Rev Bras Cardiol Invas 2006; 14(1): 40-46.
Mendes L, et al. Impacto da Homocisteinemia na Gravidade da Doença Coronária e no Prognóstico de Doentes Submetidos a
Intervenção Coronária Percutânea. Rev Bras Cardiol Invas 2006; 14(1): 40-46.
Artigo Original
Impacto da Homocisteinemia na Gravidade da Doença
Coronária e no Prognóstico de Doentes Submetidos
a Intervenção Coronária Percutânea
Ligia Mendes1, José Ferreira Santos1, Ricardo Santos1, Filipe Seixo1, Nuno Fonseca1, José Lourenço1,
Arminda Mateus1, Jesuína Duarte1, Isabel Santos1, Miguel Mendes1
RESUMO
SUMMARY
Introdução: A homocisteína tem sido apontada como um
fator de risco cardiovascular modificável. Nos pacientes
(pts) com doença coronária, submetidos a intervenção coronária
percutânea (ICP), o valor prognóstico da homocisteinemia
não é consensual. Objetivo: Caracterizar uma população de
pts submetidos a ICP, avaliando a relação dos níveis de
homocisteína com a gravidade da doença coronária e com
o prognóstico a médio prazo. Método: Foram determinados
os níveis de homocisteína em 96 pts consecutivos (idade
média 64±11 anos; 34% do sexo feminino), submetidos a ICP
com sucesso, de pelo menos uma estenose coronária. Analisou-se a relação entre os níveis de homocisteína e a gravidade
da doença coronária. Os pts com homocisteinemia acima de
10,95 µmol/L (Percentil50) foram comparados com os restantes, relativamente às características demográficas, clínicas e
angiográficas basais. Foi avaliada a ocorrência combinada
de morte, infarto do miocárdio ou necessidade de revascularização (MACE), seis meses após ICP. Determinou-se o impacto
da homocisteína sobre o prognóstico, ajustado para as diferenças
entre grupos. Resultados: A homocisteinemia média foi de
12,06 ± 4,81 µmolL, correlacionando-se com a idade e a
gravidade da doença coronária. Os pts com níveis de homocisteína superior a 10,95 µmolL tinham uma menor prevalência
de hipertensão arterial, mas maior prevalência de antecedentes
de cirurgia de revascularização coronária, não se registrando diferenças significativas nas restantes características demográficas, clínicas e angiográficas avaliadas. A taxa de eventos
aos seis meses foi de 9,8%. A homocisteinemia superior a
10,95µmol associou-se a um risco aumentado de eventos
(OR ajustado 2,29, p=0,195), mas sem valor prognóstico
independente. Conclusão: Em pts com doença coronária
documentada por angiografia, os valores da homocisteína
correlacionam-se positivamente com a sua gravidade. Apesar
de valores elevados de homocisteína tenderem a associarse a maior número de eventos, esse fato não confirmou ter
um valor prognóstico independente.
The Impact of Homocysteinemia on Severity of
Coronary Artery Disease and on Prognosis in Patients
Submitted to Percutaneous Coronary Intervention
Background: Homocysteinemia has been pointed as a modifiable cardiovascular risk factor, but its prognostic value in
patients submitted to percutaneous coronary intervention
(PCI) is not consensual. Objective: To evaluate the relationship
between homocysteinemia and the severity of coronary disease
and assess its impact in mid term prognosis of patients submitted
to PCI. Methods: Homocysteine levels were measured in 96
consecutive patients (mean age 64 ± 11 years, 34% females)
submitted to successful PCI of at least one coronary stenosis.
The relationship between homocysteinemia and coronary
disease severity was analyzed. Patients with homocysteine
levels above 10.95 µmol/L and (50 th percentile-P 50) were
compared with all the others in respect to baseline demographic, clinical, and angiographic characteristics. Combined
endpoint of death, myocardial infarction, and target lesion
revascularization was evaluated at six months after PCI.
After adjustment between groups, the impact of homocysteinemia in the prognosis was determined. Results: Homocysteine
mean level was 12.06 ± 4.81 µmol/L, which correlated well
with age and coronary disease severity. Patients with homocysteine level above 10.95 µmol/L reported less hypertension,
but higher incidence of prior history of coronary bypass
surgery. No significant differences were reported for all
other demographic, clinical, and angiographic characteristics
under analysis. At six months event ratio was 9.8%. Homocysteine level above 10.95 µmol/L was associated to more
events (adjusted OR 2.29, p=0.195) but did not show independent prognostic value. Conclusion: In patients with documented
angiographic coronary disease homocysteine levels correlate
with disease severity positively. Although high homocysteine
levels tend to be associated to a higher number of events,
they did not prove to act as an independent prognostic value.
