A Influência Lusa na Olericultura Brasileira
Domingos P. F. Almeida1,2
1
Faculdade de Ciências da Universidade do Porto
CBQF, Escola Superior de Biotecnologia, Universidade Católica Portuguesa. Email: [email protected]
2
Resumo
Partindo do relato de Pêro Vaz de Caminha sobre o achamento do Brasil colocam-se em
confronto duas agriculturas que viriam a ser dramaticamente alteradas pela introdução de
plantas exóticas. As modestas hortaliças passaram despercebidas aos cronistas das viagens,
mas é possível identificar cerca de meia centena de espécies olerícolas que foram
introduzidas pelos portugueses no Brasil no primeiro século após a chegada de Cabral a
Porto Seguro. Neste período de tempo os portugueses não só introduziram no Brasil a
maioria das hortaliças europeias como também espécies asiáticas, como o gengibre, plantas
africanas, como o inhame, e mesmo espécies de origem americana como o tomate e a
abóbora (Cucurbita pepo). A introdução destas culturas proporcionou a observação da
influência dos factores ambientais, com destaque para os fenómenos de fotoperiodismo e
de vernalização, no crescimento das hortaliças.
Palavras-Chave: Descobrimentos, fotoperiodismo, história da agricultura, hortaliças,
vernalização
Abstract
Portuguese influence on Brazilian vegetable production.
The account written by Caminha regarding the discovery of Brazil is the starting point for
an analysis of two agricultures that would be dramatically changed by the introduction of
exotic plants. Although vegetables were often neglected by the chroniclers, it is possible to
identify about 50 vegetable crops introduced in Brazil by the Portuguese within a century
of the discovery. During this time period, the Portuguese not only introduced in Brazil
most of the European vegetables but also vegetables crops from Asia, such as ginger, yams
from Africa, and even American vegetables like tomato and pumpkin (Cucurbita pepo).
The effects of environmental factors on vegetable growth, namely photoperiodism and
vernalization, were observed as a result of the introduction of European crops in Brazil.
Keywords: Age of discoveries, history of agriculture, photoperiodism, vegetable
production, vernalization
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1. Introdução
Embora acompanhem o Homem desde sempre, as hortaliças passam despercebidas nos
meandros da História, mais apta a registar as culturas e os produtos agrícolas com maior
peso económico e social. É nos períodos de apogeu civilizacional, que conjugam
prosperidade económica e criação cultural, que a Horticultura, tanto alimentar como
ornamental, mais se desenvolve, como o atestam os míticos Jardins da Babilónia ou as
palavras de Columela no prefácio do Livro X, o capítulo do seu Res Rustica dedicado à
horta:
“O assunto que falta abordar é a horticultura, que os agricultores de
antigamente praticavam de forma negligente mas que agora é célebre
[...]. A horticultura, porque os seus produtos têm agora uma grande
procura, requer de nós uma instrução mais escrupulosa do que aquela
que nos foi legada pelos nossos antepassados.” (tradução livre)
Ao pensar no interesse que a Olericultura e os seus produtos suscitam nos dias de hoje, é
interessante notar o paralelismo com o Columela escreveu no séc. I, nos tempos áureos do
Império, que testemunha a importância que horticultura assume quando uma sociedade se
torna afluente. Se é certo que Olericultura é hoje uma fitotecnia importante, é certo que a
produção e consumo de hortaliças foram modestos, tanto em Portugal como no Brasil,
durante a maior parte da sua história. Mas é inegável que, tanto a Olericultura portuguesa
como a brasileira foram radicalmente alteradas depois da chegada de Cabral a Porto
Seguro.
Ao longo da sua história a sociedade brasileira foi acolhendo diversos povos que deixaram
marcas na Olericultura do território.
