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Avaliação da Qualidade de Vida em Doentes com Insuficiência Cardíaca
Submetidos a Terapêutica com Cardioversor Desfibrilhador Implantável
Elisabete Nave Leal 1, 3, José Pais Ribeiro 1, Mário Oliveira 2, Nogueira da Silva 2,
Joana Feliciano 2, Pedro Cunha 2, Rui Soares 2, Sofia Santos 2, Sandra Alves 2,
Nélia Rebelo da Silva 2 & Rui Ferreira 2
1
2
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, UP
Centro Hospitalar de Lisboa Central, Hospital de Santa Marta
3
Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa, IPL
O cardioversor desfibrilhador implantável (CDI) tem sido associado à redução da morte
súbita. O impacto nas dimensões da qualidade de vida (QV) permanece controverso.
Método: 36 doentes foram submetidos a implantação de CDI. Foram avaliados antes
da intervenção e após ao 3º e 6º mês pelo Kansas City Cardiomiophathy Questionnaire.
Resultados: Os sintomas e conhecimento da situação clínica não se modificaram. Ao
3º mês, houve melhoria das actividades de vida diária, funcionalidade e QV, não
mantida aos 6 meses. Aos 3º e 6º meses houve melhoria da percepção da satisfação
com a vida e estilo de vida. A esperança associou-se à melhoria da percepção da
satisfação com a vida. Conclusão: A implantação de CDI, associa-se a um benefício
mantido na dimensão social e de percepção pessoal da QV e a um benefício transitório
da condição física e percepção global da QV, sem influenciar os sintomas e
conhecimento da condição clínica.
Palavras-chave: Sistemas de cardioversor-desfibrilhador, Insuficiência cardíaca
congestiva, Qualidade de vida, Esperança.
1. INTRODUÇÃO
A Insuficiência Cardíaca (IC) é uma síndrome com elevada morbilidade e
mortalidade, identificada como causa principal de internamento hospitalar após os 65 anos
na Europa. É a derradeira fase da maioria das doenças cardíacas. Em Portugal, a
prevalência foi de 4,36%,afectando cerca de 260.000 indivíduos (Ceia, 2000).
A terapêutica para a morte súbita com um cardioversor desfibrilhador implantável
(CDI) é indicada na prevenção da mortalidade em presença de arritmias em doentes de alto
risco. Na IC, esta terapêutica é aplicada em doentes com fracção de ejecção do ventrículo
esquerdo menor que 35% e classe funcional II ou III da New York Heart Association,
refractários à medicação (ESC, 2008). A avaliação desta terapêutica para prevenção de
morte súbita tem sido centrada na morbilidade e mortalidade. Contudo recentemente a
qualidade de vida (QV) tem vindo a ganhar terreno como variável de resultado. Ao intervir,
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este dispositivo emite uma descarga eléctrica percepcionada pelo doente, que associada a
um conjunto de restrições induz ansiedade, influenciando negativamente a QV. No entanto
os resultados das investigações são controversos.
A esperança enquanto mecanismo que permite a reflexão e a percepção individual das
capacidades que cada pessoa tem para alcançar os seus objectivos, para além de ter em
conta as estratégias que permitem avaliar as suas próprias motivações inerentes às acções e
aos percursos que são implementados com o intuito de alcançar esses mesmos objectivos,
pode influenciar os resultados em saúde. A visão predominante é de que um nível de
esperança elevado está associado a resultados positivos (Snyder, Lopez, Shorey, Rand &
Felman, 2003).
Tem sido documentado o impacto da terapêutica com CDI na QV, em doentes com
IC. No entanto, permanece controverso o efeito mantido desta modalidade de tratamento
nas diferentes dimensões que constituem a QV. Por outro lado, investigações que
estudaram a esperança em doentes com IC realçam a influência deste constructo na QV.
O presente estudo teve como objectivos avaliar o efeito mantido da terapêutica por
CDI na QV dos doentes com IC e a relação da esperança com este outcome.
2. MÉTODO
2.1 Participantes
Participaram 36 doentes com insuficiência cardíaca congestiva refractária com
indicação para implantação de CDI para prevenção primária de morte súbita, 88,9% do
sexo masculino; com idade M=61,3, DP=13,4 variando entre os 25 e 83 anos; com
escolaridade M=7,2, DP=3,9 variando entre 4 e 17 anos; 60,3% casados; 72,2%
reformados. A etiologia da IC era isquémica em 72,2%, idiopática em 19,5% e valvular em
2,8%, apresentando como comorbilidades maioritariamente a hipertensão arterial (33,3%),
a diabetes (27,8%) e obesidade (22,2%).
