REVISTA PORTUGUESA DE COLOPROCTOLOGIA
Artigo Original
Original Article
CARCINOMA
ADENOESCAMOSO DO RECTO
- REVISÃO CASUÍSTICA DE 10 ANOS
Resumo
SOARES C1,5
BARBOSA E1,5
SARMENTO C2
LIMA MR3,5
ELOY C4,5
LOPES J4,5
SILVA PC1
PIMENTA A1,5
(1)Serviço de Cirurgia Geral
(2)Serviço de Oncologia Médica
(3)Serviço de Radioterapia
(4)Serviço de Anatomia Patológica
Hospital de São João do Porto
(5)Faculdade de Medicina da
Universidade do Porto
Correspondência
Carlos Soares
Rua Nova da Telheira, nº 321, 1º Dto
4780-510 Santo Tirso
E-mail: [email protected]
20
Introdução:O carcinoma adenoescamoso é uma neoplasia epitelial maligna
pouco frequente que associa um componente glandular e outro pavimentoso, manifestando potencial metastático equivalente ao somatório de
ambos.
Objectivos: Avaliação retrospectiva,num período de 10 anos,de uma série
de 5 doentes diagnosticados com carcinoma adenoescamoso do recto,
submetidos a tratamento no Hospital de São João do Porto, e comparação
dos resultados com os dados apresentados pela literatura.
Material e Métodos: Revisão dos registos de 5 pacientes com o diagnóstico de carcinoma adenoescamoso do recto submetidos a tratamento no
Hospital de São João do Porto desde 1998 até 2008.
Resultados: A idade média dos pacientes foi de 61 anos.A relação sexo feminino/ sexo masculino foi de 1/4.Em nenhum doente foi possível diagnosticar
pré-operatoriamente o carcinoma adenoescamoso.Todos os doentes apresentavam doença avançada no momento do diagnóstico. 3 doentes foram
submetidos a rádio-quimioterapia externa (RQTE) neoadjuvante.Todos os
doentes foram submetidos a intervenção cirúrgica,após o que se prosseguiu
o tratamento com RQTE ou quimioterapia adjuvante em 3 doentes. Aos 24
meses de follow-up, 4 doentes encontram-se vivos, 3 destes sem evidência
de recidiva neoplásica.
Conclusão: O carcinoma adenoescamoso do recto é uma neoplasia rara
caracterizada pela coexistência de componentes glandulares e escamosos.
O diagnóstico pré-operatório desta entidade nosológica é raro.A maioria dos
doentes é diagnosticada em fases avançadas da doença sendo necessárias
terapêuticas agressivas. O benefício da rádio-quimioterapia neoadjuvante
e/ou adjuvante continua por estabelecer.
Abstract
Introduction: Adenosquamous carcinoma is a rare malignant epithelial
neoplasia with a glandular and a squamous component. The metastatic
potential is equivalent to the sum of both.
Objectives: A ten year retrospective evaluation of a 5 patient series diagnosed with adenosquamous carcinoma of the rectum and treated at Hospital de São João - Oporto.Comparison of our results with those presented in
the literature.
Patients and Methods: Evaluation of the medical records of 5 patients diagnosed with adenosquamous carcinoma of the rectum and treated at Hospital de São João - Oporto,from 1998 to 2008.
Results: The mean age of the patients,at diagnosis,was 61 years.Female to
male ratio was ¼. Pre-operative diagnosis was not achieved in any patient.
All had advanced disease at the time of diagnosis.Three patients received
neoa-djuvant external radiochemotherapy (ERQT). All were submitted to
surgery.3 patients received adjuvant ERQT or chemotherapy.After 24 months
of follow-up,4 patients are alive,3 without evidence of recurrent disease.
REVISTA PORTUGUESA DE COLOPROCTOLOGIA
Conclusions: Adenosquamous carcinoma is a rare neoplasia characterized by the coexistence of glandular and
squamous components. Pre-operative diagnosis is rare.
Most of the patients present advanced disease demanding aggressive treatment.The benefit of radiochemotherapy,neo-adjuvant and/or adjuvant,rests unsettled.
Introdução
O carcinoma adenoescamoso é uma neoplasia epitelial
maligna com um componente glandular e outro pavimentoso (Figuras 1,2 e 3), com potencial metastático de
ambos(1,2,3).Esta neoplasia é extremamente rara no cólon
e recto, com uma incidência inferior a 0,2% de todas as
neoplasias colorrectais malignas(1,2). A etiopatogenia é
controversa existindo diversas teorias para explicar a
existência das duas linhagens celulares concomitantes(2,3).
