Projeto de Extensão “ANTES QUE SE APAGUE COMPLETAMENTE: memória e patrimônio da Revolução de 1817 na Paraíba” A REVOLUÇÃO DE 1817 NA PARAÍBA E OS SEUS LUGARES DE MEMÓRIA Palestrante: Eliete Queiroz de Gurjão ([email protected]) Alunos/bolsistas: Brunna F. Alcântara ([email protected]) João Luiz Quezado ([email protected]) Convênio: Parceria: A REVOLUÇÃO DE 1817 Contexto do início do século XIX As monarquias europeias encontravam-se em clima de constante agitação, face às guerras e conquistas de Napoleão que expandia sua dominação pela Europa Ocidental. Apesar de muitas vitórias, Napoleão não conseguiu vencer militarmente a Inglaterra, então decretou o bloqueio dos portos europeus ao comércio inglês, com objetivo de prejudicá-lo e fazer com que o governo inglês se rendesse à sua dominação. Neste contexto, o príncipe regente de Portugal, D. João VI, foi colocado em um dilema: não obedecer à Napoleão significava a invasão de Portugal pelas tropas napoleônicas e a queda de sua dinastia (Bragança); obedecendo privaria seu país das mercadorias importadas da Inglaterra que supriam Portugal, face à carência de sua indústria e dos compromissos que o prendiam à Inglaterra. A transferência da Corte portuguesa para o Brasil, em 1808, foi a solução possível para salvar a monarquia de Bragança. Todavia, criou nova situação para o Brasil e Portugal, agravando os conflitos já existentes entre grupos de brasileiros e a Coroa portuguesa. O ideal de República há muito tempo era cultivado por brasileiros, sob influência do liberalismo e exemplos das lutas pela Independência dos Estados Unidos (1776) e da Revolução Francesa (1789). Além disto, o Haiti e as colônias espanholas desde o início do século lutavam pela independência e implantavam a república. Influenciados pelas ideias liberais, já nos fins do século XVIII, os brasileiros haviam planejado proclamar a independência e implantar uma república. A Conjuração Mineira (1789) e a Conjuração Baiana (1798) foram planos para romper com Portugal e proclamar uma república que, como se sabe, não se concretizou, face à ação preventiva do governo português que violentamente reprimiu seus líderes. Tiradentes e quatro baianos: dois soldados (Luís Gonzaga das Virgens e Lucas Dantas) e alfaiates (João de Deus Nascimento e Manuel Faustino dos Santos) foram enforcados em praça pública e esquartejados. Estes baianos foram mártires "esquecidos’, a historiografia mal se refere a eles. A Revolução nos livros de História do Brasil Os livros didáticos de Historia do Brasil focam a atenção apenas na Conjuração Mineira e em Tiradentes, escolhido, inclusive, como herói e mártir da República no Brasil. A Conjuração Baiana é apenas citada e muitos deles ignoram seus mártires. As rebeliões ocorridas no Nordeste no século XIX, especialmente a de 1817, também são tratadas de forma equivocada. Com o título "Revolução Pernambucana" excluem ou, quando muito, referem-se rapidamente à participação das outras províncias e passam o entendimento de ter sido apenas mais uma rebelião, minimizando sua importância. Faz-se necessária uma revisão desta abordagem para que todos saibam a importância desta revolução. Foi ela a primeira revolta ocorrida no Brasil em que se que lutou pela independência e conseguiu tomar os governos locais, proclamar a república e, inclusive, iniciar a elaboração de uma constituição. Outro aspecto que demonstra o grau de importância da Revolução de 1817 foi sua repercussão a nível nacional e internacional. Quando a rebelião eclodiu houve grande reação no Brasil, bem como no exterior. A Gazeta do Rio de Janeiro e o jornal Idade d`Ouro divulgaram o movimento, manifestando, porém, sua discordância quanto à ideia de revolução. Na Europa, a revolução teve grande destaque na imprensa e foi motivo de preocupações por parte dos governos de várias metrópoles, que temiam sua influência sobre suas colônias e, principalmente, que ocorressem rebeliões de escravos, como ocorrera no Haiti. Os principais jornais europeus, a exemplo do Times de Londres alardeavam o perigo que representava a rebelião no Nordeste do Brasil. Nos Estados Unidos a reação foi mais positiva e o movimento foi bem divulgado pelo New York Times, entre outros jornais. Além da imprensa, a intensa troca de correspondência entre os diplomatas aqui residentes e os governos que representavam evidenciam o temor que esta rebelião provocou entre governos europeus. Pesquisa realizada por Gonçalo de Barros Carvalho e Melo Mourão em arquivos da diplomacia europeia comprova que a