A HOMOFOBIA E A CULTURA ESCOLAR
KOTOWSKI, Fátima Regina – UFPR - [email protected]
DINIS, Nilson Fernandes - UFPR
EIXO: Educação e Gênero/n.20
Agência Financiadora: Sem Financiamento
Este ensaio apresenta um estudo exploratório sobre os discursos da sexualidade
nas escolas da rede pública estadual de ensino de Curitiba e sua relação com a
construção de práticas homofóbicas.
Desta maneira pretende-se provocar um
questionamento a respeito dos saberes e sujeitos que estão sendo forjados pela educação
neste contexto.
Descrever o que entendemos a respeito da sexualidade é um desafio que
perpassa pela nossa construção do significado desta palavra, muito além da reunião de
signos fundantes em um significante, ou de signos que venha descrever de forma
objetiva a realidade. A sexualidade, nesta perspectiva, é produzida por um conjunto de
discursos que desde o século XVII vem se imprimindo sobre os corpos e as práticas
sexuais em nossa sociedade.
Através de seus estudos, Michel Foucault apresentou na obra História da
Sexualidade: a vontade de saber as construções históricas que deram as condições de
possibilidade da existência das sexualidades atuais, desconstruindo a hipótese repressiva
e apontando como a construção da sexualidade é mais resultado de ação positiva e
produtora do poder, do que uma ação repressiva ou negativa em relação à sexualidade.
Sexualidade e poder encontram-se imbricados, assim estratégias de poder-saber
estabelecem novos territórios que demarcam as categorias de normalidade e
anormalidade em relação à sexualidade, estabelecendo estratégias mais efetivas de
controle que não passam mais pelos mecanismos da repressão, já que o domínio sobre
os corpos se dá através da própria produção do conceito de sexo. Poder exercido não
mais pela repressão, mas sim permeando as relações. Instaurou-se o que Michel
Foucault denomina de “uma nova ‘economia’ do poder, isto é, procedimentos que
permitem fazer circular os efeitos de poder de forma, ao mesmo tempo, contínua,
ininterrupta, adaptada e ‘individualizada’ em todo o corpo social” (Foucault, 1988,
p.08). O corpo humano visto como possibilidade de adestramento a fim de utilizar ao
máximo suas capacidades e potencialidades, tornando os homens mais dóceis
politicamente. O poder exercido como disciplina, como rede sem fronteiras.
2
Nesta nova economia os discursos sobre o sexo foram intensificados e
regulados, pois as palavras não apenas descrevem, incitam, significam. Elas criam os
sujeitos, sujeitam sua vivência. O discurso sobre o sexo torna possível sua existência,
substituindo o plano real. Deve-se sim falar de sexo, mas em lugares demarcados, por
pessoas e vocabulário próprio, delimitando o território do poder/saber, demarcando o
espaço dos especialistas que podem falar sobre a sexualidade. O silêncio também está
presente como componente constituinte deste discurso, faz parte de suas estratégias de
intensificação na medida em que alguns saberes sobre a sexualidade são desqualificados
pelos discursos dos especialistas e relegados a um espaço periférico ou invisível. .
Para Foucault (1988), a sexualidade surge como “verdade do sexo e de seus
prazeres”, tecida por discursos científicos sobre uma verdade do sexo por meio da
confissão e do processo de escuta analítica, pois sempre há algo a ser interpretado sobre
a sexualidade. Entra em jogo o normal e o patológico, normatizando o que se espera do
sexo.
... a sexualidade foi definida como sendo”, por natureza “, um
domínio penetrável por processos patológicos, solicitando, portanto,
intervenções terapêuticas ou de normalização; um campo de
significações a decifrar; um lugar de processos ocultos por
mecanismos específicos; um foco de relações causais infinitas, uma
palavra obscura que é preciso, ao mesmo tempo, desencavar e
escutar. È a “economia” dos discursos, ou seja, sua tecnologia
intrínseca, as necessidades de seu funcionamento, as táticas que
instauram, os efeitos de poder que os sustêm e que veiculam –é isso,
e não um sistema de representações, o que determina as
características fundamentais do que eles dizem. A história da
sexualidade – isto é, daquilo que funcionou no século XIX como
domínio de verdade específica – deve ser feita, antes de mais nada,
do ponto de vista de uma história dos discursos.(FOUCAULT, 1988,
p.78).
