SUSTENTABILIDADE DO PROGRAMA CULTURA VIVA SUBSÍDIOS AO DEBATE Equipe IPEA Redesenho do Programa Cultura Viva A sustentabilidade tem diversas dimensões, é um conceito sistêmico que articula aspectos econômicos, sociais, culturais e ambientais. Quando nos referimos a questão da sustentabilidade do Programa Cultura Viva consideramos essas dimensões, pois todas determinam sua estrutura e a opção por determinadas ações. No contexto do Redesenho, propomos ampliar esse conceito a fim de contemplar aspectos que remetem ao desenho conceitual, apoio institucional e suporte jurídico. Para que o Programa seja sustentável há necessidade de desenho do ciclo de políticas públicas, desde uma boa formulação até o acompanhamento das ações. Ao analisarmos o histórico do Programa vemos que aumentou drasticamente o número de Pontos e Pontões de Cultura: GRÁFICO 1 – Número de pontos e pontões, 2012 143* Pontões 679** Pontos Pontos de Rede Municipal 714 Pontos de Rede Estadual 2134 0 500 1000 1500 2000 2500 FONTE: SCC: 2012. HTTP://WWW.CULTURA.GOV.BR/CULTURAVIVA/SECRETARIA/SCDC-EM-NUMEROS *PONTÕES + PONTÕES DE BENS REGISTRADOS COMO PATRIMÔNIO IMATERIAL **PONTOS = PONTOS DIRETOS + PONTOS INDÍGENAS O crescimento anual dos Pontos foi enorme ao longo dos anos de implementação (2004 a 2012), como podemos observar no gráfico abaixo: GRÁFICO 2 – Crescimento de pontos, 2004-‐2011 FONTE: SCC: 2012. HTTP://WWW.CULTURA.GOV.BR/CULTURAVIVA/SECRETARIA/SCDC-EM-NUMEROS Além do conveniamento de pontos e pontões foram distribuídos 1384 prêmios e 1300 bolsas, e as ações iniciais - Cultura Digital, Escola Viva, Agente Cultura Viva, Griôs - foram 1 desdobradas em várias outras, a saber, Mídia Livre, Tuxaua, Economia Viva, Pontinhos, Cultura e Saúde, Areté, Asas, Pontos de Valor, História de Ponto, Ponto a Ponto, eventos, seminários, redes temáticas, redes locais, regionais, nacionais, estaduais, municipais, Teias regionais e nacional, etc. O aumento do número de conveniamento e ações foram acompanhados do crescimento do orçamento que, em 2004 era da ordem de R$16.160.000,00 e, mesmo variando ao longo dos anos, em 2012 gira em torno de R$113.624.780,00. Dos recursos da dotação orçamentária nem tudo foi empenhado ou pago, como podemos observar no Gráfico 3. A dotação orçamentária cresceu bastante, o nível de empenho também e nível de recursos pagos no ano ficou relativamente estável. O maior problema refere-se aos restos a pagar, empenhos de uma ano pagos no ano posterior e que comprometem os recursos financeiros da secretaria. GRÁFICO 3. Programa Cultura Viva – Comportamento do orçamentos por ano – 2004-‐2012 PROGRAMA CULTURA VIVA -‐ 2004 a 2012 DOTAÇÃO INICIAL¹ x EMPENHO x PAGAMENTO² 250.000.000,00 Dotação Inicial 200.000.000,00 Empenhado Pago 150.000.000,00 100.000.000,00 50.000.000,00 -‐ 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 ¹ A linha desconsidera o limite disponibilizado à Unidade ( após contingenciamento de recursos). ² A linha desconsidera o pagamento de e mpenhos pendentes de anos anteriores ( Restos a Pagar-‐ RP). Considerando a soma dos pagamentos ( Orçamento Anual + RP), conforme gráfico e specífico sobre PAGAMENTOS, nota-‐se que houve aumento de 37% e m 2011, em relação a 2010. Aumento de 15% da dotação de 2011 para 2012. Os valores decrescentes das curvas de pago e empenhado decorrem da grande quantidade de RPs ( 2007-‐2010) pagos e m 2011, comprometendo o recurso f inanceiro da Secretaria. FONTE: SCC:2012. EVOLUÇÃO ANUAL DO ORÇAMENTO. Os números do gráfico poderiam indicar que a sustentabilidade do Programa Cultura Viva estaria garantida em função do crescimento dos recursos, dada a priorização do programa pela SE/MinC e a resposta da sociedade civil na participação de editais e consequente dinamização das redes e circuitos culturais. Esta é uma leitura