo e Ilha Solteira, nenhum curso foi extinto. As unidades 246 de Araçatuba, São José dos Campos e São Bernardo do Campo eram simples, quer dizer, com apenas um curso no campus e tinham respectivamente os cursos de Odontologia, Engenharia e Música. As unidades com campus complexo eram: Ilha Solteira, onde havia cursos de Engenharia e não tinha como perder nenhum deles, pois foi criada juntamente com a UNESP; Jaboticabal, cujos cursos pertenciam à área de Biológicas; e a unidade de Botucatu, que também é voltada para a área de Biológicas e até aumentou a quantidade de cursos com a implantação do curso de Zootecnia em seu campus. Em nenhuma destas unidades havia cursos da área de Humanas. A extinção de cursos ocorreu nas unidades de Araraquara, Assis, Franca, Marília, Presidente Prudente, Rio Claro e São José do Rio Preto. Nestes campi assistiu-se tanto à saída de professores de suas unidades de origem, devido à extinção de seus cursos, como à recepção de docentes vindos de outras unidades. A área mais prejudicada foi a de Humanidades, como já havíamos dito anteriormente. Exceto a extinção do curso de Matemática em Araraquara, cuja história já foi relatada no capítulo anterior, e que foi um caso à parte, a maioria dos outros cursos extintos pertenciam à área de Humanas. Alguns exemplos de extinção: Filosofia e História, no campus de Assis; História, Geografia, Letras e Pedagogia, extintos na unidade de Franca; Ciências, Ciências Sociais e Pedagogia, na unidade de Presidente Prudente; Ciências Sociais, Ciências e Pedagogia, na unidade de Rio Claro; Ciências e Pedagogia, na unidade de São José do Rio Preto. O grande número de cursos pertencentes à área de Humanas nessas unidades deve-se a sua origem, pois eram anteriormente Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras. A extinção destes cursos estava de acordo com a política educacional vigente na época, pois não eram do tipo “interessante” para o regime de Ditadura Militar, pelo qual o Brasil passava. Baseados em alguns depoimentos, temos a convicção de que, por trás das palavras de ordem que direcionaram toda a reestruturação da nova universidade, como por exemplo: “não duplicação de meios idênticos”, buscando sempre a aglutinação de recursos humanos e concentração de investimentos; “aglutinação de massa crítica” e “criação de centros de excelência”, que eram muito comuns na época - esta foi uma reestruturação com base em critérios econômicos, isto é, na diminuição de gastos. Havia também a ideia de concentrar pessoal para melhor controlar e vigiar, principalmente quando se tratava de professores pertencentes a cursos como Ciências Sociais, Pedagogia e Filosofia, que, até por sua formação, têm um caráter mais afeito a discussões, mais contestador e combativo, o que incomodava a cúpula do regime da Ditadura. 247 Após analisar os depoimentos, estou convencida de que as transferências foram feitas de diferentes formas nas diferentes unidades. O decreto que determinava que alguns cursos seriam extintos em algumas unidades da UNESP foi baixado logo após a criação desta universidade. Fazia parte dos procedimentos de reestruturação da UNESP que adequava e atualizava o formato dos antigos Institutos Isolados transformando-os na nova universidade. Segundo o depoimento do professor Marcos Alegre, praticamente nenhum professor sabia que haveria cursos a serem fechados, muito menos transferência de professores. Nem mesmo os professores que ocupavam cargos administrativos, como os chefes de departamentos ou os diretores de cada campus. Muitos esperavam que houvesse até um aumento na oferta de cursos em cada unidade e não a sua diminuição, nem todo o remanejamento que houve. Então esta notícia pegou a todos de surpresa. Em alguns campi houve desespero e o clima era de total insegurança, principalmente nas unidades mais afetadas. Porém o decreto foi baixado e não tinha como revogá-lo. Aos professores restou se conformarem, claro que não sem luta nem resistência. Quando os professores pertencentes aos cursos a serem extintos perceberam que realmente teriam que ser realocados, então começaram as negociações. Há relatos, como, por exemplo, no Departamento de Matemática, em Araraquara, e no Departamento de Educação, em Rio Claro, de depoentes que dizem ter havido uma reunião em que os professores a serem transferidos tiveram a chance de escolher, entre os campi que seriam centros de excelência, para qual deles cada um deles gostaria de ser enviado. Portanto houve acordos de modo a tentar minimizar as consequências causadas pelas transferências. Vários relatos, contudo, dizem que alguns professores conseguiram permanecer em seu campus de origem, realocando-se em outro instituto pertencente a sua unidade ou continuando no mesmo instituto e no mesmo curso a fim de ministrarem aulas para os alunos remanescentes até o fechamento total do curso, conseguindo assim evitar toda a mudança para outra cidade. Estes professores foram escolhidos com base nas relações pessoais e de amizade. Muitos eram os que gostariam de ter evitado toda esta mudança, mas somente alguns conseguiram. Mesmo os que conseguiram evitá-la acabaram sofrendo de alguma forma. Este é o caso da professora Celi Vasques, que preferiu