DEPARTAMENTO DE LETRAS E ARTES - DLA Licenciatura em Letras com Língua Inglesa Metodologia de pesquisa em Letras Professora: Girlene Lima Portela JOÃO BOSCO DA SILVA ([email protected]) METODOLOGIA DE PESQUISA EM LETRAS - A ARTE DE PESQUISAR (FICHAMENTO) FEIRA DE SANTANA - BAHIA 2009 1 1 (RE) APRENDENDO A OLHAR Numa pesquisa científica é impossível se prever todas as etapas, pelo conhecimento parcial do pesquisador, que utilizará os dados coletados apenas para fazer o que for possível dentro desse seu limite. Anteriormente se utilizava apenas o modelo quantitativo dos entrevistados na pesquisa. Já na pesquisa qualitativa o pesquisador quer aprofundar a compreensão de um determinado grupo social, de uma organização etc. O desafio é, portanto, fazer um exercício de aprender a pensar cientificamente. 2 PESQUISA QUALITATIVA EM CIÊNCIAS SOCIAIS Não se consegue definir exatamente a origem da pesquisa qualitativa em ciências sociais. Os pesquisadores da abordagem qualitativa afirmam que as ciências sociais tem suas especificidades e metodologia próprios, recusando o positivismo de Comte, que defendia a unidade de todas as ciências e a aplicação da abordagem científica na realidade social humana. Comte ainda defendia que cada ciência dependia de outra antecedente, como por exemplo a sociologia não poderia existir sem a biologia, que também não poderia existir sem a química, e assim por diante. Emile Durkheim também se posicionou a favor da unidade das ciências, tal como Comte, admitindo os fatos sociais como coisas, real e externo aos indivíduos. Ou seja: os fatos sociais só podem ser explicados por outros fatos sociais, onde o sujeito e o objeto do conhecimento estão radicalmente separados. 2.1 A SOCIOLOGIA COMPREENSIVA Na história alemã, a sociologia compreensiva separa a “natureza” de “cultura”, necessitando de uma metodologia diferente da utilizada nas ciências físicas e matemáticas, para estudar os fenômenos sociais. Naquele País, o filósofo Wilhelm Dilthey foi um dos primeiros a criticar a metodologia do uso das ciências naturais (objetos externos) pelas ciências sociais (emoções, valores, subjetividades), em face dos seus diferentes objetos. Para ele, os fatos sociais não podem ser quantificáveis, exatamente pelo seu sentido próprio. Seus dois conceitos são: i) erklaren: das ciências naturais, que busca generalizações e a descoberta de regularidades; e ii) verstehen: das ciências sociais, que visa a compreensão das experiências do indivíduo no contexto vivenciadas. O maior representante da sociologia compreensiva foi Max Weber, que se apropriou do conceito verstehen de Dilthey. Para ele, o principal interesse da ciência social é o comportamento social dos indivíduos, ao agregar significados. Nesse aspecto, os cientistas sociais são ao mesmo tempo o sujeito e o objeto de suas pesquisas. Na perspectiva científica, o contemporâneo de Comte, Frédéric Le Play, foi um dos primeiros a estudar a realidade social. No seu livro La Reforme Sociale em France, ele expõe o método das monografias, com técnica ordenada e metódica, de observação direta da sociedade. 2.1.1 Pesquisa Sobre a Cultura Nativa No final do século XIX e início do século XX, aconteceram os estudos nas sociedades primitivas, permitindo recolher diretamente observações e informações sobre a cultura nativa, sem escrita e isolada. O primeiro antropólogo a conviver nesse ambiente foi o americano Lewis Henry Morgan, mas foi com os trabalhos de campo de Franz Boas e a expedição de Bronislaw 2 Malinowski às ilhas Trobriand que consagraram esse método direto de estudo naquelas sociedades, com dedicação por longos períodos. A partir daquele momento passou-se a se deixar de lado os relatos dos antigos viajantes, que apenas traziam informações para as pesquisas dos “antropólogos de gabinete”. Boas, que era um geógrafo, foi um crítico radical dos antropólogos evolucionistas e ensinou que no campo tudo deveria ser anotado meticulosamente, e com o seu “relativismo cultural” ensinou que o pesquisador deveria estudar as culturas sem preconceitos etnocêntricos, visando as experiências individuais dos membros da comunidade. Foi o grande mestre da antropologia americana na