DESCRITORES: Homocisteína. Coronariopatia. Angioplastia
transluminal percutânea coronária.
DESCRIPTORS: Homocysteine. Coronary disease. Angioplasty, transluminal, percutaneous coronary.
1
Serviço de Cardiologia – Hospital de São Bernardo S.A., Setúbal,
Portugal.
Correspondência: Lígia Mendes. Serviço de Cardiologia. Hospital de
São Bernardo. Rua Camilo Castelo Branco, 2910-146 - Setúbal, Portugal.
Tel/Fax: +351.265.549.082 • E-mail: [email protected]
Recebido em: 01/10/2005 • Aceito em: 27/12/2005
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Intervenção Coronária Percutânea. Rev Bras Cardiol Invas 2006; 14(1): 40-46.
O
s conceitos de hierarquização de risco e praxis
para a redução desse risco, introduzido inicialmente pelo Fragmingham Heart Study e refinado
por outros estudos subseqüentes, constituem as pedras
fundamentais da Cardiologia Preventiva. Aos fatores
de risco convencionais, como os elevados níveis de
colesterol total e LDL, os baixos níveis de colesterol
HDL, a hipertensão (HTA), o tabagismo, a diabetes
mellitus, a menopausa e a idade, têm sido acrescentados outros, como a hiperhomocisteinemia1. Os baixos
níveis de homocisteinemia (abaixo do Percentil 25)
são acompanhados de uma redução de 19% no risco
de AVC isquêmico e de 11% de doença coronária.
A homocisteína é um metabólico intermediário da
conversão da L-metionina a propionil-CoA, os seus
valores dependem da atividade enzimática da cistationina
β-sintase, que converte a L-homocisteína em cistationina.
A metionina é reposta por meio da conversão da homocisteína catalizada pela metionina sintase, dependente
da presença do ácido fólico e vitamina B122. Os níveis
séricos de homocisteína estão, por isso, na direta dependência da determinação genética (14% de defeitos
enzimáticos), mas são marcadamente dependentes dos
hábitos e comportamentos alimentares (ingestão de
ácido fólico, da vitamina B12 e da piridoxina)3-5.
A aterogênese dependente da hiperhomocisteinemia deve-se à disfunção endotelial (com descamação
do endotélio, aumento da íntima, acumulação de
lipídeos, proliferação de células musculares lisas, entre
outras), ao aumento da atividade plaquetária (excesso
de produção do tromboxano A2) e a um estado prócoagulante (aumento do fator V e ativação da protrombina)6.
A reestenose após intervenção coronária percutânea
(ICP) continua a ser uma importante limitação desse
procedimento, podendo a hiperhomocisteinemia, por
intermédio da lesão endotelial, proliferação do músculo
liso e promoção de formação de trombo, ser co-responsável naquele processo7.
A associação entre a homocisteína e a reestenose
pós-ICP foi alvo de estudos com resultados contraditórios, em alguns se estabeleceu relação entre a hiperhomocisteinemia e a reestenose8, em outros não se
conseguiu demonstrar qualquer associação9,10.
Alguns autores sustentam que os elevados níveis
de homocisteina são fator preditor de gravidade da
doença coronária, mas esse fato não é corroborado
por outras investigações11,12.
Este estudo prospectivo teve como objetivo caracterizar uma população de doentes submetidos a ICP,
avaliando a relação dos níveis de homocisteina plasmática total com a gravidade da doença coronária e
com o prognóstico a médio prazo.
MÉTODO
População
Foram estudados 96 pacientes (pts) consecutivos
encaminhados ao Laboratório de Hemodinâmica da
nossa instituição, entre outubro de 2002 e março de
2003, submetidos a ICP com sucesso de pelo menos
uma estenose coronária (definida como redução do
lúmen de pelo menos 50%). Todos tinham clínica típica de angina de peito, teste de isquemia positivo e/ou
antecedentes de infarto do miocárdio.