É diagnosticado em fases avançadas da doença.O tempo
médio de vida,após o diagnóstico,referido na literatura,
é de 9-12 meses e a taxa de sobrevida aos 5 anos de 30%(2,4,7).
O prognóstico é pior relativamente a adenocarcinomas
sem outra especificação,em estádio semelhante(4).
Figura 1 - Mucosa anal com infiltração por carcinoma adenoescamoso em peça de
ressecção abdómino-perineal - dominância do componente glandular.HE.
Objectivos
Avaliação retrospectiva,num período de 10 anos,de uma
série de 5 doentes diagnosticados com carcinoma
adenoescamoso do recto, submetidos a tratamento no
Hospital de São João do Porto, e comparação dos resultados com os dados apresentados pela literatura.
Material e Métodos
Figura 2 - Carcinoma adenoescamoso - coexistência de áreas glandulares (metade
superior do campo) com áreas pavimentosas (área inferior do campo), ambas com
características citológicas de malignidade.HE.
Revisão dos registos de 5 pacientes com o diagnóstico
de carcinoma adenoescamoso do recto submetidos a
tratamento no Hospital de São João do Porto desde 1998
até 2008.Foram avaliadas as variáveis:idade,sexo,modo
de apresentação,estadiamento clínico e patológico TNM,
terapêutica médica/cirúrgica efectuada,persistência da
doença,recorrência da doença e sobrevida.
Resultados
A idade média dos pacientes foi de 61 anos (extremos
etários: 51 - 72 anos).A relação sexo feminino/sexo masculino foi de 1/4.Todos os doentes apresentavam sintomas
e sinais característicos de patologia neoplásica rectal: 3
doentes apresentavam proctalgia; 3 doentes apresen-
Figura 3 - Carcinoma adenoescamoso - coexistência numa mesma estrutura glandular de células com características citológicas de epitélio glandular (esquerda) e outras
com características de células pavimentosas (direita).HE.
21
REVISTA PORTUGUESA DE COLOPROCTOLOGIA
tavam tenesmo e/ou falsas vontades e 2 doentes rectorragias episódicas. Nenhum doente apresentava colite
ulcerosa, polipose múltipla, hipercalcemia ou antecedentes de radioterapia, neoplasia ginecológica ou de
schistosomiase. O diagnóstico pré-operatório de carcinoma adenoescamoso não foi possível em nenhum
doente,apresentando todos o diagnóstico pré-operatório
de adenocarcinoma do recto. Todos os doentes apresentavam doença avançada no momento do diagnóstico: 4 doentes apresentavam doença locorregional avançada (cT3/T4 N0/1 M0) e um doente metastização à distância. Todas as neoplasias apresentavam um padrão de
crescimento tipo infiltrativo e invasão venosa intra e/ou
extra-tumoral.4/5 das neoplasias apresentavam permeação linfática e invasão perineural. Positividade para a
p53 foi verificada em 4/5 dos carcinomas.Nenhum doente
apresentava neoplasias síncronas. Um doente desenvolveu um carcinoma epidermóide queratinizante pouco
diferenciado do pulmão aos 66 meses de follow-up.Dado
a coexistência de carcinoma epidermóide "in situ" adjacente, este foi considerado com um tumor primário do
pulmão.Nenhum outro doente desenvolveu neoplasias
metácronas num período de seguimento médio de 34,8
meses (1 - 75 meses).3 doentes foram submetidos a RQTE
neoadjuvante à região pélvico-perineal na dose de 46 a
50 Gy,fraccionada em 25 sessões,associada a 5-fluoruracilo
(5-FU) ou capecitabina.Em um dos doentes verificou-se
down-staging da neoplasia. Todos os doentes foram
submetidos a intervenção cirúrgica: ressecção anterior
do recto em 3 doentes e ressecção abdomino-perineal nos
outros 2. Num dos doentes foi efectuada metastasectomia hepática na mesma intervenção cirúrgica. Em dois
doentes a ressecção foi incompleta (R1). Em um doente
foi realizada quimioterapia (esquema FOLFOX) seguida
de RQTE. Em dois doentes foi realizada quimioterapia
adjuvante com 5-FU ou capecitabina. Aos 24 meses de
follow-up, os 3 doentes submetidos a cirurgia tipo R0
encontram-se vivos e sem evidência de recidiva neoplásica (Figura 4).