primeira metade de século XX. 2.1.2 Antropologia Interpretativa Na década de 70 surge nos Estados Unidos a antropologia interpretativa, inspirada nas idéias de Weber, de que os fatos sociais vão levar compreensão, que é a antropologia interpretativa. Um dos seus principais representantes foi Clifford Geertz, que propõe um método de análise cultural hermenêutico, com uma descrição densa das culturas dos textos vividos, como “teias de significado” a ser interpretados, inspirando a tendência atual da antropologia reflexiva (pós–interpretativa), que propõe uma auto-reflexão do trabalho de campo, levando em consideração os aspectos morais e epistemológicos. Questiona a autoridade do texto antropológico e propõe que o resultado seja fruto de uma negociação entre o pesquisador e o pesquisado. 3 A ESCOLA DE CHICAGO E A PESQUISA QUALITATIVA A Universidade de Chicago surgiu em 1892 e em 1910 o Departamento de sociologia se tornou o principal centro de estudos sociológicos dos Estados Unidos. 3.1 INTERACIONISMO SIMBÓLICO Desde o final do século XIX, o interacionismo simbólico já exercia influência sobre a sociologia em Chicago com George Herbert Mead e John Dewey. Para Mead a comunidade só existe quando o indivíduo percebe a intenção dos atos dos outros e constrói uma resposta para ela. É a concepção que os indivíduos têm do mundo social, sendo isso o objeto essencial da pesquisa sociológica. 3.1.1 Role-taking O indivíduo se coloca no lugar do outro, pois ele possui um self interagindo com os outros e consigo mesmo. Nas interatividades com o mundo que se propõe estudar é que o indivíduo produz as significações sociais. 3.2 ESTUDO DA EMIGRAÇÃO A Escola de Chicago mostra um exemplo do estudo de W. I. Thomas e F. Znaniecki sobre a vida dos camponeses poloneses nos Estados Unidos, com seus problemas de assimilação, que recebeu o nome de “The Polish Peasant in Europe and América”, com mais de 2.200 páginas. Foram reunidos dados coletados na Polônia e nos Estados Unidos, artigos de jornais, arquivos de tribunais, fichários de associações de assistência social, cartas e longo relato de imigrante polonês. Com esse estudo, foi inaugurado um período mais expressivo da sociologia qualitativa, em Chicago. Em 1949, foi publicado The american soldier, de Samuel Stouffer, com utilização 3 de técnicas desse método de pesquisa nos EEUU. A sociologia da Escola de Chicago abriu caminhos para a sociologia em geral, principalmente na utilização de pesquisa qualitativas. 4. ESTUDO DE CASO É a análise detalhada de um evento individual, explorado intensamente. É uma análise holística, segundo a qual a unidade social é estudada como um todo indivisível. Não é possível formular regras definidas sobre as técnicas de um estudo de caso, porque cada entrevista ou observação é única: depende do tema, do pesquisador e dos pesquisados. Na obra “Introdução a uma sociologia reflexiva”, Pierre Bourdieu explica a importância da “interrogação sistemática de um caso particular”, tirando dele as propriedades gerais ou invariantes, ocultas, “debaixo das aparências de singularidade”. (p.35) 5. MÉTODO BIOGRÁFICO EM CIÊNCIAS SOCIAIS Esse método deve ser acompanhado de discussão mais ampla sobre a singularidade do indivíduo no contexto social e histórico no qual está inserido. 5.1 FRANCO FERRAROTTI Para Franco, cada vida deve ser vista como individual e universal, representando seu tempo, lugar e grupo social. Se o indivíduo mostra em seus atos singulares a universalidade da estrutura social, é possível “ler uma sociedade através de uma biografia”. (p.36) 5.2 ASPÁSIA CAMARGO Estudou a elite política brasileira a partir de História de Vida, concentrando seus estudos no que chamou de “inner circle”, ou seja, um pequeno número de pessoas que formula políticas estratégicas, reconstituindo as suas histórias de vida como sendo o melhor caminho para conhecer esses indivíduos. 