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ENSINO MÉDIO
Ao final do Ensino Médio, há dois tipos principais de
exames seletivos para aqueles que desejam ingressar na universidade: o Exame Nacional do Ensino
Médio (Enem) e os vestibulares, concebidos pelas
próprias universidades. Alguns vestibulares têm
foco nos conteúdos e nas informações factuais,
enquanto outros adotam a linha das competências
e habilidades praticada pelo Enem.
A coleção Ser Protagonista prepara o estudante
para enfrentar com sucesso esses dois modelos de
exames seletivos, pois integra o estudo contextualizado dos conteúdos ao desenvolvimento do espírito
crítico e da capacidade de propor soluções a problemas sociais concretos. Essas soluções mobilizam,
necessariamente, vários componentes curriculares, que são colocados em diálogo nas seções interdisciplinares e nos projetos propostos pela coleção.
Em cada capítulo, atividades diversificadas, criadas
pelos autores, propiciam a reflexão sobre os conteúdos estudados e o aperfeiçoamento de competências e habilidades. Ao final de todas as unidades,
as atividades autorais são complementadas por um
conjunto de questões de vestibular e do Enem.
SOCIOLOGIA
ENSINO MÉDIO
ORGANIZADORA EDIÇÕES SM
Obra coletiva concebida, desenvolvida
e produzida por Edições SM.
Alexandre Faraoni
Débora Cristina de Carvalho
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CAPÍTULO
Vamos pensar a sociedade
Fernando Favoretto/Criar Imagem
Neste capítulo
ƒ Senso comum e
ƒ
ƒ
ƒ
ƒ
ƒ
ƒ
ƒ
conhecimento
científico
A origem da
ciência moderna
O nascimento da
Sociologia
Auguste Comte
Émile Durkheim
Karl Marx e
Friedrich Engels
Max Weber
A Sociologia
aplicada ao
cotidiano
Capítulo 1 ■ Vamos pensar a sociedade
Na convivência com os colegas, na realização das tarefas escolares, nas atividades de lazer, entre outras,
adquirimos conhecimentos. A distinção entre o conhecimento científico e o conhecimento do senso comum
constitui um dos assuntos centrais deste capítulo. Fotografia de 2008.
Neste capítulo, você vai estudar o nascimento da Sociologia e conhecer os primeiros
pensadores que obtiveram reconhecimento
científico para a nova ciência. Vai investigar
ainda alguns dos requisitos básicos para a
prática dessa forma de conhecimento e a importância do pensar sociológico para entender o mundo em que vivemos.
O ponto de partida dessa reflexão será a
distinção entre duas maneiras de compreender o que vemos e o que fazemos: o senso
comum e o conhecimento científico.
Você já ouviu a expressão “senso comum”?
A que ela se refere? Podemos dizer que o senso comum é a primeira forma de conhecimento produzida pelo ser humano. Ele resulta do contato contínuo entre as pessoas, que
passam a trocar informações e experiências.
No entanto, nem sempre todos os conhecimentos adquiridos nesse tipo de convivência
são confiáveis, pois, por serem cotidianos e,
consequentemente, repetitivos, são obtidos
sem qualquer questionamento e tendem a se
incorporar ao nosso comportamento. O senso comum ora se apoia em informações úteis
para nosso dia a dia, ora em informações falsas, cujo caráter rotineiro dá a impressão de
que se trata de uma verdade consolidada,
quando, de fato, nos induz a uma conclusão
precipitada e equivocada.
E quanto à ciência? Quais são as características que a distinguem do senso comum?
No caso das ciências que se formaram a partir do estudo da natureza, por isso chamadas
ciências naturais, a observação dos fenômenos e a experimentação foram decisivas para
seu sucesso. E, se analisar sua história, você
vai perceber que elas progridem por ensaio e
erro. Muitos de seus estudiosos chegam mesmo a afirmar que em ciência “a verdade de
hoje será o erro de amanhã”. Com base nisso,
será que o termo “exato” pode se aplicar às
ciências?
E a Sociologia? Qual será a relação dela
com as outras ciências? Qual o seu objeto
de estudo? E que métodos ela deve empregar para compreender determinado fenômeno? Para começar a refletir sobre essa
questão, pense no que você faria ou que
atitude adotaria a fim de estudar um fato ou
algum aspecto dele caso ele lhe fosse tremendamente familiar e você nutrisse muitas opiniões sobre ele, a tal ponto que até
pudesse pensar que já o conhece bastante.
Nessas circunstâncias, você diria que tomar
alguma distância dele seria importante?
Que seria necessário ter certo estranhamento em relação a um problema? Pois são
essas as questões sobre as quais este capítulo se deterá.
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Senso comum e conhecimento científico
> A rotina diária
tições no dia a dia que constituem a rotina
individual.
Essa rotina se repete até que alguma
mudança promova uma quebra nesse padrão. Quando isso acontece, novas práticas
cotidianas são instauradas e substituem as
anteriores.
A rotina diária faz parte do que os sociólogos Peter Berger (1929-) e Thomas
Luckmann (1927-) chamam, em seu livro
A construção social da realidade (1966), de
realidade imediata, ou seja, a realidade
que o indivíduo percebe ao seu redor e vive
no momento presente, que exige sempre
soluções que garantam sua sobrevivência.
Esses autores observam que qualquer ação
repetida com frequência torna-se parte de
um padrão, que pode então ser reproduzido com economia de esforço e, por isso
mesmo, é apreendido por seu realizador.
De fato, sem essa rotinização, uma pessoa
teria de despender muito tempo refletindo
sobre como realizar as pequenas tarefas que
lhe possibilitam a existência. Se o tempo
fosse tomado exclusivamente por essas tarefas cotidianas, a pessoa não teria condições de pensar ou refletir sobre outros assuntos e acontecimentos mais relevantes.
O ato de ir para a escola
faz parte da rotina diária
de muitas crianças e
jovens de todo o mundo.
Alunos chegando
à escola na cidade de
São Carlos (SP),
em fotografia de 2010.
Rubens Chaves/Pulsar Imagens
Vamos imaginar a seguinte situação: para
chegar à escola pelo caminho que considera
mais curto, você deve atravessar uma rua
movimentada, onde os veículos trafegam
nas duas direções. Como faz todos os dias,
antes de seguir em frente, você olha com
atenção para os dois lados e acha que pode
atravessar sem riscos. No entanto, assim
que põe os pés na rua, um carro que estava
estacionado por perto sai bruscamente e
quase o atinge; você acaba levando um susto enorme. Ao chegar à escola, ainda assustado, conta o que aconteceu e, para que se
acalme, alguns colegas oferecem a você um
pouco de água com açúcar.
Procedimentos como escolher um caminho entre tantos possíveis para chegar a um
lugar, olhar para os dois lados ao atravessar
uma rua e oferecer água com açúcar a quem
passa por uma situação de tensão são considerados uma espécie de conhecimento “natural” – de algum modo, parece que sempre
sabemos o que fazer em situações como
essas, e muitas vezes nem ao menos nos
lembramos exatamente onde e quando os
aprendemos. No entanto, se refletirmos sobre esses conhecimentos, perceberemos que
os apreendemos em nossa convivência diária com outros seres humanos – parentes,
amigos, colegas de trabalho e até mesmo
pessoas desconhecidas. Esse conhecimento
comum a uma população é chamado de
senso comum.
Vamos continuar pensando em situações
cotidianas. Desde a hora em que acordamos
até o momento em que vamos dormir, realizamos uma série de atividades – por exemplo: escovamos os dentes, tomamos banho,
nos alimentamos, saímos para a escola ou
para o trabalho, voltamos para casa… Muitas das tarefas diárias são realizadas de forma “mecânica”, ou seja, sem nos darmos
conta de todos os detalhes envolvidos na
ação que estamos realizando. Mesmo no fim
de semana, quando, em geral, trocamos
parte dos afazeres diários por atividades
mais descontraídas, não nos libertamos de
todas as tarefas “mecânicas”, pois escovamos os dentes, nos alimentamos, tomamos
banho, etc. Tudo como se sempre soubéssemos o que estamos fazendo. São essas repe-
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> Senso comum e tradição
Os conhecimentos úteis para a sobrevivência dos seres
humanos, que tornam possível o estabelecimento de uma
rotina, fazem parte do senso comum, definido como o conhecimento produzido coletivamente e incorporado pelas pessoas nas experiências cotidianas. Esse conhecimento coletivo existe desde que os seres humanos passaram
a se organizar em grupos, e graças a ele foi possível a sobrevivência de nossa espécie ao longo de milênios. Registrar os padrões de repetição dos fenômenos naturais, como
as diferenças entre as estações do ano, por exemplo, representou o primeiro passo para entender esses fenômenos.
Também fazem parte do senso comum os valores, as
normas e as regras que regulam as relações entre os indivíduos. A transmissão desses conhecimentos de geração a geração dá forma à tradição, aos costumes passados
por parentes e ancestrais, que contribuem para a formação da identidade individual e coletiva.
A tradição pode, por exemplo, manifestar-se em conhecimentos populares como as afirmações de que
criança não deve mexer com fogo, pois quando vai dormir molha a cama, ou que não se deve tomar leite com
manga porque há risco de indigestão, entre tantas outras.
Essas crenças, mesmo que não tenham fundamento
científico, muitas vezes são incorporadas como verdadeiras e determinam nosso padrão de comportamento, o
que mostra a relevância e o impacto do conhecimento
produzido pelo senso comum em nossas vidas.
Essas certezas que constituem o senso comum também podem ser observadas na esfera religiosa. Por muito
tempo, os dogmas – pontos ou princípios de fé apresentados como incontestáveis e indiscutíveis – predominaram como principal forma de explicação da realidade na
sociedade ocidental, passando a ser contestados apenas
na modernidade, com o surgimento de uma visão mais
racional dos fatos.
> Características do senso comum
Apesar de se manifestar de diversas formas, o senso comum pode ser identificado e interpretado com
base em suas características, que serão apresentadas
a seguir.
O senso comum é subjetivo: como está relacionado
às experiências que vivenciamos no cotidiano, ele varia
de indivíduo para indivíduo, produzindo uma perspectiva única e particular. Para exemplificar esse ponto, vamos imaginar uma viagem internacional e as expectativas que dela criamos. Nessa viagem, mesmo visitando
pontos turísticos que milhares de pessoas também já visitaram, a vivência de conhecer esses locais muda a
mim, e não aos outros, já que sou eu quem a experimento e, ao ter essa experiência, emito opiniões ou julgamentos de valores sobre o que vivenciei.
Assim, o senso comum possui também características
qualitativas (atribuímos qualidades às coisas) e heterogêneas (percebemos o mesmo fenômeno de maneiras
distintas). Supondo que a viagem transcorra sem nenhum incidente grave, passamos a elogiar paisagens e
pessoas com quem nos relacionamos ao longo da aventura; caso tenhamos problemas, porém, a tendência é
que venhamos a criticar e exagerar os pontos negativos, que em outras circunstâncias poderiam até mesmo
ser esquecidos ou amenizados.
Por fim, o senso comum nos leva a promover generalizações. Conhecemos apenas alguns pontos específicos de certo país e, instantaneamente, estendemos essa
impressão a todo o território nacional, nos relacionamos
com algumas pessoas e consideramos que todos os habitantes dessa nação se comportam da mesma forma, o
que não é necessariamente verdade.
Embora o senso comum possa nos conduzir a sérios
enganos em relação ao ambiente natural e social, o vasto
leque de informações obtidas por seu intermédio comprovou ao longo de milênios sua importância para a sobrevivência da espécie humana. Na verdade, ele permanece bastante útil ainda hoje, mesmo sabendo que a
ciência fornece um conhecimento bem mais rigoroso e
abrangente sobre a realidade. O fato é que todas as pessoas, entre elas os cientistas, usam o senso comum o
tempo todo: ele é essencial à comunicação e à invenção.
Laerte/Acervo do artista
Capítulo 1 ■ Vamos pensar a sociedade
Quadrinhos
Tira de Laerte,
disponível em
<www2.uol.com.br/
laerte/tiras/
index-overman.html>,
acesso em: 12 jun.
2013.
O senso comum é uma verdade aceita sem críticas, com base na fé, como o dogma. Como se pode perceber no
quadrinho acima, qualquer forma de questionamento do dogma implica a repressão aos mais curiosos.