Os invasores holandeses que governaram
Pernambuco no século XVII estimularam a produção de mandioca e de outras hortaliças
(Amaral, 1958; Fausto, 2001). Os imigrantes italianos, portugueses e espanhóis de finais
do século XIX e inícios do século XX terão reforçado a influência da Olericultura
mediterrânica nas regiões brasileiras de acolhimento. Os japoneses que nas primeiras
décadas do século XX se fixaram em São Paulo deram um contributo relevante para o
desenvolvimento da Olericultura através das suas pequenas hortas familiares. No entanto,
foi com os primeiros navegadores, colonos e missionários portugueses que as principais
hortaliças, mesmo algumas originárias do continente americano, foram introduzidas no
Brasil.
-2-
Nesta conferência passaremos em revista as hortaliças introduzidas pelos portugueses no
território brasileiro nos dois séculos que se seguiram à primeira visita a Porto Seguro e as
primeiras observações sobre os efeitos do clima no crescimento das hortaliças. Nem
sempre é claro a que espécie olerícola se referem as fontes embora essa seja uma
informação indispensável no contexto da Horticultura. No Quadro 1 encontram-se todas as
culturas referidas no texto com o respectivo nome científico. Nalguns casos a classificação
é incerta e, na ausência de um trabalho monográfico que esclareça a terminologia que na
época era utilizada para descrever as hortaliças, deve ser encarada como uma hipótese.
2. O achamento da Terra de Vera Cruz e o encontro de agriculturas
A armada portuguesa que Pedro Álvares Cabral conduzia à Índia chegou, no dia 22 de
Abril de 1500, a uma terra que o capitão baptizou de Vera Cruz. A chegada foi assim
descrita por Pêro Vaz de Caminha, em carta ao rei D. Manuel datada “deste Porto Seguro,
da vossa ilha de Vera Cruz”:
“E à quarta-feira seguinte, pela manhã, topámos aves, a que
chamam fura-buchos. E neste dia, a horas de véspera, houvemos
vista de terra, isto é, primeiramente d’um grande monte, mui alto e
redondo, e d’outras serras mais baixas a sul dele e de terra chã com
grandes arvoredos, ao qual monte alto o capitão pôs nome o Monte
Pascoal e à terra a Terra de Vera Cruz.”
A Carta de Caminha é um documento que descreve, com a objectividade e o rigor
característicos da modernidade nascente, as paisagens e os habitantes da terra achada.
Nesse relato, Caminha dá uma breve nota sobre a agricultura, a pecuária e a alimentação
dos habitantes da Terra de Vera Cruz:
“Eles não lavram nem criam, nem há aqui boi, nem vaca, nem cabra,
nem ovelha, nem galinha, nem outra nenhuma alimária, que
costumada seja ao viver dos homens; nem comem senão desse
inhame que aqui há muito e dessa semente e fruitos que a terra e as
árvores de si lançam. E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios,
que o não somos nós tanto com quanto trigo e legumes comemos.”
A data da chegada dos portugueses, os índios tupis-guaranis praticavam uma agricultura de
subsistência, explorando a fertilidade natural do solo através do sistema de derrubequeimada da floresta, que complementava uma economia recolectora (Fausto, 2001).
Caminha refere-se diversas vezes ao inhame (e.g. “comer aquela vianda que eles tinham, a
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saber: muito inhame e outras sementes, que na terra há, que eles comem.”). De facto, o que
Caminha observou foi o consumo generalizado de mandioca, raiz que constituía a base da
alimentação dos índios nativos. O verdadeiro inhame só mais tarde viria a ser introduzido
no Brasil a partir de África. O relato de Caminha atesta a importância da mandioca na
alimentação dos índios locais, na realidade a única hortaliça originária do centro brasileiroparaguaio de Vavilov (Rubatzky & Yamaguchi, 1997). Caminha refere-se ainda aos
“palmitos” (miolo da palmeira) que, embora não cultivados, eram consumidos como
hortaliça.