apressada. Se considerarmos que a SCC não conseguiu ampliar, na mesma proporção seus recursos humanos e sua capacidade de ir além do desenho das ações, criando um sistema eficiente de acompanhamento, monitoramento e avaliação das ações, e que mesmo tendo aumentado seu orçamento raramente consegue pagar os editais em um cronograma de desembolso razoável - em 2012 ainda se tem convênio dos editais de 2004, 2005, 2007 e 2009 sendo pagos - vemos que essa expansão - se de um lado deu escala ao Programa, por outro aumentou criticamente suas fragilidades do ponto de vista da gestão interna. Assim, se não há dúvidas do potencial do Programa para reconhecer e nomear as iniciativas culturais que emergem das periferias do país, existe muito questionamento em relação a sua capacidade de administrar os fluxos burocráticos que estas ações pressupõem. As fragilidades da SCC foram mapeadas em diversos estudos e pesquisas, confirmada nos depoimentos dos gestores e beneficiários e está bem documentada a dificuldade da Secretaria em estabelecer internamente rotinas, procedimentos, modelos e fazer a gestão da informação. Para além das dificuldades dos Pontos e Pontões em dialogar com as estruturas de Estado e eventuais atrasos nos relatórios e prestação de contas, identificamos que a principal dificuldade da SCC é organizar a própria secretaria, cujos recursos humanos são insuficientes 2 para dar conta dos desafios que crescimento do programa colocou. A resposta mais rápida e aparentemente consistente foi a descentralização. Não estava no horizonte de questões aumentar as capacidades de supervisão, coordenação, geração de dados e informações, e gerir capacidades de governo e articulação em rede, mas compartilhar, mesmo que de forma não muito clara, responsabilidades por questões chave do programa: recursos financeiros por parte do governo federal e acompanhamento das prestações de contas por parte dos Estados e municípios. A SCC em 2005 realizou seu primeiro edital para governos estaduais e municipais, dando início, assim, a um modelo de gestão descentralizada dos convênios de Pontos e Pontões de Cultura. Um aspecto favorável foi o aumento significativo dos Pontos e Pontões, dando escala ao Programa e, teoricamente, tornando possível à SCC administrar o fluxo burocrático resultante dos convênios firmados com 24 estados e 16 municípios. No entanto, os Editais mostram que a SCC não teve a preocupação em vincular estes novos pontos e pontões a um processo de acompanhamento, monitoramento e avaliação, deixando que governos estaduais e municipais definissem a metodologia de implementação da ação. O resultado é que os processos são extremamente desiguais, não se têm informações sobre os novos circuitos culturais implementados e os Pontos de Rede não dialogam com a Rede de Pontos. Do ponto de vista da sustentabilidade do Programa, interessa ganhar escala sem qualidade no fluxo de informações e nas capacidades de ação em rede? Para ganhar escala é necessária a descentralização dos pontos de cultura, mas também definir graus de prioridades, hierarquizar ações conforme nível estratégico e fazer opções. É imprescindível um sistema de monitoramento eficiente e oportuno para a gestão. Também é necessário associar as ações a fluxos burocráticos adequados. A avaliação do processo de descentralização realizada em 2005, 2007 e 2009 ainda está para ser feita, não obstante a ausência de dados, a SCC avalia que este processo deve ser aprofundado, para garantir o aumento do número de pontos. Há inúmeras dúvidas a respeito da viabilidade do processo de descentralização, dadas as indefinições no que se refere às capacidades de Estados e municípios de desincumbirem de atividades de acompanhamento e coordenação de redes. Obviamente, há mais a fazer do simplesmente repassar recursos. O