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> Escolhas
Entre os principais aspectos do senso comum está o fato de que o conhecimento obtido por meio da experiência cotidiana é essencial para
construir a vida em sociedade. Mais do que isso, com ele, a pessoa tem
suas possibilidades de escolha ampliadas. Ela pode se dedicar a assuntos e afazeres que considere merecedores de sua atenção, em vez de gastar energia com atividades ou questões que ache irrelevantes.
A experiência cotidiana pode estimular a pessoa a ser mais atenciosa
com os outros e realizar com mais capricho as tarefas diárias. Com isso,
ela passa a aprender mais sobre si mesma e sobre os outros, pois é levada a prestar mais atenção às demais pessoas e àquilo que ela mesma faz.
Desse modo, aperfeiçoa o seu convívio social e pode tornar-se um ser
humano melhor. Essa convivência coletiva também ajuda a moldar a sociedade, contribuindo para a solução de problemas que abalam a rotina
cotidiana. Quando isso ocorre, a rotina é reformulada, com a organização de novos procedimentos que aperfeiçoam o convívio social.
Procure pensar em momentos em que ocorre uma mudança relevante, nos quais o chão parece faltar, como mudar de escola. Em uma situação como essa, relacionamo-nos com uma série de novos fatores: novos
colegas, novo ambiente físico, novos funcionários, novo caminho de
casa. Pouco a pouco, as dificuldades iniciais vão sendo superadas, quase
sempre por meio de conhecimentos vindos do contato com os novos
colegas, que nos trazem informações sobre as novas rotinas – são os conhecimentos do senso comum que passam a nortear nosso comportamento e, por consequência, a nos dar a segurança de que precisamos.
Conheça melhor
Orlando Oliveira/Futura Press
O indivíduo na multidão
Umas das características da vida nas grandes cidades é o contato cotidiano com desconhecidos, que ocorre nos
trajetos para a escola e para o trabalho, em feiras, mercados, praças e parques, entre outros locais. Esse contato é
analisado pela Sociologia com base em diferentes posições teóricas.
O sociólogo canadense Erving Goffman (1922-1982), em sua obra A representação do Eu na vida cotidiana (1959),
classifica como desatenção civil as situações em que o contato com desconhecidos é evitado. Segundo o autor, tal
mecanismo é utilizado de forma consciente ou inconsciente por aqueles que notam a presença de outras pessoas ao
seu redor, mas optam por ignorá-las, deixando de se relacionar com elas. Essa atitude é considerada um mecanismo
de defesa que permite ao indivíduo dar continuidade a seus objetivos sem se dispersar.
Já o sociólogo norte-americano David Riesman (1909-2002), em seu livro A multidão solitária (1950), afirma que o
homem contemporâneo não tende a agir movido pela reflexão, e sim a reagir com base no que, real ou supostamente,
os outros pensam dele. Conforme essa perspectiva, ele é, mais do que nunca, um ser social, pois só existe na multidão, porém é cada
vez mais solitário e incapaz de encontrar um
interlocutor para um diálogo fecundo.
ƒ Faça um contraponto entre a análise de
Erving Goffman, que considera a desatenção civil um mecanismo de defesa do indivíduo, para não se dispersar, e a de David
Riesman, que vê o homem na multidão
como um ser solitário, incapaz de estabelecer um diálogo efetivo com o próximo.
Transeuntes passam diante de homens que
dormem ao relento no centro da cidade de São
Paulo (SP), cena comum nas vias públicas dos
grandes centros urbanos. Fotografia de 2008.
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> As armadilhas do senso comum
O uso contínuo do senso comum e a consequente padronização mecânica do pensamento podem nos levar a “engessar” o conhecimento, ao considerarmos que ele está
pronto e acabado. Assim, aceitam-se muitas
“verdades” sem ao menos questioná-las, sem
se preocupar com a origem delas ou mesmo
com o seu significado. Mais do que isso: incorporam-se valores que dificultam a interação social e colocam em risco a própria ideia
de sociedade.
Exemplos típicos de ideias do senso comum que desvirtuam o conceito de sociedade são os estereótipos. Ideias preconcebidas, muitas vezes resultantes de falsas
generalizações ou da falta de conhecimento
real sobre determinado assunto, podem recair sobre qualquer pessoa. No entanto, certas categorias de indivíduos, de grupos sociais, de populações e de instituições, como
as religiosas, são alvos mais frequentes de
visões estereotipadas. Nessas situações, esses grupos são considerados inferiores simplesmente porque parecem encaixar-se em
um estereótipo construído socialmente. No
momento em que essa inferiorização ocorre,
o estereótipo alimenta o preconceito.
De acordo com o Dicionário Houaiss,
preconceito se refere a “atitude, sentimento
ou parecer insensatos, especialmente de
natureza hostil, assumidos em consequência da generalização apressada de uma experiência pessoal ou imposta pelo meio”.
Os mais diferentes segmentos sociais podem ser vítimas de preconceitos: mulheres,
negros, judeus, homossexuais, migrantes e
muitos outros.
Por esse motivo, o senso comum, mesmo sendo importante, não é suficiente para
uma vida equilibrada e enriquecedora, devendo ser superado. Para que essa superação seja possível, é preciso falar sobre a
prática científica, objeto de estudo do próximo módulo.
A superação do senso comum
Leia o texto a seguir, escrito pelo norte-americano Carl Sagan
(1934-1996), importante divulgador da ciência, que trata da diferença entre a ciência e a pseudociência (o senso comum).
Talvez a distinção mais clara entre a ciência e a
pseudociência seja o fato de que a primeira sabe avaliar
com mais perspicácia as imperfeições e a falibilidade humanas do que a segunda (ou a revelação “infalível”). Se
nos recusarmos radicalmente a reconhecer em que pontos somos propensos a cair em erro, podemos ter quase
certeza de que o erro – mesmo o engano sério, os erros
profundos – nos acompanhará para sempre. Mas, se somos capazes de uma pequena autoavaliação corajosa,
quaisquer que sejam as reflexões tristes que possa provocar, as nossas chances melhoram muito.
Capítulo 1 ■ Vamos pensar a sociedade
SAGAN, Carl. O mundo assombrado pelos demônios. São Paulo: Companhia das
Letras, 1997. p. 37.
Coleção particular. Fotografia: Roger-Viollet, Paris/The Bridgeman Art Library/Keystone
Conheça melhor
1. Que aproximação você faz entre as palavras de Carl Sagan e o episódio histórico retratado na pintura?
2. Que aspecto essencial a prática científica revela sobre
cada um de nós?
Execução de Joana d’Arc (1412-1431) em 30 de maio de 1431, litografia
do século XIX, Escola Francesa, coleção particular. Joana d’Arc, heroína
francesa na Guerra dos Cem Anos, foi condenada à fogueira por “ligações
com o demônio”. As mulheres que se destacavam, ao abandonar sua
posição de submissão, eram vistas como ameaças à ordem estabelecida
e, por esse motivo, punidas severamente de acordo com o senso comum
do período, marcado pelo predomínio dos dogmas religiosos.
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A origem da ciência moderna
que implicava valorizar o indivíduo dentro
da sociedade, mudando a concepção coletivista até então predominante na sociedade
europeia medieval.
O individualismo renascentista, que deslocou o ser humano para o centro dos
acontecimentos, influenciou outras esferas
do mundo medieval, produzindo efeitos
que mudaram a sociedade. A Igreja católica sentiu o avanço dos valores renascentistas através da postura de insubordinação
de alguns de seus membros, como o monge Martinho Lutero (1483-1546), que passou a questionar o determinismo religioso e
a pregar o livre-arbítrio dos fiéis diante dos
padres e bispos.
Segundo a concepção de Lutero, os ministros da Igreja teriam apenas o papel de
confortar espiritualmente os fiéis, e não
mais de determinar e interpretar a Bíblia de
modo a impor certo ponto de vista à comunidade religiosa.
Individualismo e livre-arbítrio são duas
das pedras angulares da modernidade e foram utilizados pelos cientistas da época como
instrumentos na produção de um método de
conhecimento que superasse não apenas o
senso comum, representado naquela época
pelas tradições medievais e pelos dogmas católicos, mas também o próprio pensar filosófico, de caráter contemplativo e sem aplicação prática na natureza.
Martinho Lutero durante
a Dieta de Worms, 1877,
óleo sobre tela de
Anton von Werner,
Staatsgalerie de
Stuttgart, Alemanha.
Na reunião realizada
na cidade de Worms, na
Alemanha, em 1521,
Lutero reafirmou seu
questionamento de
diversas práticas
da Igreja católica.
Staatsgalerie, Stuttgart. Fotografia: ID/BR
Como vimos, o senso comum pode ser
útil no cotidiano, mas não é suficiente para
a apreensão de um conhecimento objetivo
da realidade. Para isso, é preciso buscar um
conhecimento que não deixe que sejamos
levados pelas primeiras impressões. Isso
significa que é preciso superar o senso comum por meio do método científico.
A tecnologia e o conforto de que dispomos no mundo atual são acessíveis apenas
porque, nas gerações anteriores, alguns se
dedicaram à investigação da natureza, abandonando antigas crenças e dogmas e questionando-se insistentemente. Compreender
como e por que acontecem os fenômenos
permite saber como dominá-los, ampliando
o controle sobre a natureza.
A ciência moderna, que permite a aplicação prática da teoria científica no cotidiano,
originou-se durante o Renascimento europeu. Artistas e pensadores do porte de Leonardo da Vinci (1452-1519), cientista e artista, figura típica de homem renascentista, de
Nicolau Maquiavel (1469-1527), pioneiro da
ciência política, e dos astrônomos Nicolau
Copérnico (1473-1543) e Galileu Galilei
(1564-1642) desafiaram os dogmas e a visão
de mundo da Igreja cristã para explicar cientificamente os fenômenos da natureza.
Mais do que isso, o Renascimento europeu foi responsável por introduzir a visão
do ser humano como indivíduo concreto, o
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A consequência desses acontecimentos
foi o que se convencionou chamar de revolução científica, que engloba as grandes
transformações históricas, políticas e científicas que assinalaram a passagem do período medieval para o moderno. Um dos marcos mais importantes desse processo foi a
revolução copernicana – nome devido a Nicolau Copérnico, que afirmou que o Sol era
o centro do sistema solar (até então se achava que a Terra era o centro). Outro passo
importante, que contribuiu para consolidar
a concepção de Copérnico, foi dado pelas
descobertas astronômicas de Giordano Bruno (1548-1600), que apontou a existência
de um Universo infinito, e não finito, como
pregava a Igreja. Sendo infinito, o Universo
estaria em expansão, o que questionava a
ideia de perfeição da criação divina, considerada imutável porque perfeita.
Outra importante transformação do período foi a Reforma Protestante, iniciada
pelo monge agostiniano Martinho Lutero,
mencionado acima, que rompeu com a ideia
de uma cristandade unida em uma mesma e
única identidade religiosa. Com a Reforma
Protestante, novas organizações religiosas,
diferentes e separadas da Igreja católica,
surgiram em diversos países da Europa.
Por fim, podemos citar as transformações políticas relacionadas ao surgimento
do Estado nacional moderno e da centralização do poder e da arrecadação de tributos nas mãos dos reis, o que iniciou um
lento processo de laicização da sociedade
e de enfraquecimento do poder da Igreja
católica, fenômeno que se completou no
século XIX.
É nesse período que a visão científica
moderna voltou-se para o mundo, opondo-se ao senso comum reinante, totalmente
baseado nos dogmas religiosos, segundo os
quais tudo o que diz respeito ao ser humano
seria fruto da vontade divina. A visão científica não admite essa aceitação cega de uma
vontade sobrenatural e sempre duvida da
realidade imediata.
O uso do método racional, que mais tarde se somou ao método indutivo (pelo qual
o conhecimento se estabelece por meio da
observação da regularidade de um mesmo
evento), permitiu a aplicação prática do conhecimento, que teve como consequência o
desenvolvimento tecnológico do século XIX.
A explosão industrial-tecnológica ocorrida
naquele século mudou os hábitos da população europeia, que passou, pela primeira
vez em sua história, a concentrar-se nos centros urbanos em vertiginoso crescimento.
Foi essa transformação espacial e comportamental o ponto de partida para o surgimento
da Sociologia.
René Descartes e o método científico racional
Visto como o “pai do racionalismo”, o francês René Descartes (1596-1650) negou o
conhecimento produzido pelo senso comum, chamado pelo autor de res extensa, em favor do conhecimento real, o res cogito, obtido por meio da dúvida sistemática e da utilização da razão.
