PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EDUCAÇÃO PARA A CIÊNCIA E O ENSINO DE MATEMÁTICA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ A ORGANIZAÇÃO DO ENSINO DE BIOLOGIA E O DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO CONCEITUAL VANESSA DAIANA PEDRANCINI MARINGÁ 2008 2 VANESSA DAIANA PEDRANCINI A ORGANIZAÇÃO DO ENSINO DE BIOLOGIA E O DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO CONCEITUAL Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Educação para a Ciência e o Ensino de Matemática da Universidade Estadual de Maringá como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre. Orientadora: Profª.Drª. Maria Júlia Corazza-Nunes Co-orientadora: Profª. Drª. Ana Lúcia Olivo Rosas Moreira MARINGÁ 2008 3 VANESSA DAIANA PEDRANCINI A ORGANIZAÇÃO DO ENSINO DE BIOLOGIA E O DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO CONCEITUAL Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Educação para a Ciência e o Ensino de Matemática da Universidade Estadual de Maringá como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre. Aprovado em: BANCA EXAMINADORA Profª.Drª. Maria Júlia Corazza-Nunes DBI/UEM - Orientadora Profª. Drª. Ana Lúcia Olivo Rosas Moreira DBI/UEM – Co-orientadora Profº. Drº. Renato Eugênio da Silva Diniz UNESP - Botucatu Profª. Drª. Maria Terezinha Bellanda Galuch DTP/UEM 4 Dedico este trabalho Aos meus pais, Divina e Valdemar, as minhas irmãs, Graziela e Franciele, pelo incentivo, carinho e amor. 5 AGRADECIMENTOS Sou grata a Deus, pela oportunidade de vida e por sempre ter iluminado meu caminho. À minha orientadora, Maria Júlia Corazza-Nunes, meus sinceros agradecimentos, não apenas pela sua orientação constante, mas também pela compreensão, incentivo e carinho que demonstrou em todos os momentos desta pesquisa. Aos meus familiares: mãe, pai e irmãs que sempre me incentivaram. Ao Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência e o Ensino de Matemática, equipe de professores e secretárias. Aos alunos, à professora e à escola que aceitaram participar desta pesquisa, sem os quais a realização deste trabalho não teria sido possível. 6 Aprender é a única coisa de que a mente nunca se cansa, nunca tem medo e nunca se arrepende. Leonardo da Vinci 7 SUMÁRIO RESUMO.......................................................................................................................................10 ABSTRACT..................................................................................................................................11 INTRODUÇÃO............................................................................................................................12 1. APRENDIZAGEM DE CONCEITOS NA PERSPECTIVA DA TEORIA HISTÓRICOCULTURAL..................................................................................................................................16 1.1 Introdução a Teoria Histórico-Cultural........................................................................17 1.2 Mediação pedagógica: a relação entre professor, conhecimento e aluno.....................................................................................................................................21 1.3 O processo de formação de conceitos na perspectiva da Teoria Histórico-Cultural...30 1.3.1. Estudos experimentais sobre o processo de formação de conceitos.................30 1.3.2. Conceitos científicos versus conceitos espontâneos.........................................46 1.4. Contribuições atuais para a Prática Pedagógica de Biologia..................................49 2. A HEREDITARIEDADE NO DECORRER DOS TEMPOS: A HISTÓRIA DO DESENVOLVIMENTO DA GENÉTICA CLÁSSICA E MOLECULAR..............................................................................................................................54 2.1 Algumas teorias acerca da hereditariedade: contribuições dos antigos gregos.....................................................................................................................................58 2.2 Hereditariedade da Idade Média à Ciência Moderna...................................................60 2.3 Gregor Mendel e as leis da hereditariedade.................................................................64 2.4 DNA: nosso material genético.....................................................................................68 8 3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS PARA A COLETA DE DADOS..............85 3.1 Os primeiros passos: escolha da instituição de ensino e participantes da pesquisa.................................................................................................................................85 3.2 A instituição escolar ....................................................................................................85 3.3 Participantes da pesquisa: professora e estudantes.......................................................87 3.4 Caracterização dos instrumentos utilizados para a coleta e análise de dados.............105 3.4.1. A fundamentação teórica: os primeiros encontros com a professora participante.....................................................................................................106 3.4.2. Planejamento das ações discentes e docentes.................................................107 3.4.3. Execução, avaliação e re-planejamento das aulas organizadas......................109 3.4.4. Coleta e análise dos dados..............................................................................110 4. A MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA E O DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO CONCEITUAL DOS ESTUDANTES EM RELAÇÃO AO MECANISMO DE HEREDITARIEDADE: ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS...............................................................................................................................114 4.1. 1º Episódio de Ensino: Apresentação dos professores, alunos e conteúdo..............114 4.2. 2º Episódio de Ensino: Introdução a Genética - Conceitos prévios dos estudantes e elaborações iniciais.......................................................................................................................120 4.3. 3º Episódio de Ensino: O que é hereditariedade?.....................................................129 4.4. 4º Episódio de Ensino: O mecanismo da hereditariedade no decorrer dos tempos..132 4.5. 5º Episódio de Ensino: Conceitos básicos de genética.............................................145 4.6. 6º Episódio de Ensino: 1ª lei de Mendel...................................................................161 4.7. 7º Episódio de Ensino: Conhecendo as elaborações iniciais dos estudantes............171 4.8. 8º Episódio de Ensino: Resolução de exercícios de genética...................................176 4.9. 9º Episódio de Ensino: Dominó de conceitos...........................................................180 9 4.10. 