gestor ou animador de redes não apenas precisa coordenar, mas assegurar informações, processos eficientes de comunicação, bem como gestão de recursos e processos. Nos quadros abaixo estão duas possibilidades relacionadas à descentralização com algumas das suas vantagens e desvantagens: a) descentralização ampla, quando os recursos serão repassados e todo o processo de conveniamento e gestão de redes serão geridas pelos Estados e b) descentralização estratégica, quando algumas atribuições e ações ficam a encargo do acompanhamento e coordenação do governo federal. DESCENTRALIZAÇÃO AMPLA O que? Gestão Política Vantagens Ampliação rápida do número de pontos e pontões; Compartilhamento de funções de gestão com estados e municípios; Criar sistema compartilhado de alocação de recursos financeiros (editais); Distribuição equitativa de incentivos políticos para os níveis locais criarem seus pontos e pontões; Coordenação de ações segundo objetivos; Desvantagens Crescimento do número de pontos e pontões sem suportes institucionais adequados; Complexidade do processo de acompanhamento e monitoramento pela SCC; Fragilidade sistêmica das instituições da administração pública cultural; A SCC não tem relação direta com o beneficiário; Lutas político-partidárias; Cooptação política; Não reconhecimento da atuação do MINC; Fragilização da SCC dada a ausência de ações sob sua governabilidade; Maior risco de restrição da base de sustentação política dada a incerteza da qualidade das relações institucionais; Redes estaduais isoladas; 3 Econômica Coordenação de recursos financeiros dos três níveis de governo; Potencialização entre parcerias locais e recursos do Governo Federal; Possível desperdício de recursos tendo em vista as barreiras institucionais ao monitoramento e prestação de contas; DESCENTALIZAÇÃO ESTRATÉGICA O que? Gestão Política Econômica Vantagens Ampliação segura das ações Uso focalizado de recursos administrativos e humanos em ações priorizadas; Aumento da segurança e agilidade na tomada de decisão; Relação direta da SCC com o beneficiário; A SCC resguarda seu papel político externa e internamente; Manutenção das bases conceituais do programa; Redes nacionais; Coordenação de recursos financeiros dos três níveis de governo; Potencialização entre parcerias locais e recursos do Governo Federal; Desvantagens Risco de erro na priorização das ações; Risco de restrição da base de sustentação política dada a incerteza da qualidade das relações institucionais; Possível desperdício de recursos tendo em vista as barreiras institucionais ao monitoramento e prestação de contas; Ausência de mecanismos de coordenação e alinhamento de objetivos; Há outro sentido para a ideia de sustentabilidade que envolve a capacidade das associações em estabelecer alianças entre si, parcerias com Estados, municípios e outras instituições, troca de serviços e produtos culturais. Nesse caso, a sustentabilidade é das associações. No processo de gestão de redes, os agentes devem ser capazes de gerenciar informações de maneira a garantir o aproveitamento máximo de oportunidades, seja oferecidos com recursos governamentais, privados ou de recursos em circulação dentro das redes da sociedade civil. A ausência de pré-requisitos pode significar que o sucesso político da descentralização em um momento seja o seu possível colapso no momento seguinte. Questões: 1) Qual a aposta mais viável para a descentralização? 2) O processo deve considerar as capacidades dos atores envolvidos e deve ter estratégias para lidarem com restrições de forma coordenada? Como? 3) Quais seriam as atribuições da União, estados e municípios em cada um delas? 4) Do ponto de vista da sustentabilidade do Programa, interessa ganhar escala sem qualidade no fluxo de informações e nas capacidades de ação em rede? 4