Fundamentos de Análise Matemática
Profª Ana Paula
Números Irracionais
Grandezas comensuráveis
Vamos comparar dois segmentos retilíneos AB e CD. Dizer que a razão AB/CD é o número
racional m/n, significa que existe um terceiro segmento EF tal que AB seja m vezes EF e CD n
vezes esse mesmo segmento EF. AB e CD são segmentos, não números. É por isso que
"razão" não é o mesmo que "fração". Os gregos não usavam "frações", apenas "razões".
Notação: AB : CB
m : n "AB está para CD assim como m está para n".
Definição: Dois segmentos nessas condições são ditos "comensuráveis", justamente por
ser possível medi-los ao mesmo tempo, com a mesma unidade.
Entretanto, não é verdade que dois segmentos quaisquer sejam sempre comensuráveis,
isto é, não existe uma unidade em comum aos dois segmentos. Se isto acontecer, dizemos
que os dois segmentos são incomensuráveis.
Estas definições são usadas para quaisquer duas grandezas que desejamos compará-las
entre si, como áreas, volumes, etc...;
Exemplo 1: O lado e a diagonal de um quadrado são grandezas incomensuráveis.
1
Exemplo 2: Retângulo Áureo
Chama-se retângulo Áureo a qualquer retãngulo ABCD com a seguinte propriedade: se
dele suprimirmos um quadrado, como ABFE, o retângulo restante, CDEF, será semelhante ao
retângulo original.
Se a b e a são os comprimentos dos lados do retângulo original, a definição de retângulo
áureo traduz-se na seguinte relação:
a b
a
A razão
a
b
a
b
é chamada razão áurea. Ás vezes, o inverso desse número,
chamado número áureo.
A construção do retângulo áureo é simples. Basta seguir o esquema:
2
1
b
a
, é
O retângulo AHCG é áureo.
Exemplo 3: Divisão Áurea
Diz-se que um ponto C de um segmento AB divide esse segmento na razão áurea se
AB
AC
AC
CB
Diz-se também que C divide AB em média e extrema razão (ou meia e extrema razão),
isto porque o segmento AC aparece duas vezes na proporção como termos do meio,
enquanto Ab e CB são os termos extremos.
Se pusermos AC a e CB b, temos que AB a b e AC a. Então os segmentos AC e
CB da divisão áurea são os lados de um retângulo áureo e a relação anterior é a razão áurea
.
3
Corte de Dedekind
Definição 1 (de Eudoxo): Dadas quatros grandezas de mesma espécie A, B, C, e D
(segmentos, áreas ou volumes), diz-se que A está para B assim como C está para D se,
quaisquer que sejam os números m e n, se tenha:
nA mB
nC mD;
nA mB
nC mD;
nA mB
nC mD
OBS: No caso comensurável, dizer que A : B C : D equivale a dizer
nA mB
nC mD. No caso incomensurável, estas igualdades nunca acontecem.
A razão de A para B não é um número.
que
Considere o caso de duas grandezas incomensuráveis, A e B, de forma que a igualdade
nA mB nunca se verifica com m e n inteiros; ou nA mB ou nA mB.
Os números racionais (positivos) ficam então separados em duas classes:
A classe E (esquerda) daqueles m/n que satisfazem nA mB e
A classe D (direita) dos que sastifazem nA mB.
OBS: Todo número da classe E é menor que todo número da classe D. Mas não podemos
escrever A/B m/n ou A/B m/n, pois A e B são segmentos, não números! A razão A/B não é
um número.
Assim, a definição da razão A/B como número é impossível apenas porque não existe um
número (racional) que esteja entre as duas classes E e D, isto é, que seja maior que todo
elemento de E e menor que todo elemento de D. Isto leva a separação dos números racionais
em dois conjuntos. Assim, qualquer número racional r efetua um " corte" ou separação de
todos os demais números racionais no conjunto E dos números menores do que r e no
conjunto D dos números maiores do que r. O próprio r pode ser incluído como o maior
elemento de E ou o menor elemento de D.