10º Episódio de Ensino: Simulando a transmissão das informações hereditárias....186 4.11. 11º Episódio de Ensino: Analisando o nível conceitual atingido pelos estudantes..190 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................192 6. REFERÊNCIAS.................................................................................................................196 7. ANEXOS.............................................................................................................................205 10 RESUMO Estudos têm revelado que os principais motivos que dificultam a aprendizagem de conceitos e processos biológicos residem em um ensino pautado na memorização e fragmentação de conteúdos dissociados do cotidiano dos estudantes. Destas constatações originou-se a presente pesquisa, que tem como objetivo analisar se a organização do ensino, pautada nas interações verbais, na história da ciência e em atividades lúdicas, pode contribuir para a aprendizagem e o desenvolvimento do pensamento conceitual dos estudantes em relação ao mecanismo da hereditariedade nos seus aspectos clássicos e moleculares. Para a realização desta pesquisa, inicialmente foram realizados estudos bibliográficos, destacando-se a Teoria Histórico-Cultural, a Teoria da Atividade e a Teoria da Assimilação, formuladas, respectivamente, por Vygotsky, Leontiev, Galperin e colaboradores, bem como as contribuições sobre a história da hereditariedade apresentadas por vários autores citados na fundamentação teórica deste trabalho. Por meio dessa fundamentação teórica, procedemos com o trabalho de campo da pesquisa, a qual se baseou na organização e desenvolvimento de 30 aulas, em uma turma do 2º ano do Ensino Médio noturno de um colégio público de um município do Noroeste do Paraná. As elaborações dos conceitos feitas pelos estudantes constituíram a fonte de dados para a análise dessa investigação e foram obtidas nos seus pronunciamentos gravados durante as interações discursivas, nos textos elaborados e pelo seu desempenho nas atividades propostas, como jogos e dramatizações. Na análise dessas elaborações, procuramos identificar as modalidades de generalização do conceito, estabelecendo categorias baseadas nos estágios de desenvolvimento dos conceitos em crianças, adolescentes e adultos estabelecidos por Vygotsky e colaboradores. Apesar das diferenças encontradas entre os estudantes em relação aos estágios de formação de conceito, uma evolução foi observada, de modo geral, quando comparamos as suas concepções prévias iniciais àquelas descritas no último encontro em relação ao assunto trabalhado. Palavras-chave: interações verbais; história da Ciência; atividades lúdicas; formação de conceitos; hereditariedade. 11 ABSTRACT Research has revealed that the main motifs that make learning of biological processes and concepts difficult are due to learning foregrounded in memorization and content fragmentation unlinked to the students’ daily life. Current research, the result of such statements, analyzes whether an organization intended to teach, based on verbal interactions in the history of science and in playful activities, may contribute towards learning and towards the development of students’ conceptual thought with regard to the mechanism of heredity in its classical and molecular aspects. First, bibliographical studies have been undertaken, especially in Historical and Cultural theory, the Theory of Activity and the Theory of Assimilation, constructed respectively by Vygotsky, Leontiev, Galperin and colleagues, coupled to the contributions on the History of Heredity undertaken by several authors mentioned in the research’s theoretical section. Based on such theoretical foregrounding, research developed by means of 30 lectures to a group of adolescents of the second year of an evening high school of a government school in a municipality in the northwestern part of the state of Paraná, Brazil. Concept elaboration by students was the source of data for the investigation’s analysis and was obtained by statements recorded of texts, during discursive interactions, and through the performance of suggested activities such as games and drama. In the context of these elaborations, modalities of generalizations of the concept were identified and categories were established based on the stages of development of the concepts in children, adolescents and adults established by Vygotsky and colleagues. In spite of the differences among students with regard to the stages of concept formation, a certain development was detected when initial previous concepts and the latter concepts described in the last meeting were compared. Key words: verbal interactions; History of Science; game activities; concept formations; heredity. 12 INTRODUÇÃO Nestes primórdios do século XXI temos contemplado os resultados do crescente desenvolvimento científico e tecnológico ocorrido ao longo dos tempos em que a ciência se tem feito presente, disponibilizando uma torrente de informações e ocasionando mudanças na forma de viver e compreender o mundo. À medida que este processo se intensifica, a importância da educação científica se torna cada vez mais discutida na sociedade contemporânea. Diante deste fato, a escola continua destacada como o referencial ímpar na apropriação de conhecimentos científicos e na formação da consciência crítico-reflexiva dos sujeitos ante os desafios advindos dos avanços da ciência e da tecnologia, e É por meio dela, que as relações sócio-tecnológicas-culturais poderão se configurar. Podemos dizer que a escola deveria ser um espaço sócio-cognitivocultural, numa sociedade pautada no favorecimento de oportunidades significativas para todos seus educandos (MANECHINE; CALDEIRA, 2005, p. 29). Sob esta consigna depreende-se que a universalização da Educação não ocorrerá apenas com expansão das redes de ensino, mas, sobretudo, pelo estabelecimento de medidas que assegurem a efetivação do papel da escola de garantir o acesso ao conhecimento sistematizado. Tomando-se como referência o cenário educacional brasileiro compreendido entre as décadas de 1970 e 1990, período caracterizado pela democratização do acesso à escola, pode-se demarcar o início de um movimento de pesquisadores e educadores que, preocupados com o alto índice de repetência e evasão escolar, passaram a buscar, nos referenciais de teorias interacionistas, orientações para práticas pedagógicas capazes de superar as dificuldades de aprendizagem existentes entre estudantes pertencentes a diferentes classes sociais. Num primeiro momento, as teorias interacionistas construtivistas, que preconizam a concepção de que o sujeito constrói o seu próprio conhecimento com base na sua ação sobre o objeto, constituíram o principal recurso teórico para estudos, pesquisas e propostas curriculares direcionados à melhoria do ensino das ciências. Os encaminhamentos metodológicos, ao defender o mote “aprender a aprender”, passaram a valorizar o processo de conhecer em detrimento da 13 