se transferir para o Instituto de Química a fim de permanecer residindo em Araraquara, por causa da vida familiar. Porém, teve que se adaptar para ministrar um conteúdo voltado especificamente para uma clientela diferente daquela estava acostumada e focado nas necessidades, problemas e urgências próprias do curso de Química. No começo ela teve certa dificuldade, pois esta não era a sua formação, mas com o tempo ela se adaptou e acabou por ter êxito. Porém o preço a pagar foi 248 que ela não conseguiu se desenvolver na área em que se especializou e sua carreira como pesquisadora em um programa de pós-graduação foi muito prejudicada. Pode-se perceber a diferença no conteúdo de discurso entre os professores que acabaram sendo afetados por todas essas mudanças e os que estavam em posição de idealizálas e ditar as regras para que fossem colocadas em prática. Em vários momentos se notam nesses depoimentos linhas de raciocínio, pensamentos e explicações que tentam minimizar e até mascarar o sofrimento dos professores transferidos. Alguns dão testemunho de que não houve nenhum problema, que os professores transferidos se adaptaram muito bem, que a maioria fixou residência na cidade para onde se transferiu e que não houve nenhum tipo de ruptura em suas carreiras. Esse tipo de depoimento desconsidera as muitas vozes que se levantam dando testemunho de uma realidade completamente diferente. Realmente alguns professores acabaram residindo na cidade para a qual se transferiram e conseguiram se adaptar, mas não são a maioria. Mesmo adaptados tiveram uma ruptura em seu trabalho, em suas pesquisas, problemas com a família, isto é, suas vidas, de alguma forma, foram afetadas e redirecionadas pela transferência. Percebemos em muitos relatos a mesma ideia de que a prova maior de esta experiência não ter dado certo é que, em quase todas as unidades onde foi extinto, o curso de Pedagogia teve de ser reativado. Em alguns casos isso se deu logo em seguida e em outros a volta foi mais demorada, mas houve a necessidade de retorno de pelo menos um curso isolado de Pedagogia para dar conta das licenciaturas pertencentes ao campus, quando não a volta de todo Departamento de Educação. Vimos que é praticamente unânime entre os professores entrevistados a certeza de que muitas das ideias implantadas na época não vingaram. Por exemplo, exigir que se tivesse um “centro de excelência” na área de Humanas somente nos campi de Marília e de Araraquara e que os alunos das diversas licenciaturas dos demais campi fizessem parte das disciplinas pertencentes ao seu curso em seus campi de origem e concluíssem as disciplinas pedagógicas em outro campus mostrou-se logo de início inviável. Como os alunos não podiam viajar, o jeito era fazer com que os professores passassem a viajar para ministrar estas disciplinas. Ao que parece faltou planejamento. Como o professor Amilton Ferreira bem disse em seu depoimento, foram feitas várias mudanças que não deram certo, e depois a UNESP perdeu muito tempo para que voltasse ao formato anterior de organização. Estas ideias o professor Ivo Machado da Costa chamou de “mirabolantes”. Os artífices dessas mudanças, nossos entrevistados, deixam claro em algum momento que sabiam que os professores transferidos foram os maiores prejudicados, que os problemas 249 realmente ocorreram em razão das transferências humanas, mas alegaram que este foi o preço a ser pago, pois, se hoje a UNESP é uma potência e uma realidade, é porque teve de passar por tais mudanças. Portanto, diante de todas estas feridas que se abriram nos professores envolvidos, coloca-se a UNESP, e nesta comparação, o professor Luiz Ferreira Martins diz que tudo valeu a pena e, mais, que faria tudo de novo. Podemos acrescentar que o ressentimento causado nos professores transferidos, durante a criação da UNESP, foi detectado em quase todos os professores envolvidos em tais mudanças. Ele aparece nas falas em forma de mágoa, ódio, raiva, na ferida aberta, na dor. Ressentimento, segundo o conceito nietzscheniano, de toda uma classe de professores transferidos que não tiveram a força e a oportunidade, ao menos no momento da transferência, de se opor aos desmandos e atos autoritários de seu dominador, aqui simbolizado pelo Estado e representado pelo pequeno grupo idealizador da UNESP. Existem vários casos exemplares em que fica evidente esse sentimento. Cito o da professora Celi, que teve sua carreira de pesquisadora em Matemática prejudicada por ter de ser integrada no Instituto de Química. Outro caso é o da professora Lucila que foi transferida para Araraquara juntamente com seu marido. Ela deixou a família em Rio Claro e mais tarde acabou voltando para ajudar a ativar um novo Departamento de Educação na UNESP de Rio Claro. Também ajudou a criar em Rio Claro o curso de Educação Física e a Pós-Graduação em Educação Matemática. Depois foi convidada para trabalhar na UNICAMP, em Campinas, mas deixa claro em sua entrevista que nunca se desfez de sua casa em Rio Claro, pois a meta sempre foi voltar, já que esta era sua verdadeira casa, seu lar. De fato, depois da aposentadoria, a professora Lucila voltou a morar em sua cidade, em sua casa, porém percebemos sua mágoa, sua frustração em