Revolução de 1817 desencadeou um clima de insegurança e constituiu verdadeiro fantasma para as monarquias colonialistas da Europa. A REVOLUÇÃO NA PARAÍBA A instalação da Corte portuguesa no Brasil em 1808 acarretou mudanças no Rio de Janeiro e novos problemas para o Brasil. Considerando a nova posição de sede da monarquia portuguesa a cidade teve de ser aparelhada devidamente para abrigar cerca de quinze mil pessoas, inclusive uma nobreza habituada ao conforto, benefícios e regalias da Corte. Além disto, D. João VI empreendeu conquistas militares que consumiram muitos recursos. Para cobrir todos estes gastos seu governo aumentou a exploração dos brasileiros, criando mais impostos e aumentando os já existentes, agravando assim a insatisfação já existente por conta dos privilégios concedidos aos portugueses. O comércio de importação/exportação era todo controlado por eles. Desta forma, a abertura dos portos não beneficiou os comerciantes brasileiros, pois continuavam submetidos ao monopólio dos portugueses. O Nordeste, que até o século XVII manteve a economia colonial, sobretudo com os lucros da lavoura açucareira, desde o século XVIII passava por períodos de crise resultante das flutuações dos preços do algodão e do açúcar, principais produtos da região, além da queda da produção em decorrência das secas. No início do século XIX o contexto econômico do Nordeste encontrava-se agravado, face à retomada da concorrência do algodão do sul dos Estados Unidos, queda das exportações de açúcar e carência da lavoura de subsistência. Ao mesmo tempo, o monopólio exercido pelos comerciantes portugueses acarretara o endividamento de parte da elite agrária que, cada vez mais manifestava seu antilusitanismo. Na Paraíba a crise econômica era também resultante das condições precárias da produção e exportação, agravadas pelas secas ocorridas em 1777, 1792 e 1816. Além disto, a capitania passara quarenta e quatro anos sob o domínio de Pernambuco, face à anexação solicitada pelo governo de Pernambuco e decretada pela Coroa. Mesmo após sua emancipação, todavia, a capitania da Paraíba continuou concentrando suas exportações em Pernambuco, por conta da deficiência dos portos locais. Mediante tal contexto, associado ao monopólio do comércio pelos portugueses, a elite agrária da Paraíba tinha seus lucros reduzidos e manifestava-se antilusitana. As camadas populares sofriam as piores consequências da crise, pelo encarecimento dos produtos de 1 a necessidade cujos preços eram também controlados pelos monopolistas lusitanos. Em meio ao clima de insatisfação reinante em 1799, o cientista paraibano, Manuel de Arruda Câmara implantou o “Areópago de Itambé”, loja maçônica frequentada por pernambucanos e paraibanos. Nesta e no Seminário de Olinda foram difundidas novas ideias, com base no liberalismo e republicanismo, que constituíram as bases ideológicas da revolução. Em março de 1817 foi iniciada a revolução em Recife, proclamada a república e organizado um Governo Provisório. As lideranças do movimento eram comerciantes, membros da elite rural, padres e militares. No decorrer das lutas ocorreu a adesão de pessoas da classe média e pobres. A Paraíba logo aderiu à Revolução, fundando também a sua República em 15 de março de 1817 (nove dias após a proclamação da República em Recife) que foi gerida por uma Junta Governativa. Na direção Norte o movimento se alastrou para o Rio Grande do Norte com o apoio militar da Paraíba que possibilitou a tomada do governo, alcançando até o Ceará. Na direção sul, alcançou Alagoas e Bahia, nesta, porém, as tropas militares comandadas pelo Conde dos Arcos impediram que os revolucionários tomassem o poder e executaram cruelmente os líderes. Na Paraíba a rebelião foi iniciada em Itabaiana e Pilar. Destas cidades partiram os primeiros contingentes armados que seguiram em direção à capital. Um participante da revolução, ao relatar o início do movimento, chama a atenção para o grande entusiasmo do povo: A bandeira branca, símbolo da insurreição, foi içada com estrondosos vivas da multidão que não ficou ociosa, pois que o Rego (Capitão João Baptista Rego, comandante da marcha para a Capital) vendo-a armada com as espingardas de caça, únicas armas de que se podiam valer, mandou distribuirlhes às suas custas, pólvora e balla competente {...