apropriação dos conhecimentos científicos e do ato de ensinar, sendo o professor reconhecido “[...] como um profissional que, de modo intencional, deve promover determinados tipos de experiência, em contato com os quais o aluno constrói seus próprios conceitos, de forma significativa e a partir de suas concepções sobre a realidade” (FACCI, 2004, p. 123). Dessa forma, a prática social inicial dos estudantes – isto é, suas idéias prévias, interesses, necessidades, sua maneira peculiar de representar o mundo – ao invés de ser investigada, conhecida em profundidade e usada como ponto de partida na aprendizagem de conceitos científicos, passou a ser, por parte de muitos de nós, professores, mais respeitada do que trabalhada (FONTANA, 2005). Os reflexos desse alijamento do ensino de conteúdos podem ser observados no estado da escola pública nos dias atuais: “[...] professores mal-remunerados e desestimulados, com formação e aperfeiçoamento insuficientes, escolas com mecanismos artificiais de aprovação e avaliação, aumento crescente da violência e do descaso” (SANTOS, 2005, p.5). As conseqüências da decadência do sistema educacional brasileiro puderam ser comprovadas no desempenho dos estudantes da educação básica, na área de Ciências, no exame de caráter internacional realizado em 2006 pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), no qual o Brasil ocupou a qüinquagésima segunda posição entre os 57 países participantes (FAVARO, 2008). Nesse contexto educacional, muitos pesquisadores e educadores, interessados em resgatar o papel do professor e do ensino de conteúdos para a compreensão da realidade, voltaram sua atenção para as teorias sociointeracionistas, entre as quais se destacou a Teoria Histórico-Cultural. Esta foi sistematizada por psicólogos russos no início do século XX, com destaque para Lev Semenovich Vygotsky, Alexander Romanovich Luria, Alexei Nikolaievich Leontiev, P. Ya. Galperin, e divulgada no Brasil a partir da década de 1980. As obras dos autores desta matriz teórica trouxeram grandes contribuições para a compreensão do papel da escola e do professor em relação aos conteúdos e aos alunos, encontrando-se nelas idéias sugestivas sobre o desenvolvimento e a aprendizagem humanas e a 14 relação entre pensamento e linguagem. Assim, são pilares dessa teoria os conceitos de: mediação pedagógica, zona de desenvolvimento proximal, conceitos espontâneos e científicos. Muitas pesquisas na área educacional, fundamentadas na Teoria Histórico-Cultural, têm revelado o papel da mediação pedagógica no desenvolvimento do pensamento conceitual dos estudantes, principalmente quando esta cria novas zonas de desenvolvimento proximal (ZDP) e proporciona a formação de conhecimentos científicos, superando a visão dos processos de ensino e aprendizagem da perspectiva tradicional de educação (DE LONGUI, 2000; FONTANA, 2005; LORENCINI JR., 1995; MELO; LIRA; TEIXEIRA, 2005; MIRANDA, 2007; MORTIMER; AGUIAR, 2005). Este referencial teórico trouxe subsídios para estudos por nós realizados desde 2003 sobre a formação de conceitos, nos quais constatamos as dificuldades apresentadas pelos estudantes que estavam finalizando o ensino básico em explicar o mecanismo da transmissão hereditária, bem como suas limitações em utilizar tais conhecimentos para explicar os atuais avanços biotecnológicos (PEDRANCINI et al., 2007). Ancoradas na Teoria Histórico-Cultural, demos continuidade às investigações, avaliando como o professor organiza e desenvolve sua prática pedagógica. Análises de episódios de ensino nos revelaram que os principais motivos que dificultam a aprendizagem de conceitos e processos biológicos residem em um ensino que desconhece as concepções prévias dos alunos, restringindo sua ação à reprodução de conteúdos fragmentados, sem considerar os processos psicológicos envolvidos na aprendizagem (CORAZZA-NUNES et al., 2006). Destas constatações originou-se a presente pesquisa, que tem como objetivo analisar se a organização de um ensino pautado nas interações verbais, na história da ciência e em atividades lúdicas, pode possibilitar a aprendizagem e o desenvolvimento do pensamento conceitual dos estudantes em relação ao mecanismo da hereditariedade, empregando conhecimentos da genética clássica e molecular. 15 A presente dissertação, que sistematiza os resultados da nossa pesquisa, está constituída por quatro capítulos. No 1º capítulo discutimos os pilares da Teoria Histórico-Cultural introduzidos por Vygotsky, destacando-se os conceitos de mediação, zonas de desenvolvimento, conceitos espontâneos e científicos, bem como a relação entre aprendizagem e desenvolvimento. Encontram-se, também, nesse capítulo, os fundamentos teóricos da Teoria da Atividade de Leontiev e da Teoria da assimilação de Galperin, colaboradores que deram continuidade aos trabalhos de Vygotsky. Ao reconhecer a importância do entendimento da ciência como fruto da construção humana, no 2º capítulo demonstramos a trajetória das descobertas científicas referentes à hereditariedade e ao material genético, desde a antiguidade até os dias atuais, enfatizando os recentes avanços científicos e tecnológicos como transgênicos, clonagem e projeto genoma humano. No 3º capítulo apresentamos, inicialmente, a instituição de ensino, professora e alunos participantes da pesquisa, seguindo-se a apresentação das metodologias escolhidas para a coleta e análise de dados. Para finalizar, no 4º capítulo apresentamos a análise e discussão dos dados obtidos na organização de algumas aulas de biologia e sua aplicação em uma turma de 2º ano noturno de um colégio da rede pública de ensino localizado em um município da Região Noroeste do Paraná. Com base nesses dados, refletimos acerca das possibilidades e limites da organização do ensino elaborada e desenvolvida na presente pesquisa. 1 1 Os autores, nos quais fundamentamos, utilizam várias formas de escrever o nome do psicólogo russo introdutor da Teoria Histórico-Cultural, tais como: Vygotsky, Vigotski ou, ainda, Vygotski. No entanto, nessa dissertação, adotaremos a grafia Vygotsky. 