O pensamento racional utiliza a matemática como uma linguagem que traduz a realidade, que, portanto, deve ser lógica, como a linguagem que a revela. Dessa forma, se a matemática confirma a possibilidade de um evento, significa que ele certamente existe,
mesmo que nunca se tenha percebido sua existência. Ele apenas ainda não foi identificado (ou verificado).
A defesa da razão cartesiana é feita no Discurso do método (1637), obra na qual Descartes fundamenta seu pensamento, que se traduz na máxima “penso, logo existo”.
O ato de pensar, por se traduzir em uma atividade individual única, comprova por si só a existência do sujeito, senhor de seu próprio pensar.
ƒ Antes de Descartes, a filosofia predominante na Europa
era a escolástica. Pesquise e cite algumas características dessa escola de Filosofia.
Museu do Louvre, Paris. Fotogafia: ID/BR
Capítulo 1 ■ Vamos pensar a sociedade
Perfil
Retrato de René Descartes, c. 1649, óleo sobre
tela de Frans Hals, Museu do Louvre, Paris.
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O nascimento da Sociologia
A rápida urbanização e o desenvolvimento de novas
tecnologias de transporte e de comunicação (a expansão das ferrovias, o surgimento do telégrafo e, logo depois, do telefone, por exemplo), bem como a elaboração de novos métodos de produção e organização
industrial, no século XIX, são fenômenos que chamaram a atenção de muitos pensadores, que procuraram
compreender como essas mudanças afetavam a vida
das pessoas.
A curiosidade em relação ao comportamento, ao modo
de pensar e às concepções dos indivíduos e às relações
que se estabelecem entre estes e a sociedade levou ao
desenvolvimento das ciências humanas e, em particular,
da Sociologia. Elas consolidaram-se depois das ciências
naturais, cujos métodos de investigação científica encontravam-se plenamente formulados e em aplicação durante o século XIX.
No entanto, a curiosidade não pode ser entendida como
elemento suficiente para transformar as relações entre indivíduo e sociedade em objeto de estudo e constituir uma
nova área da ciência. Era necessário determinar um método
de investigação científica que se adequasse a esse objeto.
Esse método foi construído ao longo de todo o século XIX; e sua autoria, no entanto, não é única. Para
compreender a modernidade e sua dinâmica de transformação, alguns intelectuais, cada um com determinada base metodológica, vão procurar analisar as mudanças pelas quais a sociedade capitalista passava na
época, atentando para as estruturas religiosas, econômicas, sociais e políticas. Entre esses pensadores, destacam-se Auguste Comte, Émile Durkheim, Karl Marx,
Friedrich Engels e Max Weber, considerados os fundadores da Sociologia e os responsáveis pelos principais
fundamentos científicos do investigar sociológico.
Auguste Comte
determinam. Para isso, era preciso identificar e observar
o objeto de estudo, bem como quantificar os dados colhidos, que posteriormente seriam analisados por meio
da comparação, que possibilitaria a descoberta de evidências da existência de um determinado padrão ou
causalidade. No fim, colocavam-se à prova esse padrão
ou causalidade, por meio de experiências que deviam
comprovar os dados inicialmente colhidos.
Bibliothèque Nationale, Paris.
Fotografia: ID/BR
Foi o pensador francês Auguste Comte (1798-1857)
quem deu o nome de Sociologia a esse campo do conhecimento, com o objetivo de destacar o papel da nova
ciência como uma espécie de “física social”. Segundo
ele, o sociólogo deve investigar o ser humano inserido
na sociedade com o mesmo distanciamento e neutralidade com os quais as ciências naturais analisam os seus
objetos de estudo.
Como fundava um novo campo científico, a Sociologia buscou espelhar-se nessas ciências, cujo método de
investigação era eficiente e apresentava resultados convincentes. Segundo Comte, as leis referentes ao desenvolvimento da espécie humana eram tão rigorosas quanto a
lei da gravidade, ou seja, o indivíduo e a sociedade estariam submetidos a leis semelhantes às que regem a natureza, mesmo porque a espécie humana faz parte dela.
Amparado por essa visão, Comte procurava aplicar o
método científico ao estudo da sociedade europeia de
sua época, com o objetivo de desvendar as leis que a
Retrato de Comte em
litografia de Tony Toullion,
século XIX, Biblioteca
Nacional de Paris.
Perfil
Saint-Simon, precursor do pensamento sociológico
Pertencente à alta nobreza da França, Claude-Henri de Rouvroy, conde de Saint-Simon (1760-1825), renunciou a
seu título e a seus privilégios aos 40 anos, pregando a aplicação incondicional da razão às questões humanas.
Segundo Saint-Simon, o uso do pensamento racional é o caminho para a descoberta do funcionamento dos mecanismos da natureza. Logo, possibilitaria saltos tecnológicos que reduziriam as diferenças e a exploração econômica,
propiciando uma era de paz, riqueza e harmonia entre os seres humanos.
Ele também era obcecado pela racionalização da produção, preocupando-se com o aumento da produtividade,
que devia estar fundamentada na especialização e na hierarquização das funções e das atividades na fábrica. Essa
concepção influenciou Auguste Comte, que foi assistente de Saint-Simon na adolescência e no início da vida adulta.
1. Por que, para Saint-Simon, tecnologia e progresso são conceitos que caminham paralelamente?
2. O que você entende por racionalização da produção? Procure explicar por meio de exemplos práticos.
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Galeria da Academia, Veneza. Fotografia: ID/BR
Biblioteca Nacional, Paris. Fotografia: AKG Images/Latinstock
Baseando-se no método utilizado pelas ciências naturais, Comte chegou à conclusão de que o espírito
humano transforma-se progressivamente em relação à
sua capacidade de investigação da realidade.
Em um primeiro momento, no qual o domínio sobre a natureza ainda é limitado, recorre-se a entidades e figuras divinas e espirituais, consideradas responsáveis pela criação de tudo; trata-se do estágio
teológico.
Esse primeiro estágio seria ultrapassado no instante
em que as respostas espirituais não fossem mais suficientes para explicar os mecanismos da realidade, abrindo
caminho para o estágio metafísico, no qual o homem
abandona as explicações de cunho religioso e busca na
natureza e em si próprio as respostas para a compreensão
da realidade material.
Por fim, esse conhecimento metafísico, contemplativo e filosófico cede espaço para o estágio positivo –
que constitui o positivismo –, quando o homem passa
a aplicar o conhecimento pensado e teorizado no momento anterior.
A
B
Segundo essa perspectiva, esses estágios ocorrem de
forma organizada, um após o outro, constituindo a evolução do pensamento – e, automaticamente, a evolução
da própria sociedade, favorecida, em termos tecnológicos, pelas novas descobertas.
> Classificação das ciências
Com base na Lei dos Três Estágios, Comte procurou
classificar as ciências, considerando fatores como a simplicidade e a complexidade de sua produção teórica, assim como o momento em que elas deixariam para trás os
aspectos metafísicos para tornarem-se positivas. Assim,
haveria seis grandes disciplinas científicas: Matemática,
Astronomia, Física, Química, Biologia e Sociologia.
Segundo Comte, o acelerado desenvolvimento da
ciência e da tecnologia de seu tempo era fruto da especialização científica. No entanto, era preciso evitar os
efeitos perniciosos da especialização exagerada, entre
os quais a atenção excessiva aos detalhes e a recusa à
“universalidade das investigações especiais, tão fácil e
comum nos tempos antigos”. Essas ideias são desenvolvidas em sua obra Curso de Filosofia positiva, publicada em seis volumes, de 1830 a 1842.
Coleção particular. Fotografia: The Bridgeman Art Library/Keystone
> Os três estágios
C
Para Comte, a sociedade
europeia supera o
medievalismo cristão da
Idade Média ao entrar, com o
Renascimento, em uma era
de descobertas humanísticas;
e, com as descobertas de
Galileu e Newton, abre-se
caminho para a sociedade
industrial. Na foto (A):
Coroação de Filipe II Augusto
da França, século XV, livro de
iluminuras atribuído a Jean
Fouquet; em (B): O homem
vitruviano, 1492, de Leonardo
da Vinci; em (C): Ferrovia
elevada em Nova York,
c. 1880, litogravura colorida.
Leitura das fontes
Capítulo 1 ■ Vamos pensar a sociedade
Conceito de Sociologia por Auguste Comte
Entendo por Física Social a ciência que tem por objeto próprio o estudo dos fenômenos sociais, considerados
com o mesmo espírito que os fenômenos astronômicos, físicos, químicos e fisiológicos, isto é, como submetidos a leis naturais invariáveis, cuja descoberta é o objetivo especial de suas pesquisas. Propõe-se, assim, a explicar diretamente, com a maior precisão possível, o grande fenômeno do desenvolvimento da espécie humana,
considerado em todas as suas partes essenciais; isto é, a descobrir o encadeamento necessário de transformações sucessivas pelo qual o gênero humano, partindo de um estado apenas superior ao das sociedades dos
grandes macacos, foi conduzido gradualmente ao ponto em que se encontra hoje na Europa civilizada. O espírito dessa ciência consiste sobretudo em ver, no estudo aprofundado do passado, a verdadeira explicação do
presente e a manifestação geral do futuro.
COMTE, Auguste. Sociologia – conceitos gerais e surgimento. In: MORAES FILHO, E. de (Org.). Comte. São Paulo: Ática, 1983. p. 53 (Coleção Grandes
Cientistas Sociais).
1. Segundo Comte, como se define a Física Social?
2. Que papel o autor reserva a essa ciência?
18
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Em 1852, Comte adicionou às seis ciências positivas citadas anteriormente uma sétima, a moral, que deveria estudar a psicologia do indivíduo e suas interações sociais.
Nessa época, suas preocupações voltavam-se, cada vez mais, para a espiritualidade.
Em sua concepção, seria preciso retirar os
elementos sobrenaturais da dimensão espiritual e religiosa do ser humano. As formulações de uma “Religião da Humanidade”,
baseadas no altruísmo, e não na crença em
um ser divino, foram apresentadas em 1854
no último volume de sua obra Sistema de política positiva, publicada em 1851. A Igreja
positivista difundiu-se em diversos países.
Muitos intelectuais até então influenciados pelo positivismo afastaram-se de Comte
por causa do “retrocesso metafísico” implícito nessa concepção religiosa. Isso, porém, não o desanimou, e certa vez ele declarou ter seguido
duas carreiras diferentes: a primeira, apoiada nos princípios de Aristóteles (referência às suas preocupações filosóficas), e a segunda, nos de
Paulo (o apóstolo de um novo credo).
Alexandre Campbell/Folhapress
> A Religião da Humanidade
Primeiro templo da Igreja positivista no Brasil,
localizado na cidade do Rio de Janeiro e fundado
em 1881 com o objetivo de difundir a Religião
da Humanidade formulada por Comte.
Fotografia de 2003.
> Alcance e limitações do positivismo
A grande limitação do positivismo é a identificação do homem como
um elemento natural, que reage ao meio e aos acontecimentos de maneira determinista, sendo incapaz de, por vontade própria, buscar alternativas distintas daquelas para as quais as condições sociais o levariam.
De todo modo, contudo, o esforço metodológico de Comte abriu espaço para que outros pensadores do século XIX pudessem consolidar os
estudos sociológicos, tornando-se referência para eles.
Conheça melhor
ID/BR
O impacto político do positivismo
A doutrina positivista exerceu forte influência sobre os militares brasileiros que proclamaram a República, a
ponto de parte do lema da “Religião da Humanidade” — o Amor por princípio, a Ordem por base, o Progresso
por fim — estar inscrita na bandeira nacional, por meio da expressão “Ordem e Progresso”. Entre os seus principais divulgadores estava o republicano Benjamin
Constant, que não apenas era adepto das concepções
filosóficas de Comte, mas também chegou a frequentar
a Igreja positivista.
O ideário comtiano também marcou a vida política do
Rio Grande do Sul. A Constituição gaúcha de 1891 possuía
inspiração positivista. Tanto Júlio de Castilhos quanto seu
sucessor, Borges de Medeiros, que controlaram a política
do Rio Grande do Sul durante toda a República Velha, diziam-se influenciados por Auguste Comte.
A doutrina positivista lançou igualmente raízes no
México, onde se tornou uma espécie de “ideologia oficiosa” do regime autoritário de Porfírio Díaz, que governou o
país de 1876 a 1880 e, depois, de 1884 a 1911. No entanto, os impactos da produção teórica de Comte no contexto
político do Brasil, no México e em outros países, perten- Bandeira brasileira. O lema inscrito em nossa bandeira —
“Ordem e Progresso” — teve influência positivista.
cem ao passado.
