PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)
Itaquera: Um novo olhar – a midiatização do legado como narrativa
dominante e as expectativas sociais após a Copa do Mundo de 20141
Daniel Sena Serafim2
Egresso PPGCOM – ESPM
Resumo
A Copa do Mundo de Futebol da FIFA de 2014 lançou um novo olhar sobre Itaquera. O
bairro durante os preparativos para o megaevento esportivo recebeu investimentos de
iniciativas públicas e privadas que valorizaram a Zona Leste. As perspectivas de
desenvolvimento social em torno de um suposto legado foram os aspectos midiatizados em
torno da reconfiguração do espaço urbano e das demandas sociais. O legado foi à narrativa
dominante de um suposto equilíbrio social, onde as mazelas do cotidiano seriam revertidas
para uma nova realidade em sintonia com as expectativas de desenvolvimento. Visivelmente
tais acontecimentos sinalizaram algumas transformações em Itaquera. Diante deste fato,
através de um estudo exploratório-descritivo analisaremos como a mídia sinalizou uma nova
dinâmica social para esta periferia e como os agentes capitalistas interagiram com esta
narrativa propondo uma nova representação da cena urbana em função do consumo e das
demandas sociais de Itaquera.
Palavras-chave: Comunicação e Consumo; Visibilidade; Imaginário social.
Considerações iniciais:
Durante os anos de 2011 e 2014 foi possível acompanhar a midiatização do
espaço urbano em Itaquera. A escolha de São Paulo como sede do jogo de abertura da
1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho COMUNICAÇÃO E CONSUMO: Materialidades e
representações da cidadania, do 4º Encontro de GTs - Comunicon, realizado nos dias 08, 09 e 10 de
outubro de 2014.
2
Mestre em Comunicação e Práticas de Consumo pela ESPM, com a pesquisa COMUNICAÇÃO,
CONSUMO E PERCEPÇÃO DA PERIFERIA: A representação da cena urbana do bairro de
Itaquera a partir das narrativas dos operários que trabalham na Arena Corinthians,
[email protected].
1
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Copa do Mundo de Futebol da FIFA de 2014 criou a demanda para a construção de
um estádio em Itaquera para acolher o jogo de abertura, circunstanciado por projetos
de iniciativa pública e privada. Este fato, com efeito, foi midiatizado através da
narrativa dominante do legado.
A reconfiguração do espaço urbano e o equilíbrio social foram às demandas
sociais articuladas pela mídia como legado, possibilitando a reversão de mazelas do
cotidiano
em
uma
nova
realidade,
sintonizada
com
as
expectativas
de
desenvolvimento. De acordo com a Fédération Internationale de Football Association
(FIFA), a Copa do Mundo traz para as cidades-sedes vários legados positivos como
crescimento do turismo, capacitação da mão de obra e melhorias nas infraestruturas,
além de divulgar a imagem do país para o mundo (FIFA, 2012).
A contrapartida a todos os investimentos direcionados na realização do
megaevento esportivo seriam caracterizados como legado positivo, que o evento traz
para as cidades-sede. O conceito de legado3 para a FIFA é bastante amplo e abrange
benefícios sociais e econômicos, como a criação de empregos, ampliação do turismo,
da rede hoteleira, desenvolvimento da infraestrutura (estádios, sistemas de transporte,
telecomunicação), treinamento e aperfeiçoamento dos trabalhadores da construção
civil e o incentivo às práticas de voluntariado.
Diante da confirmação de Itaquera, como local de construção da Arena
Corinthians, e palco do jogo de abertura da Copa do Mundo de Futebol da FIFA de
2014, o bairro teve seu espaço social consumido pelo entretenimento. Itaquera por sua
vez, é uma periferia situada na Zona Leste da cidade de São Paulo, caracterizada
como bairro dormitório, a localidade é moldada por uma concentração populacional
elevada. A região dispõe de shoppings centers, redes de supermercados e indústrias, o
transporte metroviário tornou a região mais atraente ao comércio.
3
Conforme o artigo Infraestruturas nas Copas do Mundo da Alemanha, África do Sul e Brasil.
Publicado na revista Cadernos Metrópole, de 2013.
