PROJETO BANGEN Rede BANGEMAC: Banco genético marinho da Macaronésia Memória técnica PROJETO BANGEN Rede BANGEMAC: Banco genético marinho da Macaronésia Rede BanGeMac: Banco genético marinho da Macaronésia Memória técnica BANGEN (MAC/1/C070) 2009-2012 Programa de Cooperação Transnacional Açores-Madeira-Canárias (PCT-MAC 2007-2013) Editores: González N y Rey-Méndez M Tradutor: Pedro Nascimento da Fonseca Desenho e maquetagem: oceanografica.com Citar a publicação como: Quinteiro J, Manent P, González N, ReyMendez M, Assunção, P, Gois AR, Alves A, Araújo R, Mendoza H. 2012. Rede BANGEMAC: Banco genético marinho de Macaronésia (Memória técnica). Citar um capítulo da publicação como: Quinteiro J, González N, Assunção P, Mendoza H, 2012. Casos de estudo (pp 88-141). In: González N y Rey-Méndez M (eds) Rede BANGEMAC: Banco Genético marinho da Macaronésia (Memória técnica). D.L. GC 922-2012 ISBN: 978-84-695-4888-2 www.bangen-pct.org ÍNDICE 1 INTRODUÇÃO 8 GONZÁLEZ N, REY-‐MÉNDEZ M, GOIS AR, ALVES A, ARAÚJO R 2 4 1.1. Rede BangeMac 9 1.2. Projeto BANGEN 10 1.3. Participantes 11 1.4. Objetivos do projeto 12 1.5. Espécies objetivo: caracterização e conservação 14 MACARONÉSIA COMO UNIDADE BIOGEOGRÁFICA 28 MANENT P, GONZÁLEZ N 2.1. Padrões e processos evolutivos em Ilhas Oceânicas 29 2.2. O meio físico marinho da Macaronésia 42 2.3. Biodiversidade 50 www.bangen-pct.org 5 2.4. Fitogeografia marinha dos arquipélagos macaronésios 3 2.5. Conservação da biodiversidade no meio marinho FILOGEOGRAFIA MOLECULAR 63 70 76 3.1. introdução 77 3.2. Dados Moleculares 78 3.3. Filogeografia 82 3.4. Diferenciação genética no meio marinho 84 CASOS DE ESTUDO ATIVIDADES E PERSPETIVAS DA REDE MACARONÉSIA BANGEMAC 142 REY-‐MÉNDEZ M, GONZÁLEZ N, QUINTEIRO J QUINTEIRO J 4 5 6 5.1. Promoção e base de dados 143 5.2. Perspectivas da rede BANGEMAC 150 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 182 88 QUINTEIRO J, GONZÁLEZ N, ASSUNÇÃO P, MENDOZA H 4.1. Filogeografia das espécies - alvo 4.2. Espécie introduzida Sparus aurata 89 113 4.3. Análises filogenéticas de microalgas do género Dunaliella (Chlorophyceae, Dunaliellales) 117 4.4. Aplicação de tecnologias moleculares ao estudo da diversidade biológica no plâncton marinho 128 6 www.bangen-pct.org 7 1 INTRODUÇÃO GONZÁLEZ N, REY-‐MÉNDEZ M, GOIS AR, ALVES A, ARAÚJO R 1.1. REDE BANGEMAC A constituição de uma rede interregional, BangeMac, de instituições e organismos que tenham coleções de material biológico de referência, é paralela à criação de um banco de dados genéticos. A base de dados de organismos marinhos da Macaronésia, foi criada no decorrer do projeto Interreg IIIB, BANCOMAC, orientado na conservação e uso sustentável da biodiversidade. BangeMac é uma rede de sinergias que permitirá maximizar os recursos regionais destinados à conservação da biodiversidade, à gestão dos recursos naturais e ao intercâmbio de dados e informação. www.bangen-pct.org 9 BangeMac procura ter a capacidade para pôr em marcha projetos, centrados inicialmente na criação de uma imagem própria e partilhada. Através desta rede pretende-se coordenar os esforços na investigação e conservação da biodiversidade da macaronésia, pondo em comum estratégias para a captação de fundos e prestação de serviços. A criação de ferramentas de comunicação e interação no âmbito da Rede, tem como objetivo partilhar os recursos gerados anteriormente e atualizados às necessidades de um Sistema de Informação Geográfica (SIG). 1.2. PROJETO BANGEN O projeto BANGEN, financiado no âmbito do programa de Cooperação Transnacional Madeira-AçoresCanárias MAC 2007-2013, tem um período de execução de 36 meses, tendo iniciado em janeiro de 2010 e estando previsto o seu término para dezembro de 2012. O BANGEN tem por objetivos promover o desenvolvimento e uso das metodologias da Biologia Molecular baseadas na análise de ADN, para estabelecer estratégias de resposta rápida na investigação de organismos marinhos e gestão da biodiversidade. Deste modo, pretende-se promover a I+D+i sobre a biodiversidade marinha da macaronésia através da genómica e bioinformática, estabelecendo uma rede de transferência científico-tecnológica, BangeMac no espaço macaronésico mediante as TIC. 10 Este projeto pretende aplicar e pôr à disposição da comunidade científica, administração e sector produtivo, as técnicas moleculares, de modo que permitam fazer frente aos problemas e ajudem a orientar a conservação, aproveitamento e gestão da biodiversidade marinha, assim como elaborar uma estratégia comum para toda a região, adequada às características e problemas dos recursos prioritários em cada arquipélago. 1.3. PARTICIPANTES Chefe de Fila: Instituto Canário de Ciências Marinhas (ICCM) Parceiro 1: Instituto Tecnológico de Canárias (ITC) Parceiro 2: Universidade dos Açores (UA) Parceiro 3: Câmara Municipal do Funchal (CMF) / Museu de História Natural do Funchal (MMF) / Estação de Biologia Marinha do Funchal (EBMF) Parceiro 4: Universidade da Madeira (UMa) Parceiro 5: Secretaria Regional do Ambiente e Recursos Naturais (SRA) / Direção Regional de Pescas (DRP) / Direção de Serviços de Investigação das Pescas (DSIP). www.bangen-pct.org 11 1.4. OBJETIVOS DO PROJETO Realização da caracterização genética das espécies em estudo, vinculada à sustentabilidade dos recursos marinhos e à compreensão e conservação da biodiversidade na Macaronésia, com o objetivo de melhorar as condições sócio-económicas da área; Desenvolvimento e implementação de ferramentas moleculares para detetar e identificar espécies-alvo em amostras planctónicas; Caracterização da diversidade biológica e monitorizar a evolução do ecossistema, frente à possibilidade de introdução de novas espécies. Transferir resultados e tecnologia, mediante o uso das TIC a instituições públicas e privadas com interesse na área da Macaronésia, com aplicabilidade na gestão da biodiversidade, pesca e aquacultura. Para alcançar os objetivos, planificou-se uma série de atividades: ǩRecolha de espécies-alvo. ǩ Caracterização e análise da diversidade genética das espécies-alvo. ǩ Estabelecimento de zonas de atuação e de uma rede de amostragem. ǩ Aplicação de tecnologias moleculares no estudo da diversidade biológica no plâncton marinho. ǩ Caracterização e deteção molecular, avaliação de resultados e critérios a seguir para a gestão e conservação dos ecossistemas marinhos. ǩ Implementação da base de dados genéticos e promoção da Rede BANGEMAC. 12 www.bangen-pct.org 13 1.5. ESPÉCIES OBJETIVO: CARACTERIZAÇÃO E CONSERVAÇÃO Octopus vulgaris Nome científico: Octopus vulgaris (Cuvier, 1797) Nome comum: Polvo Reino: Animalia Filo: Mollusca Classe: Cephalopoda Ordem: Octopoda Família: Octopodidae Género: Octopus Espécie: Octopus vulgaris (Cuvier, 1797) Características gerais: Predador ativo que se alimenta de crustáceos, moluscos, ouriços, etc. Os machos são normalmente maiores que as fêmeas, podendo mesmo atingir mais de 1 metro de comprimento e ultrapassar os 8 quilos de peso. Habita preferencialmente substratos rochosos onde muitas vezes constrói parte do seu abrigo com pedras, conchas etc., desde a zona intermareal até cerca de 30 metros de profundidade. Possuem a capacidade de mudar de cor e textura de acordo com o meio circundante. Quando ameaçados expelem um jacto de tinta para encobrir a sua fuga. É uma espécie com grande valor comercial. Distribuição: É uma espécie amplamente distribuída, em todas as águas costeiras de todos os oceanos, exceto no Pacífico oriental e nas águas árticas e antárticas. Nas ilhas do Oceano Atlântico Açores, Canárias, Cabo Verde e mais particularmente na Madeira, é uma espécie muito comum ao longo de todo o ano. Reprodução: A duração do ciclo de vida é bastante curta. Os sexos estão separados. Nos machos, um dos braços está modificado e designa-se por hectocótilo, desempenhando um papel fundamental na reprodução, sendo responsável por transferir o esperma do macho para a fêmea. Octopus vulgaris (Cuvier, 1797) 14 www.bangen-pct.org 15 No caso dos polvos as fêmeas produzem ovos que são armazenados em cavidades no fundo do mar e é característico nestes moluscos cefalópodes a inexistência de qualquer fase larvar e o seu tempo de vida é muito curto, cerca de 1 a 2 anos. Embora possam apresentar várias estratégias reprodutivas, é muito comum após o processo reprodutivo concluído morrerem. Caracterização da Exploração: A pesca com covos é uma das artes de pesca tradicionais ainda praticadas na região da macaronésia. Destinase particularmente à captura de peixes dimersais, no entanto o polvo acaba por ser capturado e, o facto de ser uma espécie com elevado valor comercial acaba por ter um peso significativo na pesca artesanal local. Megabalanus azoricus Nome científico: Megabalanus azoricus (Pilsbry, 1916) Nome comum: Craca Reino: Animalia Filo: Arthropoda Classe: Cirripedia Ordem: Balanomorpha Família: Balanidae Género: Megabalanus Espécie: Megabalanus azoricus (Pilsbry, 1916) Trata-se de uma arte “passiva”, uma vez que é o próprio animal que procura o dispositivo, para refúgio ou procura de alimento, mas depois dificilmente consegue escapar. Dadas as características da armadilha, apenas os animais adultos ficam presos, o que torna esta pesca uma arte pouco predadora. Megabalanus azoricus (Pilsbry, 1916) 16 www.bangen-pct.org 17 Características gerais: Caracterização da Exploração: Crustáceo que vive fixo ao substrato, dificilmente são reconhecidos pela maioria das pessoas como pertencentes ao mesmo grupo taxonómico que as lagostas ou os caranguejos. São animais filtradores que se alimentam de organismos planctónicos. Vivem desde a zona intermareal até 10-12 metros de profundidade, sendo mais abundante entre os 1-2 metros de profundidade em locais de grande hidrodinamismo, especialmente em baixios afastados da costa e em ilhéus. É uma espécie de craca gigante, comum nos Açores e considerada como um dos petiscos mais apreciados naquele arquipélago. Esta craca faz parte dos recursos vivos marinhos explorados artesanalmente pela população dos Açores. As cracas são capturadas manualmente a baixas profundidades com o auxílio de um martelo e um escopro (Santos et al., 1995; Morton et al., 1998).Esta espécie é bastante apreciada em todo o arquipélago fazendo parte da gastronomia tradicional açoriana (Barrois, 1896; Santos et al., 1995). Distribuição: Açores, Madeira, Canárias e Sta. Helena. Reprodução: M. azoricus é uma espécie hermafrodita, com gónadas separadas e dois picos no ciclo reprodutivo por ano (janeiro e julho). O tamanho para exploração possível seria de 20 mm de diâmetro basal. 18 www.bangen-pct.org 19 Plesionika edwardsii Nome científico: Plesionika edwardsii (Brandt, 1851) Nome comum: Gamba da Madeira Reino: Animalia Filo: Arthropoda Classe: Crustacea Subclasse: Malacostraca Série: Eumalacostraca Superordem: Eucarida Ordem: Decapoda Supersecção: Natantia Secção: Caridea Família: Pandalidae Haworth, 1825 Género: Plesionika Bate, 1888 Espécie: Plesionika edwardsii (Brandt, 1851) Características gerais: Espécie epibentónica característica de fundos vasosos, mas também arenosos ou rochosos. Apresenta uma distribuição batimétrica entre os 100 e os 900 metros de profundidade, no entanto é mais abundante entre os 125 e 350 metros, realiza migrações sazonais; distribuindo-se nas menores profundidades no Verão e nas maiores no Inverno. É um camarão que pode atingir 15 cm de comprimento o que o torna uma espécie com potencial em termos de pesca comercial. Distribuição: Plesionika edwardsii distribui-se desde o Mediterrâneo, Atlântico Oriental até ao Pacífico Sul. Reprodução: As fêmeas carregam os ovos, de cor azul, sob o abdómen com a ajuda dos pléopodes. Dos ovos são libertadas larvas bem distintas do adulto e que, após uma série de mudas, formam pequenos camarões. Existem fêmeas ovadas durante todo o ano. O ciclo reprodutivo desta espécie é curto. Plesionika edwardsii (Brandt, 1851) 20 www.bangen-pct.org 21 Grapsus adscensionis Nome científico: Grapsus adscensionis (Osbek, 1765) Nome comum: Caranguejo Judeu ou Cabra Reino: Animalia Filo: Arthropoda Classe: Malacostraca Ordem: Decapoda Família: Grapsidae Género: Grapsus Espécie: Grapsus adsensionis (Osbeck, 1765) Características gerais: É uma espécie típica da zona intermareal que gosta de se alojar em recantos entre as rochas. Este caranguejo está adaptado à dessecação, podendo permanecer durante longos períodos fora de água. Os juvenis, menos adaptados à dessecação, preferem zonas mais húmidas ou pequenas poças de maré. A sua carapaça tem uma forma arredondada, ligeiramente mais larga que comprida, podendo atingir cerca de 7 cm de largura. Os adultos apresentam uma coloração vermelho carmim. Distribuição: Atlântico oriental Reprodução: Grapsus adscensionis (Osbek, 1765) 22 A maturidade sexual é atingida em ~ 38 milímetros de largura de carapaça para machos e ~ 43 milímetros para as fêmeas. Os ovários estão maduros quando os seus ovos estão prontos para serem incubados. As fêmeas mudam pouco após a eclosão dos ovos e reproduzem-se de novo nas seguintes inter-mudas. Estima-se que 78% de fêmeas maduras são ovígeras e que a desova ocorre a cada 24 dias. www.bangen-pct.org 23 Sparisoma cretense Caracterização da Exploração: Esta espécie é suscetível de exploração em zonas supratidal e intertidal com três variantes principais: mariscador manual, com pluma, durante a noite; vara de pesca com mariscador, durante o dia; e mariscador com fisga. A exploração deste recurso é alta, especialmente no verão e outono, gerando em quase toda a área a existência de populações reduzidas na época de reprodução. Nome científico: Sparisoma cretense (Linnaeus, 1758) Nome comum: Bodião, Viela, Veja Reino: Animalia Filo: Chordata Classe: Actinopterygii Ordem: Perciformes Família: Scaridae Género: Sparisoma Espécie: Sparisoma cretense (Linnaeus, 1758) Sparisoma cretense (Linnaeus, 1758) 24 www.bangen-pct.org 25 Características gerais: Caracterização da exploração: Espécie litoral que vive sobre fundos rochosos até pelo menos os 30 metros de profundidade. Os machos são cinzentos enquanto as fêmeas são vermelho carmim com uma grande mancha cinzenta na nuca, bordejada na parte interior de amarelo. Os padrões de coloração são mais intensos e nítidos na época de reprodução. Os juvenis apresentam diferentes cores consoante o substrato onde se encontrem, por motivos de camuflagem. Os adultos podem atingir os 70 cm de comprimento total. Alimentação constituída por algas calcárias e invertebrados, que raspam das rochas, como as placas calcárias. Reprodução ovípara, com várias posturas durante o ano. Tem elevado valor comercial. Espécie muito apreciada na pesca artesanal e desportiva nas regiões dos Açores, Madeira e Ilhas Canárias. Distribuição: Atlântico Central Este: Portugal, Açores e Madeira até as ilhas Canárias e área do Senegal. Mar Mediterrâneo: comum na costa leste e sudeste. A veja é um peixe muito apreciado do ponto de vista gastronómico e a sua captura a partir de terra tem ainda uma função social nos arquipélagos, já que é frequente ver pessoas de mais idade a fazerem percursos de alguma complexidade para “irem às vejas”. As vejas têm importância comercial e não se encontram ameaçadas. Apesar disso, nas Canárias, foi estabelecido um tamanho mínimo de captura, de 20 cm, como medida de gestão pesqueira de um manancial muito desejado. Em Portugal não há limite inferior no tamanho das vejas capturadas. De qualquer forma, as dimensões das malhas normalmente utilizadas pelos pescadores não põem estes animais em perigo. Em relação à caça submarina, o peso mínimo informalmente recomendado é de 500 gramas. Reprodução: Reprodução ovípara, com várias posturas durante o ano, sendo a melhor época de reprodução entre julho e setembro, com a mobilização de alevins no fim do verão. 26 www.bangen-pct.org 27 1 2 INTRODUCCIÓN MACARONÉSIA COMO UNIDADE BIOGEOGRÁFICA MANENT P, GONZÁLEZ N 2.1. PADRÕES E PROCESSOS EVOLUTIVOS EM ILHAS OCEÂNICAS As ilhas oceânicas têm sido o centro da atenção da comunidade científica desde tempos remotos por serem laboratórios naturais ideais. A sua abundância e variedade de formas permitem replicar unidades de estudo discretas ou cerradas nas quais as variáveis ou fatores a estudar são controláveis, simplificandose assim a complexidade desbordante dos sistemas continentais. Assim, o papel das ilhas no avance científico em disciplinas como a biogeografia, ecologia e evolução tem sido crucial. A inferência sobre eventos de colonização e dispersão em ilhas oceânicas mediante o uso de marcadores moleculares é ideal ao ser capaz de detetar sinais genéticos nas populações naturais que capturam o intercâmbio genético que foi mantido ao largo das gerações, numa escala ecológica ou recente www.bangen-pct.org 29 e/ou numa escala histórica ou evolutiva. Estes aspetos são fundamentais para inferir sobre os mecanismos e os processos ecológicos e/ou evolutivos subjacentes que foram condicionando a distribuição geográfica atual das espécies marinhas e a sua variação genética numa região. Antes de explicar o conhecimento atual sobre os aspetos biogeográficos e filogeográficos das espécies marinhas dos arquipélagos macaronésicos, é necessário contextualizar as ilhas oceânicas de um modo geral, através de um marco ambiental que defina as divisões do meio marinho nas que se desenvolvem os ecossistemas, assim como um marco oceanográfico em que se definam os principais movimentos das massas de água superficiais oceânicas e a sua influência na distribuição geográfica dos organismos marinhos. Pelo que na continuação se explicarão brevemente os fatores influentes na estruturação geográfica de espécies marinhas insulares. A primeira grande divisão separa o domínio nerítico ou litoral e o oceânico. O domínio litoral, sobre a plataforma continental, define as zonas onde a luz penetra a coluna de água (zona fótica), cuja intensidade e gama de cores vai diminuindo com a profundidade até aos 200 metros aproximadamente, dividindo-o em infralitoral e circalitoral. O domínio oceânico, a região mais afastada da costa, representa as grandes profundidades e compreende a zona batial sobre o talude e a zona abissal sobre o plano abissal (Figura 2.1). As zonas costeiras pouco profundas ocupam uma área muito menor que as oceânicas e ao mesmo tempo, as primeiras diferem mais entre elas devido à variedade de condições que qualquer outra do domínio oceânico. Além disso, as zonas costeiras estão isoladas entre elas por amplias extensões oceânicas pelo que a biota está isolada, dando a oportunidade de uma evolução e endemicidade independente. Zonação marinha O meio marinho é mais complexo que o terrestre por ser um sistema tridimensional e uma vez que no meio líquido se permite o desenvolvimento de vida em toda a massa de água. Além disso, os gradientes ambientais e descontinuidades mais importantes dãose na dimensão vertical, ainda que com interações importantes com a horizontal onde os diferentes organismos marinhos, com capacidades fisiológicas apropriadas, passam ou completam o seu ciclo de vida. 30 Figura 2.1. Representação das divisões do meio marinho. www.bangen-pct.org 31 Barreiras invisíveis: as correntes marinhas globais e locais Os dois grandes sistemas ecológicos do meio marinho são: (i) o pelágico, correspondente à massa de água e o (ii) bentónico, cujos organismos estão ligados e dependem do fundo marinho. As suas características principais dependem em grande medida da profundidade, já que esta está relacionada com os principais fatores abióticos que determinam o seu funcionamento e as espécies capazes de suportálas. O sistema pelágico é fundamental no intercâmbio demográfico e genético entre as populações marinhas já que é o meio principal através do qual as larvas e os ovos da maioria dos animais marinhos atravessam largas distâncias conduzidas pelas correntes marinhas. Por sua vez está dividido em 5 zonas principais em função da profundidade: zona epipelágica, zona mesopelágica, zona infrapelágica, zona batipelágica e zona abissopelágica (Figura 2.1); onde estão o nécton e o plâncton. O nécton está representado por espécies capazes de resistir à dinâmica marinha, cujas populações adultas são capazes de realizar migrações. No entanto, as espécies planctónicas têm o seu movimento limitado pela dinâmica marinha. De uma perspetiva evolutiva e filogeográfica, uma característica interessante do sistema bentónico como modelo de estudo é a capacidade que têm as espécies sésseis e territoriais de utilizar a fase larvar como vetor de dispersão através do plâncton. Esta estratégia permitiu a organismos cuja fase adulta é imóvel ou com mobilidade limitada poder colonizar novos habitats em lugares afastados. 