Vimos construindo uma sociedade que concede às sexualidades consideradas
ilegítimas os espaços escondidos “não-autorizados”, os prostíbulos, as festas privadas,
onde a sexualidade pode se manifestar com todas as palavras e gestos: “Fora desses
3
lugares, o puritanismo moderno teria imposto seu tríplice decreto de interdição,
inexistência e mutismo” (FOUCAULT, 1988, p.10).
Toda essa força discursiva é encontrada em muitos lugares, mas principalmente
na instituição escolar. Esse espaço ensina através de seus horários, da organização
espacial, das avaliações, dos saberes escolares curriculares, da vigilância constante, do
lugar do corpo nas relações, enfim do que é dito e não dito, a utilidade dos sujeitos no
corpo social.
Para Vasconcelos (1995) compreender a instituição escolar, considerando uma
funcionalidade de disciplinamento, é concebê-la com um local de vivências, disputas de
conhecimento, de processos simbólicos, mas principalmente, de relações de poder, de
saber e de violência. Desta maneira, o espaço escolar pode ser estudado como um locus
onde as relações de poder manifestam-se de formas efetivas, em que os agentes sociais
devem ser localizados concretamente entre os profissionais da educação, alunos e
funcionários, ou em suas ramificações, promovedoras de olhares múltiplos, de
vigilância perpétua de forma que podem ser visualizados os códigos e processos
normalizadores.
Estudar a escola, hoje, provavelmente encante pelo emaranhado discursivo
gerado em torno do chamado espaço institucional. Os seus vários
produtores de saber cada vez mais amparam-se em novas verdades que na
maioria das vezes, são as mesmas mentiras que fazem matrizes,
centralizadoras, homogêneas, que, ao obstar que a história jorre, impedem
também que a escola seja emancipadora, libertadora e produtora de novos
caminhos (VASCONCELOS, 1995, p.36).
Mediante esse novo exercício do poder, segundo Vasconcelos (1995), é que se
podem compreender os novos mecanismos de controle exercidos no interior da escola,
promovendo uma sutileza do poder, que, em minúcias, enquadra os indivíduos
esperando o cumprimento dos papéis necessários exigidos pela grande máquina social
moderna.
4
Estudo exploratório
Esse estudo compõe a primeira parte da pesquisa de mestrado em educação “A
homofobia e a cultura escolar: um estudo de campo em escolas da rede pública estadual
de ensino do município de Curitiba”, realizado em três fases: o levantamento de casos
de homofobia nas escolas, a análise de conteúdo de artigos científicos sobre o tema e,
por fim, entrevistas com profissionais da educação.
Através de depoimentos de professores e alunos foram levantados 10 casos
envolvendo preconceitos contra o homoerotismo e papéis de gênero, 4 em Escolas
Municipais dos municípios de Curitiba e Araucária, e 6 na Rede Estadual de Ensino,
também em Curitiba.
Dentre as principais situações apresentadas nos casos relatados pode-se citar:
-
professores discursam sobre seu pensamento a respeito dos papéis universais
de gênero (Exemplo das falas observadas: cuidar da casa é tarefa feminina e
não masculina, roupas e penteados considerados como de “boiola”,
brincadeiras tidas como inadequadas a um gênero específico);
-
amizade entre alunas considerada como manifestação de uma relação
homoerótica e a intervenção da escola para separa-las durante o período
letivo (solicitação para não andarem mais juntas)
-
encaminhamento ao auxílio psicológico de meninos que revelam
ter
‘condutas’ padronizadas socialmente como femininas;
-
solicitação de intervenção de órgãos gestores em casos de namoro de alunos
do mesmo sexo
-
casos de violência contra alunos homossexuais considerados como
brincadeira da idade;
-
aulas de reprodução humana realizadas apenas na perspectiva religiosa
criacionista.
Já na segunda fase do estudo exploratório foi realizada uma revisão
bibliográfica, não exaustiva, sobre os temas: “sexualidade, gênero e homossexualidade”,
visando uma perspectiva da produção existente a partir da análise do banco de dados de
artigos Scielo. Foram analisados resumos, títulos e palavras-chave de 77 artigos, bem
como a íntegra de 20 artigos devido à estruturação do resumo não deixar claro a área do
pesquisador e o campo de pesquisa. Neste levantamento, foram criadas três categorias
de análise: a) as temáticas abordadas pelos pesquisadores baseando-se nos buscadores
5
por conteúdo e palavras-chave, b) a área ou linha de pesquisa buscando entender a
partir de que saberes o texto foi elaborado e c) o campo da pesquisa, tratando da forma e
dos instrumentos de obtenção dos dados analisados pelos artigos.