2
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Este bairro, ao longo de sua história recebeu alguns convites4 à transformação,
como por exemplo:

A construção de uma ferrovia em 1875;

A pavimentação rodoviária da avenida radial leste em 1960;

A estruturação da linha leste do metrô, especificamente o trecho Artur Alvim –
Itaquera, que possibilitou a união com a extensão ferroviária Expresso-leste em
1988;

Por último, a edificação da Arena Corinthians, como palco do jogo de abertura da
Copa do Mundo de Futebol da FIFA de 2014, circunstanciada por projetos
urbanos das iniciativas públicas e privadas, a partir de 2011.
Este último convite à transformação, provocou um imaginário nos operários
que trabalharam na construção da Arena Corinthians, de um novo patamar social em
que uma periferia poderia ser deslocada da margem da sociedade para a centralidade
do mundo, através da coparticipação de personagens anônimos que trabalharão na
construção do palco de abertura do megaevento esportivo, cuja repercussão é massiva
e midiática.
A mídia e os agentes capitalistas produziram uma narrativa dominante, de que
o estádio do Sport Club Corinthians Paulista seria o dinamizador do desenvolvimento
da Zona Leste. A forte identificação clubística em Itaquera ao clube de futebol citado
seria o aporte principal para a construção do imaginário social, como alicerce para
sustentação do legado e a midiatização das demandas sociais de Itaquera, como
expectativas de desenvolvimento social após a Copa do Mundo de 2014. Esta
narrativa foi à pauta de agendas políticas e midiáticas que protagonizaram a cena
urbana de Itaquera entre 2011 e 2014, proporcionando um novo olhar sobre a região.
4
Conforme a dissertação COMUNICAÇÃO, CONSUMO E PERCEPÇÃO DA PERIFERIA: A
representação da cena urbana do bairro de Itaquera a partir das narrativas dos operários que
trabalham na Arena Corinthians.
3
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A midiatização do legado e das demandas sociais em Itaquera:
O local onde está o estádio do Sport Club Corinthians Paulista já era
especulado pelos populares antes mesmo da construção. Em meados da década de 90
o senso comum desta periferia, baseado na identificação clubística, já considerava
que, nas proximidades do metrô Itaquera um dia seria erguido um estádio de futebol
do Corinthians.
Este espaço, já abrigava um precário centro de treinamento do clube, mas no
imaginário local, estava reservado ao futuro estádio 5 . Para Maffesoli (2001) o
imaginário é um elemento muito concreto e presente na realidade social, como uma
interação além das compreensões individuais, explicada pelo autor assim:
[...] o estado de espírito de um grupo, de um país, de um Estado-nação, de
uma comunidade, etc. O imaginário estabelece vínculo. È cimento social.
Logo, se o imaginário liga, une numa mesma atmosfera, não pode ser
individual. (MAFFESOLI, 2001, p. 76).
Os discursos midiáticos e políticos por sua vez, contribuíram bastante na
alimentação do imaginário dos populares da região em relação à construção do
estádio em Itaquera. Uma vez tomada à decisão de que a cidade de São Paulo
receberia o jogo de abertura da Copa do Mundo de 2014, a prefeitura da cidade
buscou parcerias com empresas privadas para viabilizar estudos a favor da construção
da Arena em Itaquera, reforçando a decisão da FIFA. A pesquisa realizada para
argumentar em favor da escolha de São Paulo focalizou quatro aspectos. O primeiro
fato evidencia a cidade de São Paulo, como uma metrópole de relevância econômica,
social, cultural e com características globais. O segundo aspecto coloca a construção
do estádio de Itaquera como fator de desenvolvimento da cidade, em geral, e da Zona
Leste em particular. O terceiro fator é direcionado ao fomento e incentivo de
desenvolvimento econômico por meio de grandes eventos esportivos, o que é
5
Ainda que não se trate de um argumento científico, o autor que também é morador da localidade de
Itaquera, ao longo de sua trajetória de vida teve contato e acesso a inúmeras narrativas de populares,
que idealizavam a construção do estádio do Sport Club Corinthians Paulista próximo a estação de
metrô em Itaquera.