Foram excluídos os pts que realizaram angioplastia
de ponte de veia safena para a artéria coronária ou
angioplastia para tratar reestenose, aqueles com doença do tronco comum da artéria coronária esquerda ou
pts com angioplastia prévia em que se implantou stent
recoberto com fármaco. Adicionalmente, excluíram-se
os indivíduos com insuficiência renal moderada ou
grave (clearance de creatinina ≤ 30 ml/h) ou anemia
(hemoglobina <11,5 g/dl, nas mulheres e 13,5 g/dl,
nos homens). A terapêutica corrente (ou nos últimos
seis meses) com multivitamínicos ou ácido fólico foi
também critério de exclusão.
Em todos os pts estudados foram registrados os
dados demográficos (sexo e idade), os fatores de risco
cardiovascular (diabetes mellitus, HTA, dislipidemia e
tabagismo), a história prévia de eventos coronários (infarto
agudo do miocárdio (IAM), cirurgia de revascularização
miocárdica e/ou ICP prévia), a história de doença arterial periférica e/ou cerebrovascular. Foi igualmente registrada a medicação realizada antes da ICP e à data da
alta: inibidores da enzima conversora da angiotensina
(IECA), antagonistas dos receptores da angiotensina II
(ARAs), bloqueadores betaadrenérgicos, antagonistas dos
canais de cálcio, estatinas, aspirina e clopidogrel. Determinou-se a altura e o peso dos pts.
Avaliação Laboratorial
Foram colhidas amostras de sangue na manhã do
procedimento, após um jejum noturno superior a seis
horas. A determinação dos níveis de homocisteina
plasmática total foi efetuada por método de Fluorescent
Polarization Immunoassay (FIPA).
Angiografia Coronária
A angiografia coronária seletiva foi realizada de
acordo com a técnica habitual. O diagnóstico de doença
coronária aterosclerótica foi estabelecido pela presença
de pelo menos uma estenose luminal superior a 50%
(segundo estimativa visual), em um dos três vasos da
circulação epicárdica nativa.
A doença foi classificada de multivaso, caso se
verificasse pelo menos uma estenose igual ou superior
a 50%, em pelo menos dois dos três principais territó41
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rios (descendente anterior, circunflexa ou coronária
direita) ou uma estenose igual ou superior a 50% no
tronco comum. A gravidade da doença coronária foi
quantificada pelo Score de Gensini13, no qual se atribuem
diferentes valores por grau de estenose e se multiplicam
por um fator dependente da localização (Tabela 1).
Seguimento dos pacientes
O seguimento dos pts realizou-se em consulta
três e seis meses após a intervenção coronária. Entre
os três e seis meses e na ausência de clínica compatível com isquemia do miocárdio recorrente, realizouse teste não-invasivo para afastar a mesma. Efetuou-se
angiografia coronária de controle sempre que a clínica
ou os exames complementares de diagnóstico nãoinvasivos o justificassem.
Eventos avaliados aos seis meses
Definiram-se como eventos clínicos a ocorrência
de morte (independentemente da etiologia), de infarto
agudo do miocárdio (IAM) ou necessidade de nova
revascularização coronária nos primeiros seis meses
após a ICP. Definiu-se IAM como a ocorrência de dor
torácica sugestiva de angina, em repouso, associada a
alterações eletrocardiográficas sugestivas de isquemia
do miocárdio e elevação dos biomarcadores de lesão
miocárdica.
Análise Estatística
As variáveis categóricas foram expressas em freqüência e respectiva porcentagem e comparadas com o
teste do qui-quadrado. As variáveis contínuas foram
expressas como média e desvio padrão e comparadas
com o teste t de Student.
TABELA 1
Score de Gensini
Grau de Estenose
Redução
Redução
Redução
Redução
Redução
Redução
Quociente
luminal 25%
luminal 50%
luminal 90%
luminal 95%
luminal 99%
luminal 100%
1
2
4
8
16
32
Localização da lesão
Quociente
Tronco comum
Descendente anterior proximal,
circunflexa proximal
Descendente anterior média
Coronária direita, descendente posterior,
póstero-lateral, obtusa marginal
Outras
5
2,5
1,5
1
0,5
A homocisteinemia foi considerada como variável
contínua e analisou-se a sua relação com a idade e a
gravidade da doença coronária (quantificada pelo Score
de Gensini), utilizando-se para o efeito testes de correlação.
Os pts foram agrupados em dois grupos, considerando-se o valor de homocisteína no percentil50 (grupo
Hpt ≤ 10,95 µmol/L e grupo Hpt > 10,95 µmol/L), e
comparados entre si, relativamente às características
demográficas, clínicas, laboratoriais e angiográficas.