As questões de gênero alçaram um lugar nas produções acadêmicas sobre
educação desde a década de 90, segundo o estudo realizado por Rosemberg (2001),
ainda mostrando-se aquém perante outras temáticas em educação. No que se refere à
homossexualidade e educação, a produção ainda mostra-se mais incipiente mostrando
inexistência de produções sobre homofobia dentro da escola.
As temáticas abordadas nos artigos analisados foram divididas em 25 classes,
sendo uma destinada à utilização da terminologia homofobia, distinguindo-a de outros
termos como violência contra homossexual, lésbica ,bissexual e travesti. Em 5 artigos
foram encontrados o termo homofobia, mas nenhum era da área de educação, e os dados
analisados não se relacionavam ao campo da escola. Resultado interessante visto que
em nove áreas de pesquisa encontradas nos artigos a maioria dos pesquisadores estão
ligados a educação. Também foi verificada uma ênfase nos trabalhos de análise
documental, comparativos teóricos, revisão bibliográfica em comparação aos estudos
baseados no trabalho de campo.
O levantamento de casos e a análise dos artigos subsidiaram o recorte da
pesquisa nas escolas estaduais de Curitiba e a escolha dos sujeitos das entrevistas. A
terceira e última fase do estudo exploratório pautou-se em realizar entrevistas com
professores(as) e pedagogos(as) das escolas citadas no levantamento de casos com o
objetivo de verificar se as questões elaboradas para a roteiro de uma entrevista semiestruturada levarão estes profissionais a expressarem seu conceitos a respeito do
homoerotismo e sua relação com o espaço escolar, bem como possam suscitar uma
análise dos principais discursos produzidos sobre a homossexualidade.
A opção pela utilização da entrevista não-diretiva parte primeiramente da
escolha da metodologia de trabalho, sendo um dos suportes a análise de discursos sobre
o tema, tendo como referencial teórico os estudos de Michel Foucault, compreendendo
que esta pode possibilitar uma discursividade não direcionada pelo que o interlocutor
quer ouvir e sim o que o entrevistado pretende ou não dizer sobre a temática. Assim
para MICHELAT (1985, p.192) a utilização da entrevista não-diretiva proporciona um
contorno de certos cerceamentos das entrevistas feitas através de questionários, com
perguntas
fechadas,
que
geralmente
estereotipadas e mais racionalizadas.
conduzem
a
informações
superficiais,
6
A partir dos casos de preconceito levantados foram realizadas entrevistas com
três profissionais da educação de duas Escolas Estaduais em regiões diferentes do
município de Curitiba. Duas das profissionais trabalham em uma instituição que
participa do Projeto Brasil sem homofobia e uma professora de uma instituição que não
participa e não tem nenhum projeto sobre sexualidade.
O critério para a seleção dos entrevistados inicialmente foi aleatório e, a partir
do primeiro relato, pensou-se em entrevistar professores que estivessem envolvidos com
a discussão a respeito das sexualidades, os que tivessem uma maior aproximação com
os alunos e outros professores escolhidos aleatoriamente para estabelecer um paralelo
entre os discursos produzidos.
