NECRÓPOLE: NOVO CONCEITO PARA APLICAÇÃO DE TEMAS TRANSVERSAIS Ana Cabanas1, Fátima Regina Ferreira2 1 Universidade de Taubaté, Programa de Pós-Graduação em Gestão e Desenvolvimento Regional, Rua Visconde do Rio Branco, 210, Centro, 12200-000,Taubaté, SP, [email protected] 2 Universidade do Vale do Paraíba, Faculdade de Educação e Artes, Rua Tertuliano Delfim Jr, 181, Jd. Aquarius, São José dos Campos, SP, 12246-001,[email protected] Resumo- A Educação, no mundo globalizado, também passa por transformações para se manter atrativa e cumprir o propósito de formar cidadãos críticos e participativos de maneira intelectossocial. Por conseguinte, percebe-se a necessidade da criação de novos cenários educativos. Este estudo exploratório tem como escopo fomentar a reflexão dos educadores de séries iniciais do Ensino Fundamental acerca da necrópole como espaço multidisciplinar para aplicação de temas transversais. A amostragem nãoprobabilística intencional foi composta por 52 sujeitos voluntários de 08 a 12 anos matriculados nas séries iniciais do Ensino Fundamental no Município de São José dos Campos. De acordo com os resultados da pesquisa, o tema inusitado abre um leque, desperta curiosidade e interesse, de forma a integrar a educação formal à informal. A abordagem do eixo disciplinar, envolvendo História, Arte, Geografia e Meio Ambiente, possibilita a aquisição de conhecimentos específicos e significativos mediante a troca cognitiva e o respeito ao próximo. Conclui-se que a necrópole é ainda uma vertente na busca de um passado tão contíguo, a descoberta de um lugar dito “morto” com uma história “viva”, um pólo de conhecimento e cultura. Palavras-chave: Necrópole. Educação. Temas transversais. Identidade Cultural. História. Área do Conhecimento: Ciências Humanas. Introdução De um lado, o fácil acesso às informações pelos veículos de comunicação e pela internet que pode desvirtuar a real essência do prazer de aprender. Por outro lado, os educadores têm a oportunidade de utilizar o meio para produzir interesse e conhecimento, rebuscando raízes históricas, aguçando a vontade de praticar leitura e pesquisa. É essencial para a Educação, reestabelecer a história local e regional na fase escolar. Ao perceber a relevância de se valorizar a identidade cultural de uma localidade, pode-se utilizar a necrópole como espaço alternativo, extramuros, para aulas de História, Ciências Sociais ou interdisciplinares, neste estudo, no Ensino Fundamental. A “necrópole é lugar de fé, crença, arte, simbologia, arquitetura e poesia que retrata religião, cultura e economia local; patrimônio cultural visualizado como um museu a céu-aberto da história regional. Pode, ainda, ser concebida como uma cidade dentro da cidade (CABANAS, 2007, p.10). Por isso, torna-se importante a valorização historicocultural local e regional – enraizadas nas necrópoles, que é desconhecida pela nova geração. Nesse sentido, pretende-se com este estudo fomentar a reflexão dos educadores de séries iniciais do Ensino Fundamental acerca da necrópole como espaço multidisciplinar para aplicação de temas transversais. Metodologia Neste estudo exploratório, seguiram-se os trâmites legais de acordo com a Resolução nº 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), do Ministério da Saúde (MS), que regulamenta pesquisa que envolva seres humanos, sendo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade do Vale do Paraíba (Univap), conforme protocolo nºH047/CEP/2009. Manteve-se o anonimato tanto dos sujeitos da pesquisa quanto das duas instituições de ensino (IE) sediadoras. Os sujeitos foram identificados por nomes de bairro de São José dos Campos – Aquárius, Detroit, Interlagos, Santana, etc-, enquanto as IE por letras do alfabeto grego Pública Estadual (Alpha) e Filantrópica (Beta). A amostra não-probabilística intencional foi composta por 52 sujeitos voluntários. O critério de inclusão/exclusão foi a faixa etária de 08 a 12 anos de idade matriculados nas séries iniciais do Ensino Fundamental no Município de São José dos Campos. Esclarece-se que como os participantes são menores de idade, os XIII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e IX Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 1 pais/responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). No que tange à pesquisa de campo foi aplicada em três etapas, como descrito no Quadro 1. ETAPAS DESCRIÇÃO 1ª Aula expositiva sobre história e cultura da cidade, e importância do espaço público necrópole. 2ª Visita monitorada ao Cemitério Padre Rodolfo Komorek. 