Seria preciso inventar novos números, os irracionais. Mas Eudoxo não o fez.
Dedekind decerto observou a separação dos números racionais em duas classes, sem
que entre uma classe e outra houvesse um elemento separador. Dedekind teve a idéia de
caracterizar os irracionais através dessas classes "esquerda" e "direita".
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Definição 2: Entenderemos por corte, todo par E, D de conjuntos não vazios de
números racionais, cuja união é , e tais que todo elemento de E é menor que todo elemento
de D. Isto é,
1) E
eD
2) E D
3) e E e d D e d
4) E não tem elemento máximo.
Exemplos: São cortes:
1)
r
/r 0
2) A r
s
/s r
r
/r 0 ou r 2
3) B
2
Definição 3: Sejam A, B e C, D cortes no conjunto dos números racionais. Dizemos
que A, B é igual C, D e escrevemos A, B
C, D se, e somente se, o conjunto minorante
de
A, B
for igual ao conjunto minorante de
C, D . Mas precisamente,
A, B
C, D
A C.
Definição 4: Um corte A, B no qual o conjunto majorante tem elemento mínimo (em
denomina-se um corte racional.
s
/s r .
Exemplo: A r
Definição 5: Um corte A, B no qual o conjunto majorante não tem elemento mínimo (em
denomina-se um corte irracional.
Dedekind observa que a existência de cortes sem elementos de separação no conjunto
dos números racionais é a expressão aritmética da descontinuidade de , ao passo que, com
a adjunção dos novos elementos - os números irracionais - obtemos o conjunto
dos
números reais, que, ao contrário de , é agora um "conjunto numérico", pois os irracionais
vêm preencher as "lacunas de descontinuidades existentes em .
Definição 6: O conjunto
formado por todos os cortes, racionais ou irracionais, é
chamado de o conjunto dos números reais e seus elementos de números reais.
A ideia de Dedekind consistia em representar cada número real como uma divisão, um
"corte" nos números racionais. Este novo conjunto precisa ter a estrutura que dele se espera;
dai temos de definir nele as operações de adição, multiplicação, etc., e a relação de ordem.
Com respeito à relação de ordem, devemos introduzir em de forma a preservar a ordem já
existente entre os racionais.
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Definição 7: Sejam e dois números reais quaisquer. Diremos que é maior do que
, e escrevemos
, se existir um número minorante de que é um número majorante de
.
Mas
precisamente:
Se
A, B
e
C, D, ,
temos
x
/x A D . Diremos que
é menor do que , e escrevemos
, se
existir um número majorante de que é um número minorante de . Mas precisamente: Se
A, B e
C, D, , temos
x
/x B C . Ou seja,
A C e
A C.
Além da relação de ordem, é necessário definir a adição e a multiplicação dos números
reais.
Definição 8: Dados os números reais
A, B e
C, D , definimos sua soma
como sendo o corte E, D , onde
E
x y : x A, y C
e D é o conjunto dos demais números racionais.
OBS: e são corpos ordenados, porém é um corpo completo e não é. Dizer que o
conjunto não é completo significa dizer que há cortes sem elementos de separação em ,
ao passo que
ser completo significa que todo corte tem elemento de separação, este
elemento podendo estar em , como no caso de 2.
Definição 9: Entenderemos por corte de números reais, todo par E, D de conjuntos não
vazios de números reais, cuja união é , e tais que todo elemento de E é menor que todo
elemento de D.
Teorema 1: Todo corte de números reais possui elemento de separação.
Definição 10: Diz-se que um conjunto C de números reais é limitado à direita ou limitado
superiormente se existe um número K tal que c K para todo c C. O número K é
chamado de cota superior de C.
Diz-se que um conjunto C de números reais é limitado à esquerda ou limitado
inferiormente se existe um número k tal que k c para todo c C. O número k é chamado
de cota inferior de C.
Exemplos:
1) é limitado inferiormente e sua cota inferior é 1, mas não é limitado superiormente.