Ao analisar o histórico da construção do conceito de homossexualidade percebese que este tem sido relacionado mais precisamente à demarcação de discursos sobre o
corpo de sujeitos a quem são atribuídas uma identidade fixa e limitada a partir de seu
objeto de desejo. Essa escolha não subordinada a uma normativa dominante de
definição de objeto vem sendo caracterizada como anomalia. Desde o século XIX vem
se instaurando uma preocupação com a classificação dos padrões normais e anormais da
sexualidade, conjuntamente com a causalidade dos ‘desvios’. No entanto, a partir de
uma perspectiva construcionista, a homossexualidade, assim como as outras
sexualidades são constituídas não a partir de identidades fixas ou pré-moldadas, mas
através de uma construção social, a cultura é decisiva nas produção das identidades
sexuais e de gênero. Concepção esta percebida, ainda que intuitivamente e com um viés
conservador, no discurso de uma professora entrevistada, pois segundo a mesma
“percebe-se uma semelhança em muitos casos de homossexualidade, na maneira de
criar e na estruturação da família”. Para Foucault os sujeitos são construídos histórica e
socialmente, onde as definições de gênero e sexualidade de uma dada sociedade são
resultados de uma economia de poder que a sustenta e muitas vezes a faz ser concebida
como “universal”. Mas em uma perspectiva construcionista, ao contrário, as
sexualidades são construções instáveis, mutáveis e voláteis. De acordo como Britzman,
...toda identidade sexual é um constructo instável, mutável e volátil,
uma relação social contraditória e não-finalizada. Como uma relação
social no interior do eu e como uma relação social entre ‘outros’ seres,
a
identidade
sexual
está
sendo
constantemente
rearranjada,
desestabilizada e desfeita pelas complexidades da experiência vivida,
7
pela cultura popular, pelo conhecimento escolar e pelas múltiplas e
mutáveis histórias de marcadores sociais como gênero, raça, geração,
nacionalidade, aparência física e estilo popular (BRITZMAN, 1996,
p.74).
O medo da influência da homossexualidade é outro tema recorrente nos
discursos. Após argüir sobre ‘o que é homossexualidade’, uma das entrevistadas
respondeu de pronto ser “bem resolvida, neste ponto”. Tal afirmação remete a uma
associação da imagem do homossexual como se a existência da homossexualidade
colocasse em jogo a da heterossexualidade como norma, justificando uma defesa de sua
‘identidade de gênero’.
...em algumas situações, como por exemplo, a produção das imagens e
identidades homossexuais, não há como separá-las, ou seja, refletir
sobre as identidades é discutir também sobre as construções das
discriminações, preconceitos e estereótipos. Talvez, porque as
identidades estejam diretamente relacionadas à construção das
diferenças e, portanto, à construção do ‘outro’, que, por sua vez, diz
muito do ‘eu’. (BRITZMAN, 1996 p. 88).
Homossexualidade, escola e homofobia
Ser mulher e homem heterossexual é um exercício que se aprende na escola. Em
todo o corpo institucional escolar são inscritas as significações dos papéis esperados em
seu respectivo gênero: “... Este é o jeito de se comportar de uma menina?”; “Isso não é
coisa de homem, é coisa de boiola!”. Muitos são os discursos produzidos também com
uma preocupação em lidar com o anormal, aquele que ainda tem a audácia de revelar
uma outra forma de prazer e que a todo tempo mostra uma resistência ao que é esperado
e regulado de um sujeito normal.
Desde o século XIX vem se instaurando uma preocupação com a classificação
dos padrões normais e anormais da sexualidade. Segundo FOUCAULT (1988, p.69), a
caracterização da anomalia fundou-se a partir de três elementos: “(...) o monstro
humano, o indivíduo a ser corrigido e a criança masturbadora”. Desta maneira a
sexualidade estará no domínio da anomalia, da preocupação com a classificação e com
8
o policiamento. A partir de então serão identificados e apresentados variados casos de
anomalia, caracterizados como distúrbios sexuais. Portanto, não se pode deixar de levar
em consideração a construção da concepção de homossexualidade pela caracterização
histórica no domínio da anomalia.
E temos a grande série dos alemães, com Krafft-Ebing, e, em 1870, o
primeiro artigo especulativo, teórico se vocês quiserem, sobre a
homossexualidade, escrito por Westphal. Estão vendo, pois, que a
data de nascimento, em todo caso a data de eclosão, de abertura, dos
campos da anomalia e, depois, sua travessia, se não seu policiamento
pelo
problema
da
sexualidade
são
mais
ou
menos
contemporâneos.(FOUCAULT, 1988, p.212)
De acordo com Foucault (1988), não deve-se entender esse domínio como a
simples expressão da repressão, mas como a constituição de um novo mecanismo de
poder. Este promove não apenas experiências “marginalizadas” da expressão da
sexualidade, mas mecanismos de poder ligados ao adestramento, à vigilância, e à
confissão, trazendo para discussão novos campos de conhecimento promovendo a
construção de discursos inesgotáveis e corretivos, como na medicina, na psicologia e na
educação.