32 As correntes oceânicas superficiais são o meio propulsor principal através do qual a biota marinha pode deslocar-se, pelo que podem estar relacionadas com os padrões biogeográficos e filogeográficos dos organismos marinhos. Tanto podem facilitar o contacto entre as populações em zonas convergentes ou que estão de passagem ao largo da sua área de afeção; como provocar o efeito contrário, atuando como barreiras biogeográficas e filogeográficas invisíveis, através das quais as populações marinhas não costumam manter intercâmbio demográfico nem genético. Ainda que estas possam variar os seus padrões e interação com os sistemas biológicos num gradiente de profundidade, centraremos a seguinte explicação nas correntes superficiais pelos seguintes motivos: (i) as espécies litorais (< 200 m) têm sido estudadas em profundidade, o que tem permitido ter uma base de conhecimento biogeográfico e evolutivo importante e (ii) tem uma maior influencia sobre os vetores de dispersão da maioria de espécies marinhas (plâncton). As correntes marinhas, em função da escala, podem ter uma área de influência global ou local. As correntes geostróficas, mantêm uma periodicidade nos seus padrões globais de circulação e definem a dinâmica das bacias oceânicas dominadas por giros estáveis (enormes massas de água que rodam horizontalmente). O padrão destes giros está causado em primeiro lugar pela rotação do planeta, assim como pelos regimes do vento e pelo gradiente latitudinal da www.bangen-pct.org 33 temperatura. A uma escala planetária, desde o equador provoca-se um fluxo latitudinal de correntes quentes em direção a latitudes mais altas do hemisfério norte e sul, ao largo das margens ocidentais dos oceanos; e correntes frias que fluem em direção ao equador ao largo das suas margens orientais. O giro anticiclónico situado no hemisfério norte do oceano Atlântico é uma corrente oceânica cuja circulação conecta as costas americanas com as da península ibérica e africanas, atravessando os arquipélagos da macaronésia. Estas correntes globais de circulação oceânica proporcionam as grandes vias de colonização que foram delimitadas, em maior medida, ao intervalo de distribuição atual das espécies marinhas. O seu efeito tanto na distribuição de espécies como nos padrões genéticos a nível intraespecífico é mais lento em comparação com o das correntes locais. Estes padrões globais podem modificar-se quando as massas de água encontram um objeto (p. ex. uma ilha oceânica) no seu caminho devido às novas condições locais. Assim, os regimes de ventos e a forma e o tamanho das ilhas produzirá diversos fenómenos oceanográficos locais como o efeito ilha, afetando a dinâmica e a evolução das populações insulares numa escala espácio-temporal menor que as correntes globais. Enquanto as capas superficiais passam rodeando uma ilha, geram-se remoinhos nas águas abaixo e o rasto resultante alterado estendese numa distancia equivalente a vários diâmetros a ilha. Estas zonas de turbulências, produzidas pelo efeito ilha, são capazes de misturar as águas superficiais e profundas dando lugar a fenómenos de 34 afloramento e afundamento a pequena escala. A sua duração costuma ser de vários dias em ilhas grandes e de horas em ilhas pequenas pelo que o tamanho da ilha é um fator influente (Barton, 2001). Assim, num arquipélago oceânico, a interação entre a forma e orografia das ilhas e as condições atmosféricas locais com o fluxo de corrente predominante provoca o efeito ilha que primeiro: acelera o fluxo nos canais entre ilhas e segundo: cria giros ciclónicos (giram no sentido dos ponteiros do relógio) e anticiclónicos (giram no sentido oposto aos ponteiros do relógio) águas abaixo das ilhas capazes de aumentar a produtividade em zonas oligotróficas, como as águas que rodeiam as ilhas oceânicas (Arístegui et al. 1997). Além disso, numerosos estudos têm sugerido os giros causa do efeito ilha como um fenómeno local capaz de reter as larvas planctónicas na ilha de origem, influindo na composição das comunidades zooplanctónicas costeiras das ilhas (Landeira et al 2009, 2010) e, em consequência, diminuir o contacto genético entre populações dentro dum arquipélago oceânico (Cowen et al 2007; Gaines et al. 2007; Manent, dados não publicados, Johnson e Black 2006, Baums et al. 2005). www.bangen-pct.org 35 Colonização, isolamento e estruturação genética em ilhas oceânicas Do ponto de vista genético, o processo de colonização das ilhas oceânicas tem uma repercussão importante na maneira como as populações insulares chegam a estabelecer-se ou extinguir-se. Ao supor que as ilhas oceânicas são colonizadas por um número baixo de indivíduos, a posterior evolução da configuração genética das suas populações estará marcada pelo efeito fundador, quando só uma pequena fração da variação alélica da fonte subministradora chega a estabelecer-se. Além disso, influi na diversificação de organismos insulares marinhos, que junto ao isolamento geográfico insular e às pressões seletivas do ambiente podem promover a especiação marinha. Uma vez estabelecida a população, a capacidade de recuperação do efeito fundador dependerá da variação alélica inicial, da taxa de criação de alelos por meio de mutações, a estratégia reprodutiva da espécie colonizadora e a taxa de extinção. Todas elas afetarão a dinâmica ecológica e evolutiva das populações insulares estabelecidas e serão moldadas pelos efeitos de forças evolutivas: mutação, seleção, fluxo e deriva genética. O fluxo genético, o número de migrantes (em forma de ovos, larvas, juvenis e adultos) entre populações por geração, é o componente principal da estruturação genética e determina o grau de isolamento genético entre populações. É importante apontar as diferenças entre dispersão e fluxo genético. Para que um 36 fenómeno de dispersão afete ao fluxo genético entre duas populações deve ser efetivo, isto é, que os migrantes deixem descendência e, pelo menos, uma parte desta deve reproduzir-se. Assim, na ausência de outras forças evolutivas o fluxo genético (i) mantém a integridade da espécie reduzindo as diferenças genéticas entre as populações (divergência) e (ii) aumenta a variação genética dentro das populações. Por outro lado, a deriva genética é alteração aleatória das frequências alélicas entre gerações, isto é, o número de genes transmitido à progénie será uma mostra imperfeita das frequências alélicas paternas. A evolução das populações influenciadas unicamente pela deriva é imprevisível já que é um processo estocástico dirigido por elementos aleatórios em o que o tamanho populacional joga um papel vital. Não obstante, em situações extremas de isolamento entre duas populações que originalmente mantinham a troca de genes e que passam a estar isoladas, dois efeitos após n gerações são evidentes: (i) a perda alélica populacional, (ii) a fixação de alelos concretos e (ii) a diferenciação e divergência genética entre ambas (Allendorf e Luikart 2007). A primeira delas é de vital importância em populações insulares devido a que a consanguinidade resultante do cruzamento entre indivíduos aparentados produza o efeito não desejado, a depressão por consanguinidade, sendo mais acentuado e provável em populações pequenas. www.bangen-pct.org 37 As ilhas oceânicas não costumam ter populações litorais extensas devido aos seus fundos abruptos e plataformas continentais reduzidas, pelo que os mecanismos e processos naturais alterados pelo homem que promovam o isolamento são fatores críticos para as suas populações. Como o fluxo genético promove a homogeneidade genética e a deriva causa a diferenciação genética em populações isoladas, então o grau de divergência entre as populações será resultado do balanço do efeito produzido por ambas. Por tanto, se as espécies têm uma capacidade de dispersão espacial limitada, o padrão de isolamento pela distância (a relação lineal entre as distâncias genética e geográfica entre pares de populações) resultaria das alterações na influência relativa do fluxo genético e a deriva a medida que as populações chegam a estar mais separadas geograficamente. Não obstante, o isolamento por a distância pode derivar em quatro padrões: Isolamento absoluto: A sua evolução está totalmente condicionada pela deriva genética e os fenómenos estocásticos. O seu tamanho populacional efetivo, as estratégias de emparelhamento assim como a sua composição alélica serão os únicos fatores que minimizam os seus efeitos negativos, incluso a extinção. Dá-se raramente na natureza. 38 Desequilíbrio entre o fluxo e a deriva genética: A separação geográfica entre as populações ou ilhas condiciona as alterações das frequências alélicas em função do grau de intercâmbio genético. Diferenciam-se 2 tipos: aquele no qual predomina o isolamento geográfico e reprodutivo severo, ainda que com eventuais intercâmbios de migrantes. As ilhas oceânicas tendem para estas situações pelo que esperaríamos que em espécies marinhas litorais manifestassem em maior medida os efeitos da deriva. O segundo estaria representado por populações nas quais o efeito do fluxo genético é mais influente que a deriva. Equilíbrio dos efeitos do fluxo e a deriva genética: A taxa de perda e criação de alelos estão equilibradas e ao adicionar o componente geográfico, resultaria da relação linear entre a divergência genética e geográfica. É raro na natureza, ainda que seja utilizada como modelo para testar (refutar) a relação: divergência genética/distância espacial = 1. Panmixia: Populações ou ilhas nas quais todos os reprodutores contribuem de igual modo para a descendência e o emparelhamento entre indivíduos é aleatório (mas não altera as frequências alélicas). O fluxo genético é a força evolutiva predominante, com um efeito homogeneizador nas frequências alélicas populacionais. Ainda que seja raro na natureza, a www.bangen-pct.org 39 utilidade do conceito vem dado por aplicar-se para refutar a hipótese de “não diferenciação” numa região e consequentemente identificar os agrupamentos de frequências alélicas de populações, formando-se um padrão geográfico. O fluxo de genes depende da dispersão das espécies marinhas e relativamente às terrestres difere principalmente pelo meio líquido no qual habitam. A maioria das espécies tanto bentónicas como pelágicas marinhas passam pelo menos uma parte do seu ciclo de vida em forma de ovos e larvas no plâncton, onde conseguem atravessar largas distâncias nos oceanos e, em função da velocidade das correntes oceânicas, dispersam-se a milhares de quilómetros numa só geração. No entanto, apesar de ter esta aptitudão, numerosas evidências mostraram que a efetividade da dispersão e o fluxo genético a largas distâncias está espacialmente limitada por diversos fatores físicos (correntes locais, gradientes de temperatura, salinidade), biológicos (duração do período larvar planctónico, capacidade de movimento da população adulta, sistema de acasalamento, comportamento social), geográficos (relevo e paisagens submarino, insularidade, forma e disposição das ilhas num arquipélago) e históricos (as glaciações do quaternário) (Palumbi 1994). Resultando numa dispersão larvar efetiva menor que o seu aparente potencial, que chega a ser um handicap para numerosas espécies litorais insulares; especialmente para aquelas bentónicas fixadas ao substrato ou outras de movimento reduzido. 40 As populações adultas bentónicas têm um intervalo espacial de movimento consideravelmente menor que as nectónicas, pelo que esperaríamos que mostrassem algum padrão geográfico derivados do seu maior isolamento genético. Consequentemente, esperaríamos que a estruturação genética fosse mais acentuada nas espécies bentónicas pelo feito de que os reprodutores de uma população só podem emparelhar-se (e intercambiar a sua variação genética) com indivíduos da mesma população ou populações próximas. Do ponto de vista evolutivo, este feito repercute no grau de diferenciação genética entre as suas populações e depende de (i) a frequência em que se dá o contacto genético entre elas e (ii) da capacidade que têm os novos recrutas para estabelecer a sua variação alélica individual na população recetora. No entanto, nas populações adultas nectónicas oceânicas, cujas migrações podem incluso atravessar oceanos para chegar a zonas de reprodução e/ou alimento, o comportamento do stock reprodutor durante a migração influirá decisivamente onde tem lugar a fecundação dos gâmetas e, consequentemente, a direccionalidade do intercâmbio genético. www.bangen-pct.org 41 2.2. O MEIO FÍSICO MARINHO DA MACARONÉSIA As ilhas oceânicas são aquelas que se formaram por atividade vulcânica sobre placas oceânicas e nunca estiveram conectadas aos continentes. Encontram-se distribuídas ao largo de todos os oceanos do mundo e têm a tendência a ocorrer em zonas afastadas da plataforma continental, perto de pontos quentes de atividade vulcânica. Os arquipélagos da macaronésia, Açores, Madeira, Selvagens e Canárias, são grupos de ilhas oceânicas com uma larga e complexa história geológica na qual vários episódios de erupções vulcânicas resultaram na sua configuração atual. As idades máximas das ilhas mais antigas de cada arquipélago foram datadas em 8 Ma nos Açores (AbdelMonem et al. 1975), 15 Ma na Madeira (FernandezPalacios e Dias 2001), 30 Ma nas Selvagens e 20 Ma nas Canárias (Coello et al 1992). A situação geográfica dos arquipélagos macaronésicos caracteriza-os por um isolamento pronunciado, cujo máximo e mínimo correspondem aos 1370 km que separam os Açores da costa portuguesa e os 96 km que separam Canárias da costa marroquina respetivamente (FernandezPalacios e Dias, 2001). O fundo marinho destas ilhas possui características orográficas similares devido à sua formação vulcânica, desde as planícies abissais, situadas entre 3000 e 4000 metros de profundidade, até à superfície. O seu litoral, que compreende a zona com maior produtividade e biodiversidade marinha, caracteriza-se por uns fundos 42 abruptos, com frequentes acantilados submarinos, cavernas, túneis e cornijas, encontrando-se o talude em zonas próximas à costa. Estas características orográficas do fundo marinho litoral limitam a extensão de uma verdadeira plataforma continental, reduzindo o habitat potencial disponível assim como a diversidade e o desenvolvimento de comunidades bentónicas litorais. As correntes marinhas superficiais nos arquipélagos macaronésicos integram-se no sistema geral de circulação do Atlântico Norte, sendo em parte condicionadas pela ação do anticiclone dos Açores. O limite ocidental do giro do anticiclónico subtropical do Atlântico Norte compõe-se da corrente do Golfo, com águas quentes que alimentam a corrente do Atlântico norte e a corrente dos Açores (Figura 2.2). Esta última flui em direção este marcando o limite oriental da região subtropical, a partir do qual a corrente dos Açores se ramifica na corrente de Portugal, recorrendo o oeste da costa continental portuguesa que dará lugar, mais a sul, à corrente das Canárias que atravessa o arquipélago da Madeira, Selvagens e Canárias. Quando a corrente das Canárias alcança a região tropical do atlântico oriental, a sua proximidade ao equador faz com que se conecte com a corrente norte equatorial, de águas mais quentes, e flui em direção oeste para completar o giro em direção à corrente do Caribe, que voltará a alimentar a corrente do Golfo e, consequentemente, o giro anticiclónico. www.bangen-pct.org 43 Por outro lado, a natureza vulcânica e insular dos três arquipélagos macaronésicos faz com que compartam as condições oceanográficas circundantes típicas de águas oceânicas e oligotróficas (baixa capacidade de produção primária fitoplanctónica) assim como a ausência de correntes de afloramentos contínua (Anon 1979). Não obstante, os eventuais episódios ligados ao “efeito ilha” explicado anteriormente, originam situações de afloramentos de águas profundas ricas em nutrientes que aumentam pontualmente a produtividade litoral local. Apesar de partilharem certas características oceanográficas, a situação geográfica de cada arquipélago condiciona as condições climáticas locais que junto à distribuição espacial das ilhas e sua forma, provocam diferentes respostas dos sistemas biológicos marinhos insulares pela sua interação com estes fatores ambientais locais e que condicionam a vida marinha em cada um deles. Por estes motivos, a continuação aprofundará brevemente os principais aspetos oceanográficos locais de cada arquipélago. 44 Figura 2.2. Representação do sistema geral de circulação do Atlantico Norte. Madeira O arquipélago de Madeira, integrado pela ilha da Madeira, a ilha de Porto Santo, as ilhas Selvagens e as Desertas, está situado no Atlântico nordeste, entre 30° e 33° de latitude Norte e 15° e 17° de longitude Oeste. A interação entre a corrente de Portugal que chega desde o norte é o regime oceanográfico com maior influência nesta área, e os afloramentos pontuais derivados do efeito ilha, ajudam a aumentar a baixa produtividade das suas águas oligotróficas. Além disso, o encontro destas águas frias do norte com outras mais cálidas de zonas adjacentes subtropicais indicam a situação do arquipélago numa frente subtropical. O intervalo da temperatura superficial durante o ano oscila entre os 15° e 25°.C e os ventos predominantes são do primeiro www.bangen-pct.org 45 quadrante, que se intensificam durante o período estival. As massas de água presentes no arquipélago da Madeira, típicas do Atlântico norte, podem resumirse em três: massa de água central (T=19º a 8º C; S=36,7 a 35,10‰), águas profundas (T=3,5º a 2,2ºC; S=34,97 a 34,90‰) e água Mediterrânea (T=11,9º C; S=36,5‰). Esta última massa de água, proveniente do mar Mediterrâneo, passa pelo arquipélago da Madeira, entre os 900 e 1.200 metros de profundidade. Açores O arquipélago dos Açores estende-se ao largo de 760 milhas, em sentido NO-SE, entre os 43º e 33º de latitude norte e entre os 21º e 35º de longitude Oeste. Está composto por nove ilhas, formando três grupos, e um quarto grupo de ilhéus. O grupo ocidental está composto pela ilha do Corvo e Flores, na placa americana. O grupo central pela Graciosa, São Jorge, Pico, Faial e Terceira, na placa euroasiática. O grupo oriental está constituído pela ilha de São Miguel e Santa Maria, na placa euroasiática. Os ilhéus das Formigas situam-se a NE da ilha de Santa Maria. Estes grupos de ilhas localizam-se na meseta dos Açores na microplaca dos Açores, unidade de relevo submarino bem definido. Caracteriza-se por apresentar profundidades geralmente inferiores a 2.500 m, com uma média de 1.500 m, elevando-se 3.000 m acima da fossa oceânica. A meseta dos Açores constitui uma prolongação da crista média da dorsal do Atlântico, formando o início da falha tectónica correspondente à prolongação da cordilheira alpina. Esta zona designa- 46 se como união tripla, donde divergem las três placas tectónicas que formam a fossa do Atlântico NE, a placa americana, a placa eurasiática e a placa africana. A batimetria da zona é caracterizada pela irregularidade topográfica, com bancos submarinos (acidentes orográficos, de complexidade e profundidade de fundo variável). As correntes oceânicas gerais interatuam com os bancos oceânicos e ilhas, afetando o regime das correntes, e criando padrões de fluxo e estruturas frontais locais influentes nos ecossistemas pelágicos e bentónicos. A sua dinâmica oceanográfica está ligada ao sistema da corrente do Golfo, proveniente das Caraíbas com águas quentes. A água proveniente do Mediterrâneo chega à região dos Açores sob a forma de meddies, detetáveis nas capas superficiais, estabelecendo uma intensa interação com a correntes dos Açores (Kräse & Zenk 1996). Durante o inverno, a capa da mistura encontra-se presente até uma profundidade de 150 metros. No verão, desenvolvese uma termoclina estacional entre os 40 e 100 m de profundidade (Santos et al. 1995). www.bangen-pct.org 47 Canárias As ilhas Canárias estão localizadas no sector norteoriental do oceano Atlântico aproximadamente entre os 27º e os 30º de latitude Norte e os 13º e os 19º de longitude Oeste. O arquipélago está composto por sete ilhas maiores dispostas sobre um eixo Este - Oeste: duas orientais (Fuerteventura e Lanzarote), duas centrais (Gran Canaria e Tenerife) e três ocidentais (La Palma, a Gomera e o Hierro), além de alguns ilhéus e numerosos roques perto das ilhas maiores. A posição geográfica do arquipélago vai condicionar também a sua natureza marinha e a disponibilidade de recursos. As características oceanográficas locais estão influenciadas pela corrente das Canárias, gerando um ambiente marinho mais frio ao que lhe corresponderia pela latitude que ocupam. As águas apresentam temperaturas quentes-temperadas sem amplias variações estacionais (17º - 26°C, intervalo máximo superficial) e recebem um importante fluxo larvar proveniente do Atlântico Oeste e Norte e do Mar Mediterrâneo. 