Os navegadores e colonos portugueses do século XVI provinham um território com uma
agricultura em grande transformação, com intensa actividade de arroteia de florestas e
matos, de enxugo de pântanos, abertura de canais e construção de diques com o objectivo
de colocar em cultivo novos terrenos, onde se fazia uso crescente de alfaias de ferro e de
técnicas de regadio (Dias, 1998). Nos finais do século XV e início do século XVI o
consumo de hortaliças aumentou, embora estas fossem consumidas principalmente pelas
classes sociais mais pobres (Dias, 1998). As hortas, abundantemente fertilizadas e regadas
produziam mais de uma dezena de hortaliças. Na lista de hortaliças então consumidas em
Portugal figuram as seguintes: couves, espinafre, nabo, rábanos, rabanetes, alface, cenoura,
beringela, cebola, alho, brócolos, pepino, espargo, cogumelos, abóboras, salsa (Oliveira
Marques, 1987; Dias, 1998). São também referidas as leguminosas tremoço, fava, ervilha,
lentilha, grão-de-bico e chícharo, que tanto eram cultivadas na horta como no campo em
rotação com os cereais (Oliveira Marques, 1987; Dias, 1998). Em relação às leguminosas,
desconhece-se a proporção que era consumida na forma de vagem ou semente imatura e o
consumo na forma de semente seca. São estas as plantas olerícolas que os Portugueses
levarão consigo para o Brasil, acompanhadas de plantas condimentares, aromáticas e
medicinais.
3. A introdução de hortaliças após o achamento
3.1. Assimetria de documentação e a presença discreta das hortaliças
Ao contrário do que viria a acontecer com as explorações do século XVIII que eram
acompanhadas por naturalistas especificamente interessados em plantas (Allorge & Ikor,
2003), essa preocupação estava ausente das viagens do início do século XVI. Na realidade,
à data, a botânica era uma disciplina subsidiária da medicina e da farmacologia e carecia
ainda dos esquemas classificativos e do sistema teórico necessário a um estudo cabal das
plantas (Catarino, 1993).
-4-
Não conhecemos os alimentos, animais ou plantas existentes a bordo na armada Cabral,
mas podemos presumir que não andasse longe da alimentação habitual nas naus dos
descobrimentos, composta por “legumes secos” (sementes de leguminosas), farinhas,
biscoitos, vinha, azeite e carne ou peixe conservados secos, fumados ou em azeite (Frada,
1993). Os chamados “refrescos” – hortaliças e animais vivos – eram carregados a bordo no
início da viagem (Frada 1993), mas as hortaliças perecíveis dificilmente resistiriam a uma
viagem de 44 dias, o tempo que levou à armada de Cabral desde a partida do Tejo até ao
desembarque em Porto Seguro. Esta viagem não terá deixado nenhuma planta olerícola nas
Terras de Vera Cruz. No entanto, é de admitir que “todo o navio traz e planta algum fruto
ou erva da horta, que medra improviso”, com dizem Lopes e Pigaffeta a respeito da ilha de
Santa Helena (Ferrão, 2005). Em poucas décadas, quase todas as hortaliças existentes em
Portugal terão sido introduzidas nas ilhas da Madeira e Cabo Verde (Ferrão, 2005), mais
próximas e com regimes térmicos intermédios entre o mediterrânico e o tipicamente
tropical. Daí poderiam ser levadas para destinos mais longínquos.
Embora a troca de plantas entre o Velho e o Novo Mundo tenha sido rápida e intensa, há
uma assinalável assimetria na atenção que é dedicada ao movimento das plantas em cada
um dos sentidos. As novas plantas vindas da América revolucionaram a agricultura, a
alimentação e a economia da Europa e mereceram a atenção dos cronistas, naturalistas e
historiadores. Menos documentada é a introdução na América Tropical de plantas
originárias do Velho Mundo e já conhecidas na Europa. Sendo conhecidas, não mereciam
ser anotadas pela pena dos cronistas. Para além disso, de entre as plantas introduzidas pelos
portugueses nas regiões tropicais, as discretas hortaliças passaram despercebidas, em
contraste com as culturas que viriam a assumir uma grande preponderância económica,
como a laranjeira e a cana sacarina, por exemplo.