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Émile Durkheim
Capítulo 1 ■ Vamos pensar a sociedade
> O que são fatos sociais
Segundo Durkheim, fatos sociais – conceito central na teoria desenvolvida pelo
autor – são elementos da vida social estabelecidos pela sociedade antes mesmo do
nascimento dos indivíduos que lhe dão
corpo. Os fatos sociais correspondem aos
costumes aos quais nos submetemos, às
regras éticas e morais que devemos respeitar, à língua que aprendemos para nos comunicar, ou seja, a cada um dos valores
que existem na sociedade e que devemos
apreender para garantir nossa socialização
– a prática que nos humaniza –, dando-nos
o sentimento de pertencer a algo maior do
que nós mesmos, o que fortalece nossa
identidade. A consciência coletiva resultaria do conjunto de crenças, normas e valores comuns a determinada sociedade.
Essa definição nos permite compreender
por que Durkheim afirmou que os fatos sociais devem ser tratados como coisas, ou
seja, elementos exteriores ao ser humano e
que não pertencem a ele,
pois são, na verdade, plenamente independentes de sua
vontade. Mais do que isso, os
fatos sociais são coercitivos,
já que forçam os indivíduos
a posicionar-se e a integrar-se dentro do todo social.
Apenas quando o pesquisador identifica os fatos
sociais como externos a ele
e desconhecidos de si mesmo, é possível alcançar a
objetividade e a neutralidade pretendidas, livrando-se
de preconceitos e certezas
preconcebidas. Assim, ele
está preparado para estudar
e compreender a sociedade.
O sociólogo francês
Émile Durkheim.
Leemage/Other Images
Apesar de ser considerado discípulo de
Auguste Comte, o francês Émile Durkheim
(1858-1917) não poupou críticas ao seu
antecessor ao afirmar que Comte praticava
uma investigação sociológica carente do
verdadeiro espírito científico, baseada em
ideias vagas e especulativas. Essa tendência se tornaria mais evidente na fase final
da trajetória de Comte, quando a Sociologia, de ciência da sociedade baseada em
leis racionais, “física social”, passou a ser
considerada o fundamento de uma nova
concepção moral e religiosa: a “Religião da
Humanidade”.
As críticas a Comte não escondem, porém, a enorme influência que esse autor (assim como Saint-Simon) teve no pensamento
durkheimiano. Seguindo seus antecessores,
Durkheim acreditava e defendia a ideia do
progresso da humanidade em direção à felicidade, o que apenas seria possível por meio
do estudo da sociedade, prática que exigia
um método próprio às ciências humanas e,
mais especificamente, à Sociologia.
A metodologia desenvolvida por Durkheim
foi apresentada em um de seus livros mais
importantes, As regras do método sociológico
(1895), que atribuiu à Sociologia um efetivo estatuto científico. Segundo ele, era necessário ao sociólogo livrar-se de todo e
qualquer tipo de prenoção ou paixão pessoal ao analisar um acontecimento, manter
um distanciamento semelhante ao do pesquisador das ciências naturais, de modo a
garantir uma neutralidade real diante do
objeto de estudo. A partir do momento em
que cumpre com esses parâmetros, o sociólogo pode focar sua atenção no estudo dos
fatos sociais, o principal objeto de estudo
da Sociologia.
Leitura das fontes
O papel da educação
De acordo com Durkheim, a educação é uma das formas de internalização dos fatos sociais pelos indivíduos, como esclarece no
trecho abaixo:
Toda educação consiste num esforço contínuo para impor
às crianças maneiras de ver, de sentir e de agir às quais elas
não chegariam espontaneamente, – observação que salta aos
olhos todas as vezes que os fatos são encarados tais quais são
e tais quais sempre foram. Desde os primeiros anos de vida,
são as crianças forçadas a comer, beber, dormir em horas regulares; são constrangidas a terem hábitos higiênicos, a serem
calmas e obedientes; mais tarde, obrigamo-las a aprender a
pensar nos demais, a respeitar usos e conveniências, forçamo-las ao trabalho, etc., etc. Se, com o tempo, esta coerção deixa
de ser sentida, é porque pouco a pouco dá lugar aos hábitos, a
tendências internas que a tornam inútil, mas que não a substituem senão porque dela derivam.
DURKHEIM, Émile. O que é fato social. In: RODRIGUES, José Albertino (Org.).
Émile Durkheim. São Paulo: Ática, 2000. p. 48-49 (Coleção Grandes Cientistas
Sociais).
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O estudo da sociedade desenvolvido por
Durkheim era movido por sua curiosidade
em compreender como ocorria a transição
das sociedades tradicionais para as sociedades modernas, reflexo das transformações
históricas vivenciadas por ele.
Para acompanharmos o caminho percorrido por esse pensador, precisamos entender a
forma como ele define a sociedade. Segundo
Durkheim, a sociedade é composta de indivíduos, mas não se restringe à simples soma
destes, já que a interação social entre eles
gera regras, costumes e instituições que estão acima do indivíduo e que passam a determinar seu comportamento em grupo.
Decorre daí a necessidade de uma espécie
de alicerce ou argamassa que mantenha todos unidos, de modo que convivam socialmente. Durkheim chamou esse elemento
que une os indivíduos e fortalece seus laços
sociais de solidariedade social, e ela se manifesta de duas formas distintas, de acordo
com a organização da sociedade: a solidariedade mecânica e a solidariedade orgânica.
Solidariedade mecânica
A solidariedade mecânica prevalece nas
sociedades ditas tradicionais ou agrárias.
Conforme Durkheim, essas sociedades estão
assentadas em uma ampla divisão
do trabalho – que está presente em
todos os estratos sociais, mas sem
grande especialização –, e os indivíduos pouco se diferenciam entre
si. Nelas, a consciência coletiva
prevalece sobre as consciências individuais e, por isso, abrange praticamente toda a sociedade. Ao se
perceberem semelhantes, os indivíduos desenvolvem uma consciência
apenas parcial de sua individualidade. Tais sociedades apresentam,
portanto, alto grau de coesão, em
função dessa escassa diferenciação
entre os indivíduos.
Quando dominante, a consciência coletiva conduz à homogeneização do comportamento e
do pensamento; norteia a existência individual impondo determinações e proibições de origem
social; define socialmente o que é
moral, imoral, desvio, crime, etc.
Os processos de socialização resul-
tam, desse modo, da inserção de normas coletivas na consciência e na adoção do comportamento requerido pela sociedade para a
manutenção da coesão social. A sociedade
medieval é um exemplo do predomínio da
solidariedade mecânica.
Solidariedade orgânica
Nas sociedades modernas, no entanto,
cuja divisão social do trabalho é mais complexa, Durkheim apontou que se desenvolveu um novo tipo de solidariedade, definida
por ele como orgânica. Ao utilizar esse termo, o autor procurou estabelecer uma analogia com os órgãos do corpo humano, em
que cada um desempenharia uma função
complementar e indispensável. Nessas sociedades, as pessoas se diferenciariam bastante umas das outras: elas se sentiriam únicas, verdadeiramente individualizadas.
Essa seria, segundo Durkheim, a condição para o surgimento do que foi caracterizado como liberdade individual. Os indivíduos desenvolveriam papéis e preencheriam
funções socialmente distintas, mas complementares. Com a divisão social do trabalho,
o sistema de papéis sociais se diferencia
cada vez mais, o que, por sua vez, provoca
mudanças significativas no sistema de normas e valores.
Colheita, ilustração em
velino alemã, século
XIII, Rheinisches
Landesmuseum, Bonn,
Alemanha. A sociedade
medieval é um exemplo
de sociedade em que
predomina a
solidariedade mecânica.
Rheinisches Landesmuseum, Bonn. Fotografia: The Bridgeman Art Library/Keystone.
> Solidariedade e coesão social
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Capítulo 1 ■ Vamos pensar a sociedade
Anomia
Quando os laços que unem os membros
de uma sociedade tradicional começam a se
enfraquecer, esse processo resulta do surgimento de um grupo de indivíduos que discorda das regras existentes e que, com o
tempo, passa a ter força para se impor e, com
isso, alterar as regras e a estrutura social existente. Esse processo de dissolução dos laços
de solidariedade mecânica, que leva ao desaparecimento dos traços tradicionais dessa
sociedade, Durkheim chamou de anomia.
O estado de anomia não significa, no entanto, o fim da sociedade, mas da forma
como esta se organiza e das regras sociais
existentes. Ou seja, o estado de anomia gera
uma transformação na sociedade, criando
novos laços de solidariedade e novas regras
sociais, que tendem a se impor ao corpo social como um todo.
Assim, as sociedades tradicionais tendem
a dar lugar às sociedades modernas no mo-
mento em que as atividades de subsistência
são substituídas por um sistema de produção
que gera excedentes, o que leva ao fortalecimento de comerciantes e produtores que lutam contra as relações tradicionais que caracterizaram o período anterior da sociedade.
Logo, as sociedades modernas são marcadas
pela existência de um grande número de instituições que distanciam o indivíduo da sociedade, fortalecendo sua personalidade pessoal. O tipo coletivo, nessa nova realidade,
dá lugar ao indivíduo propriamente dito.
Tipicamente urbanizadas, as sociedades
modernas tendem a apresentar elevado grau
de especialização da divisão do trabalho e
sua esfera econômica passa a ter maior relevância, já que cada pessoa necessita das demais para viver em sociedade.
Nesse caso, Durkheim observa uma preocupante ausência de valores morais, já que o
desenvolvimento tecnológico e científico
tende a dissolver as verdades sustentadas
pelos dogmas religiosos, ao mesmo tempo
em que a divisão técnica do trabalho tende
a fortalecer o caráter individualista de cada
membro da sociedade. Esses indivíduos,
por vezes, sentem-se perdidos, como se estivessem descolados da estrutura, como se
nunca tivessem feito parte dela, sensação
que resulta em indivíduos portadores de
um estado de desalento.
O conceito de anomia é apresentado na
obra intitulada O suicídio (1897). Nesse livro, Durkheim mostra que o ato individual
e solitário dos suicidas sofre profunda influência dos fatores sociais e verifica, ainda, que
o suicídio é, por exemplo,
mais frequente entre os
solteiros, viúvos e divorciados do que entre pessoas casadas e com filhos.
Nessa obra, o autor classifica os diferentes tipos de
suicídio e, entre eles, o
suicídio por anomia, que
está associado à não identificação do indivíduo
com as normas da sociedade. Assim, a tendência
à multiplicação dos suicídios registrada em diversos países trata-se de um
sintoma de uma sociedade doente ou anômica.
Trabalhadoras em
fábrica de montagem
de televisores, na cidade
chinesa de Chengdu,
em fotografia de 2009.
A situação retratada
na imagem pode ser
considerada um exemplo
de solidariedade
orgânica na divisão
do trabalho.
Wang Wei/Imagechina/AFP
O sistema repressivo de normas e valores,
característico da solidariedade mecânica, aos
poucos cede lugar a um sistema cooperativo.
Mesmo assim, o individualismo tende a progredir, minando a possibilidade de homogeneização da ação e do comportamento. A
divisão social do trabalho, mais complexa,
resultaria em uma ampla diversificação das
consciências individuais. Dessa forma, cada
um procurará desenvolver formas particulares de ação e de pensamento, apresentando
autonomia de julgamento e de ação.
Nesse contexto, é possível observar o enfraquecimento da consciência coletiva e das
proibições sociais, bem como o desenvolvimento do individualismo, que exerce um
efeito destrutivo sobre a solidariedade. A
predominância da consciência individual,
conforme observou Durkheim, desencadeia
a necessidade de manutenção, mesmo que
parcial, da consciência coletiva, pois a ausência de solidariedade conduz a um rápido
processo de desintegração social.
Apesar da constatação do enfraquecimento da consciência coletiva como fator
de coesão social, o autor sustentou em toda
a sua trajetória intelectual que o indivíduo
nasce da sociedade, e não o contrário. Ele é
a expressão da coletividade, e as consciências individuais são povoadas, ainda que
parcialmente, por uma parcela de consciência coletiva.
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Karl Marx e Friedrich Engels
esfera econômica tem importância central
no estudo da sociedade.
A esfera econômica, por sua centralidade, compõe a infraestrutura, a base de
sustentação da sociedade capitalista, que
se organiza com base em suas forças produtivas. A organização dessas forças constitui a estrutura das relações sociais de
produção, que envolvem a compra, a comercialização e a incorporação do lucro
pelos indivíduos.