48 Figura 2.3. Imagem via satélite que mostra o afloramento nas costas africanas e o seu efeito (a) na temperatura superficial em ºC e (b) na produtividade (distribuição clorofila) superficial oceânica das águas Canárias. O intervalo de cor mostra o gradiente de ambos os parâmetros. (Fontes: (a) Santana-Casiano et al. 2007 (b) Davenport et al. 2002). Por outro lado, devem destacar-se os processos de afloramento de águas profundas, frias, hipossalinas e ricas em nutrientes das costas africanas próximas, produzidos pelo efeito dos ventos alísios. Este fenómeno oceanográfico gera um gradiente térmico e salino de este a oeste, com águas das ilhas orientais sejam mais frias. Ao largo do verão, os filamentos superficiais (0 – 200 m) procedentes da zona de afloramento saariano podem alcançar as ilhas orientais, incluindo a ilha central da Grande Canária, aumentando a produtividade litoral temporariamente (Figura 2.3). www.bangen-pct.org 49 2.3. BIODIVERSIDADE As escalas espácio-‐temporais em ecologia e evolução. Implicações na compreensão da biodiversidade Ao tentar abordar a biodiversidade insular necessitamos compreender o que é a biodiversidade e o que é uma ilha. O conceito de ilha e as suas implicações ecológicas, biogeográficas e evolutivas associadas são o objeto deste livro e é aprofundado ao longo do seu conteúdo. Pelo que, à continuação explicar-se-á brevemente o termo biodiversidade, sob o ponto de vista espacial e temporal dinâmico, dependente da escala a que os mecanismos e processos mantêm o seu funcionamento. Uma das primeiras definições formais de biodiversidade usada a comumente compreende “a variedade e variabilidade de organismos vivos e os complexos ecológicos nos quais ocorrem” (OTA 1987). Não obstante, a biodiversidade expressa unicamente mediante uma lista de objetos (p. ex. espécies) associado a um fundo ou paisagem (contexto ecológico) reconhecíveis pelos nossos sentidos não contempla os mecanismos e processos que os criaram, mantiveram e transformaram no tempo. Noss (1990) sugeriu uma caracterização da biodiversidade através de vários níveis fundamentais de organização da natureza, mediante os quais a vida se manifesta: a paisagem, as comunidades, as espécies e os genes (Figura 2.4). Para cada nível 50 identificam-se três atributos hierarquicamente interligados e interdependentes: composição, estrutura e função. O primeiro representa a identidade dos elementos de um sistema, a estrutura, a forma como se organizam esses elementos no espaço e/ou tempo podendo criar ou não um padrão definido e a função dos processos ecológicos e evolutivos subjacentes à dinâmica de cada nível (Figura 2.4). Figura 2.4. Representação da biodiversidade com os seus níveis e atributos hierarquizados e interligados. Esta visão da biodiversidade permite-nos enlaçar hierarquicamente a inerente capacidade que têm os elementos de um sistema para desenvolver um padrão com os mecanismos e processos biológicos, ecológicos e evolutivos, atendendo a escalas espaciais e temporais determinadas. É importante situar um marco espácio-temporal adequado, no qual a complexidade www.bangen-pct.org 51 52 TEMPO de interações dentro e entre os diferentes níveis e atributos da biodiversidade seja capaz de nos mostrar sinais informativos corretos, biologicamente reais. Pelo que, a capacidade de detetar padrões e inferir sobre os processos em cada nível de organização está intimamente relacionado com os objetivos e hipóteses de estudo. Assim, a escala temporal útil para um evolucionista ao inferir sobre processos macro evolutivos será demasiado amplia para um ecologista. E uma escala espacial apropriada para um demógrafo interessado nas interações locais intrapopulacionais que definem propriedades fundamentais de equilíbrio e estabilidade, demasiado reduzida para compreender a distribuição das espécies ou dos genes para um biogeógrafo ou filogeógrafo, respetivamente (Figura 2.5). Isto põe em causa que a biodiversidade pode e deve inferir-se desde diversos pontos de vista complementares, que aportem explicações igualmente válidas atendendo a diferentes escalas espaciais e temporais devido a que os diferentes mecanismos e processos subjacentes à biodiversidade atuam sobre diferentes escalas espácio-temporais. Dinâmica evolutiva e biogeográfica Populações demografia dinâmica Individual, comportamento ESPAÇO Figura 2.5. Escalas espácio-temporais às que operam os processos ecológicos, biogeográficos e evolutivos (a partir de Haila 1990). Biodiversidade marinha dos arquipélagos macaronésios As interpretações biogeográficas e filogeográficas dos arquipélagos macaronésios ao largo do livro contemplam um marco espacial e temporal amplio para tratar de explicar os mecanismos e processos macro ecológicos e evolutivos implicados no mantimento da biodiversidade marinha da região. O uso de escalas amplias aqui é necessário porque a biodiversidade marinha desta região foi-se construindo através de eventos históricos numa escala geológica. www.bangen-pct.org 53 A Macaronésia, etimologicamente, é um termo composto pelas palavras gregas “makaron” (afortunado) e “nesoi” (ilhas) e representa o conjunto de arquipélagos situados no oceano Atlântico norte-oriental, e partilham um número importante de elementos florísticos e faunísticos terrestres semelhantes nos arquipélagos dos Açores, Madeira, Selvagens, Canárias e Cabo Verde (FernándezPalacios et al. 2011). Não obstante, no meio marinho, a distribuição geográfica e filogenética dos peixes litorais de arrecife (Briggs 1974, Briggs e Bowen 2012, Brito et al 2007, Floeter et al 2008, Lloris et al. 1991, Santos et al. 1995) por um lado, como as eco-regiões marinhas definidas por configurações taxonómicas influenciadas pela história evolutiva, padrões de dispersão e isolamento (Spalding et al. 2007) por outro separam as ilhas de Cabo Verde da província ou eco-região lusitânica, na qual se encontra o resto de arquipélagos (Figura 2.6). Figura 2.6. Relações das espécies de peixes litorais de arrecife ao largo do oceano Atlântico baseadas na sua presença/ausência. EA: Atlântico oriental, MAR: Crista Atlântico meio, NEA: Atlântico norte-oriental, NWA: Atlântico norte-ocidental, SWA: Atlântico sul-ocidental, TEA: Atlântico este tropical, WA: Atlântico ocidental. (a partir de Floeter et al. 2008). Com base na informação sólida e abundante (necessária em comparações interespecíficas biogeográficas) existente sobre as espécies de peixes litorais, a tabela 2.1 mostra a percentagem mais baixas de endemicidade dos arquipélagos macaronésios em comparação com outros sistemas insulares subtropicais e tropicais do oceano atlântico (Floeter et al. 2008). Este feito parece ser resultado da interação entre fatores históricos e (re)colonizações recentes (Floeter et al. 2008). As recentes (comparativamente ao tempo necessário para a especiação marinha) extinções massivas sofridas pela fauna marinha litoral durante as 54 www.bangen-pct.org 55 glaciações do quaternário (< 2 Ma) nas regiões temperadas do Atlântico norte, e as provocadas pela crise Messiniense (condições de salinidade extremas nos grandes lagos que ficaram depois da evaporação da maioria da água mediterrânea posteriormente ao fecho do estreito de Gibraltar no final do Mioceno (5,595,3 Ma) fizeram respetivamente que, por um lado, as espécies que recolonizaram estes arquipélagos assim como as que os usaram, especialmente da Madeira e Canárias, como refúgios glaciares não tiveram tempo suficiente para se diversificar e por outro, que partilhem numerosas espécies que recolonizaram o Mar Mediterrâneo desde zonas do Atlântico norte próximas, nas que se encontram os arquipélagos da Madeira e Canárias. Para além disso, estes fenómenos críticos passados foram conferindo uma biodiversidade marinha dos arquipélagos macaronésios com uma composição semelhante de espécies marinhas à do Mediterrâneo e das costas continentais atlânticas peninsulares e norte-africanas, que derivaram no seu agrupamento sob a mesma província Lusitânica (Briggs e Bowen 2012). 56 Ilha ou arquipélago E (%) R L D (Km) AP (Km2) Edad (Ma) EH DH Santa Helena 13.2 76 16º S 1870 156 10 No Baja Ascenção 11.0 82 8º S 1536 106 1.5 No Baja S. Paul’s Rocks 9.3 52 1º N 1010 1? 9.3 No Baja Cabo Verde 8.3 207 16º N 560 13.991 10.3 No Alta Trinidade 5.7 85 20º S 1160 32 3.6 No Baja F. de Noronha 5.0 120 4º S 350 27 12 No Media São Tomé & Principe 3.0 221 1º N 250 860 31 No Alta Bermuda 1.6 280 32º N 1049 1204 60 Sí Alta Canárias 1.6 182 28º N 100 8027 20.5 Sí Alta Açores 1.1 95 38º N 1300 5363 7 Sí Alta Madeira 0.0 133 33º N 630 810 15 Sí Media Tabela 2.1. Características ecológicas e biogeográficas de ilhas oceânicas do Atlântico. E: endemicidade, R: nº de espécies, L: Latitude, D: distancia ao continente, AP: área de plataforma continental, EH: Efeito da Tª durante a idade do gelo, DH: diversidade de habitats (fonte: Floeter et al. 2008). www.bangen-pct.org 57 Os arquipélagos macaronésios são um cruzamento de caminhos para as espécies de peixes devido à composição particular de espécies que ocorrem num amplio intervalo geográfico (anfiatlânticas, cosmopolitas, pantropicais e atlanto-mediterrâneas). Não obstante, os níveis de biodiversidade marinha bentónica litoral dos arquipélagos macaronésios, em comparação com outras zonas mais diversificadas continentais e insulares do planeta, estão justificados pela limitação que exercem as suas águas oceânicas oligotróficas e pelo reduzido número, área e diversidade de habitats litorais que condicionam o desenvolvimento e diversificação das comunidades bentónicas. Posteriormente detalhar-se-á para cada arquipélago a biodiversidade marinha que habitam nas suas costas. Açores A massa de terra mais próxima do arquipélago das Açores são as costas da Península Ibérica separadas por 840 milhas náuticas desde Lisboa e 1.000 milhas náuticas desde o estreito de Gibraltar, alcançando os 5.000 m de profundidade. Esta distância constitui uma barreira para a colonização destas ilhas por parte de numerosas espécies litorais. A sucessão de espécies colonizadoras e o equilíbrio das comunidades biológicas em zonas insulares depende da adaptabilidade das espécies emergentes a as características bióticas e abióticas do meio que encontram, influenciando a estabilização das comunidades já existentes promovendo ou não a ocorrência de fenómenos de 58 especiação. A diversidade biológica presente em áreas com estas características representa o resultado das interações ocorridas entre as espécies emigrantes/ colonizadoras e processos de extinção. Atualmente, apesar das limitações taxonómicas contabilizaramse 1883 taxa marinhos dos quais 39 são endémicos (Borges et al. 2010). A diversidade marinha dos Açores está caracterizada por uma mistura de espécies de climas frios, temperados e tropicais de diferentes origens, pelo que se pode considerar um cruzamento de caminhos no meio do Atlântico (Santos et al. 1995). A sua natureza vulcânica, juventude, isolamento e a forte influência da corrente do Golfo providenciam as condições para o estabelecimento de uma biodiversidade única e interessante para estudos de ecologia, biogeografia e evolução assim como um elevado interesse conservacionista. A maioria das espécies marinhas são recentes e compreendem espécies que chegam principalmente do atlântico oriental, particularmente do sul do continente europeu e noroeste africano com uma grande contribuição mediterrânica, incluindo também espécies de outras fontes atlânticas (Borges et al. 2010), como os arquipélagos da Madeira e Canárias. Relativamente aos peixes litorais, os Açores apresentam uma ictiofauna litoral pouco diversificada em comparação com a Madeira e Canárias. www.bangen-pct.org 59 Madeira Em relação ao Atlântico, a Madeira encontra-se numa uma zona de transição e tem uma mistura de espécies de origem tropical (África) e do norte de Europa. A zona costeira deste arquipélago alberga cerca de 550 espécies de peixes e 360 espécies de vegetais marinhos. Outros grupos taxonómicos ainda não estão contabilizados e novas espécies continuam a ser descobertas regularmente, incluindo nos grupos antes mencionados de peixes e vegetais marinos. Os ambientes marinos litorais mais comuns na ilha estão caracterizados de um modo geral em blocos basálticos, paredes e plataformas rochosas. O conjunto de fatores geográficos e físicos locais têm originado ecossistemas marinos caracterizados por uma diversidade rica em espécies ainda que com populações pouco numerosas, comuns à maioria das regiões insulares subtropicais. As comunidades bentónicas partilham afinidades florísticas e faunísticas principalmente com as espécies Canárias. Canárias Segundo o Banco de Dados de Biodiversidade das Canárias, todavia bastante incompleto relativamente ao meio marinho, das quase 18.000 espécies catalogadas nas ilhas, 5.232 são marinhas. O conjunto de fatores oceanográficos e a orografia do fundo marinho condicionam o tipo de organismos que ocupam um determinado habitat e os intensos fenómenos 60 oceanográficos a nível mesoescalar associados a esta região, convertem as suas águas numa zona de transição entre um ambiente tipicamente oceânico e oligotrófico noutro muito mais produtivo durante o período estival. Concretamente, a região das Canária está afetada por diferentes processos oceanográficos locais que operam a um nível mesoescalar. Vários estudos de espécies planctónicas nas Canárias indicaram o efeito ilha, induzido pelo obstáculo que formam as ilhas perante os fluxos atmosférico (ventos alísios) e oceânicos (corrente das Canárias) como um fator importante e influente nos padrões de distribuição e abundancia das larvas zooplanctónicas (Landeira 2009, Rodriguez et al. 2001) e clorofila (Arístegui et al. 1997), potenciando a retenção do plâncton nas suas águas litorais. Portanto, este fenómeno é capaz de reduzir o contacto genético e demográfico entre as ilhas, promovendo uma evolução insular independente em espécies bentónicas com capacidades dispersivas reduzidas, evidenciado noutros arquipélagos (Johnson e Black, 2006). O segundo depende dos efeitos que o afloramento do noroeste africano provoca nas águas Canárias. Assim, o gradiente térmico das águas superficiais entre as ilhas situadas no extremo oriental (Lanzarote) e ocidental (Hierro) produzido pelos filamentos do afloramento que, durante a sua máxima intensidade nos meses de verão, conseguem alcançar eventualmente as águas sul-orientais próximas à Gran Canária consigam conectar ambos sistemas. Ao largo do eixo longitudinal, devido à desigual influência do afloramento africano, as águas e, em consequência, a sua biota manifestam uma maior tropicalização nas zonas litorais submersas das www.bangen-pct.org 61 2.4. FITOGEOGRAFIA MARINHA DOS ARQUIPÉLAGOS MACARONÉSIOS ilhas ocidentais; chegando incluso, a dar-se casos de espécies que apenas ocorrem nalguma das ilhas. A população íctia litoral está dominado por espécies Atlanto-Mediterrâneas e do Atlântico oriental quentetemperado. Não obstante, também são importantes componentes as espécies de caracter tropical procedentes das Caraíbas (espécies anfiatlânticas), Outras da costa africana e finalmente, aquelas de amplia distribuição comum aos oceanos tropicais do planeta (pantropicais) e às cosmopolitas, conferindolhes particularidades biogeográficas interessantes. Para além disso, o arquipélago canário ostenta umas peculiares características geomorfológicas, oceanográficas e climatológicas que proporcionaram a existência de um amplio e variado mosaico de ecossistemas com multitude de espécies que se destacam pela sua singularidade e exclusividade. O papel dos arquipélagos da macaronésia na distribuição geográfica e evolução de espécies marinhas litorais do oceano Atlântico destaca por ser: Uma das principais fontes de recolonização da maioria das espécies marinhas não endémicas atuais do Mediterrâneo. Refúgios glaciares, principalmente Madeira e Canárias, onde numerosas espécies temperadas, subtropicais e tropicais suportaram as baixas temperaturas do quaternário. Pontos de conexão nas rotas de dispersão de espécies litorais, onde encontravam disponibilidade de habitat e recursos suficientes para colonizar, se estabelecer e expandir a sua distribuição no oceano Atlântico até chegar à distribuição geográfica atual das suas populações. São enclaves importantes para esclarecer questões evolutivas relacionadas com os processos implicados na divergência e isolamento genético no Atlântico norte-oriental. Portanto, as relações filogeográficas entre os três arquipélagos com outras regiões do oceano Atlântico e do Mediterrâneo por um lado, e a identificação de zonas de refúgio e expansão através de modelos evolutivos que utilizam as idades dos haplótipos e a sua distribuição espacial assim como os 62 www.bangen-pct.org 63 níveis de diversidade genética por outro, são aspetos cruciais para entender o papel dos eventos do passado assim como os mecanismos de dispersão e processos evolutivos na distribuição atual das espécies marinhas macaronésias. Implicações filogeográficas durante a crise messiniense do Mediterrâneo É amplamente aceite pela comunidade científica que a distribuição atual e a estrutura genética das espécies marinhas nas ilhas macaronésias foram principalmente influenciadas pelo efeito de dois eventos históricos: a crise messiniense no Mediterrâneo (5,59-5,3 Ma, Krijgsmam et al. 1999) e as oscilações climáticas com períodos intermitentes glaciares e interglaciares durante o quaternário (3 Ma – 18 Ka, Hewitt 2000). Durante o messiniense, a bacia mediterrânea sofreu uma dessecação importante pelo fecho do estreito de Gibraltar, pelo que o nível do mar baixou entre 200 e 1000 m, formando-se lagos hipersalinos onde algumas espécies conseguiram sobreviver, originando a maioria dos endemismos mediterrâneos atuais. Ao abrir-se novamente ao oceano Atlântico, o mediterrâneo foi recolonizado a partir da fauna marinha das costas atlânticas europeias e africanas continentais atlânticas adjacentes e os arquipélagos da Madeira e Canárias. Este fluxo genético massivo tem-se manifestado através de uma maior afinidade genética das áreas atlânticas implicadas na dita recolonização e uma 64 maior divergência com o resto da fauna litoral das zonas costeiras não implicadas neste evento (Maggs et al. 2008, Floeter et al. 2008). Não obstante, apesar de que a recolonização do mediterrâneo é relativamente recente, a manutenção do intercambio genético entre os arquipélagos macaronésios e o Mediterrâneo não tem um padrão claro, existindo numerosas espécies nas quais não se detetou intercambio genético e outras nas que não se detetou diferenças genéticas entre ambos lados do estreito (revisão em Patarnello et al. 2007). Estes autores sugerem algumas conclusões gerais: as espécies maioritariamente pelágicas ou com capacidades dispersivas amplias como a sardinha sardina pilchardus ou a cavala Scomber japonicus são capazes de manter um fluxo genético elevado entre as populações atlânticas e mediterrâneas sem manifestar sinais de diferenciação. Outras espécies litorais de hábitos bentónicos cujo potencial de dispersão é reduzido, mantêm níveis elevados de divergência genética entre as populações atlânticas e mediterrâneas devido provavelmente a várias causas como a separação histórica, isolamento recente e dinâmica populacional ou tamanhos de população efetiva diferente como o dentão Dentex dentex, a ferreira Lithognathus mormyrus, o bodião-verde Thalassoma pavo, o choco Sepia officinalis ou o ouriço Paracentrotus lividus. www.bangen-pct.org 65 Refúgio glaciar durante o quaternário (2,6 Ma) No hemisfério norte, a calota polar avançou e retrocedeu em ciclos repetitivos consoante as oscilações climáticas, que chegaram a ser dramáticas para a maioria das espécies marinhas tanto pelágicas como bentónicas em zonas temperadas do atlântico (Briggs 1974). A alteração drástica nas distribuições da biota marinha atlântica evoluiu de modo diferente em função da latitude (zonas boreais, temperadas e tropicais) onde sofreram os efeitos glaciais segundo as capacidades de dispersão e de resistência particulares de cada espécie (Hewitt 2000). Portanto, as espécies puderam, (i) extinguir-se sobre extensas partes do intervalo geográfico de distribuição, (ii) dispersar-se a novas localidades onde as condições ambientais e os novos habitats disponíveis permitiram estabelecerse e/ou (iii) sobreviver em refúgios estáveis para logo expandir-se de novo às zonas onde ocorriam durante os períodos interglaciares (ciclos de redução/ expansão populacional). Qualquer destas três opções influiu de maneira decisiva no modo de evolução e de diversificação de algumas espécies devido a processos evolutivos subjacentes ao isolamento geográfico e à redução drástica populacional (Hewitt 2000). Os refúgios glaciares, zonas onde as espécies marinhas encontraram condições mais estáveis de acordo com as suas exigências ecológicas, marcaram o modo de evolução das espécies marinhas macaronésias. Muito brevemente, os refúgios glaciares apresentam particularidades genéticas que podem ser inferidas ao 66 possuir os níveis mais altos de diversidade genética e uma mistura de haplótipos ancestrais e privados. Enquanto as áreas de redução/expansão tendem em ser menos diversas e compostas por uma parte do pool genético do refúgio (Maggs et al. 2008). Não obstante, o tempo necessário para que o efeito genético do isolamento geográfico seja evidente dependerá do tamanho populacional, o qual será maior nos refúgios meridionais. Portanto, atendendo estas premissas, as ilhas da