A identificação de fatores de prognóstico independente foi feita por meio de um modelo de regressão
logística. Para o efeito, a homocisteína foi considerada
como variável categórica.
Foram considerados estatisticamente significativos
os resultados com valor p<0,05. O programa estatístico utilizado foi o SPSS, versão 12.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, USA).
RESULTADOS
Foram estudados 96 pts, com idade média de
64±11 anos, sendo 34% do sexo feminino. A homocisteinemia média foi de 12,06 ± 4,82 µmol/l, com um
valor mínimo de 1,4 µmol/l, maximo de 40,5 µmol/l
e com mediana de 10,95 µmol/l (Percentil50).
Os níveis plasmáticos de homocisteína correlacionaram-se de modo positivo com a idade (r=0,236;
p=0,02) e com a gravidade da doença coronária, quantificada pelo Score de Gensini (r=0,209, p=0,041). Não
se verificou a existência de uma relação entre a homocisteína e o peso, altura ou Índice de Massa Corporal (IMC).
As características gerais da população estão descritas na Tabela 2.
A principal indicação para a realização de coronariografia foi a clínica típica de angina de peito, acompanhada ou não de teste de isquemia positivo (53%
dos pts). Nos casos restantes, a coronariografia foi
efetuada após síndrome coronária aguda (infarto agudo
do miocárdio sem supradesnivelamento do segmento
ST em 24% e angina instável em 23% dos casos).
Os pts foram divididos em dois grupos, considerando-se o valor da mediana da homocisteína de
10,95 µmol/l (Tabela 1). Não se verificaram diferenças
significativas relativamente às características demográficas e biométricas. Em relação aos fatores de risco
cardiovascular, a HTA foi mais freqüente no grupo Hpt
≤ 10,95 µmol/l (75% vs 54%; p=0,033). A CABG prévia
foi mais freqüente no grupo Hpt > 10,95 µmol/l (0% vs
12,5%; p=0,011), não tendo existido diferenças relativamente à história prévia de angina de peito, infarto
agudo do miocárdio ou ICP prévia. Não se verificaram
entre os grupos diferenças relativas às demais características avaliadas. A coronariografia foi realizada em contexto de síndrome coronária aguda em cerca de 50%
dos casos, sem diferenças entre grupos. Todos os pts
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TABELA 2
Características demográficas, clínicas e biométricas; comparação entre
doentes abaixo e acima do Percentil 50
Características
Idade (anos)
Peso (kg)
Altura (cm)
Índice de Massa Corporal (kg/m2)
Sexo feminino
Hipertensão arterial
Dislipidemia
Tabagismo
Diabetes
Angina prévia
IAM prévio
CABG prévia
ICP prévia
AAS prévia
Medicação na data da alta
AAS
Betabloqueadores
IECAS/ARA
Bloqueadores do cálcio
Estatinas
Clopidogrel
População Total
Subgrupos
(n=96)
Hpt < 10,95 (n=48)
Hpt > 10,95 (n=48)
p‡
64 ± 11
73 ± 10
165 ± 8
27 ± 3
33 (34,4%)
62 (64,6%)
59 (61,5%)
21 (21,9%)
21 (21,9%)
52 (54,2%)
19 (19,8%)
6 (6,3%)
10 (10,4%)
93 (96,9%)
63 ± 9
72 ± 11
164 ± 8
27 ± 3
20 (42%)
36* (75%)
32 (67%)
9 (19%)
10 (21%)
27 (56%)
8 (17%)
0* (0%)
5 (10%)
48 (100%)
65 ± 12
75 ± 10
165 ± 7
27 ± 7
13 (27%)
26* (54%)
27 (56%)
12 (25%)
11 (23%)
25 (52%)
11 (23%)
6* (13%)
5 (10%)
45 (94%)
0,266
0,213
0,673
0,196
0,133
0,033
0,294
0,459
0,805
0,682
0,442
0,011
1,000
0,078
96 (100%)
51 (53,1%)
59 (61,5%)
21 (21,9%)
61 (63,5%)
96 (100%)
48 (100%)
28 (58%)
32 (67%)
9 (19%)
34 (71%)
48 (100%)
48 (100%)
23 (48%)
27 (56%)
12 (25%)
27 (56%)
48 (100%)
1,000
0,414
0,419
0,390
0,211
1,000
Abreviaturas como no texto; ‡ diferenças entre grupos; *p < 0,05, comparação de percentis.
tiveram alta, medicados com dupla antiagregação plaquetária (AAS e clopidogrel), não se verificando diferenças entre grupos para a medicação restante.