Guacira Lopes Louro (2001) afirma que a sexualidade e os dispositivos
existentes encontram um interesse nas diversas áreas da ciência reproduzindo diversas
perspectivas que vigoram nos dias atuais:
Nos dois últimos séculos, a sexualidade tornou-se objeto privilegiado
do olhar de cientistas, religiosos, psiquiatras, antropólogos,
educadores, passando a se construir, efetivamente, numa ‘questão’.
Desde, então, ela vem sendo descrita, compreendida, explicada,
regulada, saneada, educada, normatizada, a partir das mais diversas
perspectivas. Se, nos dias de hoje, ela continua alvo da vigilância e
do controle, agora ampliaram-se e diversificaram-se suas formas de
regulação, multiplicaram-se as instâncias e as instituições que se
autorizam a ditar-lhe as normas, a definir-lhe os padrões de pureza,
sanidade ou insanidade, a delimitar-lhe os saberes e as práticas
9
pertinentes, adequados ou infames. Ao lado de instituições
tradicionais, como o Estado, as igrejas ou a ciência, agora outras
instâncias e outros grupos organizados reivindicam, sobre ela, suas
verdades e sua ética (LOURO, 2001, p. 541).
O novo mecanismo de poder inaugurado no século XIX, segundo Foucault
(1988), promoveu a incorporação das sexualidades que fugiram do formato cristão do
casamento monogâmico e do modelo heterossexual adulto, assim como as perversões e
novas especificações dos indivíduos, forjando o homossexual como um personagem:
[...] um passado, uma história, uma infância, um caráter, uma forma
de vida; também é morfologia, com uma anatomia indiscreta e,
talvez uma fisiologia misteriosa. Nada daquilo que ele é, no fim das
contas, escapa à sua sexualidade. Ela está sempre presente nele todo;
subjacente a todas as suas condutas, já que ela é o princípio insidioso
e infinitamente ativo das mesmas; inscrita sem pudor na sua face e
no seu corpo já que é um segredo que se trai sempre. É-lhe
consubstancial, não tanto como pecado habitual, porém como
natureza singular. (FOUCAULT, 1988, p.43).
O que parece um movimento de inclusão do diferente por meio de políticas
públicas nacionais, por exemplo, os programas que vem promovendo uma formação
para professores sobre a temática homofobia, muitas vezes não conseguem o apoio dos
governos locais, compreendendo este como uma política menor em educação. Revela
uma desarticulação das políticas nacionais e locais e até mesmo a catalisação de um
temor de desconstrução de identidades de gênero e da família compreendida como o
aporte de uma sociedade - promovendo o pânico moral. Para Miskolci (2007) o
casamento homossexual fez reviver discursos conservadores sobre um temor coletivo
relacionado à sobrevivência da família enquanto mantenedora de toda uma ordem
social, hierarquia entre os sexos, meio de transmissão da propriedade e, principalmente,
os valores tradicionais. O surgimento da AIDS sem dúvida transformou e redefiniu o
lugar dos movimentos homossexuais em uma luta por novos espaços sociais e políticos.
Este movimento que busca afirmar os novos modos de vida gay e novas formas de
legitimidade através de projetos como a parceria civil, encontra contraponto nos limites
10
morais da sociedade atual. “Os pânicos morais exprimem de forma culturalmente complexa as
lutas sobre o que a coletividade considera legítimo em termos de comportamento e estilo de vida”.
(MISKOLCI, 2007, p.111).
A modernidade para Veiga-Neto (2001) traduz-se como um tempo de
intolerância muitas vezes recoberta pelo véu da aceitação e possível convivência com o
desigual. Os movimentos de inclusão escolar muitas vezes intensificam a desigualdade
corporificada no dispositivo da sexualidade, implantando práticas de tolerância nesta
relação. Pois quem tolera já se encontra em uma postura superior àquilo que é ou aquele
que deva ser suportado (tolerado). Assim, talvez as políticas públicas sobre o tema da
diversidade sexual e de gênero tenham encaminhado a educação para práticas de
tolerância em relação à diferença, sem uma efetiva relação com a diferença na qual esta
possa ser vista como motor de invenção de novas possibilidades de vida. Tolera-se o
outro desde que outro permaneça no enclausuramento do espaço de si mesmo.