Macaronésia, principalmente a Madeira e as Canárias ocidentais, serviram como importantes refúgios para espécies de peixes litorais bentónicos de mares temperados e tropicais tais como a Castanheta dos Açores Chromis limbata (Domingues et al. 2006), o sargo Diplodus sargus (Domingues et al. 2007b), várias espécies de barracudas (Zander 1980, Almada et al. 2001, Almada et al. 2005, Domingues et al. 2008), o caboz de três dorsais Tripterygion delaisi (Domingues et al. 2007a) a raia Raja clavata (Chevolot et al. 2006), para varias espécies de lapas do género Patella (Sa-Pinto et al. 2008) e a esponja Phorbas fictitius (Xavier et al. 2010). Estas ilhas, ao estarem situadas em latitudes subtropicais, não sofreram as oscilações climáticas drásticas de latitudes superiores mantendo temperaturas estáveis toleráveis pelas espécies subtropicais e temperadas. No entanto, as espécies litorais tropicais, com afinidades mais quentes, puderam ver-se afetadas, refugiandose em áreas da costa oeste tropical africana e/ou nos arquipélagos de Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Ascensão ou Santa Helena. www.bangen-pct.org 67 Apesar dos Açores terem sido indicados como um refúgio glaciar (a raia Raja clavata, Chevolot et al. 2006) as baixas temperaturas do último período máximo glaciar (25-18 Ka) alcançaram este arquipélago, produzindose extinções e reduções drásticas em populações de espécies de peixes bentónicos litorais, as quais voltaram a ser recolonizadas posteriormente (12000 anos) a partir das populações da Madeira e Canárias (Almada et al. 2001, Almada et al. 2005, Domingues 2006, 2007b, 2008). Pontos de conexão nas rotas de dispersão do Atlântico norte Partindo da realidade de que a dispersão no meio marinho tem uma limitação espacial, a dispersão das espécies marinhas através de largas distâncias, ainda que biologicamente importante é um fenómeno raro (Palumbi 1994). Portanto, o tempo que as larvas conseguem viajar pela coluna de água (dispersão potencial), o isolamento geográfico, assim como a capacidade de migração da população adulta são fatores que condicionaram o êxito das colonizações e a nova distribuição geográfica. Neste sentido, o conjunto de ilhas que constituem os arquipélagos macaronésios são claros exemplos de zonas geográficas estratégicas colonizadas pelas espécies marinhas atlânticas que tem um maior intervalo de distribuição (p. exemplo espécies anfiatlânticas, pantropicais, circuntropicais), pelo que possivelmente foram utilizadas como pontos intermédios por exemplo pelas espécies anfiatlânticas presentes hoje em dia em ambas as margens longitudinais do 68 Atlântico. Outro claro exemplo, explicado acima, foi o uso destas ilhas como refúgio glaciar a partir de onde recolonizaram antigas zonas geográficas extinguidas e que puderam aproveitar para continuar a expansão do intervalo de distribuição. Além disso, durante o último período máximo glaciar a descida do nível do oceano Atlântico alcançou um máximo de 120 m, emergindo montes ou picos submarinos atuais dentro da área que engloba os arquipélagos da macaronésia e que no seu conjunto formaram a Paleo-Macaronésia (FernamdezPalacios 2011). Fernamdez-Palacios (2011) argumenta a implicação da Paleo-Macaronésia na história das colonizações de diferentes espécies vegetais terrestres da Laurissilva e na sua distribuição atual. Figura 2.7. Distribuição geográfica da Paleo-Macaronésia na atualidade. Círculos com linha contínua e descontínua: paleo arquipélagos submergidos e arquipélagos emergidos respetivamente (modificado de Fernamdez-Palacios et al. 2011). www.bangen-pct.org 69 No meio marinho, apesar de que por um lado a perda de habitat e extinção de espécies bentónicas sésseis litorais assim como as de reduzido movimento perante a descida do nível do mar e, por outro lado, a redução das distâncias que separavam as ilhas paleo-macaronésias aumentaram as oportunidades de alcançar zonas mais estáveis em direção sul. Concretamente, os picos submarinos situados ao sul dos Açores (Gran Meteor) facilitariam o fluxo genético com Canárias. Do mesmo modo, a Paleo Madeira e Paleo Canárias poderiam ter facilitado a colonização dos refúgios glaciares da Madeira e Canárias pelas espécies continentais europeias e africanas atlânticas. Finalmente, os picos Saarianos situados ao sul das Canárias poderiam ter ajudado a colonizar as ilhas de Cabo Verde (Figura 2.7). 2.5. CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE NO MEIO MARINHO Pelo sistema atual de gestão de espécies ameaçadas, os avanços em matéria de conservação não seguem com a mesma intensidade com a que se perdem espécies. Este cenário necessita uma maior efetividade na aplicação da informação biológica apropriada a fim conservacionista e uma melhor transferência de tal informação. A contribuição dos investigadores deve ser reforçada por uma melhor comunicação com os gestores das administrações para tentar identificar e destacar as questões críticas sobre os aspetos biológicos, ecológicos e evolutivos que proporcionam a persistência das espécies marinhas. 70 A maioria das decisões sobre a conservação da biodiversidade marinha não atendem adequadamente os processos chave na criação, a manutenção e a persistência das populações marinhas que operam de maneira mas lenta e cujos efeitos se manifestam através de uma escala espácio-temporal amplia, em comparação às contempladas pelas medidas maioritariamente praticadas na gestão e conservação marinha. Além disso, dado que as espécies marinhas mantém o contacto entre populações a largas distancias através do plâncton, o desenho em planos de conservação baseados no conhecimento clássico em biologia e ecologia será incompleto e, consequentemente, inefetivo. No entanto, a diversidade de marcadores moleculares atuais permite ajudar a esclarecer aspetos cruciais em biologia da conservação como são a criação e a manutenção da variação genética, derivados dos sistemas de emparelhamento das espécies marinhas assim como do intercâmbio genético entre as populações e as capacidades dispersivas das espécies. A evolução das populações naturais requerem da variação genética e, quanto maior seja esta, maior será também a capacidade de responder satisfatoriamente perante alterações estocásticas naturais ou derivados das atividades humanas. Portanto, a preservação da diversidade genética deveria ser considerada um fator essencial no desenho de estratégias de conservação marinha. www.bangen-pct.org 71 Portanto, se o objetivo em conservação se fundamenta na preservação da variação genética das espécies, esta deveria ser analisada desde o ponto de vista, que atendem a escalas espácio-temporais diferentes. O primeiro pretende identificar os fatores determinantes na criação, manutenção e distribuição da variação genética dentro das populações, e assim estabelecer critérios qualitativos (p. ex. alelos implicados na resposta seletiva do ambiente) e quantitativos (p. ex. riqueza alélica, heterozigosidade) que definam umbrais críticos a partir dos quais os sintomas degenerativos nas populações naturais sejam irreversíveis, provocando a redução e provável extinção das populações marinhas. Os sistemas de emparelhamento marcam as vias de intercâmbio genético entre os indivíduos reprodutores, pelas quais se criaram a variação genética e a sua distribuição espacial dentro das populações. Podendo distribuir-se de um modo aleatório ou, pelo contrário, possuir um padrão definido por agrupamentos de indivíduos geneticamente relacionados e próximos geograficamente. O segundo atende a como se distribui a variação genética entre as populações marinhas. A este nível, o fluxo genético e a sua extensão são aspetos fundamentais que delimitam o intervalo espacial a partir do qual as populações se encontram geneticamente isoladas e mantêm uma evolução independente. Este intervalo espacial é útil ao organizar geograficamente a conservação de uma espécie, atendendo especialmente aos processos de dispersão e conectividade que operam sob a influência das correntes marinhas ao transportar a parte “invisível” planctónica das populações. 72 Portanto, da discussão anterior podem derivar estratégias de conservação que destaquem (segundo Moritz 2002): A manutenção das espécies, identificando áreas que maximizem a representação de espécies ou populações e/ou regiões isoladas de espécies marinhas amplamente distribuídas. Manter os processos evolutivos ao incluir áreas que representem processos evolutivos fundamentais como a diversificação adaptativa ou uma mistura de populações historicamente isoladas. A manutenção das espécies No meio marinho devem priorizar-se a conservação daquelas espécies mais vulneráveis perante as atividades humanas e aquelas cujas populações se encontrem num grau de degradação que ponha em risco a sobrevivência da espécie ou das populações locais. Neste sentido, a teoria de genética de populações e os estudos empíricos indicam que as espécies insulares e as endémicas tenham uma maior probabilidade de extinção que as continentais e as não endémicas respetivamente (Frankham 1998). Por outro lado, as atividades humanas que maioritariamente afetam ao medio marinho costumam produzir-se na franja costeira, cuja extensão é limitada e é onde se alcança a maior produtividade marinha e onde ocorrem os ecossistemas mais complexos e diversificados do meio marinho. Além disso é onde os stocks adultos www.bangen-pct.org 73 de recursos pesqueiros litorais não se podem repor naturalmente ao ritmo a que se produzem as capturas, o que levou ao colapso dos ecossistemas costeiros (Jackson et al. 2001). Além disso, a maioria de substâncias contaminantes terrestres desembocam diretamente sobre as comunidades litorais. Portanto, devido à limitação inerente dos esforços conservacionistas por causas económicas, políticas e educacionais é necessário priorizar atuações diretas sobre estas áreas tão importantes para a manutenção da biodiversidade marinha e das populações humanas, às que oferecem serviços essenciais. Manutenção dos processos evolutivos A definição da biodiversidade como o resultado final dos processos evolutivos tem como consequência lógica assumir que as medidas de conservação devem ir dirigidas à manutenção de tais processos. Assim, a identificação das populações e/ou as regiões que mereçam ser conservadas pelos seus níveis elevados de diversidade e singularidade genética por um lado assim como as áreas ou as populações (i) capazes de manter a coesão genética numa região ou (ii) historicamente isoladas por outro foram sugeridas como aplicações eficientes na manutenção de tais processos (Allendorf e Luikart 2007). Assim, entender os padrões espaciais da diversidade genética e os fatores históricos e contemporâneos que foram determinando o grau de divergência entre as populações marinhas e a estrutura genética de uma 74 região é crucial para o desenvolvimento de estratégias de conservação efetivas que integrem a preservação de processos evolutivos. Neste sentido as Unidades Significativas de Evolução (ESUs, Evolutionary Significant Units) são populações ou grupos de populações que merecem uma gestão independente pela sua distinção tanto ecológica como genética. Não obstante, apesar de que a comunidade científica reconhece a importância do conceito, não há um acordo na maneira de identificar um umbral claro e quantificável que seja capaz de incluir ou excluir populações numa mesma ESU (Moritz 2002 e as referências no seu interior). Portanto, alguns destes autores sustêm uma definição com base nas diferenças adaptativas e outros com base nas diferenças históricas (Moritz 2002). Este último enfatizaria a delimitação geográfica de grupos de populações que estiveram historicamente isoladas e é o que compromete um menor esforço e maior rapidez, pelo que a sua aplicação parece responder perante a urgente demanda conservacionista. O objetivo é preservar o número máximo de linhagens históricas numa região. Num nível inferior, também se definiu Unidades de Manejo (MU, Management Units) como populações com uma divergência significativa nas suas frequências alélica ainda que não tem porque implicar uma distinção filogenética. Isto é, populações cujos indivíduos estão demograficamente interligados a uma escala mais reduzida e na qual os processos subjacentes operam numa escala mais reduzida. O objetivo perseguido passaria por gerir independentemente populações demograficamente distintas para assegurar a viabilidade de unidades mais amplias como as ESUs. www.bangen-pct.org 75 3 FILOGEOGRAFIA MOLECULAR 3.1. INTRODUÇÃO QUINTEIRO J A filogeografia, como disciplina da biogeografia, consiste nos princípios e processos que definem a distribuição geográfica dos indivíduos à luz dos padrões numa genealogia genética. As análises moleculares permitem estabelecer as relações filogeográficas, tanto entre populações coespecíficas como entre distintas espécies ou taxa superiores, permitindo a definição de cenários biogeográficos implicados na sua evolução, junto com conhecimentos adquiridos desde diversos campos como a demografia, etologia, paleontologia e geografia histórica (Avise et al., 1994, 2000). A utilização de dados moleculares na elucidação das relações evolutivas entre organismos permite abordar, com elevada fiabilidade, a resolução de questões da biologia e história evolutiva dos organismos (Avise, 1994). www.bangen-pct.org 77 3.2. DADOS MOLECULARES Dentro da diversidade dos dados utilizáveis para a inferência de filogenias (morfológicos, merísticos, aloenzimas, hibridação de ADN, restrição de ADN – RFLP, PCR-RFLP, microsatélites, RAPDs, AFLPs, etc.), o projeto BANGEN centra-se na análise de sequências de ADN, sendo isto na atualidade o mais apropriado na sistemática molecular. As diferentes propriedades funcionais e estruturais, enviesamentos mutacionais e seletivos, e diferentes taxas de mutação nas sequências de ADN, permitem dispor de alternativas para o estudo de, praticamente, qualquer questão sistemática. Estes dados são tratados como caracteres multiestado não ordenados, assumindo, geralmente, a independência entre caracteres. Também são tratáveis como dados quantitativos, que surgem da transformação dos caracteres em valores de distâncias genéticas ou em frequências haplotípicas. 78 e, fundamentalmente, a diversidade nucleotídica π. A variação esperada em cada região nucleotídica, quando o processo evolutivo é completamente neutro, vem determinada pelo parâmetro θ, igual a 4Neµ, sendo Ne o tamanho populacional efetivo e µ a taxa de mutação. A variação genética mostrada por uma população vai estar determinada por numerosos fatores, e a sua combinação, tais como a seleção, entrecruzamento, deriva genética, fluxo génico e mutação. Assim, o tamanho da população, não infinito em populações reais, além de condicionar os efeitos da deriva genética, vai influenciar a evolução molecular mediante drásticas alterações. Tanto uma importante redução do número de indivíduos, definido como um efeito de gargalo da população, como o isolamento de uma pequena porção de indivíduos da população mediante por exemplo, um efeito fundador, vai modificar drasticamente as frequências alélicas. Variação genética Fluxo génico e estrutura populacional Para a medida da variação genética, a partir dos polimorfismos observados em sequências de ADN, estima-se o número de regiões nucleotídicas variáveis num jogo de sequências, S, o número médio de diferenças nucleotídicas entre pares de sequências Π As análises estatísticas sobre a variação intraespecífica baseiam-se em modelos biológicos populacionais com diferentes graus de realismo. O modelo clássico considera a existência de uma população ideal, de tamanho infinito, com cruzamentos ao azar, num locus não submetido a mutação, migração ou seleção. Por www.bangen-pct.org 79 outro lado, as inferências acerca da estrutura genética populacional são levadas a cabo no marco de diferentes modelos de mutação. Não é realista assumir um cruzamento completamente ao azar, a panmixia, naquelas populações que apresentam subdivisão total ou parcial em diferentes subpopulações permitindo diferentes graus de endogamia. Frequentemente, em populações subdivididas, os genes podem deslocar-se de uma população a outra através indivíduos migrantes ou gâmetas dando lugar a um fluxo génico portadores desses genes. A diversidade genética entre populações virá determinada pelo equilíbrio entre as forças contrapostas da deriva genética, que vai reduzir a variabilidade intrapopulacional e aumentar a diferenciação interpopulacional e o fluxo génico, o qual aumenta a diversidade dentro das populações, reduzindo-a entre elas. O fluxo génico é um componente fundamental para elucidar a estrutura genética populacional de uma espécie, determinando quando uma população pode ser considerada como uma unidade independente evolutiva. A estimação dos valores de fluxo génico pode levar-se a cabo mediante métodos diretos, como a marcação e recaptura de indivíduos ou estima da capacidade de dispersão da espécie ou mediante estimas baseadas em dados esperados em populações em equilíbrio a partir de modelos teóricos da estrutura de populações sob a teoria neutra. 80 Não se pode considerar uma estimativa quantitativa precisa do intercâmbio genético entre populações, senão que se devem valorizar como guias para definir o nível de fluxo génico e para análises comparativas. Os baixos níveis de fluxo génico conduzem à subdivisão das populações, desviando os níveis observados de heterozigosidade daqueles esperados através do princípio de Hardy-Weinberg (HW). Este permite a análise e descrição detalhada da estrutura populacional a partir dos estimadores F (FIS, FIT e FST ), ainda que seja necessário ter em conta algumas precauções na sua estima a partir de dados empíricos. FIS e FIT são os índices de fixação, sendo uma medida de correlação entre alelos homólogos relativamente à população local e à população total, respetivamente, podendo interpretar-se como desvios das frequências esperadas em ditas populações em equilíbrio HW. O estimador mais habitual é o índice FST e suas modificações para genomas haploides como o ADNmt, consideram-se com limitações uma medida da subdivisão das populações. Os métodos estatísticos acima referidos têm sido modificados para a sua utilização com genomas extranucleares como o ADNmt. Devido às características do ADNmt: rápida evolução, herança por via materna, ausência de recombinação e a sua natureza haploide, esta molécula apresenta numerosas vantagens para a sua utilização em análises de estruturas populacionais. O valor de Ne é aproximadamente a metade do estimado para o ADN nuclear, sendo apenas ¼ o número efetivo www.bangen-pct.org 81 de alelos relativamente aos autossomas, implicando uma fixação de novos alelos mais rápido para o ADNmt. Dentro da molécula, a maior taxa de substituição nucleotídica da região controlo, permite análises mais detalhadas dos eventos recentes. Quando a variação genética se organiza historicamente numa genealogia e se relaciona com o espaço geográfico constitui a fitogeografia dessa espécie (Avise, 1989). 3.3. FILOGEOGRAFIA A distribuição de uma espécie numa área de tolerância ecológica define-se por fatores demográficos históricos e pelos seus padrões dispersivos. Vários modelos tentam explicar a distribuição dos organismos. No caso de taxas relacionados que apresentam uma distribuição inconexa, preveem-se cenários de dispersão populacional ou vicariante. Sob a perspetiva da vicariança, ou intervalo contínuo geográfico ocupado inicialmente por uma espécie ou população é dividido em unidades isoladas devido à aparição de barreiras geográficas, originando a distribuição observável. Em contraposição, num processo dispersionista, a distribuição atual surgiria mediante dispersão passiva ou ativa a partir de um intervalo geográfico ancestral. Os eventos climáticos e paleogeográficos ao largo da história afetaram a distribuição de espécies e populações. O seu efeito leva à extinção de taxas ou 82 populações, disponibilidade de novos nichos ecológicos e regulação do fluxo génico através da criação ou eliminação de barreiras biogeográficas. Assim, as alterações climáticas Plio-pleistocénicas, as diferentes etapas de glaciação e suas consequências sobre o nível do mar, alteraram as possibilidades migratórias, de colonização e sobrevivência em diversas áreas do meio marinho. Estes eventos afetam de modo similar a um grande número de espécies, com o qual é possível reconstruir e comparar padrões filogeográficos comuns em diversos taxas. Numa tentativa de desenvolver um marco filogeográfico común para os vertebrados, foi estabelecida a importância capital dos eventos pleistocénicos na especiação e diferenciação de populações, assim como padrões na duração da especiação de aproximadamente 2 Ma., preferentemente em situações alopátricas, da maioria dos vertebrados atuais. Vários processos geográficos paradigmáticos foram destacados pela sua implicação na história evolutiva de múltiplas espécies marinhas, mostrando uma total congruência com os padrões genealógicos e com dados derivados da geografia histórica, oceanografia, paleoclimatologia, paleontologia, etologia ou demografia (Avise, 2000). Junto a processos que historicamente afetaram a demografia das populações, existem diversos modelos etológicos que influem nos padrões filogeográficos. Incluem-se aqui modelos migratórios para lugares de postura (comportamento filopátrico). www.bangen-pct.org 83 As características do ADNmt são responsáveis de que cerca dos 70% dos estudos de filogeografia molecular tenham recorrido à molécula de ADNmt como fonte de dados. Sem embargo, a disponibilidade de marcadores moleculares nucleares, em especial sequências de microsatélites, permite na atualidade uma maior diversidade de dados empíricos para abordar questões filogeográficas. 