3ª Produção de texto, desenho e atividades lúdicas como forma de avaliação de conteúdo assimilado. Quadro 1- Etapas da pesquisa de campo Resultados A pesquisa permitiu o conhecimento baseado na busca de relações entre o antigo e o novo, o inusitado e o meio em que se vive: “Vi que os túmulos antigos eram mais diferentes do que os modernos” (Cerejeiras). “Eu vi vários túmulos antigos e pedra [mármore Carrara] que vinha do outro lugar [Itália] para fazer os túmulos” (Jaci). Como, previamente, na aula expositiva foi exposta a história de São José dos Campos mediante os feitos de pessoas ilustres que colaboraram para o desenvolvimento e o crescimento da cidade e até mesmo de personalidades que marcaram a história do Estado de São Paulo. O que foi assimilado durante a pesquisa, de maneira a resgatar a história e a cultura joseense. Os educandos fizeram questão de conhecer jazigos de alguns ícones, por exemplo, Euclides Miragaia(a), por ter a Bandeira do Estado como símbolo de sua morte e o ex-prefeito, Hélio Augusto de Souza(b), que participou da criação de uma instituição de assistência social e atenção à criança e ao adolescente (Figura 1). a b Durante a atividade lúdica na instituição Beta, foram realizados alguns questionamentos aos educandos sorteados. Dentre elas: “Cite o nome do médico pediatra e sanitarista que realizou as primeiras cirurgias do pulmão, melhorando o prognóstico dos pacientes com tuberculose”. A resposta do educando Limoeiro: “Rodrigues Dória”. Outra questão respondida pronta e precisamente: “Quem criou a Congregação das Pequenas Missionárias de Jesus Eucarístico?”. A resposta do educando Freitas: “Madre Tereza”. Os educandos aprenderam conteúdos de Geografia e Estudos Sociais: “O bairro do cemitério é no centro da cidade” (Satélite). “Necrópole é a cidade dos mortos e a metrópole a cidade dos vivos” (Castanheiras). Foi possível pesquisar e resgatar a história e a cultura de sua cidade. Interlagos destacou em seu desenho o zoneamento da necrópole, correlacionando ao do próprio município em que mora. Como nos bairros, observou que há quadras, ruas e cruzamentos. Em que os jazigos são considerados a moradia de cada família (Figura 2). Figura 2- Necrópole correlacionada à cidade (Interlagos) “Eu conheci a igreja onde as pessoas oram, [...] é lugar de silêncio” (Paraíso). Santana em seu desenho (Figura 3) representou a visualização completa do espaço necrópole: jazigos por toda localidade; uns em maior proporção do que outros; Santo Cruzeiro; Capela com algumas pessoas saindo de lá, visto que no dia da visita monitorada era realizada uma novena; e funcionários fazendo a limpeza. Figura 1- Educandos: Instituição Alpha e jazigo de Euclides Miragaia(a); Instituição Beta e jazigo de Hélio Augusto de Souza(b) “Eu aprendi [...] a história das pessoas ilustres da cidade, obras de arte dos túmulos antigos e modernos. [...] Vi túmulos de gente importante como Padre Rodolfo Komorek, Madre Teresa, [Euclides] Miragaia, Prefeito Elmano Veloso” (Tatetuba). Figura 3- Espaço físico necrópole (Santana) XIII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e IX Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 2 Como tudo era novidade aos participantes, ao visualizarem cada jazigo, novas eram as descobertas: “Eu aprendi que a estrela significa o nascimento e a cruz é a morte” (Morumbi). “Eu aprendi que eles fazem homenagem ao piloto de aviões com uma hélice” (Detroit), como demonstrado da Figura 4. Figura 4- Educandos da instituição Beta e jazigo do Capitão das Forças Aéreas, Maldos Além disso, constataram que o ser humano transforma o meio em que vive e também é transformado por ele, como doutrinado por Vygotsky (1988). “As árvores dos cemitérios são importantes porque as raízes sugam o necrochorume que os mortos soltam. Se as árvores não sugassem o necrochorume, a água estaria toda poluída” (Putim). Como ilustrado detalhadamente no desenho de Piratininga (Figura 5). Figura 5- Necrópole, enfatizando as raízes das árvores (Piratininga) Assegura-se que a visita monitorada promoveu a fixação da memória ao resgatar a identidade cultural. Os educandos viraram pesquisadores participantes em vários momentos da pesquisa mediante ao mundo inusitado que lhes fora apresentado. “Eu caminhei bastante e lá era muito legal” (Aquárius). A realidade cotidiana permitiu incentivar a apreciação do inusitado, o desenvolvimento de habilidades e o afloramento da criticidade das crianças. Discussão Segundo Moreno (2001), os temas transversais devem envolver noções de ensinar que promovam significado pessoal, contextos que não sejam absurdos; tenham sentido, não apenas para o adulto que ensina, mas, para a criança que aprende ao manejar conceitos. Fundamentando-se em Araújo (2003) , temas como a necrópole e seu contexto, são considerados transversais porque se inserem no currículo escolar e estão presentes em todos os campos do conhecimento. O que exige do educador a atenção voltada à questão da interdisciplinaridade, a qual necessita do trabalho de socialização e relação integrada entre as disciplinas. Retomando os princípios teóricos de Sander (s.d), a educação pode influenciar e induzir o desenvolvimento do cidadão em relação ao sistema socioeconomicocultural e político, podendo até quebrar paradigmas. Isso ocorre