16 1. APRENDIZAGEM DE CONCEITOS NA PERSPECTIVA DA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL A Teoria Histórico-Cultural, introduzida pelo psicólogo russo Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934) e consolidada por seus colaboradores e seguidores Lúria, Leontiev, Davidov, Elkonin, Galperin, entre outros, ainda nas primeiras décadas do século passado, apresenta idéias que superam a visão de homem, conhecimento, ensino e aprendizagem difundida pela psicologia tradicional, trazendo subsídios para a inserção de uma pedagogia voltada ao desenvolvimento humano. De acordo com Pino (2001, p.38), Vygotsky “[...] nos deixou alguns pressupostos fundados no materialismo histórico e dialético que definem as grandes linhas teóricas do que pode ser considerado um novo paradigma epistemológico”. Os trabalhos de Vygotsky se destacam ao propor que o processo de aprendizagem é uma prática social, isto é, que a aquisição de conhecimento emerge da ação mediatizada pelos outros, por meio dos instrumentos e dos signos, grupo no qual a linguagem ocupa um lugar de destaque. Além deste diferencial, o psicólogo russo também apresenta uma nova forma de relacionar aprendizado e desenvolvimento. Para Vygotsky, como veremos mais adiante, a aprendizagem é o agente desencadeador do desenvolvimento e, por isso mesmo, o antecede. Em relação ao aprendizado de conceitos, Vygotsky também dá sua colaboração ao analisar como ocorre o processo de formação de conceitos no sujeito e o desenvolvimento dos conceitos científicos apresentados no ambiente escolar, diferenciando estes últimos dos conceitos não científicos ou espontâneos, adquiridos nas experiências práticas dos indivíduos. Com o intuito de compreender melhor esta abordagem teórica e sua colaboração para a área da educação, assim como de aprimorar as reflexões sobre o objeto de estudo, neste primeiro capítulo nos dedicamos a estudar os pilares da Teoria Histórico-Cultural, referentes à formação de conceitos no indivíduo, mediação, níveis e zona de desenvolvimento, relação entre 17 aprendizagem, desenvolvimento e conceitos espontâneos e científicos, finalizando com teorias desenvolvidas por Leontiev e Galperin, seguidores de Vygotsky. 1.1 Introdução à Teoria Histórico-Cultural Os vários estudos direcionados à compreensão do desenvolvimento humano realizados anteriormente a Vygotsky haviam considerado que este processo estava subordinado apenas às leis biológicas, as quais deveriam ser determinadas geneticamente e assim transmitidas de geração a geração. Contrariamente a essas proposições, Vygotsky, ao explicar esta mesma questão, volta sua atenção às leis sócio-históricas, ao considerar que as características estritamente humanas foram originadas no decorrer da vida do homem em sociedade, destacando o fator social como agente distintivo entre os homens e os outros animais. No entanto, é importante ressaltar, como expresso por Leontiev (1978, p. 264), que nessas reflexões “[...] o homem não está evidentemente subtraído ao campo de ação das leis biológicas”. De acordo com esta perspectiva, fundamentada nas idéias de Engels e Marx, a hominização de todo o organismo (cérebro, olhos, órgãos, mãos), as transformações fisiológicas e morfológicas e o desenvolvimento da consciência humana têm sua origem no surgimento e na evolução da atividade humana, o trabalho. É por meio de sua atividade que o homem transforma o meio natural, social e cultural em que vive, transformando, consequentemente, a si mesmo (LEONTIEV, 1978). Nesse contexto, o trabalho passa a ser uma atividade caracterizada como “[...] social, instrumental e transformadora do real” (PINO, 2001, p. 38). Segundo Leontiev (1978), no trabalho e pelo trabalho o homem transforma o meio que o cerca para satisfazer suas necessidades, cria objetos, produz máquinas, constrói habitações, confecciona roupas e outros artefatos. Portanto, “[...] o trabalho é um processo que liga o homem à natureza, o processo de ação do homem sobre a natureza” (LEONTIEV, 1978, p. 74). 18 Não obstante, como ressalta Vygotsky (2007, p. 55), “[...] a alteração provocada pelo homem sobre a natureza altera a própria natureza do homem”. Além desta ação transformadora, o trabalho se caracteriza por ser uma atividade subordinada ao fabrico e uso de ferramentas auxiliares, os quais podem ser classificados como instrumentos e signos (VYGOTSKY, 2007). Os instrumentos – como o machado, os tratores e as máquinas em geral, que ampliam a ação humana sobre a natureza - são empregados pelo homem para alcançar determinado objetivo. Os animais também utilizam instrumentos, do que é exemplo o emprego de varetas pelos símios com o objetivo de alcançar determinado alimento; entretanto, como salienta Vygostky, esta atividade é rudimentar, uma vez que, diferentemente do homem, os animais não produzem instrumentos, não os guardam para necessidades futuras e, principalmente, não transmitem essa nova conquista para os outros integrantes da espécie, muito menos para as gerações futuras. Os signos, símbolos, linguagem escrita e, em especial, a linguagem verbal foram utilizados pelos homens durante o processo de humanização, tornando-se valiosas ferramentas para a comunicação entre seus semelhantes e para o desenvolvimento das capacidades superiores estritamente humanas, como percepção, memória, abstração, generalização, atenção, entre outras. A invenção e o uso de signos como meios auxiliares para solucionar um dado problema psicológico (lembrar, comparar coisas, relatar, escolher, etc) é análoga à invenção e uso de instrumentos, só que agora no campo psicológico. O signo age como um instrumento da atividade psicológica de maneira análoga ao papel de um instrumento no trabalho (VIGOTSKI, 2007, p. 52). O instrumento é construído pelo homem para ampliar as possibilidades de transformação do meio ambiente, sendo um elemento utilizado na interposição entre o trabalho e o objeto de seu trabalho. Cada instrumento inserido na sociedade, empregado pelos homens, possui uma história de como foi criado, desenvolvido e transformado no decorrer dos anos. Por outro lado, os signos são ferramentas psicológicas auxiliares, possuindo a função de ampliar as capacidades superiores humanas, como, por exemplo, a memória (OLIVEIRA, 1997). 19 Não obstante, embora ambas as ferramentas apresentem particularidades, são, em parte, análogas, uma vez que são os medidores entre os homens e o mundo que os cerca, isto é, a “capacidade de lidar com representações que substituem o próprio real é que possibilita ao homem libertar-se do espaço e tempo presentes, fazer relações mentais na ausência das próprias coisas, imaginar, fazer planejamentos e ter intenções” (OLIVEIRA, 1997, p. 35). Outro fator que caracteriza o trabalho é que este apenas se realiza e é efetuado em coletividade, sendo um evento determinante para a concretização das relações sociais. O homem “[...] no seio deste processo, não entra apenas numa relação determinada com a natureza, mas com os outros homens” (LEONTIEV, 1978, p. 74). Como ressalta, ainda, Leontiev, dessa atividade grupal surge, inevitavelmente, a divisão do trabalho entre os diversos indivíduos envolvidos em certa atividade. Em uma caça coletiva, por exemplo, alguns membros terão a função de assustar a presa em direção aos outros, que espreitarão e apanharão o animal, o qual posteriormente será abatido pelos outros participantes. Deste modo, à medida que o trabalho coletivo foi sendo constituído, a consciência humana, concomitantemente, foi se desenvolvendo, uma vez que, para as atividades coletivas serem concluídas, cada participante deveria ter a capacidade de refletir sobre a importância de sua ação no resultado final (LEONTIEV, 1978). Sobre este aspecto, Leontiev (1978) complementa: A decomposição de uma ação supõe que o sujeito que age tem a possibilidade de refletir psiquicamente a relação que existe entre o motivo