3.2. Os primeiros duzentos anos
O tratado escrito por Gabriel Soares de Sousa em 1587 e editado posteriormente com o
título Notícias do Brasil e a História da América Portugueza desde o Anno de Mil e
Quinhentos do seu Descobrimento até o de Mil e Setecentos e Vinte e Quatro, de Sebastião
da Rocha Pitta publicada em 1730, são importantes fontes de informação sobre as
hortaliças introduzidas pelos portugueses no Brasil no início do período colonial. São estas
as fontes a que faremos referência, citando-as indirectamente a partir de Amaral (1958) e
de Ferrão (2005) e restringindo-nos às hortaliças (aí incluindo as que têm função
condimentar ou propriedades medicinais).
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Menos de um século após a chegada dos portugueses a Porto Seguro, Gabriel Soares de
Sousa referia-se à introdução na Bahia do gengibre, planta de origem asiática mas
introduzida no Brasil a partir de S. Tomé. O verdadeiro inhame (Dioscorea sp.),
introduzido a partir de Cabo Verde e de S. Tomé, foi uma das primeiras culturas exóticas a
ser introduzido na Bahia, mas Gabriel Soares de Sousa nota que os índios brasileiros
preferiam os “seus” inhames (mandioca) “a que chamam carazes” aos verdadeiros inhames
provenientes de África (Ferrão, 2005).
As hortaliças europeias estavam já largamente difundidas no Brasil em 1585. O mesmo
Gabriel Soares de Sousa menciona melões, pepinos “que se dão melhor que nas hortas de
Lisboa”, abóboras de conserva “que se dão maiores que nas hortas de Alvalade”, melancias
“se dão maiores e melhores que onde se podem dar bem em Espanha”, abóboras da
quaresma, mostarda, nabos e rábãos “dão-se tão grossos como a perna de um homem”
couves “tronchudas e murcianas se dão boas como em Alvalade”, alfaces, coentros, endros,
funcho, salsa, hortelã, cebola, alho, beringela, tanchagem, poejos, agriões, manjericão,
alfavaca, bredos e beldroegas, chicória, mastruços, cenoura, acelga, espinafre e cardos
(Amaral, 1958; Ferrão, 2005).
Na sua História da América Portugueza desde o Anno de Mil e Quinhentos do seu
Descobrimento até o de Mil e Setecentos e Vinte e Quatro, publicada em 1730, Sebastião
da Rocha Pitta fornece uma lista das hortaliças europeias cultivadas no Brasil, com uma
considerável sobreposição com a de Gabriel Soares de Sousa: alface, couves diversas,
incluindo repolhos, nabos, rábanos, cenouras, pepinos, espinafres, abóboras-de-água,
cebolas, alhos, cardos, bredos, mostarda, tomates, beldroegas. Acrescenta ainda as
seguintes “ervas cheirosas”: hortelã, segurelha, poejo, coentro, funcho, salsa, manjerona,
endro, manjericão, alecrim, arruda e losna (Ferrão, 2005).
Curiosa é a referência ao tomate na lista de Pitta e às abóboras da quaresma no documento
de Soares de Sousa. O tomate foi introduzido na Europa pelos espanhóis, após a conquista
do México, não sendo de excluir que tenha sido levada para a Bahia a partir de Portugal. A
abóbora da quaresma, nome pelo qual era conhecida em Portugal a Cucurbita pepo, cujo
centro de origem é o México, poderia ter sido introduzida no Brasil a partir de Lisboa ou
da costa africana.
Algumas das espécies descritas nestes tratados caíram entretanto em desuso em Portugal
(e.g. Amaranthus spp., Portulaca oleracea) estando na lista das hortaliças sub-utilizadas
que poderá ser interessante valorizar.