5.3 NORBERT ELIAS Com a obra Mozart: sociologia de um gênio foi possível discutir a relação individual e a sociedade. Foi estudada não apenas Mozart, mas também a sua posição na sociedade da sua época e tudo que sofreu para ter uma brilhante obra. Elias mostra que o conceito de gênio foi aplicado a Mozart somente depois de muitos anos da sua morte, no romantismo, pois naquela época era muito difícil admitir que artistas pudessem dar liberdade às suas fantasias. Com uma formação eclética de filosofia, psicologia e sociologia, Elias mostra que o caso de Mozart é “bom para pensar” que a relação do indivíduo com o mundo contribui para a sua transformação. 5.4 HOWARD BECKER 6 OBJETIVIDADE, REPRESENTATIVIDADE E CONTROLE DE BIAS1 NA PESQUISA QUALITATIVA 1 Termo comum utilizado pelos cientistas sociais e pode ser traduzido como viés, parcialidade, preconceito. (Dic.Aurélio, 2002) 4 Por não apresentar padrões de objetividade, rigor e controle científico, por falta de testes adequados, muitos cientistas sociais desqualificam a pesquisa qualitativa. Outra crítica é sobre a falta de rigor nas regras de procedimentos na coleta de dados, fazendo com que o bias do pesquisador venha a influenciar os dados da coleta e, portanto não podem ter evidência científica. Cientistas sociais como Max Weber, Pierre Bourdieu e Howard Becker acreditam que é fundamental a explicação de todos os passos da pesquisa para evitar o bias do pesquisador. O contexto da pesquisa, a orientação teórica, o momento sócio-histórico, a personalidade do pesquisador e o ethos2 do pesquisado influenciam o resultado da pesquisa. 6.1 WRIGHT MILLS No livro A imaginação sociológica Mills propõe que o cientista social seja autoconsciente e reconheça que seus valores estão envolvidos na escolha do problema estudado e por isso devem ser permanentemente claros. É o cientista social que tem se mostrado mais preocupado em refletir sobre a questão da objetividade nas ciências sociais. Para ele, muito melhor do que as técnicas quantitativas, as qualitativas controlam melhor o bias do pesquisador e discute a hierarquia de credibilidade dos informantes, pois geralmente se buscam as pessoas que detém maior nível na hierarquia da organização e que parecem saber mais. A maneira então de evitar o bias, é entrevistar todos os envolvidos. A pesquisa qualitativa não é apenas um dado estatístico resumido em tabelas, e por isso é que o pesquisador deve expor suas conclusões alcançadas. 6.2 O QUE FAZER ENTÃO Seja qual for o método, qualitativo ou quantitativo, o pesquisador vai sempre dirigir a sua atenção apenas para certos aspectos dos fenômenos e acaba se concentrando em problemas específicos que lhe parece de maior importância. Portanto observar aspectos diferentes sob enfoques diferentes vai reduzir o bias da pesquisa e dará uma melhor compreensão do problema estudado. 7 PESQUISA QUALITATIVA: PROBLEMAS TEÓRICO-METODOLÓGICOS A pesquisa qualitativa apresenta problemas teórico-metodológicos quando tenta ter como referência para as ciências sociais o modelo positivista das ciências naturais. Os dados qualitativos descrevem detalhadamente as situações para compreender melhor os indivíduos, porém os dados não são padronizáveis, como os coletados na pesquisa quantitativa, e por isso obriga o pesquisador a ter flexibilidade e criatividade no momento de coletá-los e analisá-los. Na pesquisa qualitativa, a falta de regras rigorosas de procedimentos pode dar margem para que o bias do pesquisador a influenciar e modelar os dados coletados. A falta de crítica teórico-metodológica consistente e um “disfarçado pragmatismo” (p.54) que dominou as ciências sociais contemporâneas limita as pesquisas qualitativas. Também é importante observar o perigo do envolvimento do pesquisador com determinado grupo, podendo se tornar também um “nativo”, prejudicando o resultado da pesquisa. Para evitar esse tipo de bias o pesquisador deve elaborar um roteiro de questões claras, simples e diretas, para centralizar-se no tema e no seu objetivo. 7.1 QUALIDADES ESSENCIAIS DA ENTREVISTA DO PESQUISADOR Para que a entrevista tenha sucesso nos seus objetivos, é preciso: 2 Modo de ser, temperamento ou disposição interior, de natureza emocional ou moral. (Dic.Aurélio, 2002) 5 a) interesse real e respeito pelos pesquisados; b) flexibilidade e criatividade para explorar novos problemas em sua pesquisa; c) capacidade de demonstrar compreensão e simpatia pelos entrevistados; d) sensibilidade para saber o momento de encerrar uma entrevista ou “sair de cena”; e como lembra Paul Thompson3, e) disposição para ficar calado e ouvir. 