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exemplificado no estudo realizado a partir dos investimentos e resultados econômicos
obtidos para uma cidade-sede em alguns dos últimos Jogos Olímpicos. O quarto
aspecto demonstrava os benefícios estimados com a construção da Arena Corinthians,
estádio criado para a abertura da Copa do Mundo, em relação ao ciclo de vida da
Arena. Principalmente, o período de operação pós-copa; mencionando-se a alta
identificação entre os moradores locais e o clube, segundo a consultoria responsável
pelo estudo, fato que poderia atrair bons investimentos e outros atributos
mercadológicos para Itaquera.
Abaixo na figura 1, nota-se a deliberada comparação entre a Copa do Mundo e
a arrecadação usual de alguns dos grandes megaeventos realizados na cidade de São
Paulo, a omissão dos investimentos públicos empregados para subsidiar um evento
privado como a Copa do Mundo, se apresenta de forma implícita. Itaquera como
muitas outras periferias brasileiras, possui demandas sociais latentes, como moradia,
oportunidade de trabalho e a distribuição de hospitais para atender a região que é
caracterizada pela grande concentração populacional.
Figura 1: Comparação de lucro financeiro gerado pela realização da Copa em Itaquera em relação a outros eventos que ocorrem
na cidade de São Paulo.
Fonte: O acesso à pesquisa foi obtido pelo auto por meio de pesquisa eletrônica no site da consultoria, onde o relatório completo
estava disponível para download, (Janeiro/2011).
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Neste contexto, Freitas (2010) articula a temática dos megaeventos como um
entretenimento contemporâneo, que por vezes se justifica em discursos políticos e
midiáticos, travestidos da figura de compromissos essenciais na construção da
imagem do país para o mundo através dos megaeventos. A Copa do Mundo de 2014
esteve cercada de propostas políticas que contemplaram um legado que seria
permanente aos moradores das cidades-sede. O autor define assim este formato de
entretenimento:
Os megaeventos são fatos sociais que, muitas vezes, podem entrar de vez para
a história de uma cidade. Para o melhor ou para o pior. Para o melhor, se o
seu legado efetivamente for útil à população ou se, pelo menos, não trouxer
danos urbanísticos e acrescentar maior movimento à economia local. Para o
pior, quando o dinheiro público for desperdiçado em uma maior preocupação
com o espetáculo midiático do que com o bem estar da população que
continuará a viver naquele lugar. (FREITAS, 2010, p 10).
Freitas (2010) atribui o legado tão falado a um agrado aos visitantes, em que
evidentemente, existem ganhos políticos, econômicos e urbanísticos importantes, mas
percebe-se que o espetáculo ganha vulto mais importante do que o bem estar futuro da
população. Neste período midiático o entretenimento da à sensação que a máquina
pública opera planejamentos relacionados a transporte, infraestrutura, moradia,
saneamento básico. Por sua vez, Itaquera é ideal para contextualizar o exemplo do
referido autor, em função da midiatização do megaevento esportivo, a prefeitura de
São Paulo divulgou, em julho de 2012, em virtude da possibilidade de firmar a obra
da Arena Corinthians como sede da abertura da Copa do Mundo de Futebol da FIFA
2014, uma sequência de obras públicas em Itaquera. O projeto proposto, para a região
de Itaquera contemplaria o estádio, um polo institucional e um polo tecnológico. De
imediato, a proposta atraiu a atenção para além dos olhares voltados ao estádio, onde
o aquecimento da economia local começava a mobilizar as atenções de agentes
capitalistas em torno da região. Além de estimular a visibilidade e o imaginário
coletivo, a proposta propôs a região um acesso a uma cidadania utópica, ou seja, um
aparelhamento urbano totalmente fora da realidade social de uma periferia,
6
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proporcionando a produção de um espaço social otimizado, em função do
entretenimento e do espetáculo, deixando de observar as reais demandas sociais
existentes no bairro. Na figura 2, a proposta para a região de Itaquera evidencia o
discurso do legado a partir da construção da Arena Corinthians, midiatizando as
demandas sociais em uma visibilidade capaz de alienar quem estiver inserido na
realidade do bairro. Diante desta proposta6 de reconfiguração urbana, o autor deste
artigo e morador das proximidades de Itaquera, faz uma pergunta que às vezes pode
incomodar moradores, críticos, estudiosos e políticos: Será que todas essas
intervenções urbanas e sociais propostas no projeto não poderiam ter acontecido sem
o protagonismo do estádio? Se o estádio não fosse construído em Itaquera, essas
propostas seriam ao menos imaginadas em função das necessidades da região, sendo
esta a mais populosa da capital paulista?