3.4. DIFERENCIAÇÃO GENÉTICA NO MEIO MARINHO Nas análises da estrutura populacional de organismos marinhos requerem-se elevados níveis de resolução, devido à capacidade dispersiva no meio marinho. Dependendo das características concretas do meio (distância, correntes, estruturas hidrogeográficas, barreiras geográficas) e da biologia de cada espécie (distribuição, rotas migratórias, modelos filopátricos, hábitos reprodutivos, duração da vida planctónica, demografia,… ) observam-se diversos graus de diferenciação genética entre populações de distintas localidades geográficas, incluindo a total ausência de diferenciação populacional. Existe uma generalizada correlação entre o alto potencial dispersivo, através de gâmetas e larvas, e a escassa estrutura genética populacional. De forma similar, também deve ser considerado o potencial dispersivo de adultos com elevadas capacidades migratórias. 84 O meio pelágico constitui o maior habitat contínuo da superfície terrestre. A visão generalizada do meio marinho como homogéneo e pouco propenso a albergar diferenciações genéticas, contrasta com a sua riqueza taxonómica. Isso deve-se a mecanismos evolutivos que atuando sobre as populações marinhas conduzem à divergência genética e especiação. A interrupção do fluxo génico pela existência de um isolamento reprodutivo provocado por barreiras geográficas ou oceanográficas no meio marinho no caso de eventos vicariantes ou por dispersão e colonização é a base do conceito de especiação do modelo alopátrico, acentuado em pequenas populações (Mayr 1942; Mayr 1963) e suas variantes como o isolamento periférico (García-Ramos & Kirkpatrick 1997) e a especiação parapátrica (Endler 1977). Em contraste, a especiação simpátrica não requer uma separação de tipo geográfica. Sem embargo, a ausência generalizada de barreiras geográficas infranqueáveis no meio marinho, a elevada capacidade dispersiva de ovos e larvas e a elevada capacidade migratória, em particular dos escombrídios, junto com o elevado tamanho das populações dificulta a divergência entre populações em resposta a um limitado fluxo génico (Bohonak 1999; Palumbi 1994). Ainda assim, foram descritas numerosas descontinuidades no meio marinho, muitas delas implicadas em eventos de especiação. Destacam-se os padrões de circulação oceânica e as descontinuidades oceanográficas que delimitam áreas biogeográficas e de habitats oceânicos e costeiros www.bangen-pct.org 85 fragmentados (Palumbi, 1994). Nestes casos é possível assim a aplicação do típico modelo de especiação alopátrica, onde uma população contínua se fragmenta devido a barreiras extrínsecas que impedem o fluxo génico, originando a aparição de diferenciação génica que conduz a barreiras intrínsecas reprodutivas. O oceano aberto pode representar para as etapas larvares ou peixes marinhos adultos uma infranqueável barreira (Briggs 1974), assim como um cenário adequado para fenómenos de isolamento por distância entre populações com distribuições extremas (Pogson et al. 2001; Pogson, Mesa & Boutilier 1995). Eventos históricos paleogeográficos podem ser responsáveis pela diversidade genética observada em espécies pelágicas marinhas. Encontram-se fundamentalmente relacionados com níveis da água do mar, flutuações de temperatura e eventos de glaciação, assim como fenómenos relacionados (salinidade, níveis de O2, produtividade primária marinha, conexões geográficas, etc.) (Avise, 2000; Avise, 2004). Junto a esses mecanismos físicos, requeridos na especiação alopátrica, diversos aspetos da biologia das espécies podem provocar uma significativa diferenciação genética. Os clássicos mecanismos de isolamento (Avise, 1994), a coesão (Templeton, 1989), são completamente aplicáveis ao meio marinho, em especial aqueles classificados como prézigóticos. Assim, nos escombrídeos os padrões de comportamento filopátricos, com hábitos reprodutivos ligados a áreas geográficas muito concretas, são 86 comuns (Graves, 1996). O isolamento ecológico ou por habitat, o isolamento temporal e a incompatibilidade gamética também podem ser considerados nessas espécies como uma possível fonte de isolamento reprodutivo. Nos mecanismos de divergência encontram-se involucradas forças como a deriva genética, seleção natural e mutação. A deriva genética origina uma rápida diferenciação no caso de populações com escasso tamanho (Kimura, 1979). Isto ocorre no meio marinho quando uma população reduz drasticamente o seu tamanho, atravessando um “gargalo de garrafa”, ou durante um efeito fundador com colonização de um novo habitat (Hampton & Templeton 1984; Mayr 1942). A seleção natural encontra-se involucrada também na divergência entre as populações submetidas a diferentes pressões seletivas que ocorrem ao largo do intervalo de distribuição de uma espécie (Hampton & Templeton, 1984). A seleção sexual atua sobre caracteres implicados na eleição do casal afetando ao nível de fluxo génico levando, portanto, a diferenciação relativamente à população ancestral (Fisher 1958; Lande 1981). www.bangen-pct.org 87 4 CASOS DE ESTUDO QUINTEIRO J, GONZÁLEZ N, ASSUNÇÃO P, MENDOZA H 4.1. FILOGEOGRAFIA DAS ESPÉCIES -‐ ALVO Introdução No âmbito do projeto BANGEN foram definidas como espécies-alvo as seguintes: Megabalanus azoricus (Pilsbry, 1916), Octopus vulgaris (Cuvier, 1797), Sparisoma cretense (Linnaeus, 1758), Grapsus adscensionis (Osbeck, 1765) y Plesionika edwardsii (Brandt, 1851). A estas espécies foi levada a cabo a análise da sua diversidade genética para obter uma imagem da filogeografia marinha macaronésica. A área biogeográfica da Macaronésia compreende os arquipélagos do Atlântico norte Açores, Madeira, Selvagens, Canárias e Cabo Verde, além de uma www.bangen-pct.org 89 amplia franja costeira africana situada frente a essas ilhas que vai desde Marrocos até ao Senegal. Estas situações geográficas tão díspares proporcionam uma variabilidade climática sensível que condiciona o povoamento biológico desta região, sendo que este povoamento vai estar também influenciado pelas notáveis diferenças nas distâncias ao continente. Os arquipélagos macaronésicos estão constituídos por ilhas vulcânicas oceânicas as quais começam a ser povoadas desde que emergem, através de uma série de agentes fundamentais que proporcionam a dispersão genética e o povoamento insular. Este projeto restringe-se ao espaço compreendido pelos Açores, Madeira e Canárias. Assim, as amostras e análises da estrutura genética das populações restringe-se a essas áreas. O número de exemplares amostrados por área geográfica foi entre 30 a 50 indivíduos, analisando-se um total de 700 indivíduos (Figura 4.1). Os protocolos utilizados para amostragem, classificação, armazenamento, isolamento de ADN, sequenciação e análises dos dados são os presentes no “Guia de procedimentos e protocolos genéticos de espécies marinhas” (BANGEN, 2012). Para os organismos citados foi selecionado como marcador molecular as sequências da região controlo do ADN mitocondrial. Essa sequência foi selecionada devido à sua elevada variabilidade, característica requerida para uma potencial resolução da distribuição geográfica através da diversidade genética. 90 Figura 4.1. Mapa abrangendo a área macaronésica e indicando as zonas de amostragem para as espécies-alvo do projeto BANGEN. Contudo, a ausência generalizada de sequências da região controlo para estas espécies implicou uma prévia caracterização dessas sequências e zonas flanqueadas. Para isso foi necessário a amplificação (PCR) com primers universais de desenho próprio, a clonagem dos produtos de PCR, a sua sequenciação e o desenho de primers específicos das espécies-alvo. www.bangen-pct.org 91 Finalmente foram obtidos os amplicões da região controlo tendo sido sequenciados para o total de cada amostra. 1998). Assim foi possível observar a monofilia do género Megabalanus. A espécie M. azoricus situase em posição basal como espécie irmã ainda que divergente de M. spinosus (Figura 4.2). Os dados básicos da diversidade genética e as estimativas da estrutura genética (Fst y AMOVA) foram obtidos com Arlequin (Excoffier, Laval & Schneider 2005). Elaborou-se uma rede de haplotipos apresentados por cada indivíduo através do software Network (Bandelt, Forster & Rohl 1999). Casos de estudo Megabalanus azoricus (Pilsbry, 1916) 92 A craca, Megabalanus azoricus (Pilsbry, 1916), é um balanomorfo explorado comercialmente tendo, provavelmente, um estado de conservação crítico. O género distribui-se através das ilhas atlânticas. Alguns autores referem-se a M. azoricus como a espécie que aparece nas ilhas dos Açores, Madeira, Selvagens e Canárias. Esta espécie, provavelmente, está também presente em Santa Helena, no Atlântico Sul. O estado sistemático do género Megabalanus foi estudado, mas não há informação disponível sobre a variabilidade molecular deste género nas ilhas atlânticas. A região controlo de M. azoricus foi amplificada mediante os primers Mazo-12S-1F/Mazo-Ile-2R, localizados nos flanques 12S ARNr e ARNt-Ile, respetivamente. Para clarificar a sua sistemática foi levada a cabo a análise da sequência parcial de 16S ARNr amplificada com os primers 16Sa e 16Sb (Palumbi, Obtivram-se 157 sequências de indivíduos localizados nos arquipélagos dos Açores, Madeira e Canárias. O alinhamento destas sequências da região controlo de Figura 4.2. Árvore filogenética baseada nas sequências parciais (397 pb) do 16S ARNr, incluindo um espécimen de Megabalanus azoricus (Mazo CAN3). A árvore de Neighbor-joining elaborou-se com base nas distâncias de Tamura-Nei com 2000 réplicas. A árvore filogenética foi elaborada com o programa MEGA (Kumar et al. 2008). www.bangen-pct.org 93 Megabalanus azoricus apresentou uma longitude de 426 pb. Os valores da diversidade genética (Tabela 4.1) foram semelhantes para as três áreas amostradas, ainda que levemente superior para a amostra da Madeira. Área N N hap h π Açores 52 24 0,848 0,00983 Madeira 52 31 0,929 0,0104 Canárias 53 25 0,843 0,00922 Tabela 4.1. Valores básicos de diversidad genética para las secuencias de la región control mitocondrial de las muestras de Megabalanus azoricus. (h= diversidad haplotípica, π= diversidad nucleotídica). A rede de haplotipos (Figura 4.3) mostra a presença de vários haplogrupos maioritários. O haplogrupo maioritário encontra-se proporcionalmente representado nas três áreas, com um elevado número de haplotipos próximos e radiais em forma de estrela. Um segundo haplogrupo cinge-se, quase exclusivamente, às Canárias e Açores, enquanto um terceiro haplogrupo satélite encontra-se representado exclusivamente em Madeira. 94 Figura 4.3. Rede dos haplotipos da região controlo mitocondrial de Megabalanus azoricus, detetados nas análises das populações dos Açores (azul), Madeira (verde) e Canárias (amarelo). A área do círculo é proporcional à frequência dos haplotipos. A existência do haplogrupo madeirense implica a estimativa de valores significativos de diferenciação (Fst) na comparação das áreas da Madeira com o resto. Não se obtiveram valores significativos na comparação entre as populações dos Açores e Canárias (Tabela 4.2). www.bangen-pct.org 95 Octopus vulgaris (Cuvier, 1797) Áreas Madeira Açores 0.06173* Canárias 0.03984* -0.00206 Tabela 4.2. Valores de Fst para las comparaciones entre las 3 muestras de Megabalanus azoricus correspondientes a los archipiélagos de Azores, Canarias y Madeira. * indica una P< 0,05. No entanto, a avaliação da diferença da Madeira em relação ao resto não é significativa, apesar de representar um 5,29 da variância genética (Tabela 4.3). Fonte de variação graus de liberdade Soma dos quadrados Componente da variancia % variação Entre grupos 1 14,491 0,16972 5,29 Entre populações dentro de grupos 1 2,685 -0,00684 -0,21 Dentro das populações 154 468,879 3,04352 A sequência da região controlo de O. vulgaris foi obtida mediante a amplificação com os primers OVULCR3F e OVULCR4R, localizados nos flancos ARN-Glu e COX3, respetivamente. O alinhamento de tais sequências mostrou uma longitude de 637 pb, incluindo-se um total de 186 indivíduos. Os valores de diversidade haplotípica são relativamente baixos em todas as áreas, em especial na amostra dos Açores (Tabela 4.4). Área N N hap h π Açores 52 12 0,650 0,00951 Madeira 48 15 0,810 0,01831 Canárias 38 11 0,764 0,01757 Galiza 48 17 0,840 0,00181 94,92* Tabela 4.3. Valores de Fst para as comparações entre as 3 amostras de Megabalanus azoricus correspondentes aos arquipélagos dos Açores, Canárias e Madeira. * Indica uma P< 0,05. 96 O polvo comum, Octopus vulgaris (Cuvier, 1797), define-se geralmente como subtropical cosmopolita, submetido a uma forte exploração. No entanto, subsistem dúvidas importantes acerca do seu estado taxonómico através do globo. Além da clarificação taxonómica, a compreensão da estrutura populacional é crucial para a gestão partilhada deste recurso e numa situação de sobrexploração. Tabela 4.4. Valores básicos de diversidade genética para as sequências da região controlo do ADN mitocondrial das amostras de Octopus vulgaris. (h= diversidade haplotípica, π= diversidade nucleotídica). www.bangen-pct.org 97 A rede de haplotipos elaborada (Figura 4.4) mostra uma importante divergência (20 mutações) entre 2 haplogrupos maioritários. Destaca-se a ausência de um dos haplogrupos na amostra da Galiza (noroeste da península ibérica). Áreas Galiza Canárias 0.62427* Açores 0.10730* 0.40712* Madeira 0.47008* 0.00968 0.25381* Tabela 4.5. Valores de Fst para las comparaciones entre las 3 muestras de Octopus vulgaris correspondientes a los archipiélagos de Azores, Canarias, Galicia y Madeira. * indica una P< 0,05. Em conformidade obtiveram-se valores significativos nas análises de AMOVA entre as distintas populações, donde se obtém a maioria da variância. No entanto, a variância entre os grupos avaliados, incluindo a península frente aos arquipélagos, não é significativa (Tabela 4.6). Figura 4.4. Rede dos haplotipos da região controlo do ADN mitocondrial de Octopus vulgaris, detetados nas análises das populações dos Açores (azul), Madeira (verde), Galiza (roxo) e Canárias (amarelo). A área do círculo é proporcional à frequência dos haplotipos. Os valores de diferenciação Fst foram todos significativos com exceção do estimado para a comparação das populações das Canárias e Madeira (Tabela 4.5). O maior valor obtido é para as áreas situadas no extremo do intervalo de amostragem: Galiza e Canárias. 98 Fonte de variação graus de liberdade Soma dos Componente da % variação quadrados variância Entre grupos 1 157.957 0.98341 14.04 Entre populações dentro de grupos 2 168.615 1.75443 25.05* Dentro das populações 154 776.175 4.26470 60.90* Tabela 4.6. Análises de AMOVA para as amostras de Octopus vulgaris correspondentes aos arquipélagos dos Açores, Canárias, Madeira e Galiza. A estrutura avaliada é (Galiza (Açores, Canárias, Madeira). * indica uma P< 0,05. www.bangen-pct.org 99 Sparisoma cretense (Linnaeus, 1758) A veja, Sparisoma cretense, é um peixe da família Scaridae, constituindo um recurso pesqueiro muito apreciado. Ainda que num trabalho prévio tenha sido tratada a estrutura genética de S. cretense no Atlântico Norte, este não foi centrado na estrutura dos arquipélagos macaronésicos, com um limitado tamanho da amostra e considerando quase exclusivamente sequências conservadas com repetições em tandem (Bernardi et al. 2000). Neste trabalho, a região controlo parcial de S. cretense, correspondente a 124 indivíduos, foi amplificada em dois fragmentos. No primeiro contém o domínio esquerdo, com sequências repetitivas que dificultam a sequenciação, mediante os primers Scre F1 Pro/ Scre 3R CSB que se encontram localizados no ARNtPro e no região de sequência conservada, localizado na zona central da região controlo, respetivamente. O segundo fragmento, contendo o domínio direito da região controlo, foi amplificado com os primers Scre 4F CSB e Scre R2 Phe, localizados na CSB e ARNtPhe, respetivamente. Na análise das sequências foi eliminada a zona com repetições em tandem, com um alinhamento final de 1069 pb de longitude. Área N N hap h π Açores 49 43 0,99150 0,00428 Madeira 39 31 0,98381 0,00377 Canárias 36 28 0,97619 0,00347 Tabela 4.7. Valores básicos de diversidade genética para as sequências da região controlo do ADN mitocondrial das amostras de Sparisoma cretense. (h= diversidade haplotípica, π= diversidade nucleotídica). A rede de haplotipos elaborada mostra 2 haplogrupos separados por um limitado número de mutações, acompanhados de haplotipos radiais em baixa frequência. A presença dos haplotipos é similar nas 3 áreas de amostragem (Figura 4.5). Em conformidade com essa homogénea distribuição geográfica dos haplotipos os valores estimados de diferenciação (Fst) são próximos a 0, sem nenhuma significância (Tabela 4.8). Os valores da diversidade haplotípica (h) são elevados, com uns modestos valores de diversidade nucleotídica (π). Ambos os valores são similares para as 3 áreas avaliadas (Açores, Madeira e Canárias) (Tabela 4.7). 100 www.bangen-pct.org 101 Grapsus adscensionis (Osbeck, 1765) Figura 4.5. Rede dos haplotipos da região controlo mitocondrial de Sparisoma cretense, detetados nas análises das populações dos Açores (azul), Madeira (verde) e Canárias (amarelo). A área do círculo é proporcional à frequência dos haplotipos. Áreas Açores Canárias -0.00251 Madeira -0.00784 -0.00222 O caranguejo judeu ou cabra, Grapsus adscensionis (Osbeck, 1765) é um grapsoide que se distribui através do Atlântico Este. Classificado como G. grapsus até 1990, foi separado da espécie congénere presente no Pacífico, incluindo ilhas como as Galápagos, das quais é uma espécie representativa. Além de características morfológicas diferenciadas nos adultos, foram descritas diferenças morfológicas entre estas duas espécies no estado larvar. Os estudos moleculares disponíveis situam-no dentro da Família Grapsidae, num subtipo com Pachygrapsus e Metopograpsus. No entanto, não existem dados sobre a diversidade desta espécie com escassa informação genética. A região controlo de Grapsus adscensionis e as regiões laterais foram caracterizadas, permitindo o desenho dos primers Gra-12S-1F e Gra-Gln-2R, localizados no 12S ARNr e ARNt-Gln, respetivamente. O alinhamento obtido inclui 653 pares de bases e 127 indivíduos analisados. Os valores de diversidade haplotípicos são elevados com um moderado valor de diversidade nucleotídica, especialmente na amostra dos Açores (Tabela 4.9). Tabela 4.8. Valores de Fst para as comparações entre as 3 amostras de Sparisoma cretense correspondentes aos arquipélagos dos Açores, Canárias e Madeira. * indica uma P< 0,05. 102 www.bangen-pct.org 103 Área N N hap h π Áreas Açores 53 31 0,9427 0,00297 Açores Madeira 31 19 0,9462 0,00408 Canárias 0.05293 * Canárias 43 29 0,9712 0,005 Madeira -0.00404 Tabela 4.9. Valores básicos de diversidad genética para las secuencias de la región control mitocondrial de las muestras de Grapsus adscensionis. A rede de haplotipos mostra a presença de dois haplogrupos intimamente relacionados, acompanhados de haplotipos radiais, em menor frequência, e representados nas três áreas de amostragem (Figura 4.6). No entanto, os valores de Fst, obtidos das comparações interamostrais indicam uma baixa, mas significativa, diferenciação entre as amostras dos Açores e Canárias (Tabela 4.10). 0.07325* Tabela 4.10. Valores de Fst para as comparações entre as 3 amostras de Grapsus adscensionis correspondentes aos arquipélagos dos Açores, Canárias e Madeira. * Indica uma P< 0,05. Plesionika edwardsii (Brandt, 1851) O camarão soldado, Plesionika edwardsii (Brandt, 1851) é um decápode da família Pandelidae. Apresenta pouca informação genética nas bases de dados públicas (Genbank e BOLD) e de igual forma ausência de trabalhos prévios sobre a sua estrutura genética populacional. A região controlo de Plesionika edwardsii, junto com as suas regiões flanqueadas foram caracterizadas, permitindo o desenho dos primers Ples-12S-1F e Ples-Ile-3R, localizados no 12S ARNr e ARNt-Ile, respetivamente. O alinhamento obtido inclui 630 pares de bases e 106 indivíduos analisados. Figura 4.6. Rede dos haplotipos da região controlo do ADN mitocondrial de Grapsus adscensionis, detetados nas análises das populações dos Açores (azul), Madeira (verde) e Canárias (amarelo). A área do círculo é proporcional a frequência dos haplotipos. 