7.2 DELIMITAÇÃO DO OBJETO O objeto deve ser claramente explicitado pelo pesquisador e estar relacionado a um problema central, cuja escolha vai depender decisivamente da sensibilidade e experiência do pesquisador, devendo apresentar as características do indivíduo, organização ou grupo estudado. Serão enumerados as dificuldades e os limites da pesquisa, as ajudas das pessoas para entrar no campo e aquelas que não quiseram dar entrevista, além das contradições. Portanto, o pesquisador não se deve se ater apenas aos aspectos que “deram certo”. 7.3 ENVOLVIMENTO COM O OBJETO DA PESQUISA É comum o envolvimento dos pesquisadores com o objeto da sua pesquisa, quer seja indivíduo ou grupo de pessoas, que passam a pedir favores, dinheiro, a fazer convites inapropriados, a fazer contatos telefônicos após a pesquisa etc. Por isso deve haver uma distância adequada, para que o pesquisador sofra a menor influência possível nas dificuldades a enfrentar. Com experiência, bom senso e criatividade esses problemas podem ser minimizados. 8 INTEGRAÇÃO ENTRE ANÁLISE QUANTITATIVA E QUALITATIVA Na opinião de muitos pesquisadores, os métodos surveys4 servem apenas para dar legitimidade ao senso comum, haja vista que não facilitam a compreensão dos fenômenos sociais. Os métodos quantitativos simplificam a vida social limitando-a a fenômenos que podem ser enumerados matematicamente, mas sacrificam a compreensão do significado. 8.1 A INTEGRAÇÃO O cruzamento da pesquisa qualitativa com a quantitativa vai permitir uma melhor confiança na análise dos dados de forma ampla, não apenas como um procedimento específico ou particular. Podem ser feitas várias entrevistas, questionários, investigações diferentes, documentos e dados estatísticos. 8.2 TRIANGULAÇÃO5 É a combinação de metodologias diversas e tem o objetivo de abranger a máxima amplitude de descrição, explicação e compreensão do objeto de estudo, pois é inconcebível a existência isolada de um fenômeno social. A pesquisa qualitativa identifica conceitos e variáveis relevantes de situações que podem ser estudadas, quantitativamente. É muito apropriada para estudar questões de difíceis 3 Paul Thompson. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. obtenção de dados ou informações sobre características, ações ou opiniões de determinado grupo de pessoas, indicado como representante de uma população alvo, por meio de um instrumento de pesquisa, normalmente um questionário Tanur (apud PINSONNEAULT; KRAEMER, 1993). 5 Triangulação é uma metáfora tomada emprestada da estratégia militar e da navegação, que se utiliza de múltiplos pontos de referência para localizar a posição exata de um objeto. (Dic. Aurélio, 2002) 4 6 quantificações, como por exemplo, os sentimentos, motivações, crenças e atitudes individuais. A integração pressupõe a idéia de que os limites de um método poderão ser compensados pelo composto do outro. 9 FAÇA A PERGUNTA CERTA! Colocar as idéias em ordem, sabendo fazer a pergunta certa, é o ponto básico de uma pesquisa, qualquer que seja o tema escolhido ou se o objeto é interessante ou não. A depender do tema no campo científico, vai existir uma hierarquia de legitimidade, que não vai deixar uma “liberdade de escolha” ao pesquisador, fazendo sempre com que ele faça a pesquisa originária das pressões. 9.1 ATRIBUTOS DO PESQUISADOR A arte de fazer pesquisa exige do pesquisador alguns atributos pessoais. Os atributos internos são: ética, curiosidade, interesse real,empatia, paciência, paixão, equilíbrio, humildade, flexibilidade, iniciativa, disciplina, clareza, objetividade, criatividade, facilidade, concentração, delicadeza, respeito ao entrevistado, facilidade de diálogo, tranqüilidade e organização. Os atributos externos são: bom domínio da teoria, saber escrever bem, relacionar os dados empíricos com a teoria, domínio das técnicas e experiência com pesquisa. 9.2 ETAPAS DE PESQUISA Antes de iniciar a tarefa de pesquisa científica são necessários dois passos: primeiro, a formulação do problema e o segundo é a elaboração do projeto de pesquisa. Em seguida, as principais etapas são: a concepção do tema, a coleta dos dados, a apresentação de um relatório com os resultados e, em determinados casos, a aplicação dos resultados. 