Figura 2: Projeto de reconfiguração urbana proposta a região de Itaquera, em conjunto as obras do estádio para Copa do Mundo
de Futebol da FIFA de 2014.
Fonte: O autor teve conhecimento do projeto ao participar de palestra ministrada pelo secretário de desenvolvimento urbano da
prefeitura de São Paulo em um evento realizado no Conselho Regional de Administração, denominado “SP 2040 – A Cidade que
Queremos”, (Junho/2012).
6
Proposta como parte do Plano diretor da cidade de São Paulo apresentado em 28 de Junho de 2012 no
Conselho Regional de Administração, pelo na época secretário municipal de desenvolvimento urbano
Domingos Pires de Oliveira Dias Neto na gestão do prefeito Gilberto Kassab, projeto que visava a
proposta entre coesão social, desenvolvimento urbano, melhoria ambiental, mobilidade, acessibilidade
e oportunidade de negócios em diversas regiões do Estado.
7
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Mais do que responder a esta pergunta, talvez seja interessante evidenciar a
força da construção midiática, que através da visibilidade parcial dos fatos favorece a
privatização do espaço público, em detrimento das reais demandas sociais. Fato este
que, utilizando-se da paixão popular pelo futebol, aditivado pela identificação
clubística, faz parecer que de repente uma região, que por sinal é a mais populosa de
São Paulo sai da margem da sociedade e aparece como centralidade na pauta da
agenda política e midiática. Kellner (2001) por meio desta interação entre espaço social
e cena midiática, atribui o protagonismo desta relação à cultura da mídia, sendo esta
dominante devido ao fato de impactar um grande número de pessoas provocando reações
conforme a citação abaixo:
Com o advento da cultura da mídia, os indivíduos são submetidos a um fluxo
sem precedentes de imagens e sons dentro de sua própria casa, e um novo
mundo virtual de entretenimento, informação, sexo e política estão
reordenando percepções de espaço e tempo anulando distinções entre
realidade e imagem, enquanto produz novos modos de experiência e
subjetividade. (KELLNER, 2001, p 27).
As interações, produzidas pela mídia em relação às demandas sociais de
Itaquera impactaram a massa diretamente na representação da vida cotidiana,
inclinando-se a produção de novos imaginários em Itaquera, originadas pelo consumo
do espaço social protagonizado pelo entretenimento imposto pela Copa do Mundo de
Futebol da FIFA de 2014.
Itaquera um novo olhar - expectativas de uma nova cena urbana:
Visivelmente, a Copa do Mundo de Futebol da FIFA de 2014 mobilizou
investimentos estratégicos em Itaquera. Tais acontecimentos, de fato, sinalizaram
algumas transformações no bairro, o conjunto de obras e iniciativas deixou a região
sobre uma visibilidade midiática, para Thompson (2008) o discurso da visibilidade é
fundamento da vida social e política, conforme explica o autor:
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A visibilidade das ações e eventos, o impacto dessas palavras e imagens na
forma como os indivíduos comuns entendem o que está acontecendo em
regiões distantes e na forma como moldam suas opiniões e julgamentos
morais sobre tais situações têm se tornado, no tempo presente, uma parte
inseparável do decurso dos eventos em si. (THOMPSON, 2008, p 37).
A presença de Itaquera no contexto midiático alçou o bairro a um cenário
globalizado. Em função de acolher o jogo de abertura, esta periferia teve seu cotidiano
exposto em diversas plataformas de mídia, a revista Veja, trouxe em sua edição
interna publicada na Veja São Paulo7 uma matéria que abordava o contexto social do
bairro e os reflexos da Copa do Mundo no cotidiano dos moradores. O título da
revista, embora curioso apresenta de Itaquera como centralidade global dos
acontecimentos “ITAQUERA NO CENTRO DO MUNDO”.