10 , 10
x
/
10
x
10 é limitado inferiormente
2) x
/x 2 10
e superiormente.
Definição 11: Um conjunto limitado superiormente e inferiormente é dito um conjunto
limitado.
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Exemplo:
3, 4 é um conjunto limitado.
Definição 12: Um número K C é o máximo do conjunto C quando c K para todo
c C. Isto quer dizer que K é cota superior de C e K C.
Um número k C é o mínimo do conjunto C quando k c para todo c C. Isto quer dizer
que k é cota inferior de C e k C.
Exemplos:
a) 3, 4
b) 3, 4
c) 3, 4
d) x
/x 10
1 2 3
e) A
, , ,
2 3 4
,
n
n 1
,
Definição 13: Chama-se supremo de um conjunto C à menor de suas cotas superiores.
Ou ainda, chama-se supremo de um conjunto C ao número S que satisfaz as duas condições
seguintes:
a) c S para todo c C (S é cota superior de C)
b) Dado qualquer número
0, existe um elemento c C tal que S
c. ( não há outra
cota menor do que essa. Logo, ela é a menor de todas).
Notação: S supC
Definição 14: Chama-se ínfimo de um conjunto C à maior de suas cotas inferiores. Ou
ainda, chama-se infímo de um conjunto C ao número s que satisfaz as duas condições
seguintes:
a) s c para todo c C (s é cota inferior de C)
b) Dado qualquer número
0, existe um elemento c C tal que c s . ( não há outra
cota maior do que essa. Logo, ela é a maior de todas).
Notação: s infC
Exemplos:
a) 3, 4
b) 3, 4
c) 3, 4
d) x
/x 10
1 2 3
, , , , nn 1 ,
e) A
2 3 4
f) B
x
/0 x 1
1
g) C
n /n
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Propriedade
a) Todo conjunto não vazio de números reais, que seja limitado superiormente, possui
supremo.
b) Todo conjunto não vazio de números reais, que seja limitado inferiormente, possui
ínfimo.
Exemplo.
1) Considere o conjunto F dos números racionais positivos
inferiores a 2:
F
f Q/f 0 e f 2 2
F não tem máximo. F é conjunto das aproximações racionais de
2) Considere o conjunto E dos números racionais positivos
superiores a 2:
e Q/e 0 e e 2 2
E
E não tem mínimo. E é conjunto das aproximações racionais de
cujos quadrados sejam
2 por falta.
cujos quadrados sejam
2 por excesso.
Definição 15: Valor absoluto (ou módulo) de um número real qualquer é definido como
sendo:
ou seja |x|
|x|
x se x
0
|0|
0 se x
0
|x|
x se x
0
max x, x
OBS:
1) Tem-se -|x| x |x| para qualquer x real.
2) Podemos caracterizar |x| como o único número positivo cujo quadrado é x 2
Teorema 2: Se x,y
, então |x
y|
|x|
Teorema 3: Sejam a, x,
. Tem-se |x
OBS: De modo análogo |x
a|
8
a
|y| (Desigualdade triangular) e |xy|
a|
a
x
a
x
.
a
.
|x||y|.
Usaremos as seguintes notações para representar tipos especiais de conjuntos de
números reais, chamados intervalos:
Intervalos limitados:
a, b
x
/a x
a, b
x
/a x
a, b
x
/a x
a, b
x
/a x
b
b
b
b
intervalo fechado
intervalo fechado à direita
intervalo fechado à esquerda
intervalo aberto
Intervalos ilimitados:
,b
x
/x b
,b
x
/x b
a,
x
/a x
a,
x
/a x
,
OBS:
1) Na notação de intervalos, o teorema anterior diz :
x
a
,a
|x a|
x
a
,a
|x a|
2) O conjunto como uma reta. Os números reais como pontos na reta.
3) x y, na reta, o ponto x está à esquerda de y.
4) Os intervalos são segmentos de reta.
5) |x y| é distância do ponto x ao ponto y.
6) x
a
,a
significa que x é um ponto que dista menos de do ponto a.
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Parte 2