Discussão
O carcinoma adenoescamoso do recto é uma neoplasia
rara, com poucas referências na literatura. À data de elaboração deste artigo existem 12 artigos referenciados
na PUBmed dedicados a este tema, todos estes com
pequeno número de casos.A idade média dos casos apresentados está de acordo com a apresentada na literatura(4). A incidência é superior na raça caucasiana (84%)
relativamente à raça negra (15%),sendo rara noutras raças
(1%)4. O recto e os segmentos distais do cólon são os
locais mais frequentemente envolvidos(5).
Têm sido apresentadas múltiplas teorias para explicar a
etiologia do carcinoma adenoescamoso do cólon e recto.
A presença de restos embrionários heterotópicos de
22
epitélio escamoso na mucosa do cólon não é a explicação
mais admitida na literatura (6).A metaplasia escamosa,que
pode ocorrer em até 1% dos adenomas do cólon, é uma
das possíveis etiologias desta entidade nosológica(5). A
presença de um estímulo anormal na mucosa poderia
resultar numa diferenciação anómala,como por exemplo na colite ulcerosa, na schistosomiase, induzida pela
radiação e na infecção pelo vírus papiloma humano(2,5,7).
Outra origem apontada como possível é de uma célula
pluripotencial (stem cell), com capacidade de diferenciação multidirecional.Esta teoria é apoiada por estudos
de microscopia electrónica, onde a ultra-estrutura das
células sugere que a diferenciação glandular e escamosa
origina-se de uma única célula(6).
A apresentação clínica é semelhante à do adenocarcinoma do recto.As formas de apresentação mais comuns são
as rectorragias, o tenesmo, a dor, as alterações do trânsito intestinal e a perda de peso,sendo a duração da sintomatologia muito variável (3,5). A associação com a colite
ulcerosa,a hipercalcemia,a polipose múltipla,as neoplasias
ginecológicas e a schistosomiase tem sido descrita(8).
Nenhum dos nossos casos apresentava os factores de
risco anteriormente referidos.
Adenocarcinomas colorrectais síncronos e metácronas
têm sido descritos, sendo essencial uma colonoscopia
total no período pré-operatório, assim como um seguimento adequado no pós-operatório (2,7). Não foram verificadas neoplasias colorrectais síncronas ou metácronas
nos casos apresentados.
Tem sido demonstrado que ambos os componentes,glandular e escamoso,apresentam potencial metastático.Os
locais mais frequentes de metastização são os gânglios
linfáticos abdómino-pélvicos, o fígado, o peritoneu, o
pulmão e os ossos(7). O componente pavimentoso tem
sido associado a maior tendência metastática(9).
A avaliação pré-operatória é semelhante à do adenocarcinoma do recto, sendo os métodos de estadiamento
locorregional e à distância os mesmos.Os meios de estadiamento locorregional utilizados foram a RMN pélvicoperineal, a ecografia endorrectal e a TC pélvica (no caso
mais antigo). Relativamente ao estadiamento à distân-
Os 3 doentes submetidos a cirurgia
tipo R0 encontram-se vivos e sem
evidência de recidiva neoplásica.
Figura 4
REVISTA PORTUGUESA DE COLOPROCTOLOGIA
cia,os métodos de imagem utilizados foram a TC toracoabdominal ou a radiografia de tórax associada à ecografia
hepática/TC abdominal.Todos os doentes apresentavam
doença avançada no momento do diagnóstico (cT3/T4
N0/1 M0 ou T4N1M1).Em nenhum dos casos apresentados foi efectuado o diagnóstico pré-operatório de carcinoma adenoescamoso, sendo todos diagnosticados de
adenocarcinoma do recto. O diagnóstico de carcinoma
adenoescamoso do recto foi efectuado no pós-operatório
através da avaliação anátomo-patológica da peça cirúrgica. Este achado, estando de acordo com muitos dos
estudos apresentados na literatura1, levanta a problemática da possível necessidade de biópsias múltiplas
nestes doentes e/ou de métodos de coloração,ou outros,
que pudessem orientar para os locais mais apropriados
para biópsia.