objetivo da ação e o seu objeto. Senão, a ação é impossível, é vazia de sentido para o sujeito. Assim, se retomarmos o nosso exemplo do batedor, é evidente que a sua ação só é possível desde que reflita as ligações que existem entre o resultado que ele goza antecipadamente da ação que realiza pessoalmente e o resultado final do processo da caçada completa, e por fim o seu consumo (LEONTIEV, 1978, 79). Na busca pela sobrevivência, os homens encontraram no trabalho coletivo-social uma alternativa. Dessa ação nasce sua consciência de que é necessário planejar as ações de cada participante e também partilhar, dividir o trabalho; mas também é indispensável compreender, refletir, abstrair o significado de cada ação individual na atividade coletiva. A partir de então, a 20 consciência humana originada no e pelo trabalho social se expande para outras situações, dando subsídios para a formação do pensamento. Dessa atividade humana – trabalho social-coletivo-intencional – nasce o conhecimento; portanto, a apropriação do conhecimento pelos sujeitos é o resultado de sua ação e transformação dos objetos e fenômenos presentes no meio social-cultural-histórico, uma vez que tudo que nos rodeia tem um significado, o qual foi construído no decorrer dos tempos pelos homens. “O instrumento [...] carrega consigo, portanto, a função para a qual foi criado e o modo de utilização desenvolvido durante a história do trabalho coletivo” (OLIVEIRA, 1997, p. 29). Por outro lado, esse conhecimento de nada valeria se não fosse também compartilhado com os outros e socializado, assim como os instrumentos, os signos e os outros produtos das atividades humanas. Nesse contexto, as relações que o indivíduo estabelece com o meio que o cerca, pela intercessão dos outros no decorrer da comunicação e por intermédio das ferramentas produzidas pelos homens, tornam possível a apropriação dos conhecimentos consubstanciados nos objetos ou nos fenômenos sociais. Pino (2001), ao discutir a Teoria Histórico-Cultural, conclui que, [...] diferentemente do que ocorre com os animais, os sinais que a criancinha capta do mundo das coisas não são simples sinais físico-químicos; pela ação da fala, primeiro dos outros e mais tarde dela, esses sinais carregam-se de significação social e cultural (PINO, 2001, p. 43). Todo ambiente humano está repleto de significações, porém estas não são dadas, nem mesmo adquiridas pelo simples manuseio de objetos ou observação dos fenômenos, ao contrário disto, são apropriadas. Só é possível ocorrer evolução da sociedade humana por meio da transmissão dos conhecimentos historicamente produzidos às novas gerações. Está fora de questão que a experiência individual de um homem, por mais rica que seja, baste para produzir a formação de um pensamento lógico ou 21 matemático abstrato e sistemas conceituais correspondentes. Seria preciso não uma vida, mas mil (LEONTIEV, 1978, p. 266). Leontiev (1978, p. 274), sobre este aspecto, faz uma importante indagação: “Mas todos têm acesso a estas aquisições?”. A resposta a esta pergunta, infelizmente, não é afirmativa. Esta desigualdade não é devida estritamente às diferenças biológicas, mas, principalmente, ao fato dos indivíduos pertencerem a diferentes classes sociais, de modo que os menos privilegiados, geralmente, não têm igual acesso aos bens culturais. A desigualdade cultural entre os diversos grupos humanos pode ser refletida por meio da seguinte ressalva de Leontiev (1978, p. 274 ): Se um ser inteligente vindo de outro planeta visitasse a Terra e descrevesse as aptidões físicas, mentais e estéticas, as qualidades morais e os traços do comportamento de homens pertencentes às classes diferentes, dificilmente se admitiria tratar-se de representantes de uma mesma espécie. Refletindo sobre a importância do meio social e cultural no qual o sujeito está inserido, Vygotsky e seus seguidores expandiram sua teoria à área educacional, visando à formação integral dos indivíduos e, conseqüentemente, possibilitando que cada sujeito participe de atividades coletivas desenvolvidas na sociedade. Com o intuito de conhecer melhor a relevância do trabalho de Vygotsky para a área da educação, o tema mediação pedagógica será o próximo conceito estudado. 1.2 Mediação pedagógica: a relação entre professor, conhecimento e aluno Dentre os estudiosos “interacionistas”, Vygotsky se destaca ao ressaltar a influência do meio cultural no processo do desenvolvimento humano. Ele vai além dos limites do plano puramente biológico, ao explicar que a relação do homem com o meio que o cerca não é direta, mas sim, mediada por instrumentos e signos, constituindo um ato complexo que supera os dualismos organismo-meio, sujeito-objeto ou, ainda, estímulo-resposta (VIGOTSKI, 2007). 22 Mediação, em termos genéricos, é o processo de intervenção de um elemento intermediário numa relação; a relação deixa, então, de ser direta e passa a ser mediada por esse elemento. Quando um indivíduo aproxima sua mão da chama de uma vela e a retira rapidamente ao sentir dor, está estabelecida uma relação direta entre o calor da chama e a retirada da mão. Se, no entanto, o indivíduo retirar a mão quando apenas sentir o calor e lembrar-se da dor sentida em outra ocasião, a relação entre a chama da vela e a retirada da mão estará mediada pela lembrança da experiência anterior. Se, em outro caso, o indivíduo retirar a mão quando alguém lhe disser que pode se queimar, a relação estará mediada pela intervenção dessa outra pessoa (OLIVEIRA, 1997, p. 26). Apesar de na espécie humana existirem ambos os tipos de memória – memória direta (memória natural) e memória indireta (mediada) –, a primeira é característica em povos iletrados, ao contrário da memória mediada, a qual é mais comumente utilizada por indivíduos letrados (VIGOTSKI, 2007). Além disto, nos primeiros meses de vida a criança apresenta uma relação direta com os estímulos externos, porém esta relação é substituída pelas relações mediadas ao longo do seu desenvolvimento (OLIVEIRA, 1997). Outro fator que está diretamente relacionado com o desenvolvimento da memória mediada é a produção de signos e instrumentos pelo homem, processo que ocorre no decorrer do desenvolvimento social (VIGOTSKI, 2007). Sobre este aspecto, o autor ainda explica que um comportamento elementar requer apenas uma relação direta entre o organismo e a situação-problema, a qual é representada pela simples fórmula estímulo→resposta (S→R). Contrariamente, em um mundo simbólico, a relação entre o estímulo (S) e a resposta (R) é intermediada pelo(s) signo(s), constituindo uma nova relação entre S e R. Para Vygotsky (2007, p. 33), esta complexa relação entre organismo (que recebe o estímulo S), signo (X) e meio (onde o organismo efetua sua reação R) pode ser representada pelo seguinte esquema: S_ _ _ _ _ _ _ _ R X 23 Vygotsky ressalta... O uso de signos conduz os seres humanos a uma estrutura específica de comportamento que se destaca do desenvolvimento biológico e cria novas formas de