104 Os valores de diversidade haplotípicos são extremos com uns valores máximos de 1, não se detetando dois haplotipos idênticos. A diversidade nucleotídica também é elevada, como é esperado da divergência observada entre os ditos haplotipos (Tabela 4.11). www.bangen-pct.org 105 Área N N hap h π Açores 41 41 1 0,037533 Madeira 37 37 1 0,037127 Canárias 28 28 1 0,037648 Em congruência com a distribuição observada na rede de haplotipos, observam-se uns valores de Fst próximos a 0 e não significativos em comparação entre populações, indicando ausência de diferenciação (Tabela 4.12). Áreas Tabela 4.11. Valores básicos de diversidad genética para las secuencias de la región control mitocondrial de las muestras de Plesionika edwardsii. A rede de haplotipos obtida para Plesionika edwardsii mostra uma distribuição homogénea, sem agrupamentos de haplotipos divergentes. A elevada presença de nós intermédios corresponde a haplotipos não amostrados ou não existentes, situados numa posição intermédia conectando dois ou mais haplotipos se detetados (Figura 4.7). Canárias Açores -0.00052 Madeira 0.00432 -0.00518 Tabela 4.12. Valores de Fst para as comparações entre as 3 amostras de Plesionika edwardsii correspondentes aos arquipélagos dos Açores, Canárias e Madeira. * Indica uma P< 0,05. Discussão A análise da estrutura genética das espécies-alvo do projeto BANGEN requer o uso de marcadores moleculares com elevada sensibilidade, capazes de promover uma suficiente resolução requerida por estes estudos micro-evolutivos. Entre as sequências mitocondriais, a região controlo, com seus domínios hipervariavéis, apresenta esta potencial resolução. Figura 4.7. Rede dos haplotipos da região controlo mitocondrial de Plesionika edwardsii, detetados nas análises das populações dos Açores (azul), Madeira (verde) e Canárias (amarelo). A área do círculo é proporcional à frequência dos haplotipos. Os nós (a vermelho) indicam a presença de haplotipos intermédios não existentes ou não amostrados. 106 www.bangen-pct.org 107 Ainda que presente na maioria dos metazoários, a região controlo tem diferentes características tais como longitude e presença de motivos repetitivos. Também a sua posição relativa dentro do gene mitocondrial é variável. Nas espécies estudadas esta variabilidade foi mostrada. Assim, nos crustáceos analisados (Megabalanus azoricus, Grasus adscensionis e Plesionika edwardsii), a região controlo encontra-se flanqueada pelo 12S ARNr no seu extremo 5’ e pelos ARNt, ARNt-Ile, ARNt-Gln e ARNt-Met. No molusco, O. vulgaris, a região controlo situa-se entre o 12S ARNr e um par de ARNt, dos quais o ARNt-Gly é o mais próximo ao extremo 5’. No extremo 3’ situa-se o gene COX3. No caso da veja, S. cretense, a região controlo mantém a ordem genética dos vertebrados, com os ARNt-Pro e ARNt-Phe, flanqueando nos extremos 5’ e 3’, respetivamente. A caracterização dessas áreas dos flancos permitiu o desenho localizado nessas posições conservadas. A obtenção do mesmo marcador, a hipervariavél região controlo, para todos os taxa alvo, permite uma apropriada e direta comparação dos valores de diversidade genética. Os valores de diversidade haplotípica (h), em geral estão acima dos 0,90, com a exceção dos valores estimados para o polvo, O. vulgaris, com valores situados entre 0,6 e 0,8, sendo o máximo obtido de 1 para Plesionika edwardsii. Os valores de maior diversidade nucleotídica (π) obtêm-se para Plesionika edwardsii (0,035), seguidos dos valores para M. azoricus e O. vulgaris (0,009-0,018), enquanto os menores se obtêm para G. adscensionis e S. cretense (0,002-0,005). 108 Em ambos os casos destacam os valores de Plesionika edwardsii, onde o máximo valor de h e π são congruentes com um tamanho populacional de magnitude superior ao resto de espécies-alvo. Assim, valores elevados de h e π, indicam uma população estável com um amplio tamanho efetivo. A craca M. azoricus é uma espéciealvo com elevados valores de diversidade, congruente também com um maior tamanho populacional, ainda que poderia ser igualmente reflexo da mistura de populações historicamente isoladas. Tanto G. adscensionis como S. cretense apresentam um baixo valor de π, congruente com um rápido crescimento populacional a partir de populações ancestrais com um escasso tamanho populacional. Pelo contrario, o baixo valor de h e relativamente elevado de π, indicaria a ocorrência de fenómenos de gargalo de garrafa nesta espécie explorada, caracterizada por vários recrutamentos anuais. Além disso, o elevado valor de π, pode estar influenciado pela existência de haplotipos altamente divergentes (Avise, 2000). Com a exceção de Plesionika edwardsii, as redes de haplotipos mostram a presença de dois haplogrupos principais, acompanhados de haplotipos radiais próximos em forma de estrela. A divergência entre ambos haplogrupos é variavel. O polvo, O. vulgaris, apresenta a maior divergência entre os ditos haplogrupos, enquanto que G. adscensionis e S. cretense a menor, em congruência com os valores obtidos de π. Estes haplogrupos encontram-se representados, com diferentes frequências, nas áreas amostradas, com a exceção de um haplogrupo de O. vulgaris, que www.bangen-pct.org 109 não se encontra presente na amostra peninsular. Um haplogrupo radial ainda que divergente de M. azoricus é exclusivo da Madeira. A presença desses pares de haplogrupos maioritários e divergentes provavelmente tenham a sua origem no isolamento histórico de linhagens ancestrais. No meio marinho os fenómenos de isolamento são comuns a todos os taxa, afetando de forma similar os diversos organismos, resultando disso similares padrões filogeográficos (Avise, 2000). O paralelismo nas topologias das redes de haplogrupos representaria o padrão comum originado por um fenómeno de isolamento, persistência e diferenciação num refúgio e posterior colonização, ligados à história paleoclimática do Atlântico Norte. A biologia de Plesionika edwardsii, com uma distribuição, biologia reprodutiva e capacidade dispersiva significativamente distinta ao resto das espécies, resultaria num único pool genético para as áreas de amostragem consideradas dentro da Macaronésia. caso, não é descartável um fenómeno de isolamento por distância. No caranguejo judeu, G. adscensionis, a falta de diferenciação ocorre entre Açores e Madeira. A dinâmica larvária e demográfica e a ausência ou escassa mobilidade em etapas adultas, e incluso a influência humana, são fatores que desenham o padrão filogeográfico mostrado. Pelo contrário a historia filogeográfica de S. cretense, junto com a sua maior capacidade dispersiva na etapa adulta, provavelmente seja responsável do padrão com ausência de diferenciação genética. Os paralelismos observados nos congruentes padrões de diversidade genética são o resultado de processos filogeográficos marinhos comuns no Atlântico Norte e refletem a unidade biogeográfica dos arquipélagos macaronésicos considerados, Açores, Madeira e Canárias. A craca, M. azoricus, o caranguejo judeu, G. adscensionis, e o polvo, O. vulgaris, apresentam valores generalizados e significativos de diferenciação entre populações. Para a primeira espécie a amostra da Madeira apresenta uma diferenciação significativa relativamente às outras espécies, em congruência com a existência de grupos de haplotipo específicos da Madeira e das Canárias mais Açores. No polvo, O. vulgaris, estimaram-se valores significativos de diferenciação, exceto para as ilhas das Canárias e Madeira. No entanto, neste 110 www.bangen-pct.org 111 Conclusões As análises da diversidade genética nas espécies Megabalanus azoricus (Pilsbry, 1916), Octopus vulgaris (Cuvier, 1797), Sparisoma cretense (Linnaeus, 1758), Grapsus adscensionis (Osbeck, 1765) e Plesionika edwardsii (Brandt, 1851), permitiu obter uma imagem da filogeografia marinha macaronésia. Os valores estimados de diversidade para cada espécie alo longo dos arquipélagos dos Açores, Madeira e Canárias refletem as peculiaridades da sua biologia e demografia, com uma significante diferenciação entre arquipélagos no caso das espécies de craca (M. azoricus), caranguejo judeu (G. adscensionis) e o polvo (O. vulgaris). Com a exceção do camarão soldado (P. edwardsii), detetou-se a presença de pares de haplogrupos maioritários e divergentes que, provavelmente, tenham a sua origem no isolamento histórico de linhagens ancestrais. 4.2. ESPÉCIE INTRODUZIDA Sparus aurata A possibilidade de escapar para o meio marinho dos organismos em cultivo foi investigada pelo grupo SISMOL da USC. O caso concreto implica o cultivo de dourada, Sparus aurata, em instalações de jaulas em mar aberto nas ilhas Canárias. Numa primeira fase se foi levado a cabo a obtenção de amostras de tecido tanto de indivíduos capturados do meio natural, selvagens ou originários de possíveis fugas de instalações de cultivo adjacentes, assim como de indivíduos de cultivo, obtidos em estabelecimentos comerciais. A partir dessas amostras procedeu-se ao isolamento do ADN total e a amplificação multiplex com 7 marcadores de sequências STRs específicas de S. aurata, procedendo-se à genotipagem de um total de 82 indivíduos, sendo N=37 indivíduos selvagens e N= 45 indivíduos procedentes de cultivo (Tabela 4.13). Evidencia-se um padrão filogeográfico marinho comum associado, provavelmente, a processos idênticos de isolamento, persistência e diferenciação num refúgio e posterior colonização, associados à história paleoclimática do Atlântico Norte. 112 www.bangen-pct.org 113 Locus k k k selvagem cultivo N HObs HExp PIC HW SauI47INRA Ϭ͕ϱ Ϭ͕Ϯ Ϭ͕ϰ Ϭ͕ϭϱ Ϭ͕ϭ ƐĂůǀĂũĞ Ϭ͕Ϭϱ ĐƵůƚŝǀŽ Frecuencia Frecuencia SauK140INRA Ϭ͕Ϯϱ Ϭ Ϭ͕ϯ Ϭ͕Ϯ ϳϮ ϳϲ ϳϴ ϴϬ ϴϮ ϴϰ ϴϲ ϵϬ ϵϮ ϵϰ ϵϲ ϵϴ ϵϱ SauD182INRA 12 6 12 10 6 10 8 5 77 74 62 0.779 0.622 0.597 0.860 0.875 0.807 0.757 0.839 0.839 0.856 0.776 0.715 NS ND Ϭ͕ϴ Ϭ͕ϱ Ϭ͕ϰ Ϭ͕ϯ Ϭ͕Ϯ ƐĂůǀĂũĞ Ϭ͕ϭ ĐƵůƚŝǀŽ Ϭ Ϭ͕ϲ Ϭ͕ϰ ĐƵůƚŝǀŽ Ϭ Alelos Alelos PbMS2 SaI12 Ϭ͕ϯ Ϭ͕Ϯϱ Ϭ͕Ϯ Ϭ͕ϭϱ Ϭ͕ϭ Ϭ͕Ϭϱ Ϭ NS ƐĂůǀĂũĞ Ϭ͕Ϯ ϭϬϵ ϭϭϱ ϭϭϳ ϭϭϵ ϭϮϭ ϭϮϯ ϭϮϱ ϭϮϳ ND NS Frecuencia 0.795 0.859 ϭϬϬ ϭϭϰ ϭϭϲ ϭϭϴ ϭϮϮ ϭϮϰ ϭϮϲ ϭϮϴ ϭϯϬ ϭϯϮ ϭϯϰ ϭϯϲ 78 0.785 Frecuencia 12 79 Ϭ͕ϰ ƐĂůǀĂũĞ ĐƵůƚŝǀŽ Ϭ͕ϯ Ϭ͕Ϯ ƐĂůǀĂũĞ Ϭ͕ϭ ĐƵůƚŝǀŽ Ϭ ϭϮϲ ϭϯϮ ϭϯϴ ϭϰϰ ϭϱϬ ϭϱϰ ϭϲϮ ϭϳϴ ϮϮϲ Ϯϯϰ ϮϰϬ ϮϰϮ Ϯϰϰ Ϯϰϲ Ϯϰϴ ϮϱϮ Ϯϱϱ Ϯϲϰ Ϯϲϲ Ϯϲϴ SauG46INRA 12 10 14 ϭϬϭ ϭϬϯ ϭϬϱ ϭϬϳ ϭϬϵ SauH98INRA Frecuencia SauK140INRA 12 10 ϵϵ Alelos Alelos Frecuencia SaI12 15 ĐƵůƚŝǀŽ Ϭ SauG46INRA PbMS2 ƐĂůǀĂũĞ Ϭ͕ϭ Alelos Alelos SauD182INRA SauH98INRA 7 8 5 5 7 7 76 82 0.737 0.439 0.669 0.432 0.605 0.400 NS NS Ϭ͕ϱ Frecuencia SauI47INRA Ϭ͕ϰ Ϭ͕ϯ Ϭ͕Ϯ ƐĂůǀĂũĞ Ϭ͕ϭ ĐƵůƚŝǀŽ Ϭ ϮϲϮ Tabela 4.13. Loci microsatélite caracterizados nas amostras de indivíduos selvagens e de cultivo de Sparus aurata (k =número de alelos, HObs=heterozigosidade observada, HExp =Heterozigosidade esperada, PIC=Conteúdo informativo polimórfico, HW=test de HardyWeinberg, NS= não significativo, ND= não aplicável.) A partir das amostras analisadas observam-se maioritariamente alelos partilhados entre indivíduos selvagens e cultivados. Assim, a distribuição das suas frequências alélicas é semelhante (Figura 4.8). 114 Ϯϲϲ Ϯϲϴ ϮϳϬ ϮϳϮ Ϯϳϰ Alelos Figura 4.8. Distribuição dos tamanhos alélicos para cada um dos loci analisados, nas amostras consideradas de cultivo (cultivo-azul) e procedentes do meio natural (selvagens-verde). A aproximação mediante a comparação das amostras provenientes do meio natural e de cultivo, considerandose estas como populações, é inadequada. Assim, não se pode assumir que a população do meio natural seja homogénea já que, provavelmente, contém indivíduos de diferentes origens (selvagem e cultivado). Além disso, a presença de indivíduos originários após escaparem, não tem por que ser representativa dos genótipos presentes em cultivo, já que tais fenómenos, se existirem, seriam pontuais, de determinadas instalações e com uma composição alélica determinada. www.bangen-pct.org 115 Ainda tendo em conta essas considerações, realizaramse análises de probabilidade de proximidade dos haplótipos individuais a cada uma das amostras de cultivo e do meio natural (Waser & Strobeck, 1998). Observouse como a maioria dos indivíduos de cultivo e do meio se agrupam em nuvens isoladas, no entanto existem indivíduos que se sobrepõem entre ambas as nuvens. Isto indicaria, por exemplo, a maior probabilidade de aproximação de um individuo “selvagem” à amostra de cultivo que à do meio (Figura 4.9). Figura 4.9. Probabilidades de proximidade de un individuo à sua amostra correspondente. Em círculos azuis encontram-se os indivíduos capturados no meio (“Selvagem”), enquanto os quadrados verdes indicam os indivíduos procedentes de cultivo. 4.3. ANÁLISES FILOGENÉTICAS DE MICROALGAS DO GÉNERO Dunaliella (Chlorophyceae, Dunaliellales) Introdução Chama-se fitoplâncton (plâncton vegetal) ao conjunto dos organismos aquáticos autotróficos do plâncton, que têm capacidade fotossintética e que vivem dispersos na água. A sua importância é fundamental dado que são responsáveis por 95% da produtividade primária dos oceanos, constituindo o alimento do zooplâncton. O fitoplâncton afeta a quantidade e diversidade de organismos marinhos e mantém em funcionamento os ecossistemas marinhos (Figura 4.10). Tem a capacidade de fixar o CO2 atmosférico e produz o 50% do oxigénio molecular necessário para a vida terrestre. O fitoplâncton apresenta uma grande biodiversidade, encontrando-se diversas espécies em função das condições naturais do lugar e da presença/ausência de nutrientes, fenómenos de eutrofização, etc. Está constituído principalmente por algas unicelulares microscópicas, sendo as cianobactérias, as diatomáceas, e os dinoflagelados os organismos mais abundantes (Figura 4.11). Levou-se também a cabo análises de AMOVA e análises de parentesco, planeadas para observar o grau de relação parental entre os indivíduos de cada amostra (cultivo e do meio). Estas análises, em conjunto, mostram uma situação congruente com a liberação de indivíduos de cultivo ao meio natural e a sua sobrevivência e reprodução. 116 www.bangen-pct.org 117 Fitoplâncton Produtores primários Zooplâncton Consumidores primários Larvas de invertebrados Larvas de vertebrados Consumidores secundários Adultos invertebrados Adultos vertebrados Consumidores terceários Ser humano, outros animais Consumidores quaternários Figura 4.10. Cadeia alimentar no mar. O seu pequeno tamanho e a escassez de marcadores morfológicos, a incapacidade de cultivar muitas das espécies e a dificuldade de obter amostras para estudos de estabilização, dificultaram o conhecimento da biodiversidade e estrutura das populações. Não obstante, nas últimas décadas, o desenvolvimento de diferentes técnicas de biologia molecular (PCR, real-time PCR, FISH, microarrays, RFLP, DGGE, SSCP, RAPD, AFLP, etc.), associado ao aumento do número de sequências genéticas no Genebank e marcadores moleculares, têm facilitado em grande medida a investigação do fitoplâncton e de outros microrganismos. Cada uma destas técnicas tem as suas ventagens e inconvenientes, dependendo do seu uso, mas as principais aplicações são a identificação de espécies, estudo de populações, estudo de a biodiversidade e o estabelecimento de relações filogenéticas inter- e intra-espécies. A identificação taxonómica de espécies ou cepas utilizando as ferramentas da biologia molecular propicia um novo tipo de dados, bastante fiável e objetivo, que pode ser utilizado para verificar ou reconstruir a classificação de espécies baseada em métodos convencionais que tem em conta apenas os caracteres morfológicos e fisiológicos, caracterizados por uma grande subjetividade. Figura 4.11. Observação microscópica de diferentes espécies de fitoplâncton. 118 Outra aplicação das técnicas de biologia molecular é a identificação de fitoplâncton tóxico. As espécies de fitoplâncton tóxico são um problema crescente em ecossistemas marinhos e de água doce, devido à sua capacidade de produzir toxinas que são um risco para www.bangen-pct.org 119 Análises filogenéticas de microalgas do género Dunaliella (Chlorophyceae, Dunaliellales) animais e humanos. O seu conhecimento é importante para poder definir as estratégias sanitárias a levar a cabo no caso de um bloom de algas nocivas; por exemplo, a deteção de espécies de fitoplâncton tóxico em zonas de cultivo de bivalves é essencial, já que as toxinas produzidas incorporam-se nos mesmos e podem passar ao ser humano, produzindo também grandes perdas económicas no sector pesqueiro. Por outra parte, muitas das espécies de fitoplâncton são identificadas e estudadas com o objetivo de saber se produzem moléculas de interesse biotecnológico, procurando aplicações puramente comerciais, como a indústria farmaceutica, a nutrição animal e humana, a cosmética, o biodiesel, entre outras. Nestes casos, as ferramentas de biologia molecular aportam rapidez na confirmação da presença de espécies de interesse em cultivos, ou no potencial da espécie de interesse em novos formatos alimentários, suplementos dietéticos, pensos, etc. Por outro lado, também permitem verificar a presença/ausência de espécies de fitoplâncton tóxico (ex.: diatomáceas, dinoflagelados, etc.) em cultivos de microalgas para alimentação humana e animal. A aplicação das ferramentas de biologia molecular são de grande importância porque a maioria das vezes os métodos tradicionais apenas permitem chegar de forma fiável à identificação do género, e dentro do género existem espécies tóxicas e não tóxicas, espécies que produzem a molécula de interesse e outras que não a produzem. 120 Passaram cem anos desde a descrição do género Dunaliella, as algas verdes unicelulares que se encargam da maior parte da produção primária de diferentes habitats em todo o mundo, em especial de ambientes hipersalinos. Nesse século que passou desde a sua descrição formal, Dunaliella tornou-se num organismo modelo para o estudo da adaptação das microalgas em ambientes extremos. A criação do conceito de solutos orgânicos compatíveis para proporcionar equilíbrio osmótico baseia-se em grande medida no estudo de espécies de Dunaliella. Além disso, a acumulação massiva de β-caroteno e glicerol por algumas espécies quando em condições adequadas de crescimento, deu lugar a interessantes e rentáveis aplicações biotecnológicas e comerciais (Figura 4.12). Figura 4.12. Observação microscópica de Dunaliella salina em fase verde (esquerda) e em fase vermelha direita) correspondente à produção de carotenos. www.bangen-pct.org 121 A taxonomia do género Dunaliella é um verdadeiro desafio, devido fundamentalmente a facto de que estas microalgas são capazes de crescer em diferentes habitats (oceanos, salinas, lagos, ambientes ácidos, etc.) e que o facto de não possuírem parede celular lhes permite adotar diferentes morfologias (Figura 4.13). Atualmente o género Dunaliella está composto por 28 espécies separadas em dois subgéneros, Pascheria (espécies de água doce) e Dunaliella (espécies de origem marinho), e este último divide-se em 4 secções: Tertiolecta, Dunaliella, Viridis e Peirceinae (Figura 4.13). No entanto, esta classificação clássica desperta muitas dúvidas, uma vez que está baseada apenas em aspetos morfológicos e fisiológicos. Por outro lado, há evidência de que muitas das espécies de Dunaliella descritas estão mal identificadas, existindo a hipótese de que não haja tantas espécies de Dunaliella como as que estão oficialmente descritas. Por estas razões, para a identificação de muitas microalgas, incluindo as do género Dunaliella, é necessário recorrer a parâmetros que estejam submetidos a uma menor subjetividade, como podem ser os dados obtidos de análises de sequências genéticas. O objetivo deste estudo foi sequenciar o gen ITS2 (Internal Transcribed Spacer) de diferentes cepas de campo do género Dunaliella originárias das Ilhas Canárias e compará-las com todas as sequências disponíveis atualmente na base de dados genética Genbank. As análises das sequências têm sido realizadas através dos programas informáticos 122 Figura 4.13. Taxonomia atual do género Dunaliella baseada exclusivamente em parâmetros fisiológicos e morfológicos. disponíveis na ITS2 database (http://its2.bioapps. biozentrum.uniwuerzburg. de/) que permitem a análise da estrutura primária e secundária do gene. Além das análises filogenéticas, também se analisou o número de CBCs (Compensatory Base Changes) existentes entre cada sequência. A existência de pelo menos um CBC entre duas sequências significa que essas cepas correspondem a espécies diferentes com um grau www.bangen-pct.org 123 de confiança de 93%. Infelizmente estas análises só funcionam num sentido, uma vez que a ausência de CBCs entre duas sequências não significa que correspondam à mesma espécie, ou seja, que a ausência de CBCs não permite concluir absolutamente nada. Os resultados das análises filogenéticas realizadas, permitiram chegar a uma série de conclusões ou sugestões sobre o género Dunaliella (Figura 4.14): 1. Subgénero Pascheria: a espécie descrita como Dunaliella lateralis não pertence ao género Dunaliella. Os dados indicam que Dunaliella acidophila, até agora incluída no género Pascheria, deve ser posicionada dentro do subgénero Dunaliella. Propõe-se que o subgénero Pascheria fique obsoleto, uma vez que as únicas duas espécies disponíveis atualmente na natureza e em qualquer coleção de cultivos são D. lateralis e D. acidophila. 