Para regular as relações econômicas e a vida
em sociedade, surgem
ainda outras esferas de
poder, como a social, a
política, a cultural e a religiosa. Estas, em conjunto, formam a superestrutura e relacionam-se com
a infraestrutura, de modo
que uma influencia a outra. Para Marx e Engels,
nas relações sociais verifica-se o predomínio das
relações econômicas. Assim, por exemplo, são as
relações econômicas que
influenciam e determinam a configuração do
poder político.
Na fotografia de 1864,
veem-se Engels (em pé,
à esquerda) e Marx (em
pé, à direita); sentadas,
a esposa, Jenny, e duas
filhas, Laura e Eleanor,
de Marx.
Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Marx%2BFamily_and_Engels.jpg#filehistor>.
Acesso em: 11 mar. 2013.
Embora a Sociologia tenha nascido e se
consolidado na França, foram dois alemães
que abriram novos horizontes para esse
campo do conhecimento: Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895).
Assim como Durkheim, Marx e Engels
dedicaram especial atenção ao estudo da sociedade capitalista industrial do século XIX.
Eles desenvolveram uma teoria crítica que
procurava explicar como o sistema capitalista favorecia a classe dominante – a burguesia – por meio da exploração da mão de
obra do proletariado urbano.
A teoria desenvolvida por eles baseia-se
no fato de que a sociedade capitalista, assim
como as anteriores a ela, tem um objetivo
central: possibilitar a sobrevivência de todos
os seus membros por meio da produção dos
bens necessários para o consumo, o que exige a organização coletiva do trabalho.
Com base nessa constatação, Marx e Engels procuraram desenvolver um método
de estudo que permitisse compreender os
mecanismos de funcionamento da sociedade capitalista. Esse método foi denominado
materialismo histórico. De acordo com
ele, a compreensão da sociedade só é possível por meio do entendimento das condições que permitem a sua reprodução; como
tais condições são dadas pelo trabalho
humano, Marx e Engels afirmavam que a
Conheça melhor
As raízes do marxismo
As ideias de Karl Marx foram inspiradas por movimentos sociais e por pensadores da sociedade ocidental com forte conexão com os acontecimentos de sua vida pessoal. Nascido em Trier, cidade localizada no sul da atual Alemanha, ainda jovem, travou contato com Hegel (1770-1831), o primeiro grande intelectual a influenciar seu
pensamento. Nesse momento de sua trajetória intelectual, é tocado, sobretudo, pelo conceito da dialética hegeliana,
a qual associa à obtenção das condições materiais de existência por meio das relações de produção e do antagonismo entre as classes sociais — burguesia e proletariado.
Em 1843, ao se casar com uma jovem aristocrata, Jenny Westphalen, Marx muda-se para a França, onde se dedica
ao jornalismo, momento em que se aproxima das agitações políticas que tomavam conta da Europa do século XIX. O
trabalho no ramo do jornalismo lhe trouxe duas importantes contribuições: o contato com representantes do socialismo utópico, termo cunhado pelo próprio Marx por admirar as ideias de igualdade proferidas pelos socialistas, os
quais, no entanto, não apontavam os meios materiais necessários para se alcançar tal ideal; e a amizade estabelecida com Engels, cujos textos críticos causaram admiração em Marx, o que motivou essa aproximação e o contato de
Marx com os princípios da economia clássica, representada essencialmente pelos escritos do economista escocês
Adam Smith (1723-1790) e do economista inglês David Ricardo (1772-1823).
Após perseguição política promovida pelo governo francês — que o acusou de participar de atividades subversivas —, Marx vai para a Inglaterra, o berço do capitalismo industrial moderno, onde encontra ambiente político e intelectual propício para estudar a economia clássica, dedicando-se ao estudo dos textos de Smith e Ricardo.
Após os acontecimentos revolucionários de 1848, o clima de intolerância e perseguição política na Europa continental levou Marx a permanecer na Inglaterra, vindo a falecer mais tarde, em 1883, sem que tivesse tido condições
para concluir sua maior obra, O Capital, conjunto de livros do qual o primeiro foi publicado em 1867.
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> A luta de classes e a
Capítulo 1 ■ Vamos pensar a sociedade
transformação da sociedade
Na análise da sociedade empreendida por
Marx e Engels, a ênfase na esfera econômica
os levou a fixar sua atenção na fábrica, considerada a célula da sociedade capitalista. Nela,
existem dois elementos que participam diretamente do processo de produção: o capital e
o trabalho. Ambos se relacionam a classes sociais antagônicas: enquanto a burguesia é
proprietária dos meios de produção (a fábrica e as ferramentas necessárias para produzir), os operários detêm a força de trabalho
que movimenta os meios de produção.
A diferença significativa entre essa forma
de produção e as formas tradicionais (que remetem à produção manufatureira e ao papel
central do artesão como responsável pela
produção) está na existência de uma mercadoria especial: a força de trabalho assalariada.
É essa mercadoria que acrescenta valor às
mercadorias produzidas, o que levou ao desenvolvimento do conceito de mais-valia.
A força de trabalho torna-se uma mercadoria especial como resultado da implantação da divisão técnica do trabalho
no sistema de produção. Essa divisão compartimentou o processo produtivo em dezenas de etapas menores, cada uma delas realizada por um operário especializado nessa
operação específica. Apesar de elevar a produtividade, essa prática teve uma consequência negativa: ao contrário do artesão,
que dominava todas as etapas do processo
produtivo, o operário torna-se incapaz de ver
na mercadoria produzida o reflexo do próprio trabalho. Dessa forma, é vítima do
processo de alienação, pois não consegue
determinar o valor da mercadoria produzida, uma vez que contribui em apenas uma
pequena etapa da sua produção. O salário
recebido garante a sobrevivência do operário, mas não corresponde à riqueza produzida por ele dentro da fábrica. Essa riqueza
que o trabalhador não mais detém, esse valor adicional que é incorporado pelo capitalista, é o que chamamos de mais-valia.
Tal situação só pode ser superada pelo
proletariado por meio da consciência de
classe, quando o operário passa a compreender que, independentemente de sua nacionalidade ou da função fabril que exerça, é
explorado por capitalistas da mesma forma
que milhões de outros operários ao redor do
mundo.
A consciência da exploração comum leva
à união do proletariado, condição essencial
para que se possa superar o capitalismo por
meio da luta de classes, ou seja, o choque direto com a burguesia. Os confrontos entre as
duas classes tornam-se cada vez mais agudos, até a eclosão do conflito final – a revolução, que teria como consequência a vitória
dos explorados e instauraria o governo do
proletariado, fase intermediária e indispensável para se alcançar o estágio do comunismo – a sociedade igualitária e sem classes.
Nessa fase intermediária, o proletariado
controla o Estado e dá início a um processo
que leva à extinção da propriedade privada,
responsável por garantir à burguesia o controle econômico sobre as demais classes sociais. A extinção da propriedade privada e
sua substituição pela propriedade coletiva
e pública tornariam, por sua vez, o Estado
desnecessário, já que este era visto por Marx
e Engels como uma estrutura que reproduzia a hegemonia burguesa por meio do controle das forças de coerção física e jurídica.
Leitura das fontes
A exploração capitalista
O caráter progressista da teoria marxista pode ser notado na
forma como Marx e Engles explicam a luta de classes e a superação
da hegemonia da burguesia, classe cuja existência é incompatível
com a sociedade, como se lê no texto abaixo:
Até hoje […] todas as sociedades sempre se assentaram na
oposição entre as classes opressoras e oprimidas. Contudo,
para que uma classe possa ser oprimida, é preciso que lhe sejam asseguradas condições sob as quais ela possa ao menos levar sua existência servil. O servo, em sua servidão, fez-se
membro da comuna, assim como, sob o jugo do absolutismo
feudal, o pequeno-burguês se transformou em burguês. O trabalhador moderno, ao contrário, em vez de se erguer com o
progresso da indústria, afunda cada vez mais, abaixo das condições de sua própria classe. O trabalhador transforma-se em
miserável, e a miséria desenvolve-se com rapidez ainda maior
que a população e a riqueza. Evidencia-se, assim, claramente
que a burguesia é incapaz de se manter por mais tempo como
a classe dominante da sociedade e de impor a ela, como lei reguladora, as condições de vida de sua classe. Ela é incapaz de
dominar em razão de sua incapacidade de assegurar a seu escravo até mesmo uma existência no interior dessa escravidão,
vendo-se obrigada a rebaixá-lo a uma condição na qual, em
vez de se alimentar dele, precisa alimentá-lo. A sociedade não
pode viver sob ela, ou seja, a vida da burguesia deixa de ser
compatível com a sociedade.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Penguin
Classics/Companhia das Letras, 2012. p. 57.
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Max Weber
isto é, de uma justificativa elaborada pelo sujeito. É o ser humano quem atribui sentido à
ação social: é ele quem estabelece a conexão
entre o motivo da ação, a ação propriamente
dita e os efeitos que produz.
Daí resulta que a ação social constitui o
principal objeto de estudo do cientista, cuja
tarefa é buscar compreender os nexos que
dão sentido às ações sociais. Segundo Weber, são três os sentidos que podem caracterizar uma ação social:
▪ ela pode estar relacionada à racionalidade do indivíduo, a qual, por sua vez, é
movida de acordo com os fins pelos quais
age (aonde deseja chegar, qual o objetivo
final da ação, o que o leva a elencar os recursos disponíveis e os meios necessários
para fazê-lo);
▪ ela pode estar relacionada aos valores do
indivíduo (aquilo que o move e que faz
parte de sua forma de atuar em sociedade, como optar por consumir produtos
naturais, em vez de industrializados);
▪ ela também se manifesta por meio da afetividade e da tradição; nesses dois casos
não há qualquer conexão com a esfera racional, já que as motivações são outras. A
motivação afetiva refere-se à atitude tomada para agradar ao outro (como oferecer uma rosa à pessoa amada); no caso da
tradição, trata-se da força exercida por
costumes (por exemplo, a autoridade que
o pai detém diante da vida do filho ou o
poder que um chefe tribal exerce sobre
os membros do seu grupo).
Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Max_
Weber_1894.jpg#filehistory>. Acesso em: 11 mar. 2013.
O alemão Max Weber (1864-1920) também se interessou pelo desenvolvimento do
sistema e da sociedade capitalistas, ainda
que esta, à época de seus estudos e observações (final do século XIX e início do século
XX), fosse distinta da sociedade capitalista
de meados do século XIX, estudada por
Durkheim e Marx.
Ao contrário desses pensadores, Weber
acreditava que as estruturas que configuram
a sociedade, apesar de importantes, não
eram determinantes para a formação e para
o desenvolvimento da sociedade. Na verdade, elas apenas funcionavam como resultado da interação social entre os indivíduos,
elemento que originariamente dá forma à
estrutura social; portanto, é o fenômeno da
interação social que deve ser estudado para
se compreender a sociedade.
Assim como Durkheim, Weber enfatiza a
necessidade da postura objetiva do cientista, fundamental para o emprego dos métodos científicos de compreensão da sociedade. Discorda, porém, da neutralidade que o
cientista social deve sustentar diante do objeto de estudo. Weber considera impossível
dissociar o cientista dos valores que o formam, pois tais valores o auxiliam na escolha
do fenômeno social a ser analisado, o que
exige uma ética absoluta, em que o cientista
se compromete em expor a verdade.
O estudo das interações sociais e a objetividade nas ciências sociais devem, portanto,
caminhar lado a lado; daí a necessidade de
se recorrer ao conceito de ação social e de
tipo ideal como formas de melhor compreender a realidade histórica e empírica.
> Ação social
A compreensão da relação entre os indivíduos associa-se, na metodologia weberiana, ao entendimento do conceito de ação
social. Em sua obra Economia e sociedade,
publicada postumamente em 1922, Weber
define a ação social como a
“ação que, quanto a seu sentido visado
pelo agente ou os agentes, se refere ao
comportamento de outros, orientando-se
por este em seu curso”.
WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília: Ed. da UnB;
São Paulo: Imprensa Oficial, 2004. p. 3.
Uma característica da ação social é ser
uma conduta humana dotada de sentido,
Max Weber em fotografia de 1894.
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Capítulo 1 ■ Vamos pensar a sociedade
Weber nos alerta quanto aos tipos de ação social por
ele descritos, afirmando que eles não existem na realidade prática, mas são antes construções teóricas que auxiliam o cientista a compreender a riqueza das relações
sociais. Ele chama a essas construções de tipos ideais.