10 FORMULANDO O PROBLEMA DE PESQUISA A formulação do problema específico é o primeiro passo para torná-lo explícito através da imersão sistemática no assunto, do estudo da literatura existente, e da discussão com pessoas que acumularam experiência prática no campo de estudo. Uma boa resposta vai depender da boa pergunta. 10.1 COMO ESCOLHER O OBJETO DE ESTUDO Para que o pesquisador escolha corretamente o objeto de estudo, deve pensar acerca de determinadas ações e preceitos, como por exemplo: i) como identificar um tema preciso (recorte do objeto); ii) como escolher e organizar o tempo de trabalho; como realizar a pesquisa bibliográfica (revisão da literatura); iii)como organizar e analisar o material selecionado; iv) como fazer com que o leitor compreenda o seu estudo e possa recorrer à mesma documentação, caso retorne à pesquisa. 10.2 AS FASES DA PESQUISA Para que se tenha uma pesquisa científica de qualidade, clara, interessante e objetiva, a pesquisa tem as seguintes fases: 7 i) Fase inicial ou exploratória - é quando se tenta descobrir alguma coisa sobre o objeto, se tem outros trabalhos sobre ele, como haver uma aproximação e qual a melhor abordagem para atingir o objetivo da pesquisa; ii) Segunda fase - Elaboração do projeto de pesquisa (namoro): é a fase de maior compromisso e que exige um profundo conhecimento e compromisso com o objeto; iii)Terceira fase - quando o pesquisador deve resolver todos os problemas, desde o modo de se vestir, até a verba para execução da pesquisa; iv) Quarta e última fase: o pesquisador precisa se distanciar do objeto para fazer o relatório final. É o momento de se olhar criticamente para o objeto estudado, fazendo rupturas, sugerindo novas pesquisas, externando os defeitos e qualidades do objeto amado. 11 CONSTRUINDO O PROJETO DE PESQUISA A partir da construção do projeto de pesquisa é que se delimita o problema que será estudado. Esse recorte do objeto possibilita colocar em ordem as idéias e sistematizar as questões que serão estudadas, com objetividade e rigor. Essa formulação passa por várias etapas: i) delimitar o problema dentro de um campo específico de estudo; ii) a pesquisa deve ser reduzida ao que é possível o pesquisador fazer; iii) evitar coleta de dados que favoreça uma determinada resposta; iv) definir os conceitos que serão usados; e v) prever as etapas do processo de pesquisa, mesmo sabendo que poderão ser reformuladas. Nas páginas 76 e 77 é oferecida uma sugestão para elaboração de projeto de pesquisa: Introdução, Justificativa, Hipóteses de trabalho, Discussão teórica, Metodologia, Cronograma, e Referências Bibliográficas. 12 OS PASSOS DA PESQUISA No início, deve-se escolher o tema do estudo, a delimitação do problema, da definição do objeto a ser pesquisado, dos objetivos a ser atingidos, da construção do referencial teórico, da formulação das hipóteses e da elaboração dos instrumentos de coletas de dados. Um dos primeiros passos do pesquisador é a definição de alguns conceitos teóricos da pesquisa, cujos eixos são: Os Conceitos, ou seja, as unidades de significação que definem a forma e o conteúdo de uma teoria; e As Categorias, que são os conceitos mais importantes dentro de uma teoria. Na seqüência, o pesquisador deve estabelecer afirmações provisórias e suposições duvidosas a respeito de determinados fenômenos (hipóteses), que poderão posteriormente ser confirmada ou rejeitada. A análise da bibliografia deve ser crítica, para definir a linha de trabalho do pesquisador. 13 FICHAMENTO DA TEORIA O fichamento deve ser feito a partir dos livros que apresentem as questões da pesquisa científica, onde irá aparecer a marca e o estilo do pesquisador, mostrando a qualidade do material a ser utilizado, compreendendo o que o autor quer expressar na sua obra. Faz-se uma primeira leitura, sublinhando as palavras e frases mais importantes, fazendo anotações. Atualmente o fichamento pode ser feito diretamente com digitação no computador. 