2. Dunaliella salina: os dados indicam que este grupo está caracterizado por uma grande variabilidade genética, existindo evidências de que se poderiam dividir em dois grupos biológicos distintos. De todas as cepas analisadas desta espécie, destaca-se uma cepa canária (ITC5105) originária das salinas “Janubio” de Lanzarote que se caracteriza por uma sequência genética única. Possui também pelo menos um CBC com as sequências das outras espécies (a única exceção são duas cepas posicionadas num clado distante dela). Os dados obtidos não permitiram inferir sobre a origem geográfica das cepas. 124 3. Dunaliella pseudosalina: Esta espécie não está filogeneticamente relacionada com nenhuma cepa de D. salina (como sempre indicou a taxonomia clássica). Encontra-se filogeneticamente mais próxima às cepas de D. viridis. 4. Dunaliella viridis: as cepas desta espécie foram posicionadas em 4 clados diferentes, sugerindo que também neste caso, se pode tratar de diferentes entidades biológicas. A cepa D. viridis var. euchlora (CCAP19/21) foi posicionada dentro do subgénero Dunaliella, no entanto D. viridis var. palmelloides (CCAP11/34) foi posicionada claramente (com suporte estatístico) fora deste subgénero, existindo fortes evidências de que está mal identificada e não é uma Dunaliella (possui mais de 3 CBCs com qualquer sequência analisada). Propõe-se renomeá-las “D. euchora” e “D. palmelloides”, respetivamente, até que se esclareça a sua verdadeira identidade. 5. Observou-se que muitas espécies distintas pertencentes às 4 diferentes secções do subgénero Dunaliella, possuem a mesma sequência genética do gene ITS2, sugerindonos que podem estar mal identificadas e corresponder exatamente à mesma espécie. www.bangen-pct.org 125 Por outra parte, detetou-se que é bastante difícil fazer análises filogenéticas com as sequências existentes em Genbank, devido a muitas identificações erróneas das cepas e das suas sequências. Muitas vezes a verdadeira identificação da espécie de uma determinada cepa, só é possível depois de consultar diferentes bibliografias nas quais os autores tenham trabalhado fisicamente com elas. Por estas razões sugerimos o estabelecimento de uma cepa de referência por cada espécie, subespécie ou variedade, que estaria publicamente disponível em alguma coleção de cultivo oficial, de maneira a que pudessem ser adquiridas facilmente. Deste modo se poderiam comparar estas cepas com as novas cepas de campo, facilitando desta maneira as análises filogenéticos, ou outro tipo de análises. O objetivo é evitar que se siga gerando informação errónea ou falsas conclusões. Este estudo permite-nos concluir que a taxonomia do género Dunaliella deve ser revisada. Para isso, além dos parâmetros fisiológicos e morfológicos, tradicionalmente utilizados na identificação de microalgas, que são difíceis de interpretar e sujeitos a grande subjetividade, deve também ter-se em conta parâmetros genéticos, como são as análises baseados em sequências de ADN, que são bastante mais rigorosos e fiáveis. Figura 4.14. Árvore filogenética do género Dunaliella baseado em sequências do ITS2 obtida com o software ProfDistS (100 replicados). Nos nós indicam o valor de suporte estatístico (bootstrap). 126 www.bangen-pct.org 127 4.4. APLICAÇÃO DE TECNOLOGIAS MOLECULARES AO ESTUDO DA DIVERSIDADE BIOLÓGICA NO PLÂNCTON MARINHO Introdução O estudo das comunidades zooplanctónicas é de vital importância para a compreensão da dinâmica e estrutura das populações de organismos marinhos e a correta gestão dos recursos marinhos selvagens e cultivados. No entanto, as dificuldades metodológicas para o estudo da biologia das primeiras fases do ciclo biológico destes recursos, dificultam este tipo de estudos fundamentais. As análises moleculares mostraram a sua eficiência na identificação, deteção e quantificação de larvas, tarefa inviável ou altamente difícil com outras metodologias, baseadas no reconhecimento morfológico (Quinteiro et al. 2011). O desenho de áreas protegidas, planos e estratégias de conservação de espécies, a identificação de espécies exóticas ou invasoras, requerem um conhecimento prévio e básico sobre a estrutura genética das mesmas e a sua área de estabelecimento. Isto permitirá conhecer a diversidade genética e a sua organização, com a finalidade de preservar a biodiversidade através da conservação de populações ou áreas concretas representativas da diversidade genética de toda a espécie assim como portadoras de variedades genéticas únicas. 128 A avaliação da distribuição das espécies é uma primeira fase crítica para os estudos da biodiversidade e além disso é necessária para muitas outras disciplinas como a biogeografia, biologia da conservação e ecologia (Margurran, 2004). No entanto, muitas espécies dificilmente são detetáveis, especialmente durante os períodos dos estados de desenvolvimento, pelo que a extração de ADN de amostras ambientais permite a caracterização dos microrganismos e das fases larvares (Venter et al., 2004). O mecanismo do fluxo populacional de larvas de espécies neríticas na região macaronésica parece estar determinado, entre outros fatores, pelas condições oceanográficas da região. A corrente dos Açores, e a sua continuação para sul-sudoeste, denominada corrente das Canárias, funcionam como um mecanismo de transporte de larvas de populações neríticas de peixes na direção e no sentido do seu fluxo, conectando, desta forma nessa direção, esse tipo de populações dos arquipélagos que formam a Macaronésia. Essa conexão afetaria tanto aquelas espécies cujas larvas estão bem adaptadas (que possuem especializações www.bangen-pct.org 129 Identificação e deteção de espécies em amostras de zooplâncton morfológicas) para uma larga sobrevivência no meio pelágico, como aquelas cujas larvas não apresentam essas especializações. Neste contexto, planteia-se a seleção de espécies modelo, como são os taxa alvo do projeto BANGEN, para a deteção planctónica. No entanto, os dados teóricos estimados do fluxo génico, a estrutura genética e a distribuição das populações, definirão aquelas espécies nas quais seria relevante a deteção e quantificação da densidade larvar para a sua aplicação no estudo da ecologia reprodutiva, recrutamento e censo de organismos. As metodologias de deteção utilizadas por diferentes autores são variadas mas baseadas tanto em PCR como em real time PCR. Inclui-se assim, por exemplo, o PCR específico de fragmentos mitocondriais ou PCR multiplex para deteção simultânea de várias espécies. A metodologia proposta no projeto BANGEN para o estudo das populações larvares, baseia-se na aplicação de metodologias de clonagem, PCR standard e real time PCR para a identificação, deteção e quantificação de amostras de zooplâncton. Esta tarefa foi levada a cabo a partir dos resultados da caraterização genética da espécie, e considerando o seu interesse ecológico e/ ou pesqueiro, assim como a sua biologia e capacidade dispersiva em estados larvares. 130 Nos últimos anos foram desenvolvidos protocolos moleculares que permitem a deteção de uma ou mais espécies de interesse em diferentes tipos de amostras, incluindo a amostras de plâncton (Hebert et al., 2003; Boeger et al., 2007; Endo et al., 2009; Pardo et al., 2009; Ströher et al., 2011; Bott & Giblot-Ducray, 2011; Harvey et al., 2012). Por exemplo, para detetar larvas da espécie de mexilhão, Limnoperna fortunei (Dunker, 1857) nas amostras de plâncton, Pie et al. (2006), desenvolveram metodologias moleculares específicas. A aplicação da real time PCR, com a sua elevada especificidade, sensibilidade, rapidez e capacidade de processo mostrou ser o método idóneo (Quinteiro et al., 2011). Enquanto os sistemas de deteção de espécies concretas utilizam os métodos referidos acima, a identificação das espécies planctónicas presentes numa amostra deve ser levada a cabo mediante a amplificação com primers de âmplio espectro de marcadores moleculares, geralmente mitocondriais, e a clonagem dos produtos de PCR gerados. Estes métodos são de aplicação eficaz para real time PCR de espécies invasoras, proporcionando uma ferramenta adequada para a sua gestão (Darling & Mahon, 2011). www.bangen-pct.org 131 Amplificação e clonagem Dentro deste marco de investigação planctónica, os diferentes estudos planteados no desenvolvimento do projeto BANGEN consideram as aproximações referidas acima. Assim, foi levado a cabo a identificação de espécies marinhas em amostras planctónicas utilizando marcadores moleculares de amplio espectro e clonagem, e a deteção de larvas das espécies-alvo do projeto (Grapsus adscensionis, Octopus vulgaris e Megabalanus azoricus), em amostras de plâncton, mediante o uso de primers específicos em PCR standard e real time PCR. Amostragem planctónica As amostras foram recolhidas desde uma embarcação, com uma rede de plâncton e posteriormente filtradas através de uma malha para reter o material maior de 10 µm, em duas localidades da ilha da Grande Canária (Gando e Salinetas). O material guardou-se refrigerado em etanol al 96% até o seu processamento para isolamento do ADN total. 132 Utilizaram-se múltiplos protocolos de PCR baseados no uso de primers universais, destinados à amplificação de fragmentos dos genes mitocondriais COX1 (COX1F/COX2R, LCO1490/HCO2998) e 16S rARN (16Sa5’/16Sb3’), e específicos que podem ser utilizados simultaneamente para detetar e/ou identificar as espécies-alvo (em qualquer estado de desenvolvimento) em amostras de plâncton. No caso da identificação de espécies presentes na amostra de plâncton, os produtos complexos de PCR gerados com os citados primers foram sequenciados através de um passo intermédio de clonagem. Nas espéciesalvo, e com a prévia caracterização da sequência mitocondrial, dispôs-se de sistemas específicos de deteção para PCR standard e real time PCR. Estes protocolos podem ser uma ferramenta importante para a monitorização contínua do ciclo de vida das espécies-alvo do projeto. Assim, neste trabalho avaliaram-se primers específicos obtidos dos dados obtidos da região real time PCR mitocondrial de 3 espécies: Grapsus adscencionis, Megablanus azoricus e Octopus vulgaris. www.bangen-pct.org 133 SALINETAS (GRANDE CANÁRIA) GANDO (GRANDE CANÁRIA) Ao Sul de ADSA de Oeste a Este- 28R G1 S1 Pto inicial; X; 0463478, Y;3094700 Pto final; X; 0463618, Y; 3094698 Tramo a terra de Sul a Norte- S2 Pto inicial; X; 0463323 Y;3094806 Pto final; X;0463285 Y;3095110 Ao Norte de ADSA de Oeste a Este- S3 Pto inicial X;0463281 Y;3095139 Pto final X;0463514 Y;3095183 Ao mar de ADSA de Norte a Sul- S4 Pto inicial X;0463538 Y;3095200 Pto final X;0463628 Y;3094901 Ao mar de ADSA de Norte a Sul- S5 Pto inicial X; 0463643 Y;3094795 Pto final X;0463617 Y; 3094592 Salinetas (Grande Canária) 134 G2 G3 G4 G5 N→S, parte oeste Inicial: N 27º55´754 / W 15º 21´830 Final: N 27º55´665 / W 15º 21´812 E→W, parte SUL Inicial: N 27º55´701/ W 15º 21´772 Final: N 27º55´760 / W 15º 21´855 W→E, parte norte Inicial: N 27º55´768 / W 15º 21´861 Final: N 27º55´747 / W 15º 21´773 N→S, parte este Inicial: N 27º55´777 / W 15º 21´783 Final: N 27º55´674 / W 15º 21´816 W→E, parte sul afastada. Zona de influência Inicial: N 27º55´700 / W 15º 21´848 Final: N 27º55´676 / W 15º 21´751 Gando (Grande Canária) www.bangen-pct.org 135 Objetivos específicos realizados Deteção das espécies diana (3 da 5 espécies-alvo) em amostras planctónicas, por PCR standard com primers específicos da região real time PCR nas três espécies e, além disso, através de real time PCR para Megabalanus azoricus. Para isso, foi necessário o desenho de primers específicos das espécies localizadas na região real time PCR mitocondrial, baseando-se nos dados intraespecíficos que incluem alinhamentos de 426 pares de bases para M. azoricus, 637 pb para O. vulgaris e 653 pb para G. adscencionis. Identificação da diversidade genética em amostras de arraste de plâncton mediante PCR com marcadores universais (16Sa5’/16Sb3’, COX1F/COX2R, LCO1490/ HCO2998) e técnica de clonagem. Detecção de espécies-alvo em amostras de plâncton A deteção da presença de estados larvares em amostras de água, de espécies de interesse no marco deste projeto, limitou-se a 3 espécies-alvo. O ADN isolado foi identificado mediante PCR, utilizando os primers específicos desenhados para estas espécies (GRA12S-1F/GRA-Gln-2R: Grapsus adscensionis; OVULCR-1F/OVULCR-2R: Octupus vulgaris; MAZO12S-1F/MAZO-ILE-2R: Megabalanus azoricus) e diferentes concentrações de ADN molde. Os resultados revelam (Figura 4.15) que esta técnica com primers específicos de espécie, foi capaz de detetar, nas amostras analisadas, a presença de ADN correspondente às espécies G. adscensionis e M. azoricus, pelo que pode discriminar entre presença/ ausência dessas espécies mesmo com pouca concentração de ADN. Este enfoque poderia ser replicável e dar resposta a muitas situações, onde as técnicas tradicionais proporcionam uma baixa qualidade de resultados ou requerem um elevado esforço de amostragem, como é o caso da identificação e quantificação de espécies invasoras ou em perigo de extinção. A deteção da espécies invasoras nos primeiros estados da colonização e/ou quando há uma baixa densidade 136 www.bangen-pct.org 137 dos seus propágulos, seria a chave para o real time PCR (Hulme 2006). Esta técnica também permite, com um esforço reduzido de monitorização, a avaliação da distribuição das espécies raras ameaçadas, que são o objetivo dos planos de conservação, ou o seguimento das espécies exóticas invasoras (Ficetola et al. 2008). Figura 4.15. Produtos de PCR gerados mediante os primers específicos localizados na região real time PCR mitocondrial: GRA12S-1F/GRA-Gln-2R: Grapsus adscensionis; OVULCR-1F/ OVULCR-2R: Octupus vulgaris; MAZO-12S-1F/MAZO-ILE-2R: Megabalanus azoricus e diferentes concentrações de ADN de moldes isolados de amostras planctónicas. O resultado positivo foi considerado ao observar uma amplificação do tamanho esperado e verificação por sequenciação. 138 Por outra parte, desenharam-se primers específicos de M. azoricus para a deteção da presença de larvas desta espécie mediante real time PCR. A especificidade obteve-se utilizando ADN isolado de amostras de adultos da espécie e a avaliação do método realizou-se amplificando o ADN isolado da amostras de plâncton (Figura 4.16) de Salinetas (S) e Gando(G) . Figura 4.16. Gráfico mostrando o sinal fluorescente obtido com o sistema de real time PCR, específico de M. azoricus e, utilizando como molde o ADN isolado a partir de amostras planctónicas. Nas abcissas indicam-se o número de ciclos (sinais positivos em torno do ciclo 30) e nas ordenadas o sinal fluorescente em escala logarítmica. www.bangen-pct.org 139 Identificação da diversidade genética em amostras de plâncton Para a identificação de organismos zooplanctónicos nas amostras de água de mar, se isolou e amplificou o ADN utilizando primers universais. Com os produtos de PCR realizou-se a técnica de clonagem. A colónias positivas, com insertos dos produtos de PCR, foram submetidas a clonagem PCR e sequenciados os insertos. As sequências obtidas foram submetidas a uma procura BLAST das sequências homólogas no GenBank, para estabelecer a sua posição taxonómica (Figura 4.17). Figura 4.17. A. Placas com colónias do produto de PCR obtido por amplificação do ADN molde isolado de amostras planctónicas. B. colónias positivas (brancas) e negativas (negras). 140 Após a amplificação e clonagem dos fragmentos do gen 16S rARN, das amostras G (Gando) e S (Salinetas), logrou-se identificar as sequências correspondentes aos grupos Sparidae (Peixes) e Dendrobranchiata (Crustáceo decápode). Na amplificação e clonagem do produto de PCR do gen COX1, identificaram-se três sequências correspondentes a: uma espécie de sifonóforo (Eudoxoides spiralis), um anfípode e um poliqueta. A deteção e identificação de espécies nas amostras de plâncton foi muito mais abundante na estação S (Salinetas), com quatro identificações, que na G (Gando) só com uma. Os resultados correspondem com as amostras recolhidas numa campanha de amostragens de um dia (5 estações de arrasto em cada localidade). Provavelmente esta diferença poderia ser devida a que a estação S corresponde com uma localidade na qual o arrasto de plâncton se realizou nas proximidades das instalações de uma estação de cultivos marinhos, onde a abundância de organismos planctónicos é maior que na outra localidade, devido ao aporte de nutrientes e ao efeito arrecife que proporcionam as instalações. Estes resultados indicam que a metodologia utilizada pode ser uma ferramenta útil para a vigilância e monitorização ambiental deste tipo de atividade. www.bangen-pct.org 141 5 ATIVIDADES E PERSPETIVAS DA REDE MACARONÉSIA BANGEMAC REY-‐MÉNDEZ M, GONZÁLEZ N, QUINTEIRO J 5.1. PROMOÇÃO E BASE DE DADOS Ao longo do projeto realizaram-se reuniões, jornadas e seminários com especialistas de forma a serem estabelecidos os métodos e discutir os resultados obtidos das espécies-alvo. O projeto estudou 5 espécies de interesse comum para todas as regiões: Octopus vulgaris, Megablanus azoricus, Plesionika edwardsii, Grapsus adscencionis e Sparisoma cretense. www.bangen-pct.org 143 Com o fim de difundir os resultados, foram desenvolvidas uma serie de atividades para diferentes públicos alvo: a página web, participação em fóruns científicos, publicações em boletins informativos e a base de dados e SIG. A página web é um portal público que tem uma parte de livre acesso com as atividades de divulgação do projeto e outra para os Informes dos sócios. http://bangen-pct.org/ Participação nos fóruns científicos nacionais e internacionais dando a conhecer o projeto e os resultados que se foram obtendo. Por outro lado, para chegar ao público em geral realizaram-se artigos de divulgação em vários boletins (B3M e Boletim Informativo da DSIP Madeira). O programa Kypros (base de dados e SIG) é um sistema orientado a promover uma fonte única de acesso a toda a informação relacionada com o projeto Bangen. Toda a informação incorporada no sistema será também disponibilizada num site web que permitirá tornar a informação pública. Estrutura hierárquica de dados ǩProjeto ǩCampanha ǩEstação ǩNível 144 ǩ Amostra ǩ Espécimen ǩ Medições (Descritores) Taxonomia ǩ Integra um modelo de manuseamento de taxas ǩ Navegável ǩ Analisável ǩ Flexível Ferramentas SIG ǩ Posição é intrínseca às amostras ǩ Informação enriquecida ǩ Navegabilidade ǩ Informes Procuras ǩ Acessível em toda a aplicação ǩ Fácil acesso por nome parcial ǩ Resultados categorizados por tipo de dados Em 2012 celebrar-se-á um ateliê de transferência de conhecimento para os diferentes sectores sociais implicados na gestão dos recursos marinhos, tanto desde o ponto de vista da conservação como da investigação. No mesmo ateliê será feita uma apresentação pública da memória dos resultados obtidos ao longo do projeto assim como as perspetivas de futuro da Red BangeMac. www.bangen-pct.org 145 146 www.bangen-pct.org 147 148 www.bangen-pct.org 149 5.2. PERSPECTIVAS DA REDE BANGEMAC Introdução Nos últimos 20 anos as técnicas de biologia molecular, em concreto aquelas relacionadas com as análises do ADN, sofreram um considerável avanço. A generalização do uso da PCR (Polymerase Chain Reaction), a sequenciação automática e massiva do ADN, a disponibilidade de kits comerciais para a extração eficaz do ADN a partir de amostras difíceis, o contínuo desenvolvimento de ferramentas informáticas e o aceso às bases de dados, são fatores que permitiram a expansão desta área. macaronésia bangemac, segurança ambiental, traçabilidade alimentária, gestão de recursos marinhos e aquicultura. Conservação da biodiversidade Caracterização genética de recursos marinhos: estudo da biologia das espécies marinhas. Exemplo: a determinação da múltipla paternidade mediante o uso de dois microsatélites em Octopus vulgaris (Cuvier, 1979), permitirá a sua aplicação no desenho e manuseamento do cultivo para um correto rácio entre machos e fêmeas e seleção de reprodutores, sendo a primeira evidência deste feito na super-ordem Octobrachia. Diversidade de aplicações e atuações As técnicas de biologia molecular são diversas e utilizáveis em diferentes organismos, escalas evolutivas, áreas de investigação e estudos aplicados. ǩ Conservação da Biodiversidade ǩ Traçabilidade dos recursos marinhos ǩ Gestão e Exploração de recursos marinhos A infraestrutura e as pessoas treinadas permitem abordar questões que vão desde a investigação básica a estudos de relevante aplicabilidade em biomedicina, 150 Figura 5.1. Ciclo de desenvolvimento de O. vulgaris (Cuvier, 1797). www.bangen-pct.org 151 Usaram-se dois marcadores microsatélite (Oct3 e Ov12) para determinar os genótipos de 4 fêmeas (A-D) e das suas posturas (N=11), tentando explicar os dois padrões de comportamento reprodutivo que são conflituosos nesta espécie: acoplamento com múltiplos indivíduos e o papel do hectocótilo para eliminar os anteriores espermatóforos. A paternidade múltipla confirmou-se já que o número de alelos paternos de todas as posturas foi superior a dois (Tabela 5.1), podendo representar um processo que maximiza a recombinação genética com os múltiplos machos num único acontecimento reprodutivo (a fêmea morre ao dar-se a eclosão dos ovos). Genótipo maternal Genótipo paternal Código da postura Oct-3 Ov12 Mínimo Nº de pais Oct-3 Ov12 Nº de progénie ML A 165/0 372/386 41 165/165 182/308 4 1.68E-19 165/165 194/174 2 1.68E-19 143/167 200/160 2 1.68E-19 147/163 194/178 3 1.68E-19 139/163 194/198 2 1.09E-14 139/153 186/186 7 1.09E-14 148/141 186/304 2 1.09E-14 174/174 186/182 6 7.98E-16 150/144 182/182 3 7.98E-16 140/120 300/339 2 7.98E-16 139/146 190/319 6 7.32E-15 146/146 213/178 3 7.32E-15 130/180 319/319 2 7.32E-15 B C D 1 139/163 194/315 150/174 227/319 141/146 186/198 3 3 3 Solução a problemas taxonómicos: catalogação genética de recursos marinhos. A caracterização morfológica e a plasticidade fenotípica de diversas espécies, originam frequentemente desacordos ou incertezas taxonómicas e sistemáticas. A resolução proporcionada pelas análises genéticas permite estudar e resolver essas questões. A caracterização genética de espécies a partir da informação dada pela análise de marcadores moleculares (sequências mitocondriais, nucleares, STRs…), permite dispor de um novo jogo de caracteres alternativos aos caracteres morfológicos classicamente utilizados em taxonomia. Estimado sem considerá-la presença de alelo/s nulo/s. Tabela 5.1. Genotipagem com dois loci microsatélites de quatro fêmeas de O. vulgaris (A-D) e interferência do mínimo número de pais e as suas prováveis combinações genotípicas. 