Abaixo na figura 3, é possível visualizar a capa da revista, no qual o bairro se
torna evidência em função da visibilidade acerca da Copa do Mundo de 2014.
Figura 3: Capa da revista Veja São Paulo, que evidência o bairro de Itaquera em função da Copa do Mundo de Futebol da FIFA
de 2014.
Fonte: Revista Veja, (Junho/2014).
7
Veja São Paulo: É uma publicação interna semanal da revista Veja, que aborda a programação
cultural de São Paulo em relação a restaurantes, bares, shows, cinema, teatro e grandes eventos na
cidade. Em sua edição de 11 de junho de 2014 trouxe como matéria de capa “Itaquera no centro do
mundo”.
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A matéria, de certa forma explora o entorno da Arena e as transformações
produzidas pelo evento no bairro. O discurso produzido pela publicação enfatiza o
local, como uma espécie de noiva que se arruma para o casamento, onde maquiagens,
vestidos e todo um aparato visual são ornamentados a dama, para que a mesma esteja
bela para a cerimônia. Logo no início da matéria, percebe-se uma conotação de que
agora, somente agora o bairro está pronto para ser habitado, visitado ou simplesmente
mencionado de maneira social e política, refutando qualquer aspecto do seu passado
ou demandas sociais existentes e que não foram atendidas em sintonia com o projeto
de reconfiguração urbana proposto a Itaquera, conforme mencionado anteriormente.
Messiânica ou emblemática, o discurso da revista encaminhado pela narrativa
dominante da midiatização do legado social, abre caminho para inúmeras mensagens
de agentes capitalistas que passaram a se comunicar com Itaquera e seu entorno em
função do consumo baseado nas demandas sociais desta periferia. De fato, a explosão
de mensagens, anúncios, propagandas e publicidades dentro do bairro revertendo à
conotação de periferia violenta, local inadequado para moradia, sem infraestrutura de
lazer, sem opções de sociabilidade foram abafadas pelo ufanismo capitalista em torno
do momento, que projetou para Itaquera uma nova cena urbana, um novo olhar
repleto de expectativas e ansiedades depositadas em uma nova trajetória após a Copa
do Mundo de 2014.
A comunicação destes agentes capitalistas apresenta-se a esta periferia, neste
contexto, como uma forma visibilidade mercadológica na intenção de um
reconhecimento público que assuma de fato importância e relevância em suas vidas.
Esta articulação direcionada as pessoas, envolvendo interações, trocas e
compartilhamento de experiências acabam, por sua vez, produzindo significados
sociais. Tais noções estão enlaçadas com o consumo em suas diversas facetas, vividas
pela sociedade através das práticas de consumo. Essas experiências são provedoras de
mudanças culturais o que, entre outros aspectos, servem como base para a
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constituição do campo da comunicação e consumo, como uma linguagem
contemporânea, explicada da seguinte maneira por Baccega (2008):
Então, que caminhos tomar para que o acesso aos benefícios da
contemporaneidade seja garantido a todos e os prejuízos aos sujeitos sejam
minorados? Como já aprendemos há muito tempo – e parece bastante
importante não esquecer – qualquer análise da realidade, qualquer crítica a
ela, qualquer proposta de modificação ou aprimoramento dela passa pelo seu
conhecimento. Até porque tais movimentos serão realizados por homens que
são sujeito e objeto: fazem a história e são resultados dela. (BACCEGA,
2008, p.4).
Sendo assim, comunicação e o consumo se cruzam aos contextos sociais de
Itaquera, em torno da visibilidade, apropriações e mudanças de significado que foram
propostas ao bairro, provenientes da ação a mídia, onde os agentes capitalistas por sua
vez, interagiram com a narrativa do legado propondo uma nova representação da cena
urbana em função do consumo e das demandas sociais de Itaquera.
Fato este, sinalizado pela mídia como uma nova dinâmica social para esta
periferia. A figura 4 demonstra o exemplo mais marcante que é o do setor
imobiliário8, que antes mesmo do megaevento, especulou a região supervalorizando
apartamentos de conjuntos habitacionais elevando seus valores de mercado, e
consequentemente promovendo uma segregação social, obrigando as famílias que não
suportaram o custo de vida econômico imposto a Itaquera, a deixarem suas casas e
procurarem outro local de moradia.