2.2 Instrumentos
Para avaliar a qualidade de vida relacionada com a saúde, recorreu-se à versão
portuguesa do Kansas City Cardiomiophathy Questionnaire (KCCQ), de Green, Porter,
Bresnahan e Spertus (2000), validada por Nave Leal et al. (in press). É constituída por 23
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itens distribuídos por 5 domínios: limitação física, sintomas, qualidade de vida, autoeficácia e limitação social. O domínio da limitação física mede em que extensão os
sintomas da ICC limitaram algumas das actividades diárias dos doentes num período de
duas semanas. O domínio sintomas insere-se no número de vezes que os sintomas de ICC,
como cansaço, dispneia ou edema das extremidades ocorreram num período de duas
semanas e se houve alterações destes sintomas no referido período de tempo. O domínio
auto-eficácia mede a capacidade do doente para perceber como pode evitar o agravamento
dos sintomas e o que fazer caso tal se verifique. O domínio qualidade de vida avalia a
percepção do doente acerca do seu gosto em viver ou o desânimo devido à sua doença
cardíaca. O domínio limitação social avalia como é que a ICC afecta o estilo de vida dos
doentes. Para facilitar a interpretação dos resultados, os autores constituíram dois
somatórios: o primeiro denominado de estado funcional, que compreende os domínios da
limitação física e sintomas, excluindo a questão referente à estabilidade dos sintomas e o
segundo, denominado de sumário clínico, que compreende o somatório do estado funcional,
domínios de qualidade de vida e limitação social. Scores mais elevados indicam melhor
estado de saúde.
Para avaliar a esperança recorreu-se à versão portuguesa da Hope Scale de Snyder et
al. (1991), validada por Pais Ribeiro, Pedro & Marques (2006). Esta escala contém 12 itens
(apresentados como afirmação), oito itens que avaliam a esperança mais quatro distractores.
Dos oito itens que avaliam a esperança, quatro itens avaliam a “iniciativa”, passada,
presente e futura e quatro itens avaliam os “caminhos”. A esperança global resulta da soma
de todos os oito itens.
2.3 Procedimento
Num primeiro momento, o questionário de QV e da Esperança foram preenchidos
durante o internamento, previamente à intervenção. Após a implantação do CDI, o
questionário de QV foi novamente preenchido em dois momentos distintos: na consulta
externa de follow-up no 3º e 6º mês subsequentes à intervenção.
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3. RESULTADOS
Ao 3º mês, verificou-se uma melhoria na QV em todos os domínios, com excepção
dos sintomas e auto-eficácia (Tabela 1).
Tabela 1 – Qualidade de Vida ao 3º mês de seguimento
Dimensões do
Antes
3º mês
KCCQ
intervenção
M
M
Limitação Física
75,37
85,99
Sintomas
73,93
81,18
Auto-Eficácia
82,40
87,84
Qualidade de Vida
52,08
70,37
Limitação Social
72,33
82,29
Estado Funcional
76,32
84,46
Sumário Clínico
71,92
82,12
t
p
-3,51
-2,02
-1,31
-3,34
-2,59
-2,57
-3,26
0,001
NS
NS
0,002
0,014
0,014
0,002
Ao 6º mês, dos benefícios observados ao 3º mês, apenas se mantiveram os referentes
à esfera social e percepção da QV (Tabela 2).
Tabela 2 – Qualidade de Vida ao 6º mês de seguimento
Dimensões do
Antes da
6º mês
KCCQ
intervenção
M
M
Limitação Física
75,37
80,87
Sintomas
73,93
77,85
Auto-Eficácia
82,40
83,88
Qualidade de Vida
52,08
70,60
Limitação Social
72,33
81,76
Estado Funcional
76,32
80,44
Sumário Clínico
71,92
78,19
t
p
-1,92
-1,21
-0,32
-3,66
-2,18
-1,40
-2,07
NS
NS
NS
0,001
0,036
NS
NS
Durante o período observado, verificámos uma correlação entre a esperança e as
actividades sociais ao 3º mês de seguimento e a percepção da QV ao 6º mês de seguimento
(Tabela 3).
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Tabela 3 – Correlações entre as dimensões do KCCQ ao 3º e 6º mês e a HOPE
Dimensões do KCCQ
HOPE
HOPE
3º Mês
6º Mês
Limitação Física
0,23
0,22
Sintomas
0,27
0,29
Auto-Eficácia
0,14
0,03
Qualidade de Vida
0,31
0,35*
Limitação Social
0,33*
0,30
Estado Funcional
0,27
0,26
Sumário Clínico
0,31
0,30
ρ<0,05*
Nos primeiros 6 meses pós-implante, não houve detecção de taquidisritmias
ventriculares, não havendo por parte destes doentes a percepção de “choque eléctrico”,
durante o período avaliado.
4. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
No presente estudo, verificou-se que ao 3º mês após implantação deste aparelho
houve uma melhoria da QV, com excepção dos sintomas e da auto-eficácia. Ao 6º mês esta
melhoria persistiu na esfera social e na percepção da QV. Este estudo apresenta um followup a médio prazo. A evolução da QV em doentes submetidos a esta terapêutica é
controversa. De uma forma geral, admite-se uma melhoria da QV que se deteriora há
medida que a IC evolui e principalmente aquando da intervenção deste dispositivo ao
surgirem arritmias, intervenção percepcionada pelo doente como uma descarga eléctrica.
De facto, após implantação deste device, estes doentes apresentam níveis de ansiedade e
depressão elevados, que podem explicar a deterioração da QV, há medida que este aparelho
cumpre a sua função. Este facto explicaria a ausência de benefício em termos de QV desta
terapêutica (Duru et al., 2001; Godemann, Butter, Lampe, Linden, Werner& Behrens, 2004;
Noyes, Corona, Veazie, Dick, Zhao &Moss, 2009). Na nossa amostra não houve percepção
de “choque eléctrico” durante o período observado, o que poderá justificar a melhoria de
QV.
Verificou-se uma relação entre o benefício mantido nos domínios social e percepção
da QV nos seis meses de seguimento e a esperança. Os indivíduos que percepcionaram a
sua esperança como elevada, obtiveram scores na QV elevados. De facto, surgem estudos
que realçam a influência desta variável na QV na IC (Evangelista, Doering, Dracup,
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Vassilakis & Kobashigawa, 2003; Ruoesten, Howie, Eidsmo & Moum, 2005). Este dado
sugere uma influência da esperança na QV dos indivíduos submetidos a CDI. Parece-nos
que a inclusão deste constructo aquando do delineamento da intervenção nestes doentes
pode ser benéfica.
5. CONCLUSÕES
Conclui-se que a implantação do CDI por si só, não diminui a QV. A percepção de
descarga eléctrica pelo doente, quando do tratamento das arritmias e a evolução da IC
parecem-nos factores que podem explicar o empobrecimento da QV relatada pelos doentes
em seguimentos a longo prazo. Por outro lado, a influência da esperança nos resultados em
saúde, nomeadamente na QV, deve ser tido em conta. As intervenções suportando a
esperança em doentes submetidos a terapêutica com CDI podem influenciar de uma forma
positiva os resultados do tratamento.
CONTACTO PARA CORRESPONDÊNCIA
Elisabete Nave Leal
Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa,
Avenida D. João II, lote 4.69.01, 1990-096 Lisboa
[email protected]
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Cardiologia, 19 (supl IV), 126-127
Duru, F., Buchi, S., Klaghofer, R., Mattmann, H., Sensky, T., Buddeberg, C & Candinas,
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and quality of life? Heart, 85, 375-379.
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Evangelista, L., Doering, L., Dracup, K., Vassilakis, M.,& Kobashigawa, J. (2003). Hope,
mood states and quality of life in female heart transplant recipients. The Journal of
Heart and Lung Transplantation, 22, 681-686.
Godemann, F., Butter, C., Lampe, F., Linden, M., Werner, S., & Behrens, S. (2004).
Determinants of the quality of life (QoL) in patients with an implantable
cardioverter/defibrillator (ICD). Quality of Life Research, 13, 411-416.
Green, C., Porter, C., Bresnahan, D., & Spertus, J.A (2000). Development and evaluation of
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Heart Failure. Journal of the American College of Cardiology, 35, 1245-55.
Nave Leal, E., Pais Ribeiro, J., Oliveira, M., Nogueira da Silva, J, Soares, R.,Fragata, J. et
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Noyes, K., Corona, E., Veazie, P., Dick, A., Zhao, H. & Moss, A. (2009). Examination of
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Life: Based on Results from the Multicenter Automatic Defibrillator Trial-II.
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Pais Ribeiro, J. Pedro, L. & Marques, S. (2006). Contribuição para o estudo psicométrico e
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Rustoen, T., Howie, J., Eísdmo, I. & Moum, T. (2005). Hope in Patients Hospitalized With
Heart Failure. American Journal of Critical Care, 14, 417-425.
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