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3.3. O caso das plantas medicinais
Perante uma flora nativa desconhecida e o desconhecimento das propriedades medicinais
das plantas nativas, não será de estranhar que os primeiros médicos e boticários
portugueses se tenham socorrido da farmacopeia lusa até tomarem conhecimento das
propriedades das plantas autóctones. Entre as plantas medicinais europeias introduzidas
nos primeiros tempos da colonização contam-se as que foram referidas acima. Outras
plantas da farmacopeia europeia que poderão ter sido introduzidas pelos portugueses são a
erva cidreira e da erva doce. No entanto, é certo que os missionários jesuítas rapidamente
se inteiraram das propriedades medicinais das plantas nativas que no século XVII já eram
largamente utilizadas como matéria médica (Dias, 1993).
4. Desafios da introdução de hortaliças nos trópicos
4.1. Fotoperiodismo e vernalização
A colonização do Brasil iniciou-se na Bahia, tendo a região Nordeste permanecido o centro
da actividade económica, social e política do Brasil até meados do século XVIII. As
diferenças de latitude entre Portugal (situado entre 37 e 42º N) e a Bahia (Salvador a 13º
N) estão associadas a diferenças de fotoperíodo significativas: no solestício de Verão o dia
é 2 h mais longo em Lisboa do que em Salvador. Não é pois de estranhar que uma das
dificuldades encontradas na aclimatação dos ecotipos de hortaliças inicialmente
introduzidos pelos portugueses tenha estado relacionada com o fotoperiodismo. Também
as diferenças de temperatura, especialmente no que concerne à satisfação das necessidades
de vernalização, podem explicar algumas dificuldades observadas com as plantas
introduzidas. Os alhos, plantas de dias longos que necessitam de vernalização, “não dão
cabeça na Bahia por mais que se deixem estar na terra” (Gabriel Soares de Sousa), mas
produziam bem na capitania de S. Vicente, situada a sul do paralelo 23º S (Amaral, 1958,
Ferrão, 2005). Gabriel Soares de Sousa refere ainda que os poejos, a cenoura, a acelga e o
espinafre não produziam flor na Bahia, embora crescessem bem (Amaral, 1958, Ferrão,
2005). No caso da cenoura, a falta de vernalização pode explicar a ausência de
espigamento; as restantes são plantas de dias-longos e seriam provavelmente ecotipos
inadaptados ao fotoperíodo local. Nestas hortaliças de folha e de raiz o problema não era a
produção em si, mas a sua propagação, que presumivelmente seria assegurada por semente
trazida anualmente do reino e, mais tarde, do sul do Brasil.
Embora os efeitos fotoperiódicos tenham sido observados pelos portugueses desde, pelo
menos, o início do século XVI (Ferrão, 2005), o reconhecimento científico de que as
-7-
plantas percebiam e reagiam a diferenças na duração do dia chegaria apenas no início do
século XX, através dos trabalhos de investigadores franceses e alemães (Salisbury & Ross,
1992).
4.2. Taxa de crescimento das culturas
Pêro Vaz de Caminha notou imediatamente a exuberância da vegetação e a abundância de
água no litoral de Porto Seguro, que comparou, à falta de melhor referência, com a região
portuguesa de pluviosidade mais abundante:
“A terra, porém, em si, é de muito bons ares, assim frios e
temperados como os d’Entre Doiro e Minho, porque neste tempo
d’agora assim os achámos os de lá. Águas são muitas, infindas.”
Um nota dominante nos registos iniciais refere-se à taxa de crescimento e ao tamanho final
das plantas olerícolas introduzidas na Bahia. Gabriel Soares de Sousa descreve nabos “tão
grossos como a perna de um homem”, couves de cujo pé, depois de cortado, “rebentam
muitos filhos”, alfaces que “se dão uma maravilha de grandes”, coentros “que cobrem um
homem”, beringelas “maiores e melhores que em nenhuma parte”, manjericão “mais alto e
forte que em Portugal” e alfavaca “tão alta que cobre um homem” usando a mesma
expressão com que descrevera o coentro (Ferrão, 2005). Pondo de lado as eventuais
hipérboles, características do estilo literário da época, a temperatura média e a precipitação
do Nordeste proporcionavam condições de crescimento mais favoráveis do que o território
português.