O prognóstico das neoplasias em estadio I/II do sistema
de estadiamento TNM,com gânglios negativos (Dukes A
e B) é, segundo os estudos de Petrelli, Cagir e de Frizelle,
semelhante ao do adenocarcinoma do recto.Na doença
locorregional avançada,com gânglios positivos,o prognóstico, segundo estes autores, é pior (2,4,7). A maioria dos
pacientes, como foi evidenciado pelo nosso estudo, é
diagnosticada em fases avançadas da doença, apresentando uma sobrevida média de 9 a 12 meses após o diagnóstico(1). Os 3 doentes, do presente estudo, submetidos a ressecção tipo R0 encontram-se vivos e sem evidência de recidiva neoplásica aos 24 meses de follow-up.
Segundo Cagir este facto pode ter um significado de bom
prognóstico uma vez que verificou uma taxa de sobrevida aos 5 anos de 84% neste subgrupo de doentes(4).
A cirurgia é o tratamento de eleição e obedece aos
mesmos princípios do adenocarcinoma do recto(4).Todos
os casos apresentados foram submetidos a intervenção
cirúrgica: ressecção anterior do recto em 3 doentes e
ressecção abdomino-perineal em 2 doentes.A indicação
e o benefício da terapêutica neoadjuvante e adjuvante
continua por estabelecer(2,4). A indicação e os esquemas
de radioquimioterapia/quimioterapia utilizados nestes
casos estão de acordo com o protocolo de actuação do
Grupo Multidisciplinar de Oncologia Colorrectal e Unidade
de Cirurgia Colorrectal do Hospital de S.João.Deste modo
3 doentes foram submetidos a RQTE neoadjuvante à
região pélvico-perineal na dose de 46 a 50 Gy,fraccionada em 25 sessões associada a 5-FU ou capecitabina.Downstaging da neoplasia foi verificado num dos doentes.
Quimioterapia (esquema FOLFOX) seguida de RQTE foi
realizada num doente. Quimioterapia adjuvante com 5FU ou capecitabina foi realizada em 2 doentes.
Conclusões
O carcinoma adenoescamoso do recto é uma neoplasia
epitelial maligna rara caracterizada pela coexistência de
componentes glandulares e pavimentosos. O diagnóstico pré-operatório desta entidade é raro. A maioria dos
doentes são diagnosticados em fases avançadas da
doença sendo necessárias terapêuticas médicas e/ou
cirúrgicas agressivas.O benefício da RQTE neoadjuvante
e/ou adjuvante continua por estabelecer.
Bibliografia
1. Schlegel RD, Dehni N, Cravino AT, et al. Primary
adenosquamous carcinoma of the rectum.Report of 4
cases and review of the literature.Colorectal Dis.2001;
3: 201-3.
2. Petrelli NJ, Valle AA, Weber TK, et al. Adenosquamous
carcinoma of colon and rectum.Dis Colon Rectum.1996;
39: 1265-8.
3. Rubio CA, Collins VP, Berg C. Mixed adenosquamous
carcinoma of the cecum:report of a case and review of
the literature.Dis Colon Rectum.1981; 24: 301-4.
4. Cagir B, Nagy MW, Topham A, Rakinic J, Fry RD.
Adenosquamous carcinoma of the colon,rectum,and
anus: epidemiology, distribution, and survival characteristics.Dis Colon Rectum.1999; 42:258-63.
5. Schneider TA II, Birkett DH, Vernava AM. Primary
adenosquamous and squamous cell carcinoma of the
colon and rectum.Int J Cotorectal Dis.1992; 7: 144-7.
6. Kontozoglou TE, Moyana TN. Adenosquamous carcinoma of the colon - an immunocytochemical and ultrastructural study:report of two cases and review of the
literature.Dis Colon Rectum.1989; 32: 716-21.
7. Frizelle FA, Hobday KS, Batts KP, et al. Adenosquamous
and squamous carcinoma of the colon and upper
rectum:a clinical and fistopathologic study.Dis Colon
Rectum.2001; 44: 341-346.
8. Peonim V,Thakemgpol K, Pacharee P, Stitnimankam T.
Adenosquamous carcinoma and carcinoidal differentiation of the colon. Report of a case. Cancer. 1983; 52:
1122-5.
9. Cerezo L, Alvarez M, Edwards O, Price G. Adenosquamous carcinoma of the colon.Dis Colon Rectum.1985;
28: 597-603.
23
Download

carcinoma adenoescamoso do recto