8
Itaquera e sua valorização imobiliária: Conforme publicação do exemplar comunitário “SP Leste –
Itaquera e Região”, edição 11 – fevereiro de 2013. A publicação cujo título é “Modernização faz de
Itaquera um lugar cada vez melhor” evidência o destaque do mercado imobiliário, onde segundo o
Conselho Regional de Corretores de Imóveis do Estado de São Paulo (CRECI-SP), entre janeiro e
junho de 2012, o bairro de Itaquera valorizou aproximadamente 55%.
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Figura 4: Ritmo Condomínio Club, empreendimento imobiliário idealizado para Itaquera.
Fonte: Folheto promocional adquirido pelo próprio autor em visita a campo, (Junho/2014).
A figura 4 representa apenas um exemplo dos muitos casos que surgiram em
Itaquera em torno de uma nova representação do bairro em função da construção da
Arena Corinthians. A publicidade referencia um supermercado, uma estação de metrô,
um shopping, que por sua vez, estão evidenciados pelo protagonismo do estádio, tais
pontos, exceto o estádio já existiam muito antes de Itaquera ser escolhida como sede
do jogo de abertura, mas não conquistaram a mesma visibilidade ou reconhecimento
público que provocasse o interesse dos agentes capitalistas para articulações de
interesse em Itaquera, demonstrando a força que a mídia pode promover através da
visibilidade ou esquecimento em relação ao grau de importância determinado como
agenda midiática. Para Thompson (2008) a conquista da visibilidade pela mídia é
caracterizada assim:
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Conquistar visibilidade pela mídia é conseguir um tipo de presença ou de
reconhecimento no âmbito público que pode servir para chamar a atenção
para a situação de uma pessoa ou para avançar a causa de alguém. Mas, da
mesma forma, a inabilidade em conquistar a visibilidade através da mídia
pode condenar uma pessoa à obscuridade – e, no pior dos casos, podem levar
a um tipo de morte por desaparecimento. Assim, não é surpresa que a disputa
por visibilidade assumiu tal importância em nossas sociedades hoje. A
visibilidade mediada não é apenas um meio pelo qual aspectos da vida social
e política são levados ao conhecimento dos outros: ela se tornou o
fundamento pelo qual as lutas sociais e políticas são articuladas e se
desenrolam. (THOMPSON, 2008, p 37).
Diante desta visibilidade, Itaquera obteve uma nova caracterização de seu
espaço urbano, onde a midiatização do legado foi à narrativa dominante que articulou
as demandas sociais em torno das exigências pelo cumprimento da organização do
jogo de abertura da Copa do Mundo de Futebol da FIFA de 2014.
Considerações finais:
De fato, a Copa do Mundo de 2014 provocou mudanças físicas e simbólicas
em Itaquera. O imaginário de um novo patamar social, em que uma periferia deslocase da margem da sociedade para a centralidade do mundo, foi estruturante no discurso
midiático para um novo posicionamento simbólico do bairro.
A nova representação, da cena urbana de Itaquera foi o pano de fundo para
uma articulação da mídia entre a realidade vivida e imaginada, que pela via de seus
moradores, foi o meio utilizado pelos agentes capitalistas para transformar o
imaginário midiático projetado ao bairro, na construção de expectativas para o
período após a Copa.
As experiências dos moradores desta periferia, durante o mundial de futebol
provocaram expectativas de que algo positivo estaria por vir. Embora o cenário ainda
seja nebuloso em torno da ilusão de benefícios proporcionados pelo megaevento, o
bairro por sua vez retoma o eixo comum dos acontecimentos cotidianos, e tenta fazer
a leitura do proposto legado social. Observando, por exemplo, o movimento social
“Copa do Povo” que durante o megaevento ocupou um terreno próximo ao estádio
reivindicando moradia, e agora após o mundial percebe esta condição fora do Plano
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Diretor de São Paulo, num projeto que pretende definir as diretrizes de crescimento e
desenvolvimento da cidade pelos próximos 16 anos. O mesmo Plano que em 2012
buscava coesão entre o legado e a cidadania dos populares da região.