13.1 ROTEIRO DO FICHAMENTO 8 No fichamento, deve ser feito um roteiro, devendo responder a determinadas perguntas, como por exemplo: a) Qual o objetivo do autor? b) Com que outros autores estão dialogando ou discutindo (explícita ou explicitamente)? c) Quais as categorias utilizadas? (como são definidas?) d) Quais as suas hipóteses de trabalho? e) Qual a metodologia utilizada em sua pesquisa? f) Qual a importância em seu estudo no campo em que está inserido? (O que o autor diz? O que eu acho?) g) O autor sugere novos estudos? h) Resumo do Livro. i) Avaliação crítica do livro. Ao definir o campo do conhecimento, o pesquisador deve saber quais são os autores mais importantes, procurando compreender cada idéia e categoria utilizada, para que tenhamos uma “intimidade” com eles. 14 ENTREVISTAS E QUESTIONÁRIOS Inicialmente o pesquisador entrevista as pessoas que parecem saber mais sobre o tema do seu trabalho, mas em seguida as demais pessoas também devem ser ouvidas, para que a pesquisa tenha mais credibilidade. Uma dificuldade é saber se o que está sendo dito pelo pesquisado é verdade, pois ele pode querer projetar ou ocultar imagens e informações, dentro dos seus desejos. A personalidade e atitudes do pesquisador também podem interferir no tipo de resposta. 14.1 ESTRUTURAÇÃO DA ENTREVISTA E QUESTIONÁRIOS 1. A estruturação pode ser rigorosamente padronizada para todos, sendo mais fácil a comparação dos seus dados. Existem as seguintes: a) Fechadas: as respostas ficam limitadas às alternativas oferecidas de forma padronizada, facilmente aplicadas e analisadas de maneira rápida e menos dispendiosa. A limitação é um problema a administrar, pois outras questões importantes poderão ficar de fora; b) Abertas: a resposta será livre e sem limitação de alternativas ao pesquisado, que falará ou escreverá sobre o tema proposto. A análise do material será mais difícil. 2. Podem ser Assistemáticos: solicitam respostas espontâneas, não dirigidas pelo pesquisador. A análise do material é ainda mais difícil; 3. Entrevista projetiva: utiliza-se recursos visuais (quadros, pinturas, fotos) para estimular a resposta dos pesquisados. As questões devem sempre estar relacionadas com os objetivos do estudo, sendo enunciadas de forma clara e objetiva, sem induzir ou confundir, tentando abranger diferentes pontos de vista. 14.2 QUESTIONÁRIO Se o pesquisador decidir enviar um questionário pelo correio, por exemplo, deve pedir uma resposta o mais urgente possível, de preferência numa carta de apresentação. Se possível, deve ser enviado um envelope impresso auto-endereçado e selado, para que não dê trabalho ou custo ao entrevistado. 9 14.2.1 Vantagens do Questionário a) É menos dispendioso; b) Exige menor habilidade para a sua aplicação; c) Pode ser enviado pelo correio ou entregue em mãos; d) Pode ser aplicado a um grande número de pessoas ao mesmo tempo; e) As frases padronizadas garantem maior uniformidade para a sua mensuração; f) Os pesquisadores se sentem mais livres para expressar opiniões que temem ser desaprovadas ou que podem causar dificuldades; e g) Menor pressão para uma resposta imediata. 14.2.2 Desvantagens do questionário Existem algumas desvantagens para quem aplica o questionário, como por exemplo: a) tem um índice baixo de resposta; b) a estrutura rígida impede a expressão de sentimentos; c) exige habilidade de ler e escrever e disponibilidade para responder. 14.3 ENTREVISTA Para se conseguir analisar os parâmetros de uma entrevista, são enumeradas algumas vantagens e desvantagens, a saber: 14.3.1 Vantagens da Entrevista a) pode coletar informações de pessoas que não sabem escrever; b) as pessoas têm maior paciência e motivação para falar do que para escrever; c) maior flexibilidade para garantir a resposta desejada; d) pode-se observar o que diz o entrevistado e como o diz, verificando as possíveis contradições; e) instrumento mais adequado para a revelação de informação sobre assuntos complexos, com por exemplo as emoções; f) permite uma maior profundidade; g) estabelece uma relação de confiança e amizade entre o pesquisador e o pesquisado, o que propicia o surgimento de outros dados. 