A limitação da produtividade provocada pelos inimigos das culturas não está documentada
nestes escritos iniciais. É natural que as pragas e doenças das culturas olerícolas tenham
sido introduzidas juntamente com o material vegetal. No entanto, Amaral (1958) atribui às
formigas a falta de expressão da Olericultura nas zonas rurais do Brasil.
5. Epílogo
Os portugueses trouxeram para o Brasil as suas plantas olerícolas e mesmo algumas
provenientes do próprio continente americano e de outras partes do Mundo. É natural que
tenham
trazido
técnicas
culturais
que
posteriormente
adaptaram
aos
novos
condicionalismos edafoclimáticos. O certo é que a produção e o consumo de hortaliças no
Brasil se manteve modesto durante todo o período colonial, com ciclos económicos
dominados pelas grandes culturas vocacionadas para a exportação: o açúcar, o tabaco, o
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café. Amaral (1958) afirma, em tom de lamento, que “o agricultor brasileiro, viciado pelas
monoculturas, jamais deu cuidados à horticultura, que também propicia fortunas.”
Cinco séculos depois da chegada de Cabral a Olericultura brasileira é um sector
florescente, com o interesse económico e social que esta actividade assume em tempos de
prosperidade, tal como no tempo de Columela. A Horticultura, enquanto disciplina
académica e ciência aplicada, tem hoje no Brasil uma vitalidade que contrasta com a
dificuldade que se vai sentido noutras paragens em financiar a investigação e mesmo em
manter a autonomia académica da disciplina. Num tempo em que o interesse pela
Olericultura e pelos seus produtos é crescente na Europa e em que a influência se exerce
através da tecnologia e do conhecimento, a vitalidade do sector no Brasil é sinal de
esperança na revitalização da Horticultura portuguesa.
Literatura Citada
A Carta de Pêro Vaz de Caminha. Coordenação de J.R. Magalhães e J.P. Salgado. 2000.
Edição da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses
e Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa.
Allorge, L. & Ikor, O. 2003. La Fabuleuse Odyssée des Plantes. Hachette, Paris.
Amaral, L. 1958. História Geral da Agricultura Brasileira. Volume II, 2ª edição,
Companhia Editora Nacional, São Paulo.
Catarino, F. 1993. A botânica e os Descobrimentos do século XVI. In A Universidade e os
Descobrimentos. Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos
Portugueses, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, pp. 195-208.
Columella, Lucius. On Agriculture X-XII. Volume III. E. S. Forster & E. H. Heffner
(tradução). 1968. Harvard University Press (The Loeb Classical Library) Cambridge,
Mass.
Dias, J.J.A. (Coord.). 1998. Nova História de Portugal. Volume V. Portugal do
Renascimento à Crise Dinástica. Editorial Presença, Lisboa.
Dias, J.P.S. 1993. A farmácia e a expansão portuguesa (séculos XVII e XVIII). In A
Universidade e os Descobrimentos. Comissão Nacional para as Comemorações dos
Descobrimentos Portugueses, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, pp. 209-227.
Fausto, B. 2001. História Concisa do Brasil. Editora da Universidade de São Paulo,
Imprensa Oficial do Estado, São Paulo.
Ferrão, J.E.M. 2005. A aventura das Plantas e os Descobrimentos Portugueses. 3ª edição.
Instituto de Investigação Científica Tropical, Lisboa.
-9-
Frada, J. 1993. A alimentação a bordo das naus na época moderna. In A Universidade e os
Descobrimentos. Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos
Portugueses, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, pp. 229-235.
Oliveira Marques, A.H. 1987. Nova História de Portugal. Volume IV. Portugal na Crise
dos Séculos XIV e XV. Editorial Presença, Lisboa.
Rubatzky, V.E. & Yamaguchi, M. 1997. World vegetables. Principles, Production, and
Nutritive Values. Second edition. Chapman & Hall, New York.
Salisbury, F. B. & Ross, C. W. 1992. Plant Physiology. Fourth edition. Wadsworth
Publishing Company, Belmont, California.
