Vivências, conceitos e investigação-acção
Viver na pobreza e na exclusão social são experiências quotidianas que marcam
corpos, mentes e comportamentos pela escassez de recursos e por um modo de
vida. Quem vive na pobreza experimenta a privação no acesso a certos bens e
serviços e desenvolve uma identidade que reflecte a estratégia de sobrevivência, a
relação com os outros e o lugar na sociedade. Ser pobre e estar excluído não
traduzem a mesma vivência. Em comum têm um dia-a-dia regido pela
multiplicidade de carências que não permitem o desenvolvimento pessoal e social
dos indivíduos, grupos e famílias, por impossibilitarem o acesso a um cabaz básico
de alimentos, ao vestuário que proteja e favoreça o “apresentar-se socialmente”, o
acesso a uma casa, o acesso a um rendimento regular para cobrir as
necessidades básicas de sobrevivência, a eficácia física e a participação na vida
social. Ser pobre ou excluído não é sinónimo apenas de fome, abrange uma
privação multidimensional. Mas, a pobreza tradicional diferencia-se da nova
pobreza (ou exclusão social).
A pobreza tradicional é uma pobreza que se transmite, de geração em geração,
no seio de comunidades de famílias pobres. Ao contrário da nova pobreza (ou
exclusão social) estes pobres mantêm os laços familiares e comunitários,
participam na sociedade, apesar das privações em várias dimensões. Nestas
comunidades gera-se uma cultura da pobreza associada a atitudes de defesa e a
estratégias de sobrevivência destas famílias face à escassez. O dia-a-dia de
privação e as vivências são caracterizados pela incerteza de rendimentos, pelo
imediatismo (têm dificuldades em perspectivar o futuro). Paradoxalmente, nestes
contextos sociais, a cultura e as relações de sociabilidade “reproduzem social e
culturalmente” as condições socio-económicas, transmitindo-se de pais para filhos,
tornando-se difícil sair da pobreza.
O retrato extremo da vivência da nova pobreza é protagonizado pelos Sem-Abrigo,
em extrema privação de rendimentos, sem laços familiares e afectivos com amigos
e sem laços com a sociedade. O surgimento desta nova pobreza está associada
às incessantes mutações tecnológicas e no tecido empresarial, às exigências
elevadas de competências profissionais de empregabilidade, à competitividade
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económica global e às incessantes transformações que afectam as organizações,
os estados, as actividades económicas, as famílias e os indivíduos a uma escala
mundial - sociedade de risco (Beck, 2000). Esta pobreza aparece nas últimas
décadas do século XX nos países desenvolvidos e ricos, atingindo pessoas da
classe média que cumulativamente ficaram fora do mercado de emprego e
produtivo e romperam os laços sociais com as famílias e comunidade devido a
rupturas afectivas ou por efeitos de doença crónica e incapacidade. A nova
pobreza resulta dum processo gradual de exclusão social, em que a identidade
social, que se constrói na interacção com os outros, se torna negativa até à morte
social – sem rendimentos, sem laços afectivos, sem pertença social, sem lugar
simbólico.
A pobreza tradicional e exclusão social são fenómenos sociais distintos, mas
ambos têm origem na organização e no funcionamento da sociedade, sendo por
isso susceptíveis de transformação pela intervenção de políticas públicas e de
políticas da sociedade civil que combatam estes fenómenos através de programas
e projectos.
O conhecimento científico é fundamental na concepção e na implementação
destes programas ao analisar as causas e as estruturas sociais. Os projectos
transversais de investigação-acção de luta contra a pobreza tiveram um impacto
positivo na evolução do conhecimento científico alcançado sobre estes fenómenos
e suas causas. Estes projectos realçaram a importância da transversalidade e da
articulação das várias políticas entre si - económica, de emprego e formação
profissional, educação, saúde, cultura. Destacaram-se, ainda, as sinergias entre o
Estado – Famílias – Mercado - Economia social. Por outro lado, evidenciaram que
não chegava apenas agir ao nível dos rendimentos (escassos), era preciso
também envolver os grupos mais desfavorecidos no processo de mudança, sendo
estes os actores principais da mudança ao transformarem as suas atitudes e
valores (cultura da pobreza).