152 www.bangen-pct.org 153 Exemplo: a reconstrução das relações filogenéticas entre espécies, baseada em caracteres morfológicos frequentemente submetidos a homoplasia, levando a incongruências relativamente à sua sistemática. Mediante métodos de sistemática molecular, realiza-se a reconstrução das relações filogenéticas entre as espécies do subgénero Fissurella, permitindo estabelecer uma filogenia molecular para a avaliação de diversas hipóteses baseadas em semelhanças morfológicas. Figura 5.2. Árvore filogenética do subgénero Fissurella com sequências mitocondriais de ARNt-Leu-ND1. Método de Neighbor-Joining e modelo de distância de Tamura Nei. Sobre as ramificações enlaçam-se valores de replicação (x 2000) superiores a 50% e os valores inferiores estão colapsados. O grupo externo para enraizar a árvore é Diodora graeca. 154 Figura 5.3. Diferentes espécies do género Fissurellla. www.bangen-pct.org 155 Identificação de unidades taxonómicas adequadas para a sua conservação: estratégia para o desenho de repovoação com ouriços. D das mesmas, permitindo conhecer a diversidade genética e a sua organização com a finalidade de a preservar, através da conservação de populações ou áreas concretas representativas de toda a espécie, ou de portadoras de variantes genéticas únicas. E F Exemplo: A análise de amostras de Paracentrotus lividus (Lamarck 1816) de três localizações geográficas (Astúrias, Galiza e Canárias), através do uso de RAPDs, mostram uma clara diferenciação entre os padrões obtidos para a amostra das Canárias relativamente às da Península Ibérica. Os resultados obtidos, desaconselharam a importação de exemplares desde a Galiza ou Astúrias para as Canarias para repovoamento. Figura 5.4. Árvore de UPGMA mostrando as relações de similaridade entre os padrões de RAPDs obtidos com: a) primer 1; b) primer 2; c) primer 3. As estratégias conservacionistas da diversidade biológica representam, cada vez mais, um recurso para o desenvolvimento sustentável (observação de tartarugas, baleias, endemismos insulares, etc.). O desenho de planos de conservação de espécies requere um conhecimento prévio e básico da estrutura genética 156 Figura 5.5. Exemplares de Paracentrotus lividus (Lamarck 1816) no meio natural. www.bangen-pct.org 157 Detección Deteção de espécies críticas: diferenciação no género Pollicipes. A ausência de diferenças morfológicas impede a diferenciação de taxas relacionados, no entanto, esta pode ser posta em causa através de análises genéticas desses mesmo taxa. Exemplo: O estudo da estrutura genética das populações do percebe Pollicipes pollicipes, no seu amplio espaço de distribuição ao largo das costas euro-africanas do Atlântico, evidenciou distintos níveis de fluxo génico interpopulacional, desde populações homogéneas até populações com um isolamento genético absoluto. A deteção de uma população isolada, amostrada nas ilhas de Cabo Verde e disposta como um clado divergente na rede de haplótipos da espécie, induziu a Quinteiro et al. (2007) a sugerir a possibilidade da existência de uma nova unidade taxonómica, não descrita previamente. Este conjunto de evidências têm sido utilizadas na descrição formal desta espécie, endémica das ilhas de Cabo Verde, e denominada Pollicipes darwinii (Quinteiro et al., 2011). Figura 5.6. Árvore filogenética baseada em sequências COx1, mostrando o agrupamento, num clado isolado e divergente, da nova espécie de percebe, Pollicipes darwini. Figura 5.7. Pollicipes darwinii (Quinteiro et al., 2011). 158 www.bangen-pct.org 159 Deteção de invasões biológicas marinhas: o caso da ostra nas costas da Galiza. São diversas as fontes de introdução de organismos marinhos exóticos nos habitats naturais, por exemplo, o transporte larvar ou indivíduos fixados a barcos. A deteção rápida e fiável de tais invasões, mediante métodos moleculares, é o primeiro passo para o seu controlo. Exemplo: Crassostrea gigas (Thunberg, 1793) é uma espécie endémica do Japão e foi introduzida numa grande quantidade de países com o propósito de ser cultivada, sendo atualmente a ostra mas cultivada a nível mundial. Trata-se de uma espécie muito resistente, com um rápido crescimento e taxas de reprodução muito elevadas em condiciones adequadas. Em alguns lugares, a introdução de C. gigas supôs um problema pela sua enorme capacidade colonizadora da zona intermareal. A identificação do status taxonómico das populações de ostra localizadas nas rias de Ribadeo e O Barqueiro (Galiza, Espanha), é uma ferramenta útil para a toma de decisões da Administração com o fim de melhorar a gestão e conservação das populações naturais, assim como para o cultivo de C. gigas. Figura 5.8. Árvore filogenética baseada em distâncias Tamura Nei e elaborada mediante o método de neighbor-joining com 1000 reamostragens e enraizado ao meio. Os haplótipos de Crassostrea gigas apresentam marcadores de cor e encontram-se agrupados no clado com amostras de referência da espécie. 160 www.bangen-pct.org 161 populações isoladas e geneticamente diferenciadas nesses habitats deve ser levada a cabo mediante análises genéticas. Estes dados são de interesse para o desenho de políticas conservacionistas, regulação de pescas ou avaliação de impactos ambientais. Figura 5.9. Exemplar de Crassostrea gigas (Thunberg, 1793). Avaliação da diversidade genética e a sua organização espacial em espécies de especial interesse: diversidade genética do género Megabalanus nos arquipélagos macaronésios. Exemplo: o estudo da diversidade genética da craca Megabalanus azoricus (Pilsbry, 1916) nos arquipélagos da região macaronésia, é um exemplo das análises microevolutivas. Esta espécie é explorada em alguns dos arquipélagos atlânticos da região macaronésia, pelo que o estado de conservação possivelmente se encontre num nível crítico. Perante esta situação é indispensável o conhecimento da diversidade genética e a sua estruturação na área de distribuição da espécie. Estas análises indicam um elevado fluxo génico entre os arquipélagos macaronésios, com uma ausência de diferenciação populacionais significativas, que leva à definição de um único pool genético para Megabalanus azoricus na região macaronésia. Os habitats insulares possuem uma elevada diversidade genética, associados a fenómenos de colonização, adaptação e isolamento. A deteção de 162 www.bangen-pct.org 163 Figura 5.11. Exemplar de Megabalanus azoricus (Pilsbry, 1916). Traçabilidade e segurança alimentar dos recursos marinhos Deteção de organismos com potencial tóxico. Figura 5.10. Rede de haplótipos calculada a partir das sequências obtidas da região controlo das amostras dos Açores (azul), Madeira (verde) e Canárias (amarelo) de Megabalanus azoricus. Cada círculo mostra-se proporcional ao número de indivíduos que apresentam esse haplótipo. O ponto vermelho indica um haplótipo intermédio não existente ou não detetado. Os pontos sobre as ramificações indicam a posição nucleotídica que alberga o polimorfismo. 164 Os dinoflagelados são microorganismos que destacam por estarem involucrados na geração de afloramentos tóxicos desencadeando patologias gastrointestinais, danos neurológicos permanentes e incluso a morte, associadas ao consumo de marisco. O potencial tóxico de espécies dos géneros Alexandrium, Dinophysis www.bangen-pct.org 165 e Gymnodinium, confere a estes organismos uma importante transcendência sanitária, social e económica. Os atuais sistemas de controlo das proliferações tóxicas da espécies baseiam-se na deteção de toxinas (ASP, PSP e DSP) e na caracterização morfológica e contagem de células em amostras do meio marinho, mediante microscopia eletrónica e ótica. O desenvolvimento de metodologias baseadas nas análises de ácidos nucleicos para a sua direta aplicação aos sistemas de controlo da qualidade do meio marinho permitiria um aumento substancial no volume, rapidez, precisão e capacidade preditiva dos sistemas de monitorização. Exemplo: As espécies de diatomáceas, incluídas dentro do género Pseudo-nitzschia, são responsáveis pelo envenenamento pelo neurotóxico ácido domóico através do consumo de marisco contaminado (ASP). A proliferação destas microalgas, e a sua toxicidade, é controlada mediante a monitorização intensiva do meio marinho, com fins preventivos. No entanto, a capacidade e resolução dos atuais sistemas de monitorização é limitada, devido à excessiva laboriosidade e tempo requerido para as análises da amostra e às dificuldades na discriminação rotineira de espécies tóxicas das não tóxicas, muito similares morfologicamente. As metodologias baseadas no isolamento do ADN e no uso do real time PCR permitem a rápida, precisa, simultânea e facilmente automatizável deteção, identificação e quantificação de células de Pseudonitzschia em amostras do meio marinho. 166 Figura 5.12. Exemplar de Pseudo-nitzschia sp Traçabilidade alimentar. A determinação visual da natureza de um produto alimentar, isto é, a sua classificação como espécie mediante a observação direta de caracteres morfológicos de interesse taxonómico, é frequentemente difícil, insegura ou impraticável, especialmente ao nível do consumidor e em produtos elaborados. Processos comuns como o descabeçar, eliminação de barbatanas e espinhs, evisceração, filetar e eliminação de tecidos musculares em produtos pesqueiros implicam a perda irreversível dos caracteres usados para a identificação visual da espécie. Perante estes frequentes casos, é possível recorrer a caracteres moleculares diagnóstico. www.bangen-pct.org 167 A deteção de formas proteicas específicas presentes no tecido muscular dos organismos permite a identificação da espécie em produtos de origem marinha com distinto grau de elaboração e processamento, incluindo a congelação. No entanto, o forte processamento térmico que representa a autoclave ou outros processos menos adstringentes como o fumar e o salgar, requerem marcadores moleculares mais estáveis. Assim, o genoma, contendo a maior informação disponível sobre a essência de um ser vivo e com a importante estabilidade, resistência e presença do ADN, constitui uma fonte imensa de marcadores moleculares altamente resolutivos, eficazes em qualquer tipo de organismos, processado e apresentação (Mackie et al., 1999). Figura 5.13. Desenvolvimento de um sistema de traçabilidade genética. 168 www.bangen-pct.org 169 Exemplo: A identificação de uma amostra de conservas de atum, e em geral de qualquer alimento processado, leva-se a cabo mediante a incorporação da sua sequência numas análises filogenéticas, junto com uma coleção de sequências de todas as espécies suscetíveis de serem processadas. A sequência problema agruparse-á com as sequências da sua mesma espécie, permitindo assim identificar a espécie utilizada na elaboração do alimento processado. Neste caso, a amostra 3 (seta) foi identificada como tT. obesus (atum patudo) não podendo ser comercializada como atum claro ou com o selo de qualidade “yellowfin” (T. albacares). Figura 5.15. Exemplar de Thunnus albacares (Bonnaterre, 1788). Microbiologia molecular: o parasita Enteromyxum scophthalmi do rodovalho Scophthalmus maximus (Linnaeus, 1758). Figura 5.14. Identificação de espécies de atum em conserva. 170 Na atualidade a microbiologia está a experimentar uma transformação definitiva em direção à aplicação de tecnologias baseadas na caracterização dos ácidos nucleicos, por exemplo real time PCR, frente às técnicas clássicas de caracterização microbiológica baseada em microscopia, cultivo, provas bioquímicas e ensaios imunológicos. Assim, estabeleceu-se o uso de um marcador molecular, localizado no gen 16S rARN, para a identificação taxonómica microbiana. www.bangen-pct.org 171 tA amplia disponibilidade de informação genética de microrganismos permite a identificação de uma amostra problema. Além disso, a utilização da tecnologia de real time PCR permite uma estimativa quantitativa fiável do número de unidades formadoras de colónias. Exemplo: o myxozoo Enteromyxum scophthalmi é responsável por enterites parasitárias que afeta os stocks de rodovalho cultivado Scophthalmus maximus (Linnaeus, 1758), (Palenzuela, Redondo, Alvarez-Pellitero, 2002). A elevada mortalidade dos stocks afetados necessita um sistema de deteção rápido e fiável. Para isso, recorreu-se ao desenho e uso de sistemas de real time PCR baseados nas sequências de ADN disponíveis para esta espécie e localizadas na subunidade pequena dos genes ribossomais (SSU rADN). Figura 5.17. Exemplar de rodovalho (A), Scophthalmus maximus (Linnaeus, 1758), e individuo (B) infetado com Enteromyxum scophthalmi. Gestão e Exploração de recursos marinhos Gestão em explorações de aquicultura: seleção de reprodutores. Figura 5.16. Sinal de fluorescência relativamente ao número de ciclos num real time PCR, sistemas de deteção MYX e ESCO em amostras positivas para o Myxozoo parasita do rodovalho Enteromyxum scophthalmi. 172 São diversas as áreas relacionadas com a gestão de uma exploração aquícola onde é relevante a aplicação de tecnologias de análises genética. Assim, a manutenção da variabilidade genética de um cultivo é essencial para a sua viabilidade. A seleção dos reprodutores, mediante a sua caracterização genética permite, por exemplo, identificar a progénie portadora de caracteres adequados para o cultivo tais como uma elevada taxa de crescimento ou uma manifesta resistência a doenças. www.bangen-pct.org 173 A deteção preventiva ou diagnóstica de patogénios num cultivo, mediante tecnologias como o real time PCR, permite adotar tratamentos preventivos e específicos para evitar mortalidades indesejadas. O controlo da alimentação, fundamentalmente pensos, mediante a deteção de ingredientes não desejados (organismos modificados geneticamente ou ingredientes de origem animal proibidos, com possibilidades de conter priões) por PCR, garante-se um correto controlo e fiabilidade para o consumidor. Exemplo: o estudo da diversidade genética a partir da genotipagem dos reprodutores de uma instalação aquícola, permite estabelecer o parentesco de uma progénie de interesse. O besugo (Pagellus bogaraveo, Brunnich 1768), tem um alto valor comercial em Espanha, o que converteu esta espécie num objetivo prioritário para o seu cultivo em cativeiro. Utilizando 4 marcadores microsatélites, realizou-se uma matriz de dados com o valor de parentesco (P) para cada comparação possível entre pares de 187 exemplares. Estes dados permitem a seleção de indivíduos, para fins reprodutivos, com o menor grau de parentesco. 174 Figura 5.18. Gráfico representando a relação de parentesco entre os indivíduos analisados Pagellus bogaraveo (Brunnich 1768). A longitude das ramificações vem dada por um valor inverso ao do índice de parentesco P. www.bangen-pct.org 175 Figura 5.19. Exemplar de besugo Pagellus bogaraveo (Brünnich 1768). Fugas de espécies cultivadas. Exemplo: a Possibilidade de identificar escapes de organismos em cultivo para meio marinho, em concreto o caso do cultivo da dourada, Sparus aurata (Linnaeus, 1758), em instalações de jaulas em mar aberto nas Ilhas Canárias, levou-se a cabo mediante a obtenção de amostras de tecido tanto de indivíduos capturados do meio natural, como de indivíduos de cultivo. A partir das amostras analisadas observam-se, maioritariamente, alelos partilhados entre indivíduos selvagens e cultivados. A maioria dos indivíduos de cultivo e do meio agrupamse em nuvens isoladas, no entanto, existem indivíduos que se sobrepõem entre ambas as nuvens. Isto indicaria, por exemplo, a maior probabilidade de atribuição de um indivíduo “selvagem” à amostra de cultivo que à do meio marinho. 176 Figura 5.20. Probabilidades de atribuição de um indivíduo de Sparus aurata à sua amostra correspondente. Em círculos azuis mostram-se os indivíduos capturados no meio (“Selvagem”), enquanto os quadrados verdes indicam os indivíduos provenientes de cultiv Figura 5.21. Exemplar de dourada Sparus aurata (Linnaeus, 1758). www.bangen-pct.org 177 Gestão dos recursos pesqueiros. O estudo da composição do tamanho das capturas das pescas de grande profundidade, é de grande importância para a gestão dos recursos. Os tamanhos e origem geográfica das capturas, tal e como se encontram misturadas a bordo do barco, ou a partir de filetes e troncos, poderia chegar a ser estabelecida no ponto de desembarque, sem depender da fiabilidade estatística dos dados recompilados a bordo. As análises de marcadores genéticos populacionais e o estudo de expressões génicas relacionados com a idade, poderiam ajudar a dispor de uma ferramenta para esta questão. Ao por em marcha esta metodologia, entrecruzam-se com duas áreas de investigação básicas tais como os estudos de crescimento e de estrutura de populações, donde a utilização de ferramentas moleculares, baseadas em real time PCR (retrotranscrição de ARN e a sua quantificação por PCR quantitativa em tempo real) e identificação e sequenciação de marcadores genéticos populacionais, é de aplicação direta. A abundância, identificação de espécies e quantificação destas, em amostras de ictioplâncton, é uma metodologia de avaliação dos recursos, à qual podem ser aplicadas diretamente técnicas moleculares, como por exemplo PCR quantitativo, utilizado rotineiramente no nosso laboratório. Os recursos marinhos mostram uma elevada sensibilidade à falta de mecanismos de ordenação pesqueira, suscitando uma generalizada preocupação. 178 A informação disponível sobre aspetos reprodutivos, padrões e ritmos de migração, demográficos e de genética de populações é ainda limitada em espécies sensíveis. Mas além da bem estabelecida aplicação da traçabilidade genética no sector agroalimentar, baseado na exploração dos recursos marinhos, a traçabilidade genética é de interesse em aspetos tão importantes como a deteção de espécies cuja pesca está proibida, a identificação da origem da captura, ou a identificação fiável de recursos marinhos para a sua correta gestão. Exemplo: Avaliação de estrutura populacional em M. merluccius: As populações da pescada europeia, Merluccius merluccius (Linnaeus, 1758), no Atlântico Nordeste, não apresentam uma clara estrutura populacional e consequentemente possuem um elevado fluxo génico. As divisões planteadas pelo ICES, de stocks norte e sul, não refletem desta maneira unidades independentes desde a perspetiva evolutiva do ADN mitocondrial. Devem ser realizados outros estudos que contemplem, a utilização de marcadores moleculares com um maior grau de resolução, tais como microsatélites, para confirmar tal estrutura. www.bangen-pct.org 179 As populações da pescada europeia do Atlântico Noreste e Mediterrâneo Oeste, apresentaram um reduzido fluxo génico, principalmente unidirecional Atlântico-Mediterrâneo. Desta forma ambas as populações devem ser consideradas como unidades ou stocks independentes. Figura 5.22.Exemplar de Merluccius merluccius (Linnaeus, 1758). Figura 5.23. A) Árvore NJ para os haplótipos observados de. B) Distribuição de haplótipos nas áreas amostradas. 180 www.bangen-pct.org 181 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Abdel-Monem AA, Fernández LA, Bonne GM. 1975. K-Ar ages from the eastern Azores group (Santa Maria, São Miguel and the Formigas islands). 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