O tipo ideal é uma ferramenta de pesquisa que contribui para a análise dos fenômenos sociais. Ao se observar um fenômeno social, buscam-se seus traços mais
significativos, que são estudados de modo a se construir
uma referência teórica deles e que se torna a referência
do estudo empírico.
Munido desses instrumentos de análise, Weber procurou compreender melhor a sociedade capitalista,
identificando em sua racionalidade o elemento essencial
de sua sustentação. Daí a necessidade de compreender
como e quando tal racionalidade tornou-se preponderante na sociedade, o que ocorreu com o declínio da sociedade feudal diante do avanço do pensamento racional, cujo marco inicial é o Renascimento italiano. O
predomínio do pensamento racional se dá com o processo de fortalecimento da interdependência entre os
indivíduos, que acompanha o desenvolvimento técnico
e científico na busca de maior eficiência produtiva, pois
a aplicação da racionalidade na produção evita desperdícios e amplia os ganhos econômicos, o objetivo último dos agentes capitalistas.
No desenvolvimento da sociedade moderna, diversos
elementos contribuíram para reforçar a racionalidade
como importante suporte do capitalismo. Entre eles,
Weber destaca a ética do trabalho dos puritanos – grupos protestantes do norte da Europa que adotaram a religião calvinista. A explicação dessa tese está em seu livro
A ética protestante e o espírito do capitalismo (1904-1905),
no qual Weber afirma:
Basta uma vista de olhos pelas estatísticas ocupacionais de um país pluriconfessional para constatar
a notável frequência de um fenômeno por diversas
vezes vivamente discutido na imprensa e a literatura
católicas bem como nos congressos católicos da Alemanha: o caráter predominantemente protestante dos
proprietários do capital e empresários, assim como
das camadas superiores da mão de obra qualificada,
notadamente do pessoal de mais alta qualificação técnica ou comercial das empresas modernas.
Assim, o autor sustentou a tese de que uma dimensão
cultural, o protestantismo, e, em especial, a crença calvinista, pode ser considerada a “semente da economia capitalista”, produzindo efeitos sobre as estruturas econômicas.
> O desencantamento do mundo
Na sua análise sobre as transformações da sociedade,
Weber contraria os iluministas e seus seguidores, para
os quais a sociedade caminha em direção ao progresso e
à felicidade dos povos. Para o sociólogo alemão, a primazia da ação racional não significa que a sociedade vai
evoluir nessa direção. Weber destoa também da visão
progressista e evolutiva da história defendida (com interpretações distintas) por Durkheim e Marx.
Para ele, a primazia da ação racional leva ao desencantamento do mundo. Com essa expressão, Weber caracterizou o processo por meio do qual o desenvolvimento da ciência, da atitude científica e da racionalidade
provoca uma “desmagificação” do mundo, isto é, uma
perda do sentido mágico das coisas. Assim, cada ser ou
aspecto do mundo é desinvestido do sentido fornecido
por crenças, superstições, mitos e tradições.
Quadrinhos
Política de cortes
O cartunista Angeli satiriza a visão dos capitalistas sobre os procedimentos que as empresas devem
adotar para aumentar os lucros por meio da política
de cortes de postos de trabalho. Tais procedimentos
são caracterizados por Weber como relacionados ao
processo de racionalização: o conjunto de medidas
instrumentais vistas como necessárias para o bom desempenho da empresa ou da sociedade. Nesse caso, a
racionalização é a adoção da política de cortes. A racionalização considera os meios, que se tornam fins
em si mesmos.
Angeli. Publicada originalmente no UOL Notícias - 17.3.2009
> Tipo ideal e racionalização do mundo
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo:
Companhia das Letras, 2007. p. 29.
Para Weber, as crenças ligadas à Reforma Protestante
(em especial o calvinismo) favoreceram o comportamento econômico racional dos devotos. A riqueza associada ao trabalho e a uma vida frugal era um indício de
aprovação divina, um sinal de que a pessoa estava entre
os “eleitos”. A salvação, e não o enriquecimento, era o
objetivo; a prosperidade era um efeito dos hábitos de
vida valorizados pelo calvinismo.
Charge de Angeli publicada no UOL Notícias, em 17 de março
de 2009.
1. O que é racionalização?
2. Resuma a mensagem que a charge apresenta.
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A Sociologia aplicada ao cotidiano
Mas, afinal, para que serve efetivamente
o saber sociológico?
A melhor forma de responder a essa questão é por meio de um exemplo prático. Para
que seja convincente, o ideal é que ele se articule com os seus interesses imediatos como
aluno. Como está lendo este livro, você provavelmente está cursando o Ensino Médio e
talvez considere – com uma pitada de ansiedade – a perspectiva de se preparar para o
desafio do vestibular.
Para todos os estudantes, a aprovação no
vestibular está diretamente ligada ao rendimento escolar. Passar nesse tipo de exame
significa uma vitória intelectual pessoal,
porque somente os que são classificados entre os aprovados podem cursar as disciplinas universitárias.
Ser aprovado no vestibular também representa sucesso social, pois o jovem universitário torna-se parte de uma elite que
tem acesso à educação superior. Esse reconhecimento social é sinônimo de status, que
também satisfaz seu desejo de realização,
pois muitas pessoas depositaram confiança
em você: professores, amigos, pais e paren-
tes que acreditaram no seu potencial e investiram em seus estudos.
Muitos estudiosos identificam traços similares entre a preparação para o vestibular
em sociedades urbano-industriais e a realização dos ritos de passagem a que se submetem adolescentes e jovens em muitas sociedades indígenas, para a conquista do
status de adultos.
Dessa perspectiva, o período de preparação para os exames, durante o qual os encontros com os amigos são trocados por
noites de estudo, assume grande importância. Em certa medida, essa fase pode ser
comparada ao tempo de reclusão na “casa
dos homens” ou seu equivalente feminino
em certos grupos nativos, durante o qual os
rapazes e as moças que em breve vão iniciar
a vida adulta assimilam conhecimentos socialmente valorizados e transmitidos pelos
mais velhos. Em outras palavras, a preparação para o estágio adulto começa bem antes
da realização do vestibular, rito de passagem que exige a renúncia temporária às baladas, às excursões e a outros prazeres em
geral associados à condição juvenil.
Ritos de passagem
Várias etapas marcam o desenvolvimento de um indivíduo: nascimento, passagem
da infância ou adolescência para a vida
adulta, casamento, velhice. Para lidar com
essas etapas, as sociedades podem estabelecer ritos de passagem, ou seja, cerimônias
que assinalam essas transições importantes
na vida de uma pessoa, nas quais ocorre a
mudança de estatuto social. Por exemplo, os
ritos ligados ao nascimento (como o batismo e a circuncisão) e à morte (como o funeral), à vida a dois e ao parentesco (como o
casamento), entre outros. Esses ritos permitem a introdução do indivíduo na sociedade,
seu reconhecimento pelos outros membros
do grupo e de seus direitos e deveres.
Em muitas sociedades indígenas, para
conquistar o status de adultos, os jovens se
submetem a ritos de passagem. Entre o
povo Galibi do Oiapoque, por exemplo, as
moças tinham de ficar em resguardo após a
primeira menstruação, não podendo ir ao
rio ou à roça, nem cozinhar. Se não respeitassem esse resguardo, poderiam atrair espíritos malignos.
Renato Soares/Pulsar Imagens
Conheça melhor
Jovem indígena em reclusão pubertária, em aldeia Kuikuro, no Parque
Indígena do Xingu. Fotografia de 2012.
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Diogo Moreira/Futura Press
Estudantes se manifestam em frente ao prédio
da reitoria da Universidade de São Paulo (USP)
em São Paulo (SP), em 2011, a favor do sistema
de cotas raciais.
Outra consideração a ser feita sobre o vestibular é com relação ao impacto que ele produz na vida cotidiana das pessoas que moram nas proximidades dos locais onde as provas são aplicadas. Os trabalhadores
responsáveis pela limpeza, por exemplo, no final das provas devem fazer um esforço extra, recolhendo papéis, copos plásticos, embalagens
de alimentos, latas de refrigerante, etc. Além disso, costuma haver alterações no transporte coletivo, cujas rotas e horários são redimensionados para atender aos estudantes. Isso implica uma mudança, por vezes
desconfortável, da rotina da comunidade.
Por fim, a realização das provas movimenta grande contingente de
profissionais responsáveis por elaborar as questões, editá-las, imprimi-las e distribuí-las na hora correta e ao mesmo tempo para todos os
concorrentes. Esses profissionais, que tornam o vestibular possível,
são remunerados, aspecto que tem certo impacto sobre as atividades
econômicas no período em que o exame ocorre.
A pressão do vestibular
O vestibular não é o único “bicho-papão” no caminho dos adolescentes e dos jovens: é o que mostra a bem-humorada charge do cartunista Angeli.
Nela, o exame é tratado como mais uma etapa na
vida do estudante, que ainda enfrentará novos desafios e perturbações em sua vida pessoal, como a
obtenção do primeiro emprego, a consolidação de
uma carreira, uma demissão imprevista, problemas
na esfera amorosa, e assim por diante. Compreender essa dimensão do vestibular é essencial para
que o aluno possa resistir à pressão, dominar a ansiedade e triunfar sobre mais um dos obstáculos
que se colocam à sua frente.
ƒ Escreva um pequeno texto explicando qual é, para
você, a situação mais angustiante: passar no vestibular ou conquistar o primeiro emprego?
Angeli. Publicada originalmente na Folha de S.Paulo - 20.12.2001
Capítulo 1 ■ Vamos pensar a sociedade
Quadrinhos
Charge de Angeli publicada no jornal Folha
de S.Paulo, em 20 de dezembro de 2001.
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> A prática sociológica: estranhamento e desnaturalização
Quando você pensa no vestibular, concentra sua imaginação na necessidade de vencer esse
desafio, talvez sem perceber que, na realidade, ele envolve um número muito maior de pessoas
e relações sociais, interligando-as. Ao fazer isso, inconscientemente, você está aplicando o conhecimento proveniente do senso comum, procurando entender de forma imediata a relevância
do vestibular para você, transformando-o, muitas vezes, em um “monstro” indecifrável e impossível de ser vencido.
Mas, ao se concentrar nesse tema, é possível superar a compreensão imediata e buscar, como
fizemos acima, problematizá-lo de modo a incorporar outras perspectivas e percepções sobre o
mesmo tópico.
A problematização do tema investigado é um dos primeiros passos para a aplicação correta
da Sociologia; a esta problematização chamamos estranhamento. Este, quando aplicado em
conjunto com os métodos de análise sociológica, permite ao sociólogo fugir das explicações geralmente associadas ao senso comum. Praticar o estranhamento nada mais é do que duvidar da
aparência de verdade que tem a realidade imediata; é procurar ir mais fundo na curiosidade que
se tem diante de certo tema e não aceitar as explicações que tendem a surgir de forma imediata,
nublando nossa capacidade de compreensão do todo social.
O estranhamento é particularmente útil para que possamos promover outro importante movimento: a desnaturalização. A Sociologia combate as verdades preestabelecidas e consolidadas, que tendem a se firmar em tradições e rotinas que, ao serem incorporadas pelos indivíduos
em sociedade, deixam de ser questionadas, como se aqueles acontecimentos e valores sempre
estivessem presentes, como se fossem uma ocorrência natural. Nós nos sentimos, então, incapazes de agir, como se tal situação fosse semelhante ao efeito de uma grande tempestade devastando tudo o que temos.
Por meio da desnaturalização, o sociólogo procura ângulos distintos para um mesmo tema,
ao mesmo tempo que o retira de seu isolamento e entendimento imediato, tentando esgotar as
formas de compreendê-lo historicamente para, então, se posicionar sociologicamente diante
desse mesmo tema. Na prática, a desnaturalização questiona a antiga constatação que sempre
temos diante do inevitável, já que “as coisas sempre foram assim”.
> A imaginação sociológica
O sociólogo norte-americano Charles Wright Mills (1916-1982) chamou de imaginação sociológica a capacidade de passar de uma perspectiva a outra do conhecimento, conectando-as
como parte de um mesmo evento ou ocorrência social. Dessa forma, a imaginação sociológica
permite abandonar a perspectiva individual e adotar uma noção mais coletivizante do evento
em si. Nas palavras desse autor:
A imaginação sociológica capacita seu possuidor a compreender o cenário histórico mais
amplo, em termos de seu significado para a vida íntima e para a carreira exterior de numerosos
indivíduos. Permite-lhe levar em conta como os indivíduos, na agitação de sua experiência
diária, adquirem frequentemente uma consciência falsa de suas posições sociais. Dentro dessa
agitação, busca-se a estrutura da sociedade moderna, e dentro dessa estrutura são formuladas
as psicologias de diferentes homens e mulheres. Através disso, a ansiedade pessoal dos indivíduos é focalizada sobre fatos explícitos e a indiferença do público se transforma em participação nas questões públicas. […]
MILLS, C. Wright. A imaginação sociológica. 6. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. p. 11-12.