- 10 -
Quadro 1- Nomes comuns e nomes científicos das espécies referidas no texto.
Nome comum
Abóboras 1
Abóbora da quaresma 2
Abóbora de conserva 3
Abóbora-de-água 4
Acelga
Agrião 5
Alecrim
Alface
Alfavaca 6
Alho
Arruda
Beldroega
Beringela
Bredos
Brócolos
Cana sacarina
Cardo
Cebola
Cenoura
Chícharo
Chicória 10
Coentros
Cogumelos 13
Couve tronchuda
Couves
Endros
Erva cidreira
Erva doce
Ervilha
Espargo 15
Nome científico
?
Cucurbita pepo
?
Benicansa hispida
Beta vulgaris var. cicla
Nasturtium officinale
Rosmarinus officinalis
Lactuca sativa
Ocimum basilicum
Allium sativum
Ruta graveolens
Portulaca oleracea
Solanum melongena
Amaranthus
Brassica oleracea var. italica
Saccharum officinarum
Cynara cardunculus
Allium cepa
Daucus carota
Lathyrus sativus
Cichorium intybus
Coriandrum sativum
Vários
B. oleracea var. costata
Brassica oleracea
Anethum graveolens
Melissa officinalis
Pimpinella anisum
Pisum sativum
Asparagus spp.
1
Nome comum
Espinafre
Fava
Funcho
Gengibre
Grão-de-bico
Hortelã
Inhame
Laranjeira
Lentilha
Losna 7
Mandioca
Manjericão 8
Manjerona
Mastruço
Melancia
Melão
Mostarda 9
Nabo
Pepino
Poejo
Rabanete 11
Rábano 12
Rábãos 14
Repolho
Salsa
Segurelha
Tanchagem
Tomate
Tremoço
Nome científico
Spinacea oleracea
Vicia faba
Foeniculum vulgare
Zingiber officinale
Cicer arietinum
Mentha spp.
Dioscorea spp.
Citrus sinensis
Lens culinaris
Artemisia absinthium
Manihot esculenta
Ocimum basilicum
Origanum majorana
Lepidium sativum
Citrullus lanatus
Cucumis melo
Brassica juncea
Brassica rapa var. rapa
Cucumis sativus
Mentha pulegium
Raphanus sativus
Raphanus sativus
?
B. oleracea var. capitata
Petroselinum crispum
Satureja hortensis
Plantago sp.
Lycopersicon esculentum
Lupinus spp.
Antes de 1492 eram cultivadas em Portugal a Lagenaria siceraria e Benicansa hispida; Cucurbita
pepo terá sido introduzida poucos anos após a descoberta da América.
2
Possivelmente Cucurbita pepo, introduzida a partir do México após a chegada dos Espanhóis.
3
Espécie incerta.
4
Provavelmente Benicansa hispida.
5
Não é claro de que espécie se trata mas presume-se que seja o agrião-do-rio, Nasturtium
officinale.
6
Alfavaca e manjericão são actualmente sinónimos, designando a espécie Ocimum basilicum;
ambos os nomes surgem na lista de Soares de Sousa. Admite-se que possam formas hortícolas
da mesma espécie, diferindo no tamanho das folhas.
7
Trata-se provavelmente do absinto, Artemisia absinthium.
8
Ver nota 6.
9
Possivelmente formas de Brassica juncea.
10
Possivelmente uma forma hortícola de roseta.
11
Os termos rabanete, rábano e rábãos surgem frequentemente nas listas de hortaliças
consumidas no final da idade média em Portugal e poderão designar cultivares de Raphanus
sativus, mas possivelmente também formas de Brassica rapa var. rapa ou mesmo de Brassica
napus (rutabaga e couve-nabo).
12
Ver nota 11.
13
Trata-se, quase seguramente, de cogumelos silvestres.
14
Ver nota 11.
15
Asparagus officinalis ou espargos bravos nativos da região mediterrânica (e.g. A. acutifolius).
- 11 -
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A Influncia Lusa na Olericultura Brasileira