14.3.2 Desvantagens da Entrevista a) o entrevistador afeta as respostas do entrevistado; b) pode-se perder a objetividade tornando-o amigo. É difícil estabelecer uma relação adequada; c) exige mais tempo, atenção e disponibilidade do pesquisador: a relação é construída num longo período, com uma pessoa de cada vez; d) é mais difícil comparar as respostas; e) o pesquisador fica na dependência do que o entrevistado quer falar ou prestar informações de sua conveniência. 14.4 POSTURA DO PESQUISADOR NA ENTREVISTA OU QUESTIONÁRIO 10 O pesquisador deve ficar atento ao construir uma entrevista ou questionário, como por exemplo: a) decidir quais informações devem ser procuradas; b) decidir o conteúdo da pergunta; c) decidir como redigir a pergunta; d) decidir o lugar na seqüência apresentada, observando as influências das perguntas anteriores; e) decidir que tipo de entrevista ou questionário deve ser usado (aberto, fechado, aberto e fechado); f) redigir um primeiro rascunho; g) após a crítica de outras pessoas, reexaminar e rever as perguntas; h) aplicar e discutir com os entrevistados as dificuldades (pré-teste); e i) reelaborar a entrevista ou o questionário. 14.5 DICAS PARA INTRODUZIR O PESQUISADOR NA ARTE DE ELABORAR UMA ENTREVISTA OU UM QUESTIONÁRIO Para reforçar o que vimos, é preciso anotar algumas dicas para se fazer um bom trabalho de entrevista ou questionário, a saber: a) conhecer bem o assunto; b) examinar as pessoas e as reflexões já feitas sobre o tema para somente depois estabelecer um roteiro; c) o pesquisador deve estar bem preparado para abordar as pessoas; d) não fazer perguntas desnecessárias; e) o pesquisador deve ser o maior conhecedor do assunto a ser tratado; f) criar uma atmosfera amistosa e de confiança; g) não criar antagonismos ou suspeitas nas primeiras abordagens; h) o pesquisador deve se mostrar o mais neutro possível, evitando emitir opiniões; i) começar sempre com as perguntas mais fáceis; j) respeitar as limitações do pesquisado, seu tempo e local da entrevista; e k) deve comparecer no momento da abordagem muito bem preparado para as perguntas e registros oportunos e devidos. 15 PENSANDO COMO UM CIENTISTA Após todo esse trabalho deve-se organizar e analisar os dados coletados, articulando as teorias com os dados empíricos, como o faz um cientista. Cada dado é analisado em confrontação com o corpo, aproveitando os pequenos detalhes que passariam despercebidos por outras pessoas menos qualificadas. Quanto melhor a preparação do pesquisador, maior será a riqueza de suas análises e a conclusão da pesquisa. 16 ANÁLISE E RELATÓRIO FINAL Essa etapa é fundamental para o registro dos trabalhos, após a união de todos os materiais, exigindo mais dedicação e tempo de reflexão para absorver o máximo das idéias captadas. É quando vai se perceber o estilo, o nível de conhecimento teórico, sua criatividade para analisar cada dado e o seu bom senso, planejando com antecedência cada etapa do processo. Após a análise será escrito o relatório da pesquisa. Quanto mais os passos forem seguidos de forma disciplinada, esse momento terá menor dificuldade. 11 O autor começa sempre com uma introdução, quando retoma e relaciona o objetivo geral com os específicos do estudo. Em seguida, justifica a importância da pesquisa e introduz a discussão teórica dos autores relacionados com o tema do estudo. Relata como foi feito em cada passo a coleta dos dados, anotando as dificuldades encontradas e analisando tudo que foi dito e até o que não foi dito e ficou nas entrelinhas das palavras dos pesquisados. Depois da análise de todo o material, são escritas as considerações finais, numa síntese das idéias principais e das sugestões indicativas de novos estudos. Por fim ela faz as referências bibliográficas e os anexos. 16.1 O OBJETIVO DO RELATÓRIO O relatório vai permitir a comunicação da pesquisa para o público. É um momento difícil, no qual devem ser respondidas diversas perguntas, tais como: a) Como construir um único todo com tanta multiplicidade de material? b) Como evitar conclusões vagas? c) A quem se destina o relatório? d) O que o público deseja saber desse assunto? e) Qual a melhor forma de apresentar essas informações? f) Qual a dificuldade e complexidade do assunto? g) Para que e para quem fazemos as nossas pesquisas? 