De certa forma, foi isso que os “pais fundadores” do pensar sociológico fizeram ao tentar imaginar a sociedade capitalista não apenas por sua unidade, o indivíduo, mas também por meio
da coletividade formada por esses indivíduos. Ao pensar o vestibular além de suas necessidades
imediatas, você está praticando a imaginação sociológica, já que está conectando essa necessidade a outras e interligando-as, o que lhe dá uma perspectiva mais ampla.
Outro exemplo de aplicação da imaginação sociológica pode ser visto na análise que
Durkheim fez do suicídio: ainda que tal atitude, em um primeiro momento, seja entendida
como uma decisão pessoal, ela ocorre por uma série de forças externas ao indivíduo que o conduzem a esse desfecho. A Sociologia deseja entender por que isso acontece e o impacto que tem
sobre a sociedade como um todo.
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Tendo uma noção de como o todo (a sociedade) funciona, passamos a entender melhor a forma pela qual devemos agir para poder alcançar nossos objetivos, bem
como as dificuldades que iremos enfrentar ao longo do
caminho. Exercer a imaginação sociológica significa, portanto, praticar um valioso movimento de autoconhecimento, que possibilita a cada pessoa avaliar de forma
mais precisa suas qualidades e limitações, bem como o
coletivo em que vive. Assim, sofrer com a superlotação
nos ônibus ou com um assalto à sua casa ou mesmo se
alegrar com a realização de uma viagem nas férias são todas práticas individuais que se conectam a uma realidade
maior. O pensar sociológico procura justamente ampliar
nossa capacidade de enxergar a realidade, abandonando
o imediatismo individual para melhor entender tais situações e, assim, propor soluções para elas.
Conheça melhor
Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro. Fotografia: ID/BR.
Reprodução autorizada por João Candido Portinari
Capítulo 1 ■ Vamos pensar a sociedade
As ciências sociais
As ciências sociais se desenvolveram a partir da criação da Sociologia, ocorrida no século XIX. Diferentemente
das ciências naturais, os objetos de estudo das ciências sociais não estão inscritos na natureza, mas na sociedade.
Logo, seus métodos não são os mesmos que os das ciências naturais — também chamadas de experimentais —, embora muitos cientistas sociais tenham ido buscar nestas um modelo metodológico.
É possível apontar alguns períodos na história dessa modalidade de ciência: num primeiro momento, que perdurou do início do século XIX até 1945, elas se desenvolveram de modo contínuo, o que permitiu uma divisão em seu
interior na qual despontaram três grandes campos de trabalho, redundando no estabelecimento de três disciplinas
básicas:
ƒ a Sociologia, que conquistou reconhecimento social e científico com os trabalhos de Durkheim, Marx e Weber e se
dedica a estudar a sociedade, ou seja, sua estrutura, modo de organização, dinamismo, instituições, processos de
produção e de trabalho, transformações sociais, entre outros;
ƒ a Política, que, embora tenha sido objeto de reflexão por parte da Filosofia por largo período, se torna modernamente uma ciência social voltada à investigação da organização política da sociedade, do Estado e de suas
instituições e partidos, suas práticas e formas de atuação, tipos de governo e, posteriormente, a formulação de
políticas públicas;
ƒ a Antropologia, que adquiriu reconhecimento científico no período em questão. Ela estuda as diferentes culturas,
os diversos grupos étnicos ou sociais, os hábitos e costumes de uma sociedade ou grupo, as relações de parentesco, podendo ainda estudar povos e sociedades em extinção, como é o caso de muitos povos indígenas.
Em um segundo momento, de 1945 até o fim da década de 1970, as Ciências Sociais conhecem rearranjos internos; ainda subsiste a divisão tradicional em três grandes áreas, mas ela passa a ser questionada.
O terceiro período, do fim do século passado até o presente momento, experimenta novos questionamentos,
inclusive porque as Ciências Sociais são obrigadas a redefinir objetos e formas de atuação graças às espetaculares transformações sociais ocorridas nessa época. A globalização, por exemplo, força a Política a estudar de modo
novo e original o Estado nacional, o qual perde importância no interior desse fenômeno. Além disso, hoje elas tendem a valorizar o aspecto dinâmico de seus objetos, em detrimento dos estruturais, que ganharam relevo na década de 1970 com a voga estruturalista. Em alguns países, como é o caso da Inglaterra e dos Estados Unidos, as
ciências sociais foram pressionadas a mudar por força do aparecimento de novas disciplinas,
como os Estudos Culturais.
ƒ Segundo o texto, como se dividem as ciências sociais? Essa
divisão ainda se mantém?
Café, 1935, óleo sobre tela do pintor
brasileiro Candido Portinari, Museu
Nacional de Belas Artes, Rio de
Janeiro. Os processos de produção
e os diferentes tipos de trabalho
são objetos da Sociologia.
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A Sociologia é um instrumento voltado para o autoconhecimento e
também para a compreensão e o aprimoramento da sociedade.
Em uma organização social na qual a maior parte das decisões de interesse da coletividade é tomada por representantes escolhidos pelos
cidadãos por meio do voto, é relevante direcionar a imaginação e a análise sociológicas para a política, para não cairmos nas tentações naturalizadoras de que nada irá se alterar.
Nem sempre é possível monitorar a qualidade do mandato de nossos
representantes; ainda assim, cabe registrar as promessas e, o mais importante, o que foi efetivamente realizado por eles em benefício da sociedade, e não de um pequeno grupo.
Por meio das realizações práticas de um político eleito, é possível
avaliar a importância e o impacto de sua gestão para a comunidade. Por
exemplo, quando se pretende ampliar a quantidade de pistas de um
aeroporto e isso implica a remoção de famílias que residem nas proximidades do local, é preciso avaliar se essa medida vai trazer benefícios
reais para a coletividade – e não apenas para grupos privados – e avaliar
a forma como as famílias serão deslocadas para outras áreas, analisando
se perderão ou não qualidade de vida. Também é necessário verificar se
o dinheiro investido na obra não está sendo desviado para outras atividades – ou, ainda mais grave, para o bolso de algumas pessoas.
Acompanhamentos e avaliações desse tipo aumentam a transparência na atividade política e contribuem para o reforço da cidadania dos
indivíduos mobilizados.
No momento em que o indivíduo e a comunidade permanecem mudos e incapazes de reagir a mudanças sociais amplas, é quando o sociólogo deve mostrar-se mais presente, apontando a inquietação dos grupos indefesos diante das mudanças (ou perturbações, como Mills
preferiu chamar as situações em que a rotina é abalada por transformações externas, mas que afetam as pessoas internamente).
Da mesma forma, a aplicação do pensar sociológico permite compreender melhor os indivíduos com quem a pessoa interage. Essa compreensão e a maior interatividade auxiliam no difícil processo de entender o
que o outro pensa e podem reduzir barreiras sociais. Como exemplo, temos a atuação dos agentes sociais que trabalham com mulheres violentadas ou com prostitutas (que sofrem
violência diária, em meio ao descaso
generalizado) e que precisam compreender a realidade em que elas vivem para
saber como conversar a respeito do cotidiano delas e como atender a suas expectativas, realizando melhor seu trabalho de integração social. Em todos os
casos mencionados, o pensar sociológico é uma ferramenta fundamental.
Godong/Opção Brasil
> Sociologia e aprimoramento da cidadania
Um país de dimensões continentais e população
diversificada como o Brasil é um vasto laboratório
para o sociólogo. Seu instrumental é útil para
compreender como os brasileiros das diferentes
regiões veem a si mesmos e como veem uns aos
outros, fornecendo elementos para o combate
a atitudes estereotipadas que alimentam
preconceitos. Também ajuda a planejar melhor a
distribuição da população e os recursos humanos
necessários para cada região.
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Observatório de Sociologia
Os dois textos a seguir abordam temas clássicos das pesquisas sociológicas: a desagregação
social e o suicídio. Após cada texto é apresentado um breve questionário que favorece a compreensão dos assuntos.
TEXTO JORNALÍSTICO
O suicídio entre indígenas
Por Lilian Milena, do brasilianas.org
A taxa de suicídio entre indígenas é quatro vezes superior à média nacional, segundo o Mapa
da Violência 2011 – Jovens do Brasil, que utiliza dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde.
No contexto mundial, o Brasil é um país com
baixo índice de suicídio (4,9 suicidas em 100 mil
habitantes). Ainda assim, houve um aumento expressivo de 33,5% no total de pessoas que tiraram
a própria vida entre os anos de 1998 e 2008 […].
O autor do trabalho, o sociólogo Julio Jacobo
Waiselfisz, chama atenção para municípios onde
a taxa fica acima de 30 suicídios em 100 mil casos,
marca de países que lideram a lista no nível internacional, como Lituânia e Rússia.
Os locais que encabeçam a lista de mortalidade
suicida são de assentamento de comunidades indígenas, como Amambaí, Paranhos, Dourados,
cidades do Mato Grosso do Sul, e Tabatinga, no
Amazonas.
Capítulo 1 ■ Vamos pensar a sociedade
“No ano de 2008, foram registrados pelo SIM
exatamente 100 suicídios indígenas. Isso já daria
uma taxa nacional de 20 suicídios a cada 100 mil
índios, igual a quatro vezes a média nacional
(4,9 suicídios em 100 mil)”, destaca Waiselfisz,
levando em consideração dados da Fundação
Nacional do Índio (Funai) que indicam uma
população atual de 400 mil índios residindo em
aldeias no país, correspondentes a 0,25% da população nacional.
[…]
O especialista em etnologia indígena, violência e uso de bebidas alcoólicas entre grupos ori-
ginários Kaingang (interior de São Paulo), Krahô
(norte do Tocantins) e Maxakali (divisa de Minas Gerais com Bahia), Rodrigo Barbosa Ribeiro, confirma que os dados de suicídios indígenas
apontados pelo livro Mapa da Violência 2011
indicam a falta de perspectiva futura vivida por
jovens índios.
[…]
Barbosa Ribeiro conta que presenciou a marginalização de índios por parte de todas as populações vizinhas às tribos. Constatou também o
consumo exagerado de álcool em todas as aldeias
onde trabalhou – o uso dessa bebida pode ser
considerado uma forma de se refugiar das condições de vida que enfrentam hoje, e não porque o
índio tem propensão ao alcoolismo.
[…]
Segundo o pesquisador [Miguel Vicente Foti],
o modo como o território foi tirado dessas populações, a perda de memória e da qualidade de vida
que tinham representam as maiores ameaças que
já conheceram.
“É quase impossível qualificar o clima de desespero quando o assunto é esse, contrastando com
a imagem de um Guarani típico, que raramente
perde a serenidade. ‘Por que isto está acontecendo
conosco’ parece ser a pergunta que fica no ar. Segundo um entrevistado, após uma avaliação sagaz
de causas e consequências, perder-se do tekoha
[aldeia] ‘é pior do que desaparecer’. Não é raro o
discurso apocalíptico. Certa feita, um Guarani
considerado mestiço (filho de pai branco e criado
em fazenda), chorou cerca de meia hora diante de
nosso gravador, dizendo apenas ‘ajuda nós’.”
Disponível em: <http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/o-suicidio-entre-indigenas >. Acesso em: 20 out. 2012.
Responda
1. Relacione os altos índices de suicídio entre os indígenas brasileiros ao conceito de anomia.
2. Quais são as consequências sociais decorrentes do enfraquecimento dos laços de solidariedade
dentro dos grupos indígenas?
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TEXTO CIENTÍFICO
O suicídio
Émile Durkheim
As condições individuais de que se admite a
priori depender o suicídio são de duas espécies.
[…] temos a situação exterior em que se encontra colocado o agente. […] Vimos no entanto que
essas particularidades individuais não explicam a
taxa social dos suicídios; na realidade esta varia
em proporções consideráveis enquanto as diversas combinações de circunstâncias, que deste
modo surgem como antecedentes imediatos dos
suicídios particulares, apresentam sensivelmente
a mesma frequência relativa. […].