}Na sua marcha elle encontrava por todos os logares, por onde passava, o povo armado, com os principaes proprietários em frente, que de boa vontade o seguião [...] (TAVARES, Francisco Muniz. História da Revolução de Pernambuco em 1817, p. CXXVIII) Chegando à capital foi proclamada a independência, abolidas as insígnias reais e eleito o novo governo republicano, constituído por cinco membros. Da Paraíba, seguiu um contingente militar para apoiar a rebelião no Rio Grande do Norte, comandado por Peregrino de Carvalho que conseguiu, inclusive, ajudar na eleição do novo governo. As tropas imperiais bloquearam Pernambuco, dificultando assim, as comunicações com as demais capitanias rebeladas. Na Paraíba, um movimento contrarrevolucionário foi se expandindo pelo interior. Amaro Coutinho (um dos membros do novo governo) comandou uma expedição com o objetivo de combatê-los, porém seus comandados aderiram à contrarrevolução e ele foi preso. Os chefes realistas sabedores da fama de coragem e valentia do contingente sob o comando de Peregrino de Carvalho e temendo enfrentá-lo, utilizaram seu pai para convencêlo a se render. Confiante na promessa de que não haveria nenhuma punição, que todos os revolucionários seriam perdoados, Augusto Xavier de Carvalho foi ao encontro do filho, pediu-lhe que depusesse as armas, garantido-lhe que seriam anistiados. Peregrino reagiu prontamente, manifestando sua indignação com o pedido do pai e negando-se a acreditar nas promessas dos realistas. Seu pai, então, ajoelhou-se aos pés do filho e soluçando renova seu pedido em nome do Cristo representado na imagem que lhe apresenta, argumentando ser inútil continuar a luta e provocar derramamento de sangue de brasileiros. Peregrino se rende às súplicas do pai que logo segue para levar a notícia à capital. Seguiu-se violenta repressão. Os líderes da Paraíba - Amaro Gomes Coutinho, Antônio Pereira de Albuquerque, Francisco José da Silveira, Inácio Leopoldo de A. Maranhão e José Peregrino de Carvalho - foram enforcados, esquartejados e tiveram suas cabeças e mãos expostas em lugares de maior movimentação na cidade. Os demais participantes da revolução foram presos em cárcere na Bahia, de onde só saíram em 1821. Foram centenas de prisioneiros, entre os quais cento e sete paraibanos. Em 1917, por ocasião do centenário da revolução, o Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba (IHGP) e a Fundação Cultural da Paraíba colocaram placas de mármore na capital, nos lugares onde foram expostos membros de três revolucionários e no local onde ocorreu a rendição, marcando assim, lugares de memória da Revolução de 1817. Tais placas encontravam-se em péssimo estado de conservação, quase ilegíveis. Por meio de um projeto financiado em convênio UEPB/Ministério da Justiça as placas foram restauradas, encontrando-se disponíveis à visitação. MAPA DAS PLACAS DO CENTENÁRIO DE 1817 EM JOÃO PESSOA A: Placa no final da Ladeira de São Pedro Gonçalves – Próximo ao Hotel Globo. B: Placa na fachada do prédio da FUNAPE – Praça Rio Branco. C: Placa na fachada do Mosteiro de São Bento. D: Placa na fachada da Igreja de Nossa Senhora de Lourdes – Rua das Trincheiras. FOTOS DAS PLACAS Placa A: Local onde foram expostas cabeça e mãos de Amaro Gomes Coutinho. Nela está escrito: “Amaro Gomes Coutinho foi o paladino da liberdade na Revolução de 1817. Enforcado no Recife em 21 de agosto, sua cabeça e mãos estiveram expostas neste lugar. – Homenagem do Instituto Histórico e Geográphico Parahybano no centenário da morte desse abnegado patriota – 21/8/1917”. Placa B: Local onde foram expostas cabeça e mãos de Francisco José da Silveira. Nela está escrito: “Em 21 de agosto de 1817 foi enforcado no Recife o ínclito mineiro Francisco José da Silveira, membro do governo republicano da Parahyba – Instituto Histórico e Geográphico Parahybano com memorou o 1º centenário de seu martyrio, colocando esta placa no lugar onde estiveram expostas sua cabeça e mãos – 21/8/1917”. Placa C: Local onde os revolucionários de 1817 se renderam. Nela está escrito: “Neste Mosteiro de São Bento no dia 6 de maio os revolucionário paraibanos de 1817, que haviam implantado a república em nossa terra, renderam-se condicionalmente às tropas do despotismo português. – Memória de Fundação Cultural do Estado da Paraíba – Maio de 1988”. Placa D: Local onde foram expostas cabeça e mãos de José Peregrino Xavier de Carvalho. Nela está escrito: “Aqui estiveram expostas a cabeça e as mãos de José Peregrino Xavier de Carvalho. Enforcado no Recife em 21 de agosto de 1817 por ter sonhado a redempção da pátria – o Instituto Histórico e Geográphico Parahybano collocou esta placa por occasião da passagem do 1º centenário da execução desse intemerato republicano – 21/8/1917”.