16.2 O QUE O RELATÓRIO DEVE CONTER Um bom relatório científico deve ser composto por informações que possibilitem visualizar os planos, os passos, as quantidades, o tempo e as dificuldades do processo. Senão vejamos: a) A apresentação do problema a que o estudo se refere, com as hipóteses e as definições dos principais conceitos ou categorias; b) Os processos da pesquisa, o planejamento, a técnica da coleta de dados, com os detalhes das entrevistas, dos questionários, das quantidades e como foram feitos; c) Os resultados, enfocando os pontos positivos e negativos, dando ao leitor uma visão completa do estudo; d) As conseqüências dos resultados, com as perguntas que não foram respondidas e sugestões de novas pesquisas para respondê-las; e) Principais conclusões. A autora dá uma síntese do que o relatório deve conter: 1. Capa (dedicatória, agradecimentos, resumo, epígrafe); 2. Sumário; 3. Introdução; 4. Justificativa; 5. Discussão teórica; 6. Descrição do plano de estudo e do método de coleta de dados; 7. Apresentação dos resultados; 8. Análise, interpretações e conclusões; 9. Referências bibliográficas; e 10. Anexos. 16.3 ÉTICA DO PESQUISADOR 12 Na publicação dos resultados, o relatório não pode servir para prejudicar o grupo estudado. Devem ser conservadas as confidências e por isso as propostas do pesquisador devem ser muito claras, para que todos entendam o propósito. Enfim, o pesquisador deve ter experiência e bom senso suficiente para saber exatamente o que deve e o que não deve ser exposto ao público em geral. 17 ALGUMAS PALAVRAS FINAIS Como observamos, a autora acredita que idéias sérias podem ser passadas através de pesquisas, desde que mantenham regras, ao tempo em que o pesquisador procure se enquadrar no processo de metodologia científica, seguindo passos planejados, instrumentos adequados, ética na finalização e na divulgação do relatório final. O campo de pesquisa é o que nos cerca, mas não podemos simplesmente captar de forma perceptível e de fácil quantificação, devendo também ser valorizada a subjetividade implícita na pesquisa qualitativa. Portanto, a imersão na esfera da subjetividade e do simbolismo no determinado contexto social é uma condição essencial para o seu desenvolvimento e penetração nas intenções e motivos a partir de ações e relações para adquirir um adequado sentido. Sua utilização é indispensável, principalmente quando os temas a ser pesquisados demandam exatamente um estudo interpretativo. Para um melhor sucesso na pesquisa, deve ser feita a imersão do pesquisador nas circunstâncias e no seu contexto, nos sentidos e emoções, com respeito aos atores sociais que vão produzir informações e circunstâncias práticas, que serão os dados a ser utilizados para o entendimento e consecução dos resultados, como fruto de um trabalho dinâmico entre pesquisador e pesquisado. Os métodos qualitativos de pesquisa reforçam que o envolvimento é inevitável com o objeto de estudo, já que o pesquisador pode ser membro da sociedade, cabendolhe o cuidado e a capacidade de ser ele próprio e não querer colocar-se no lugar do outro. Mesmo assim, ainda pode acontecer esse fenômeno na emissão de determinado ponto de vista, o que deve ser evitado, mas não invalida o rigor científico. Observamos também que uma crítica constante à abordagem qualitativa é a que diz respeito ao seu rigor para a validade na verificação nas ciências sociais, muito embora a produção intelectual seja sempre o estudo a respeito do objeto. Para que tenhamos uma boa pesquisa, é importante que os critérios internos sejam a coerência, a consistência, a originalidade e a objetivação, para uma argumentação lógica, em série, cronológica e conclusões coerentes, tentando reproduzir, de forma mais fidedigna, a realidade expressada na proximidade cada vez maior do objeto que se pretende compreender. REFERÊNCIAS: GOLDENBERG, Miriam. A arte de Pesquisar. São Paulo: Editora Record, 10ª ed., 2007. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6023: Informação e documentação – referências – elaboração. Rio de Janeiro: ABNT, 2002. 24 p. _________. NBR 6023: Informação e documentação – trabalhos acadêmicos - apresentação. Rio de Janeiro: ABNT, 2005. 9 p.