A pobreza não é apenas um fenómeno que se expressa ao nível individual e
comunitário.
Pode
ter
uma
expressão
territorial
e
regional,
atingindo
assimetricamente países e continentes.
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O conceito de coesão social (inclusão/exclusão social) relaciona-se com a partilha
pelos cidadãos de valores (direitos) comuns. A monitorização da coesão social vai
analisar as dimensões da equidade social face a um padrão de vida considerado
aceitável, detectando as assimetrias territoriais, regionais e os modos, formas de
inserção nos territórios dos grupos desfavorecidos, seus modos de vida e
identidades (comportamentos culturais, económicos, sociabilidades, a dimensão
relacional e simbólica são dimensões analisadas). Ao contrário, a monitorização da
qualidade de vida foca-se em indicadores médios da distribuição e dos
rendimentos,
não
dando
a
intensidade
da
privação
dos
grupos
mais
desfavorecidos.
A monitorização da coesão social inclui a avaliação e o impacto das políticas
públicas na erradicação dos fenómenos da pobreza e da exclusão social, no
desenvolvimento económico e social da sociedade nos seus vários sectores. Esta
avaliação exige o recurso a metodologia científica e à transversalidade
multidisciplinar.
Em determinadas sociedades a equidade social não se verifica, existindo
profundas disparidades sociais. Alguns grupos sociais estão mais expostos ao
risco de pobreza e de exclusão social. Estes grupos mais vulneráveis são as
famílias monoparentais, vastos segmentos da população idosa com problemas de
autonomia, mobilidade, isolamento, pessoas com doença mental grave sem
suporte familiar, desempregados de longa duração e certos doentes crónicos sem
meios de subsistência, jovens e crianças não escolarizados e sem família, pessoas
com deficiência, toxicodependentes, dependentes de outras substâncias e
migrantes. As mulheres são mais vulneráveis à pobreza que os homens (um efeito
de género).
Tal como os outros grupos desfavorecidos, as pessoas com deficiência tendem a
confrontar-se com inúmeras barreiras culturais e físicas que as impedem, muitas
vezes, de aceder à educação, à formação profissional, ao emprego, a cuidados de
saúde adequados, de obter um rendimento suficiente que garanta a sua
autonomia.
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O 1º Relatório Mundial da Deficiência, divulgado pela Organização Mundial da
Saúde (OMS) e pelo Banco Mundial dão conta que as pessoas com deficiência
têm uma maior probabilidade de ter pior saúde, um nível mais baixo de educação e
de viverem em pobreza. Nos países mais pobres as pessoas com deficiência têm
50 % mais probabilidade de terem que suportar despesas de saúde catastróficas e
as crianças com deficiência não acederem à educação.
As situações mais críticas ocorrem quando se dá uma acumulação de
desigualdades, por exemplo ser mulher, pertencer a uma família pobre, adquirir
uma deficiência num acidente ou consequente de uma doença incapacitante e
viver num país pobre.
Bibliografia
Beck, Ulrich, Giddens, Anthony, Lash, Scott (2000) Modernização Reflexiva,
Oeiras, Celta Editora
Ferreira de Almeida, João e outros (1992) Exclusão Social, Factores e Tipos de
Pobreza em Portugal, Oeiras, Celta
Guerra, Isabel (2000) Fundamentos e processos de uma sociologia da acção, o
planeamento em ciências sociais, Cascais, Principia
Leonetti, Isabel Taboada e Gaulejac, Vincent (1994), La lutte des places, Paris,
Presses Universitaires de France
Vasconcelos, Pedro (2002) “Redes de apoio familiar e desigualdade social:
estratégias de classe” in Famílias, Análise Social nº 163, Lisboa, ICS
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