Aliás, as circunstâncias que são consideradas
como causas do suicídio pelo fato de o acompanharem frequentemente são em número quase
infinito. Um se mata no bem-estar e outro na
pobreza […]. Os fatos mais diversos e mesmo
os mais contraditórios da vida podem servir
igualmente de pretexto para o suicídio. Quer
isto portanto dizer que nenhum deles é a sua
causa específica. Será que pelo menos se pode
atribuir esta causalidade às características comuns a todos eles? Mas será isto verdade? O
máximo que se pode afirmar é que consistem
geralmente em contrariedades, em desilusões,
mas é impossível determinar a intensidade que
devem atingir para provocar esta trágica consequência. […] Vemos homens resistir a desgraças horríveis enquanto outros se suicidam
depois de aborrecimentos ligeiros. […] É antes
o desafogo econômico que arma o homem contra si próprio. […] Em todo caso, se realmente
acontecer que a situação pessoal da vítima seja
a causa determinante da resolução, estes casos
são certamente muito raros e, portanto, não será
deste modo que se poderá explicar a taxa social
dos suicídios.
Assim, mesmo aqueles que atribuem uma influência determinante às condições individuais
relacionam-nas mais com a natureza intrínseca
do sujeito que com estes incidentes exteriores, ou
seja, com a constituição biológica e as características físicas de que esta depende. O suicídio foi assim apresentado como produto de um certo
temperamento, como um episódio de neurastenia, submetido à influência dos mesmos fatores
que ela. No entanto não descobrimos nenhuma
relação imediata e regular entre a neurastenia e a
taxa social de suicídios. […]. Também não descobrimos relações definidas entre […] suicídios e os
estados do meio físico que se consideram como
tendo uma ação poderosa sobre o sistema nervoso, tais como raça, clima, a temperatura.
Muito diferentes são os resultados que obtivemos quando, abandonando o indivíduo, procuramos na natureza das próprias sociedades as
causas da inclinação que cada uma delas manifesta para o suicídio. Tanto eram equívocas e duvidosas as relações do suicídio com fatores de ordem
biológica e de ordem física quanto mais são imediatas e constantes com certos estados do meio
social. Desta vez encontramo-nos enfim na presença de verdadeiras leis que nos permitiram tentar estabelecer uma classificação metódica dos
tipos de suicídios. […] De todos esses fatos resulta
que a taxa social de suicídios só se possa explicar
sociologicamente. É a constituição moral da sociedade que fixa em cada instante o contingente
de mortos voluntários. Existe, portanto, para
cada povo, uma energia determinada que leva os
homens a matarem-se. Os movimentos que o
paciente executa e que à primeira vista parecem
representar exclusivamente seu temperamento
pessoal constituem, na realidade, a continuação e
o prolongamento de um estado social que manifestam exteriormente. […]. Cada grupo social tem
efetivamente uma inclinação coletiva específica
para este ato da qual derivam as inclinações individuais, em vez de ser a primeira a derivar destas
últimas. O que a constitui são as correntes do
egoísmo, de altruísmo ou de anomia que atuam
dentro da sociedade […].
DURKHEIM, Émile. O suicídio. In: Comte e Durkheim. São Paulo: Abril Cultural, 1973. p. 485-487 (Coleção Os Pensadores).
Responda
1. Qual é a relação entre o enfraquecimento da solidariedade mecânica e o desenvolvimento das
correntes suicidógenas?
2. Para Durkheim, as motivações que conduzem ao suicídio são individuais ou sociais? Explique.
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Capítulo 1 ■ Vamos pensar a sociedade
Vestibular
1. (UEL-PR) Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber
são considerados os pilares do pensamento sociológico moderno. Apesar das diferenças existentes entre eles a respeito do que é a vida social e sua base,
há, nos três pensadores, uma intensa preocupação
com o método de apreensão do objeto a ser investigado, no caso, as relações sociais. Com base nos conhecimentos sobre a reflexão metodológica de Marx,
Durkheim e Weber, assinale a alternativa correta.
a) Para Durkheim, os esforços para evidenciar o que
as sociedades poderiam ser e não o que efetivamente elas eram constituíam um dos grandes obstáculos à investigação sociológica.
b) Em Marx, o método aspira à construção das leis
gerais e invariáveis, o que se exprime na formulação de que “a História de todas as sociedades,
até os dias de hoje, tem sido a história da luta
de classes”.
c) De acordo com Weber, ao observar as culturas, o
investigador deve apreendê-las em sua totalidade. Escapar a este princípio, situado na origem do
conceito de tipo ideal, é permanecer preso ao
senso comum.
d) Marx, Durkheim e Weber romperam com o princípio indutivo na investigação do objeto, lançando,
com isso, as bases para a construção da sociologia enquanto ciência da sociedade.
e) Nos três autores, é comum a compreensão de que
a aparência da vida social é coincidente com a
sua essência, isto é, o que vemos reproduz, imediatamente, no plano do pensamento, a vida social tal como ela é, em seus fundamentos.
2. (UFU-MG) Auguste Comte foi quem deu origem ao
termo Sociologia, pensada como uma física social,
capaz de pôr fim à anarquia científica que vigorava,
em sua opinião, ainda no século XIX. A respeito das
concepções fundamentais do autor para o surgimento dessa nova ciência, todas as alternativas abaixo
são corretas, EXCETO:
a) O objetivo era conhecer as leis sociais para se antecipar, racionalmente, aos fenômenos e, com
isso, agir com eficácia, na direção de se permitir
uma organização racional da sociedade.
b) As preocupações de natureza científica, presentes na obra de Comte, não apresentavam relação
prática com a desorganização social, moral e de
ideias do seu tempo.
c) Era necessário aperfeiçoar os métodos de investigação das leis que regem os fenômenos sociais,
no sentido de se descobrir a ordem inscrita na
história humana.
d) Entre ordem e progresso há uma necessidade simultânea, uma vez que a estabilidade (princípio
estático) e a atividade (princípio dinâmico) sociais são inseparáveis.
3. (UEL-PR) Leia os depoimentos a seguir:
Sou um ser livre, penso apenas com minhas ideias,
da minha cabeça, faço só o que desejo, sou único, independente, autônomo. Não sigo o que me obrigam
e pronto! Acredito que com a força dos meus pensamentos poderei realizar todos os meus sonhos, e o
meu esforço ajuda a sociedade a progredir.
Jovem estudante e trabalhadora em uma loja de shopping.
Sou um ser social, o que penso veio da minha família, dos meus amigos e parentes, gostaria de fazer
o que desejo, mas é difícil! Às vezes faço o que quero,
mas na maioria das vezes sigo meu grupo, meus
amigos, minha religião, minha família, a escola, sei
lá… Sinto que dependo disso tudo e gostaria muito
de ser livre, mas não sou!
Jovem estudante em uma escola pública que trabalha em empregos
temporários.
Sinto que às vezes consigo fazer as coisas que desejo, como ir a raves, mesmo que minha mãe não permita ou concorde. Em outros momentos faço o que
me mandam e acho que deve ser assim mesmo. É
legal a gente viver segundo as regras e ao mesmo
tempo poder mudá-las. Nas raves existem regras,
muita gente não percebe, mas há toda uma estrutura, seguranças, taxas, etc. Então, sinto que sou livre,
posso escolher coisas, mas com alguns limites.
Jovem estudante e office boy.
Assinale a alternativa que expressa, RESPECTIVAMENTE, as explicações sociológicas sobre a relação
entre indivíduo e sociedade presentes nas falas.
a) Solidariedade mecânica, fundada no funcionalismo de E. Durkheim; individualismo metodológico,
fundado na teoria política liberal; teoria da consciência de classe, fundada em K. Marx.
b) Teoria da consciência de classe, fundada em
K. Marx; sociologia compreensiva, fundada no
conceito de ação social e suas tipologias de
M. Weber; teoria organicista de Spencer.
c) Individualismo, fundado no liberalismo de vários autores dos séculos XVIII a XX; funcionalismo, fundado no conceito de consciência
coletiva de E. Durkheim; sociologia compreensiva, fundada no conceito de ação social e suas
tipologias de M. Weber.
d) Sociologia compreensiva, fundada no conceito de
ação social e suas tipologias de M. Weber; teoria
da consciência de classe, fundada em K. Marx;
funcionalismo, fundado no conceito dos três estados de Auguste Comte.
e) Corporativismo positivista, fundado em Auguste
Comte; individualismo, fundado no liberalismo
de vários autores dos séculos XVIII a XX; teoria da
consciência de classe, fundada em K. Marx.
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Laboratório de Sociologia
Análise de um texto teórico de Sociologia
Neste trabalho, você e seus colegas realizarão uma análise interpretativa de um texto teórico de Sociologia.
Escolha dos textos
1. Vocês e o professor responsável pela disciplina
definirão quais textos teóricos serão trabalhados.
Para que a turma tenha contato com uma
variedade maior de textos, pode-se dividir a classe
em grupos: cada um deles ficará responsável pela
análise de um texto.
É importante que os textos não sejam muito longos nem excessivamente complexos.
A análise é individual, mas os alunos que estiverem trabalhando com determinado texto podem
trocar ideias entre si.
2. Como sugestão, vocês podem escolher entre as
seguintes obras:
“Sociologia: — conceitos gerais e surgimento”. In:
Moraes Filho, Evaristo (Org.). Comte — v. 7. São Paulo: Ática, 1983 (Col. Grandes Cientistas Sociais).
“Manifesto Comunista”. In: Fernandes, Florestan
(Org.). Marx/Engels — História. v. 36. São Paulo:
Ática, 1983 (Col. Grandes Cientistas Sociais).
“Da divisão do trabalho social”, de Durkheim. In:
Durkheim, E. Comte e Durkheim. São Paulo: Abril
Cultural, 1973. (Col. Os Pensadores).
“A ciência como vocação” ou “A política como vocação”, de Weber. In: Weber, Max. Ciência e Política: duas vocações. São Paulo: Cultrix, s/d.
“A Promessa”. In: Mills, C. Wright. A Imaginação
Sociológica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982.
A leitura
3. Após escolherem os textos, iniciem a leitura.
Você deve ter uma visão integral do texto. Portanto, faça uma leitura completa, identifique palavras desconhecidas, procure no dicionário os
significados e faça anotações. Em seguida, releia
o trecho.
Após ter lido o texto todo e se apropriado do vocabulário antes desconhecido, faça uma divisão
do texto em partes. Muitos textos encontram-se
organizados em capítulos, tópicos, etc. No seu
trabalho, essa divisão, que geralmente expressa
o caminho argumentativo do autor, pode ou não
ser adotada.
Realize uma nova leitura. Para cada parte da divisão que você fez procure identificar, selecionar
e organizar hierarquicamente palavras-chave
que correspondam à trajetória argumentativa
do pensador. Ao analisá-las, você deverá identificar o caminho desenvolvido por ele. Essas palavras-chave seriam o equivalente a um mapa
do texto.
Depois de identificar as palavras-chave de cada
parte da obra, procure conectar a elas as ideias
presentes no texto, que devem contribuir para
esclarecer melhor o significado de cada palavra,
além de permitir uma compreensão mais ampla
do tema discutido.
Para ter certeza de que as palavras e as ideias escolhidas são de fato as que representam a trajetória argumentativa do texto, procure conectar as
palavras e suas respectivas ideias às demais. Verifique se o resultado apresentado é próximo do
resultado contido no texto. Caso não seja, reveja o material selecionado. Procure refletir sobre
a ordem, a classificação e a hierarquização que
você estabeleceu. Tente descobrir quais ideias
estão fora do lugar.
Após a realização desse raio X da obra, observe a
relação que se estabelece entre as diferentes partes do trabalho. Nesse momento você poderá enxergar com clareza qual é a posição tomada pelo
autor diante do tema estudado.
Faça uma nova leitura do texto. Com certeza você
descobrirá elementos importantes. O trabalho
realizado em cada parte da obra permitirá que
você os identifique com mais facilidade. Até o
momento você trabalhou com as ideias centrais,
correspondentes à estrutura argumentativa do
texto, porém uma obra sociológica é sempre elaborada em determinado contexto histórico, que
geralmente aparece organizado nas ideias “externas” ou secundárias. Identifique-as e faça uma
pesquisa mais aprofundada sobre o período em
que o trabalho foi escrito.
Introduza suas observações acerca do tema e da
trajetória percorrida pelo autor, ou seja, realize
uma crítica à obra. Elabore um texto contendo
o resultado da análise e apresente sua posição
quanto ao assunto.
Debate
4. Para finalizar, pode ser feito um debate em que os
alunos apresentem suas análises.
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