Os achados da coronariografia e os detalhes da
ICP estão descritos na Tabela 3.
A maioria dos pts (62,5%) apresentava doença
multivaso, que foi mais freqüente no grupo com Hpt
> 10,95 µmol/l (54% vs 71%; p=0,092). A doença
coronária apresentou maior gravidade nos doentes
com Hpt > 10,95 µmol/l, quando avaliada segundo o
Score de Gensini (42 ± 31 vs 31 ± 23, p=0,048). Não
se verificaram diferenças significativas nas demais características relativas aos achados da angiografia e ICP.
Durante o seguimento de seis meses, registrou-se
uma taxa de eventos de 9,8% (9 eventos, uma morte,
três infartos agudos do miocárdio e cinco revascularizações de novo). Em quatro pts não foi possível o
seguimento seis meses após a ICP.
Os pts com eventos tinham com maior freqüência
história prévia de cirurgia de revascularização coronária
(respectivamente 22 vs 4,8%, p=0,045). A medicação
com estatinas no momento da alta foi menos utilizada
no grupo com eventos (respectivamente 22% vs 67%,
p=0,003). Os níveis de homocisteína foram mais elevados nos doentes com eventos (14,0 ± 3,7 vs 11,5
± 3,8 µmol/l, p=0,051). Não se verificaram diferenças
nas restantes variáveis avaliadas.
Quando comparados os subgrupos de pts, de
acordo com o valor da mediana da homocisteinemia,
verificou-se uma maior prevalência de eventos nos
doentes com valor superior a 10,95 µmol/l, mas sem
significado estatístico (14,6% vs 4,2%, p=0,161)
Em análise multivariada, apenas a medicação com
estatinas na alta manteve valor prognóstico independente (OR ajustado=0,04; IC 95%=0,00-0,53; p=0,015).
A homocisteinemia superior a 10,95 associou-se a um
aumento do risco de eventos de cerca de duas vezes,
embora sem significado estatístico (OR ajustado 2,29,
IC 95% 0,19-27,01, p=0,195).
DISCUSSÃO
Da revisão da literatura destaca-se a enorme discrepância de resultados e conclusões obtidos nos diversos
estudos. Essa diversidade poderá ser pelas diferenças
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TABELA 3
Características angiográficas e da PCI
Características
População Total
Doença multivaso
Doença da descendente anterior
Doença da circunflexa
Doença da coronária direita
Fração de ejeção VE <40%
PCI multivaso
Terapêutica com Inibidores IIb/IIIa
Utilização de stent
Utilização de stent com fármaco
Vaso com diâmetro inferior a 2,5mm
Score de Gensini
Subgrupos
(n=96)
Hpt < 10,95 (n=48)
Hpt > 10,95 (n=48)
p‡
60 (62,5%)
62 (64,6%)
55 (57,3%)
54 (56,3%)
6 (6,3%)
18 (18,8%)
50 (52,1%)
95 (99%)
18 (18,8%)
17 (17,7%)
36 ± 28
26 (54%)
29 (60%)
27 (56%)
27 (56%)
2 (4%)
7 (15%)
25 (52%)
47 (98%)
11 (23%)
11 (23%)
31 ± 23
34 (71%)
33 (69%)
28 (58%)
27 (56%)
4 (8%)
11 (23%)
25 (52%)
48 (100%)
7 (15%)
6 (13%)
42 ± 31
0,092
0,393
0,837
1,000
0,399
0,296
1,000
0,315
0,296
0,181
0,048
Abreviaturas como no texto; ‡ diferenças entre grupos; *p < 0,05, comparação entre doentes entre percentis.
populacionais, mas provavelmente será devida a diferenças entre os métodos utilizados.
A maioria dos estudos transversais e de casocontrole indica que níveis elevados de homocisteína
constituem um fator de risco independente para doença coronária14-16. Os mesmos resultados foram obtidos
por alguns estudos prospectivos17,18. No entanto, diversos trabalhos têm apontado em sentido inverso, reportando não existir qualquer relação entre os níveis plasmáticos da homocisteína e a doença coronária19-21.