processo psicológicos enraizados na cultura (VIGOTSKI, 2007, p. 34). Nessa perspectiva, a apropriação do conhecimento não se dá, simplesmente, ao sujeito ou ao objeto de conhecimento, nem mesmo pela relação que o sujeito estabelece com este objeto, mas pela mediação social, do outro ou de um signo, que se assenta entre ambos: sujeito e objeto. Para Elkonin, esta relação é, na verdade, “criança-objeto social”, uma vez que no objeto não estão “escritos” sua origem, os procedimentos de ação com ele e os procedimentos de sua reprodução (ELKONIN, 1987, p. 113). A aprendizagem, então, é uma atividade social, e é no decorrer das interações estabelecidas entre os sujeitos que as atividades mentais, práticas, culturais e simbólicas, objetivadas no meio social, são apropriadas, tornando-se próprias dos indivíduos (VIGOTSKI, 2007). O autor esclarece ainda que “[...] todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível social, e, depois, no nível individual, primeiro, entre pessoas (interpsicológica), e, depois, no interior da criança (intrapsicológica)” (VIGOTSKI, 2007, p. 57-58). Portanto, o processo de aprendizagem acontece “de fora para dentro” (OLIVEIRA, 1997, p. 39). Primeiramente o indivíduo interpreta as ações, comportamentos, palavras e gestos alheios realizados em um determinado meio sociocultural; em seguida os significados destas ações, gestos e palavras são reconstruídos e começam a fazer parte dos processos psicológicos internos deste indivíduo, transformando-se em instrumentos do seu pensamento. Isto significa que o processo de apropriação do conhecimento, embora inerente a cada indivíduo, é desencadeado, impulsionado e ampliado por meio da riqueza do meio social no qual o indivíduo está inserido, bem como das relações estabelecidas com seus semelhantes. 24 Não obstante, este processo se encontra em contínua mudança, reinterpretação/ reinternalização, sendo o resultado de uma série de eventos: O desenvolvimento, neste caso, como freqüentemente acontece, se dá não em círculo, mas em espiral, passando por um mesmo ponto a cada nova revolução, enquanto avança para um nível superior (VIGOTSKI, 2007, p. 56). Neste aspecto, considerando os conhecimentos científicos sistematizados pela escola, observamos que o aprendizado de um conceito não é um processo limitado, pois será reelaborado tanto nos diferentes níveis de escolarização como por meio das interações entre os semelhantes fora do ambiente escolar. “Dificilmente podemos dizer que a aprendizagem de um conceito está concluída” (ZABALA, 1998, p. 204). Além disto, a internalização não é um processo passivo, mas sim, um “palco de negociações”, no qual cada indivíduo participa ativamente no seu meio social, bem como na sua interação subjetiva – mediada pelo “mundo cultural” (OLIVEIRA, 1997, p.38). Nesta perspectiva, os papéis do professor e dos alunos nos processos de ensino e aprendizagem apresentam significativa diferença. Ao professor não basta transmitir, repassar conteúdos para estudantes que se comportem como meros receptores passivos. A função do professor é mediar, intervir, orientar, provocar, dar pistas, criar condições oportunas para o aluno se apropriar de conceitos, transformá-los, reelaborar conceitos sistematizados, tornando-se sujeito ativo no processo de apropriação do conhecimento. Apesar de, na maioria das vezes, nos depararmos com um ensino pautado na transmissão de conteúdos fragmentados e dissociados da vida cotidiana dos estudantes, exigindo apenas a memorização de termos e palavras, esse método vem demonstrando sua deficiência na promoção e no desenvolvimento do pensamento conceitual (CORAZZA-NUNES et al., 2006). Os educadores não podem limitar-se à transmissão de um programa de conhecimentos enciclopédicos temporariamente retidos pelos alunos, mas devem, em primeiro lugar, organizar e gerenciar o fluxo contínuo de conhecimentos para que esses possam ser mobilizados na resolução 25 de problemas e entendimento de situações que fazem parte da realidade atual (GIORDAN e VECCHI, 1996, p.11). Ao escrever sobre a mediação pedagógica, Libâneo (1987) enfatiza... [...] há um professor que intervém, não para se opor aos desejos e necessidades ou à liberdade e autonomia do aluno, mas para ajudá-lo a ultrapassar suas necessidades e criar outras, para ganhar autonomia, para ajudá-lo no seu esforço de distinguir a verdade do erro, para ajudá-lo a compreender as realidades sociais e sua própria experiência (LIBÂNEO, 1987, p. 44). Desta forma, a relação entre professor, aluno e objeto de conhecimento se torna essencial nos processos de ensino e aprendizagem, e o triângulo de Vygotsky para explicar a mediação semiótica equivale, aqui, ao “triângulo pedagógico” utilizado por Gasparin (2003, p. 114) para ressaltar o papel mediador do docente. ALUNO Sujeito social do conhecimento científico CONTEÚDO Objeto social do conhecimento científico PROFESSOR Mediador social do conhecimento científico O conhecimento científico sistematizado é mediado pelas ações docentes e discentes, intencionalmente organizadas na sala de aula, e, principalmente, pelas interações estabelecidas entre professor e aluno. 26 Nestas interações, a linguagem se apresenta como o principal sistema simbólico utilizado pelos grupos humanos, e é por meio dela que os conhecimentos produzidos pela humanidade são veiculados. Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra apóia-se sobre o meu interlocutor (BAKHTIN, 1990, p. 113). Na escola, a interação discursiva, envolvendo os conceitos sistematizados, gradativamente constrói “[...] um contexto argumentativo, que dialeticamente propicia a elaboração de novas aproximações ao significado” (CANDELA, 1998, p.162). Portanto, quando o aluno participa de um ambiente em que há diversidade de opiniões e argumentos, o pensamento e o discurso individuais podem ser mais ricos, desde que o professor apresente aos alunos situações-problema que os façam pensar, falar e agir. Docente, alunos e conteúdos se relacionam na sala de aula através de um riquíssimo conjunto de práticas não lingüísticas, porém, é sem dúvida a linguagem natural o meio através do qual se produz a parte mais significativa do processo de ensino-aprendizagem (GALAGOVSKY et al., 1998, p.317). Não devemos nos esquecer, porém, como alerta Vygotsky (2007), de que o ensino só tem sentido se for organizado de forma a promover a aprendizagem nos alunos e, conseqüentemente, o desenvolvimento das capacidades psíquicas: memória, atenção, percepção e raciocínio. O autor ainda ressalta que “o “bom aprendizado” é somente aquele que se adianta ao desenvolvimento” (VIGOTSKI, 2007, p. 102). De acordo com a Teoria Histórico-Cultural, há dois níveis de desenvolvimento: o nível de desenvolvimento real e nível de desenvolvimento potencial. No primeiro o indivíduo consegue utilizar conceitos, resolver problemas de forma independente; já no nível potencial, os indivíduos só completam a atividade com a orientação de pessoas mais capazes. Essa distância