porque, de acordo com Vygotsky, Luria e Leontiev (1988), o desenvolvimento global da sociedade condiciona o desenvolvimento educacional. A escola fundamenta suas ações na realidade do dia-a-dia, relacionando o conhecimento dos conteúdos disciplinares ao conhecimento empírico que emana da experiência de cada educando. Expoente às palavras de Von Zuben (1998), a escola adota atitude crítica e construtivista em prol do desenvolvimento de valores éticos, objetivando um projeto de vida mais digno. Nesse sentido, é necessário trabalhar todos os conteúdos conceituais e procedimentais. O que justifica trabalhar temas transversais em visitas monitoras em necrópole, pois, para Cabanas e Ricci (2007), intramuros desta localidade estão não apenas mortos ilustres como também um rico acervo cultural. Cada necrópole possui um estilo diferencial conforme a sociedade, isso acontece até se for comparada a outra no mesmo município. Ao se considerar a necrópole como espaço público, pode-se proporcionar conhecimento tanto ao educando quanto ao educador. Nos ensinamentos de Ribeiro (2006) e Cabanas (2007), deve-se se reconhecer o valor historicocultural desta localidade como estratégia indutora na troca de conhecimentos. Esquinsani e Esquinsani (2008) alegam que a memória assume um caráter coletivo, uma vez que os educandos recordaram fatos e personalidades, vinculando imagens aos valores individuais mais amplos. O novo conhecimento ao qual se tem acesso é tão cheio de novidades para quem aprende como para quem o descobre pela primeira vez. Isto é XIII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e IX Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 3 decorrente da aprendizagem construtivista, em que o aprendente se transformar em professor de si mesmo. Moreno (2001) revela que somente mediante a descoberta que se tem conhecimento da compreensão de resultados claramente perceptíveis. No entanto, como indicado por Edgar e Sedgwick (2003), Bellomo (2000) e Ribeiro (2006), pesquisadores, historiadores e educadores se esquecem de utilizar a necrópole como campo de estudo, considerando a habilidade do ser humano em construir e usar a linguagem. A questão dos temas transversais proporciona a ponte de união entre os conhecimentos científico e empírico, desde que se tenha como finalidades temáticas referentes ao cotidiano interligadas às matérias curriculares, por conseguinte, adquirido a qualidade de instrumentos cujo uso e domínio conduzam à obtenção do conhecimento. Conclusão Na medida em que o processo interativo ocorre, surge entre os olhares holísticos, a procura pelo infinito, envolvendo o questionamento, o prazer pela busca e a sede do saber. Observa-se que este estudo pode abrir possibilidades, no sentido, de implementar o temido “novo conceito” de busca pela informação e, de modo peculiar, respeitar a diversidade social, cultural, política e religiosa. Os resultados desta pesquisa demonstram que a quebra de paradigmas aguçou o interesse dos educandos. Foi impressionante a observação crítica, misturando a curiosidade ao fascínio de uma nova experiência vivida na arte do saber. Ao visitar o espaço público, necrópole, o educando quebra tabus e preconceitos, assimila informações que lhes permite compreender a diversidade, que deve ser reconhecida e valorizada, abrindo possibilidades de escolha, em diferentes esferas de sua vida. Acredita-se que o tema inusitado abre um leque, despertando curiosidade e interesse. Integra-se a educação formal a não formal, ao abordar temas importantes como o eixo disciplinar envolvendo História, Arte, Geografia e Meio Ambiente; conhecimentos específicos e significativos, enfatizando a troca cognitiva e o respeito ao próximo. A necrópole é ainda uma vertente na busca de um passado tão contíguo, a descoberta de um lugar dito “morto” com uma história “viva”, um pólo de conhecimento e cultura. Diante disso, recomenda-se aos educadores das séries iniciais do Ensino Fundamental que sejam abordados como temas transversais no espaço público, necrópole: biodiversidade (arborização); importância de estudar sobre a decomposição de corpos humanos para o bem estar comum; religiosidade (crença); exploração da Arte Contemporânea do Cemitério Padre Rodolfo Komorek; resgate de valores morais e respeito ao próximo; e diferenças entre classes sociais, explícita também nos leitos de morte, visto que as pessoas querem demonstrar, mesmo após o falecimento, o status que tiverem ainda em vida. Agradecimentos: Às instituições de ensino que permitiram a pesquisa. Às crianças pela confiança e pelo entusiasmo. À Tanby Comércio de Papéis Ltda., pela doação de Kits Escolares distribuídos aos participantes. À Nestlé do Brasil, pela concessão de chocolates. Referências - ARAÚJO, U.F. Temas transversais e a estratégia. São Paulo: Moderna, 2003. - BELLOMO, H. R. Cemitérios do Rio Grande do Sul. 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