Na população estudada, a homocisteinemia relacionou-se com a idade e com a presença de HTA, tal
como já verificado em outros estudos8,22. Alguns trabalhos não encontraram qualquer relação entre os níveis
de homocisteína e a idade, provavelmente devido a
amostras muito homogêneas no que concerne à distribuição etária11,17. Curiosamente, a relação com a HTA
encontrada é oposta aos resultados obtidos em estudos
epidemiológicos anteriores, devendo-se provavelmente
as diferenças a um acaso23,24. Não se verificaram diferenças entre sexos ou na distribuição de outros fatores
de risco, nomeadamente do tabagismo e da hipercolesterolemia. O poder protetor dos estrogênios não se
revelou suficientemente forte na nossa amostra, ao
contrário do encontrado em alguns estudos25. Comportou-se similarmente o efeito oxidante do hábito de
fumar, sem efeito significativo26,27. Nikfardjam et al.19
demonstraram relação entre a história de IAM prévio
e a hiperhomocisteinemia, e Nygard et al.17 foram mais
longe, ao reportar associação da hiperhomocisteinemia
com o aumento de eventos agudos após IAM. No
nosso estudo, apenas os doentes com história prévia
de CABG apresentavam níveis mais elevados de homocisteína, não se verificando diferenças em relação às
outras manifestações de doença coronária.
O Score de Gensini13, utilizado no nosso estudo
para quantificar a gravidade e extensão da doença
coronária, relacionou-se, embora tenuemente, com os
valores de homocisteinemia. Nesse aspecto, a literatura
também não é uniforme, muito provavelmente devido
à diferença de métodos utilizados na avaliação. Montalescot et al.12 aceitaram estenose superior a 75%
como critério de diagnóstico de doença coronária e
também demonstraram fraca relação, mas significativa,
entre o número de vasos envolvidos e a homocisteinemia. Chao et al.28 utilizaram o limite de 70% de
estenose para doença coronária e reportaram que a
homocisteinemia era superior em pts com doença de
três vasos, comparativamente aos com doença de um
ou dois vasos. Outros estudos demonstraram precisamente o inverso, mas quase sempre tomando como
limites para definição de estenose coronária valores
mais baixos (50 e 70%)29,30. Bozkurt et al.3 utilizaram
uma adaptação do Score de Gensini, mas não obtiveram relação entre a gravidade da doença coronária e
a homocisteinemia.
Demonstrou-se que níveis elevados de homocisteína são preditores de eventos cardíacos tardios e de
mortalidade na população com doença coronária estável16,31,32. No nosso trabalho, apesar de se associar a
um pior prognóstico, a homocisteína não teve valor
prognóstico independente na identificação de eventos
após ICP. De fato, o papel da homocisteinemia no
prognóstico após ICP não está bem definido e os
resultados dos vários estudos não são coincidentes.
Da revisão da literatura existe apenas um estudo prospectivo8,22, no qual a homocisteinemia teve valor prognóstico após a ICP. Para o efeito estudaram-se 549
pts, com angiografia de controle após ICP e seguimento até um ano, sendo os níveis de homocisteína preditores de reestenose, de mortalidade total e de mortali-
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dade cardiovascular. Em análise multivariada, a homocisteinemia manteve valor independente dos fatores
de risco clássicos. Os achados provaram ser verdade,
fundamentalmente, para a ICP de pequenos vasos. No
entanto, existem inúmeros estudos, em que, tal como
no nosso, a homocisteinemia não obteve a qualificação
de fator prognóstico independente para a ocorrência
de eventos após ICP. Diversos estudos prospectivos6,9,33,34
que englobaram séries de 100 a 400 pts e um estudo
de 55 pts, no pós-infarto imediato10, não conseguiram
estabelecer diferenças em relação ao número de eventos após ICP entre os doentes com diferentes níveis de
homocisteína. A explicação para os resultados antagônicos não é fácil, podendo-se especular que a utilização
de diferentes critérios de inclusão, distintos hábitos
alimentares e a herança genética da população estudada,
entre outros, podem ter contribuído para os resultados
controversos. Permanece, assim, por esclarecer o papel
dos níveis de homocisteína na determinação de eventos após ICP.
CONCLUSÃO
Uma vez que a hiperhomocisteinemia confere um
efeito protrombótico e promove a proliferação das
células do músculo liso em resposta à lesão vascular,
pensamos que poderia estar implicada na ocorrência
de eventos após a ICP. Em pts com aterosclerose coronária documentada angiograficamente, a homocisteinemia correlacionou-se positivamente com a gravidade
da doença, mas, embora tivesse havido uma tendência
para uma associação a maior número de eventos, esse
fato não confirmou ter valor prognóstico independente.
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