entre ambos 27 os níveis de desenvolvimento foi denominada por Vygotsky como zona de desenvolvimento proximal (ZDP), e se refere ao caminho remanescente para atingir o desenvolvimento real. [...] aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão presentemente em estado embrionário. Essas funções poderiam ser chamadas de “brotos” ou “flores” do desenvolvimento, ao invés de “frutos” do desenvolvimento (VIGOTSKI, 2007, p. 98). Na prática pedagógica a implicação dessa concepção é imediata, pois o professor que tem conhecimento sobre os conceitos já apreendidos pelo aluno e aqueles que ainda estão em processo de desenvolvimento apresenta melhores condições de dirigir o ensino para etapas intelectuais mais avançadas (OLIVEIRA, 1997). Todo docente deveria iniciar os processos de ensino e aprendizagem tomando como referência o que os estudantes já sabem, ou seja, o que já faz parte do seu nível de desenvolvimento real, em direção aos processos ainda não amadurecidos, os quais se encontram no nível de desenvolvimento potencial. Vale aqui ressaltar que o ensino que se volta apenas para aprendizados já atingidos torna-se ineficaz. Não obstante, como ressaltam Giordan e Vecchi (1996, p. 75), ainda tem sido pouco considerado no ensino científico “o público ao qual se dirige” o ensino e sua “estrutura de recepção”, isto é, suas concepções, interesses e o modo pelo qual aprende e, principalmente, suas dificuldades. Na verdade, o que o estudante não sabe fazer sem ajuda de outros é, muitas vezes, mais indicativo do que suas capacidades já amadurecidas, pois “[...] aquilo que é zona de desenvolvimento proximal hoje, será o nível de desenvolvimento real amanhã – ou seja, aquilo que uma criança pode fazer com assistência hoje, ela será capaz de fazer sozinha amanhã” (VIGOTSKI, 2007, p. 98). Diante disto, o erro cometido pelo aluno em sala de aula recebe novas significações, tornando-se um valioso instrumento para o professor organizar os processos de ensino e 28 aprendizagem, ao possibilitar a compreensão de como cada estudante está utilizando ou relacionando os diversos conceitos e como os emprega em situações-problema que extrapolam o ambiente escolar. O erro, assim concebido, “[...] deixa de representar a ausência de conhecimentos, a deficiência, a impossibilidade, a falta” (ESTEBAN, 2003, p. 21). Quando desconhece a prática social inicial dos estudantes e os processos psicológicos envolvidos no desenvolvimento do pensamento conceitual, o professor perde a oportunidade de orientar e direcionar o ensino, de modo a possibilitar o desenvolvimento de novas ZDPs. O ensino assentado apenas na reprodução de conteúdos fragmentados e dissociados do contexto social e cultural dos alunos é infrutífero e, por isso mesmo, é facilmente esquecido (CORAZZANUNES et al., 2006). Conseqüentemente, mesmo após terem estudado em vários níveis de complexidade temas como ambiente, constituição dos seres vivos e suas respectivas classificações, metabolismo celular, entre outros, os estudantes continuam apresentando dificuldades em pensar com esses conceitos, ou seja, não os generalizam. Estudos têm demonstrado que alunos da etapa final da educação básica apresentam dificuldades em compreender a composição química, a localização e função do material genético, bem como em estabelecer relações entre DNA, RNA, cromossomos, genes e síntese de proteínas, o que impossibilita a aprendizagem dos mecanismos de transmissão e expressão de características hereditárias (PEDRANCINI et al., 2007). Semelhantemente, estudos nacionais e internacionais revelaram que a maioria dos estudantes do ensino médio apresenta uma idéia sincrética – portanto, pouco definida – sobre célula, confundindo este conceito com os de átomo, molécula e tecido (BASTOS, 1992; CABALLER; GIMÉNEZ, 1993; GIORDAN; VECCHI, 1996). Além disto, para muitos alunos a relação entre seres vivos e células existe apenas nos seres humanos ou ainda, mamíferos e invertebrados possuem uma única célula, caracterizando os vegetais como destituídos destas (SILVEIRA, 2003). Portanto, é necessário considerar que nos processos de ensino e aprendizagem “[...] os conceitos científicos não são assimilados nem decorados pela criança [...] mas surgem e se 29 constituem por meio de uma imensa tensão de toda atividade de seu próprio pensamento” (VIGOTSKI, 2001a, p. 260). [...] um conceito é mais do que a soma de certos vínculos associativos formados pela memória, é mais do que um simples hábito mental; é um ato real e complexo de pensamento que não pode ser aprendido por meio de simples memorização [...] (VIGOTSKI, 2001a, p. 246). Nesse cenário, os procedimentos estabelecidos intencionalmente na escola com vista à promoção dos estudantes são intervenções necessárias à internalização de conhecimentos e, principalmente, para o desenvolvimento do pensamento conceitual dos alunos. O ato de aprender não se resume em repetir palavras e definições encontradas nos livros didáticos ou utilizadas no discurso do professor, mas, ao contrário, é alcançado quando o conhecimento científico estudado se torna instrumento do pensamento do estudante, ou seja, quando este consegue falar do conceito, pensar com o conceito, abstrair o conceito e, principalmente, generalizá-lo em variadas situações que extrapolam o ambiente escolar. Ao ensinar ciência, ou qualquer outra matéria, não queremos que os alunos simplesmente repitam as palavras como papagaios. Queremos que sejam capazes de construir os significados essenciais com suas próprias palavras e em palavras ligeiramente diferentes como requer a situação. As palavras fixas são inúteis, as palavras devem transformar e serem flexíveis para cumprir as necessidades do argumento, problema, uso, ou aplicação do momento (LEMKE, 1997, p.105). Cabe então à escola promover um ensino que possibilite o desenvolvimento do pensamento conceitual dos estudantes, capacitando-os à apropriação de conhecimentos científicos com base nos quais possam tomar decisões conscientes e esclarecidas. 