não ter dado continuidade às suas pesquisas dentro da sua instituição, o Departamento de Educação na UNESP de Rio Claro. Esse também é o caso dos professores de Presidente Prudente, que, através de seus relatos, nos mostram em detalhes toda a luta para manter o campus de Presidente Prudente ativo, quando a ideia inicial era a sua extinção. Alguns, como o professor Armen Mamigonian, até perderam o emprego, mas no final nos dizem do orgulho em ter participado dessa briga e de ter feito parte dessa história. Sem contar os professores que acabaram se aposentando ou que deixaram a docência por causa da criação da UNESP. Conseguimos detectar, no relato da professora Maria Bicudo, esse sentimento e, junto com ela, o de muitos outros professores, que nos dizem de um “sentimento ruim, de um azedume” ao ver seu departamento extinto porque outro tinha sido escolhido para se transformar em centro de excelência. Também na tristeza do professor Ruy Madsen Barbosa 250 em ter que deixar o Departamento de Matemática de Araraquara, cujo prédio ele ajudou a construir. Um caso muito marcante é o do professor Ivo Machado da Costa que ainda hoje não vê com bons olhos a UNESP, devido a toda dor e frustração por que passou na época, pois fez um concurso e foi escolhido para trabalhar em uma faculdade que muito pouco tempo depois se transformaria na UNESP e se extinguiria o departamento em que trabalhava. Tudo isso e mais o agravante de ter vivido as consequências da briga acontecida anteriormente no Departamento de Matemática em Araraquara. No fim de seu depoimento, ele nos pede que escutemos sua alma. Um depoimento que nos emociona e deixa transparecer o tanto de dor que carrega em conseqüência deste acontecimento. Em meio às entrevistas, apareceram também outros tipos de ressentimento que, apesar de não serem o foco desta investigação, pudemos perceber. O ressentimento dos professores Irineu Bicudo, Ivo Machado da Costa e Maria Bicudo, que achavam que a organização da faculdade enquanto Instituto Isolado privilegiava a autonomia dos professores e a troca acadêmica entre as diferentes áreas. Havia também o ressentimento por estes institutos terem um início mais cheio de importância, com diretores ilustres pertencentes à USP, catedráticos conhecidos compondo o quadro, verba liberada para compra de livros, etc. e, algum tempo depois, durante o governo de Adhemar de Barros, os recursos terem se reduzido a ponto de faltar verba para o pagamento do salário dos professores. O mesmo acontece com o sentimento de abandono e descaso dos professores de Presidente Prudente, cuja Faculdade teve um começo muito humilde, pois o campus é longe demais da capital do Estado e não havia liberação de verbas suficientes para um melhor desenvolvimento da unidade. Também na sensação de impotência dos professores do Departamento de Araraquara, que se sentiam enfraquecidos pelas brigas internas ocorridas. Ressentimentos também, mas com origem em outros problemas. O ressentimento, a dor, a raiva, a frustração, o sentimento ruim deixam marcas, sempre deixam. Estas marcas ficaram? Certamente, e são marcas que acompanham e continuarão acompanhando esses professores ao longo de suas vidas, pois os modificaram de alguma forma, retraçaram suas trajetórias, desviaram sua direção. Marcas que eles, cada um a sua maneira e ao seu tempo, trabalharam e retrabalharam em suas mentes a cada lembrança, conversaram com outras pessoas a respeito, recalcaram, buscaram o esquecimento, se revoltaram. Tentaram suavizar, deixar a memória de tudo o que aconteceu um pouco mais palatável para que, passados 36 anos, possam conviver pacificamente com estas lembranças 251 no presente. Ter algumas destas marcas impressas em nossos corpos e em nossas mentes é inevitável. Importante é o que fazemos com as marcas que a vida continuamente nos imprime. Quem sabe a melhor solução não seria a lição de vida que a professora Maria Bicudo me ensinou, quando relatava sua trajetória, e que muito me marcou? Ela contava do momento em que retornara a Rio Claro, depois de ter passado dois anos viajando diariamente até Araraquara, para onde tinha sido transferida. Momento este em que, machucada com toda a situação vivida, fora colocada funcionalmente no Departamento de Matemática da UNESP de Rio Claro, mesmo tendo formação em Filosofia. Segundo suas próprias palavras: “O que me restava? Ficar à deriva ou criar um espaço de trabalho. A segunda opção foi assumida”. Foi quando ela começou a organizar a proposta de criação da Pós-Graduação em Educação Matemática, programa a que este trabalho de pesquisa está vinculado. Foi assumida a posição de luta, de resistência, de não se deixar cair, enfim, de se reinventar sempre que é preciso. 252 BIBLIOGRAFIA AGUILERA, F. G. (Org.) As palavras de Saramago: catálogo de reflexões pessoais, literárias e políticas. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. ALEGRE, M. (org.) Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras ontem: uma trajetória (história Oral) – Faculdade de Ciências e Tecnologia hoje. Presidente Prudente: [s.n.], 2006. ANSART, P. História e Memória dos Ressentimentos. In: Bresciani, S. e Naxara, M. 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