A partir dos dados que analisamos em nossa pesquisa, podemos concluir que a
discussão a respeito da homofobia ainda está distante de ser incorporada como uma
prática escolar. De diversas formas a homofobia revela-se como manifestação de uma
cultura identitária de gêneros sexista e androcêntrica que coloca as práticas sexuais
homoeróticas como anormais. A escola vem promovendo uma normatização através de
diversos discursos produzidos em seu universo, forjando sujeitos que venham responder
o que a sociedade espera.
As práticas homofóbicas estão presentes na escola, nos discursos de todos os
que constituem e são constituídos nesta instituição. Longe de construir saberes que
falem da pluralidade do ser humano, a escola ainda está com toda força reproduzindo o
que é ser homem e mulher dentro dos valores estabelecidos pela nossa sociedade.
Igualmente, a própria produção acadêmica sobre gênero e sexualidade acaba por não dar
a ênfase necessária a estas práticas de preconceito, promovendo um vazio no discurso
de enfrentamento da homofobia na educação.
Existem possibilidades de mudança neste lugar de reprodução de modelos culturais
estabelecidos. Primeiramente a escola pode desenvolver uma percepção da função que vem
desempenhando e assim passar a construir novas formas de compreensão do que foi
constituído como verdades científicas. Promover uma busca da forma como os
conhecimentos foram construídos e ‘naturalizados’ tornando a escola um lugar de pensar e
não apenas aceitar aquilo que foi estipulado como saber constituído. Compreender que o
que conhecemos como gêneros e sexualidade foi construído cultural e historicamente, não
11
se configurando, de forma alguma, como um dado biológico imutável. A própria formação
docente deve promover a indagação das ditas verdades, bem como os materiais didáticos e
os demais recursos utilizados, devem ser olhadas de forma a perceber quais os saberes estão
eleitos como legítimos, quais valores são representados por estes e a que sujeitos
pretendem alcançar com os discursos ali escritos.
Desta maneira, deve-se colocar em debate as práticas homofóbicas existentes na
cultura escolar e evidenciá-las de forma a promover na própria cultura escolar uma
reflexão sobre seu lugar de construtora de sujeitos. Deve-se tornar possível conceber a
instituição escolar como espaço de trocas onde aprendemos com o outro as
possibilidades do ser humano. Tais possibilidades de encontros permitem a
compreensão que a diferença está em todos, independente de seu gênero, de sua
sexualidade, e não apenas naqueles que foram relegados a um lugar de ‘diferentes’ do
que foi normatizado.
Referências Bibliográficas:
BRITZMAN, Deborah P. O que é esta coisa chamada amor: identidade homossexual,
educação e currículo. Educação e Realidade, Porto Alegre, v.1, n.21, p.71-96, jan./jun.
1996.
MICHELAT, G. Sobre a utilização da entrevista não-diretiva em sociologia. In:
THIOLLENT, Michel. Crítica Metodológica, Investigação Social e Enquete
Operária. 4.ed. São Paulo: Polis, 1985. p. 191 – 211.
MISKOLCI, Richard . Pânicos Morais e Controle Social: Reflexões sobre o Casamento
Gay. Cadernos Pagu (UNICAMP), v. 28, p. 101-128, 2007.
FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade l: a vontade de saber. Trad. Maria
Thereza da C. Albuquerque e J. A. Guilhom Albuquerque, 12.ed. Rio de Janeiro: Ed
Graal, 1988.
LOURO, Guacira Lopes. Teoria queer: uma política pós-identitária para a educação.
Revista de Estudos Feministas. Florianópolis, vol.9, n.2, 2001, p. 541-553
ROSEMBERG, Fúlvia. Caminhos cruzados, educação e gênero na produção acadêmica.
Educação e Pesquisa, v. 27, n. 1, p. 47-68, 2001.
VASCONCELOS, J. G. A produção de Saber/Poder e os Processos de Disciplinamento
na Escola: revivendo o pensamento de Michel Foucault. Revista Educação em Debate.
Fortaleza, no 30, 1995.
12
VEIGA-NETO, A. Incluir para excluir. In: LAROSSA, J e SKIAR, C. (org.):
Habitantes de Babel: políticas e poéticas da diferença. Belo Horizonte: Autêntica,
2001. p.105-118.
Download

a homofobia e a cultura escolar