Estabelecimentos ainda contabilizam os resultados financeiros em busca de
uma resposta mercadológica que viabilizaria toda organização estratégica promovida
para absorver o aumento do fluxo de consumidores. O entorno ainda se demonstra
apreensivo, com o que pode ocorrer nos dias de jogos em Itaquera, lucros e prejuízos
ainda são pauta de discussão entre a iniciativa pública e os comerciantes da região.
Mesmo que as obras de mobilidade tenham facilitado o acesso à região, e a
oferta de empregos realmente aumente em Itaquera, é recomendado cautela para
avaliar o legado, pois a realidade presente em Itaquera ainda é a mesma cultivada por
seus antigos moradores, conforme publicação no portal eletrônico do jornal da região,
que define o bairro desta maneira:
Diferentemente do que muita gente imagina Itaquera situada no extremo leste
da cidade de São Paulo, a 20 km do marco zero (Praça da sé) tem uma
história muito bonita, repleta de lutas sociais e de um bairrismo silencioso e
romântico, que por anos permaneceu apenas no coração de seus moradores
mais antigos. (JORNAL NOTÍCIAS DE ITAQUERA, JANEIRO 2013).
Embora a Arena Corinthians, definitivamente configure o imaginário
oferecido pelo espetáculo, produzindo o simbolismo de uma nova cena urbana,
Itaquera foi o exemplo inevitável da industrialização cultural do futebol. Mesmo
preservando hábitos simples de seu cotidiano, o bairro foi convidado a transmitir a
circulação de um imaginário, onde o jogo, o sonho e o simbólico se fazem presentes e
úteis como utensílios da vida cotidiana.
Quanto ao futuro de Itaquera, indubitavelmente o mesmo é incerto e só o
tempo poderá desvelar o verdadeiro sentido do legado, assim mesmo, que os
especialistas apontem melhorias nas demandas sociais o real dimensionamento desta
identidade e o reconhecimento dela, permanecerá dentro de cada um dos moradores
de Itaquera, que a cada dia procuram um novo olhar capaz de revigorar as
perspectivas de suas vidas.
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Referências:
BACCEGA, Maria Aparecida. Comunicação e Culturas do Consumo. São Paulo, Editora
Atlas, 2008.
BRANSKI, Regina Meyer; NUNES, Elisa Eroles Freire; LOUREIRO, Sérgio Adriano;
JUNIOR, Orlando Fontes Lima. Infraestruturas nas Copas do Mundo da Alemanha,
África do Sul e Brasil. In: Cadernos Metrópole, Número 30, jul / dez 2013, São Paulo, p.
557 – 582.
COLOMBO, Silas. Welcome to Itaquera. Veja São Paulo, edição nº 2.377, ano 47, nº 24 p.
37 – 44, Junho 2014.
FREITAS, Ricardo Ferreira. Em nome do espetáculo: Megaeventos, Cidades e
Representações Midiáticas. Porto Alegre, Abrapcorp, Maio 2010.
KELLNER, Douglas. Guerras entre teorias e estudos culturais. In: A cultura da Mídia –
estudos culturais: identidade e política entre o moderno e o pós-moderno. Bauru, SP: EDUSP,
2001, p. 25-74.
MAFFESOLI, Michel. O imaginário é uma realidade. FAMECOS, Porto Alegre, volume 1,
nº 15, p. 74 – 82, Agosto 2001.
SERAFIM, Daniel Sena. A representação da cena urbana do bairro de Itaquera a partir
das narrativas dos operários que trabalham na Arena Corinthians. [dissertação]. São
Paulo: Escola Superior de Propaganda e Marketing; 2014.
THOMPSON, John B. A nova visibilidade. Matrizes, São Paulo, volume 1, nº 2, p. 15 – 38,
Abril 2008.
TRAD, Samir Mohamed. Modernização faz de Itaquera um lugar cada vez melhor. SP
Leste – Itaquera e Região, São Paulo, 11 de fevereiro de 2013, p. 1.
Registro dos endereços eletrônicos analisados:
Disponível em: <http://pt.fifa.com/worldcup/organisation>, acesso em 16/06/2013.
Disponível em: <http://www.noticiasdeitaquera.com.br/index2.htm>, acesso 19/01/2013.
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