30 1.3 O processo de formação de conceitos na perspectiva da Teoria Histórico-Cultural 1.3.1 Estudos experimentais sobre o processo de formação de conceitos De acordo com Natadze, (1991, p.27), “a maior dificuldade para uma criança reside na descoberta dos aspectos essenciais de um conceito e na compreensão da sua importância”, principalmente quando “as imagens visuais correspondentes não coincidem com o conteúdo do conceito, mas estão em contradição com ele”. Com o intuito de elucidar esse fenômeno da ontogênese dos conceitos, inerente à espécie humana, muitos estudos foram conduzidos no início do século passado por psicólogos alemães como Ach, Rimat e Uznadze. Entretanto, embora extensamente estudada, a natureza psicológica da formação de conceitos somente pôde ser melhor compreendida por meio dos experimentos realizados por Vygotsky e colaboradores. Em seu estudo, Vygotsky (2001a, 2001b) analisou como se processa a formação de conceitos em crianças, adolescentes e adultos, comparando o desenvolvimento de conceitos espontâneos e científicos. Nessas obras, denomina de científico todo conhecimento sistematizado construído socialmente e apropriado em situações de ensino e aprendizagem na escola, resultando no desenvolvimento das capacidades superiores, tais como atenção, memorização, abstração, generalização, imaginação, entre outras. Contrariamente, conceitos espontâneos, para o autor, referem-se àqueles elaborados em situações e ambientes informais, no decorrer das experiências práticas e cotidianas dos indivíduos, por meio de suas percepções sensoriais. Para investigar o processo de formação de conceitos, Vygotsky se baseou no método denominado de dupla estimulação, formação de conceitos artificiais ou método de Sákharov, uma vez que foi desenvolvido por L. S. Sákharov, um de seus colaboradores. Esse método é composto por várias figuras geométricas de cores, formas, alturas e tamanhos diferentes, identificadas, na parte inferior, por palavras artificiais. Os objetos utilizados nessa pesquisa podem ser observados no quadro abaixo (FIGURA 1). 31 Figura 1: Método de Sákhavov (VIGOTSKI, 2001 apud MONTEIRO, 2006, p. 42) * As iniciais representadas nas figuras designam as cores: amarelo (A), branco (B), marrom (M), verde (V) e negro (N). Cada uma dessas figuras é identificada por uma das quatro palavras artificiais CEV, MUR, BIK e LAK, as quais significam, respectivamente, objetos estreitos e pequenos; largos e pequenos; estreitos e grandes; largos e grandes, porém, sem sentido para os sujeitos experimentais. Esse método compreende as seguintes etapas: - Algumas figuras geométricas (como as representadas na Fig. 1), identificadas em sua parte inferior por uma das palavras artificiais – LAK, BIK, MUR ou CEV–, relacionadas com suas características externas, são disponibilizadas aos sujeitos da pesquisa, os quais desconhecem os significados dessas palavras. 32 - Outras figuras geométricas são apresentadas e é proposto ao sujeito que escolha as que, em sua opinião, devem ser denominadas com as palavras LAK, BIK, MUR ou CEV. - A cada tentativa do sujeito, o experimentador verifica a coerência ou não do agrupamento realizado e, em caso de erro, mostra uma nova figura que possui o mesmo nome da figura utilizada como amostra. De acordo com Luria (1994, p.45-46), a vantagem desse método é que em cada nova tentativa o sujeito é colocado “[...] diante da tarefa de lançar uma nova hipótese e se antes ele escolhera um grupo de figuras semelhantes à primeira pela forma, agora ele seleciona um grupo de outras figuras, semelhantes pela cor ou pelo tamanho”. Esse procedimento possibilitou a Vygotsky e colaboradores observarem as hipóteses formuladas pelo sujeito para realizar os agrupamentos e os significados que foi atribuindo às palavras artificiais no decorrer do teste. Além disso, permitiu-lhes acompanhar a evolução do pensamento conceitual dos sujeitos e realizar um estudo profundo e minucioso de como se processa a formação de conceitos, em nível ontogenético, e o reconhecimento das funções psíquicas envolvidas nesse processo. Por meio desses estudos experimentais, aplicados em aproximadamente trezentas pessoas, entre elas crianças, adolescentes e adultos, Vygotsky e seus colaboradores chegaram à conclusão de que a formação de conceitos na mente humana está diretamente relacionada às etapas de seu desenvolvimento e seguem uma lei genérica, segundo a qual... [...] o desenvolvimento dos processos que finalmente culminam na formação dos conceitos começa na fase mais precoce da infância, mas as funções intelectuais que, numa combinação específica, constituem a base psicológica do processo de formação de conceitos amadurecem, configuram-se e se desenvolvem somente na puberdade (VIGOTSKI, 2001a, p. 167). Levando-se em conta as diferentes formas de generalização e abstração, o processo de formação de conceitos espontâneos e sua evolução em conceitos científicos, iniciado na infância 33 e concluído na fase adulta dos sujeitos, é constituído por três estágios, os quais Vygotsky (2001a) denomina de sincrético ou amontoado de objetos, complexo e conceito. Para o autor, a formação dos conceitos espontâneos na criança ocorre, principalmente, nos dois primeiros estágios, ao contrário do conhecimento científico, o qual é elaborado apenas no final do terceiro e último estágio, quando o indivíduo se encontra na adolescência. O primeiro estágio de formação do conceito, que geralmente se manifesta entre crianças de tenra idade, caracteriza-se pela elaboração de idéias, concepções ou formas elementares de pensamento, que apresentam uma organização difusa e não direcionada do significado da palavra. Nesta fase, é particularmente difícil para a criança assimilar as características essenciais de um objeto, uma vez que ela só consegue estabelecer nexos vagos, baseados em relações subjetivas e emocionais originadas de suas próprias impressões, as quais são confundidas com as características dos objetos. Entretanto, como observa Vygotsky (2001a), o estágio do sincretismo pode se apresentar em três momentos distintos, no decorrer dos quais “os nexos que no início são estabelecidos por tentativa e erro, passam a ser determinados por contigüidade no tempo ou no espaço, e depois, por agrupamentos elaborados nos estágios mais primitivos” (NUÑEZ; PACHECO, 1997, p.16). A primeira fase do sincretismo é caracterizada pela incapacidade da criança de classificar ou categorizar o grupo de objetos utilizando qualquer princípio hipotético. Nessa fase os objetos são reunidos casualmente pela criança em um mesmo grupo, por meio de algumas provas, que são substituídas tão logo se verifique que estão erradas (VIGOTSKI, 2001a). Na segunda fase de formação sincrética dos conceitos, “as leis puramente sincréticas da percepção do campo visual e a organização da percepção da criança mais uma vez desempenham um papel decisivo” (VIGOTSKI, 2001a, p. 177). As relações subjetivas originadas na percepção dos indivíduos continuam essenciais para a caracterização de um amontoado de objetos que, ao contrário da fase anterior, são agrupados e revestidos de um significado comum. 34 A terceira e última fase desse primeiro estágio de desenvolvimento dos conceitos se refere a um momento muito importante de todo o processo: é a porta de entrada para um nível intelectual mais elaborado. Sobre este período, Vygotsky (2001a, p. 177) observa que... [...] é a fase em que a imagem sincrética, equivalente ao conceito forma-se em uma base mais complexa e se apóia na atribuição de um único significado aos representantes dos diferentes grupos, antes de mais nada daqueles unificados na percepção da criança. Nesse momento, a criança utiliza-se de suas impressões para estabelecer amontoados sincréticos de objetos que anteriormente faziam parte de outros grupos incoerentes, apresentando o que Vygotsky (2001a) denomina de elaboração biestadial, ou seja, uma dupla percepção de vínculos. Entretanto, como característica desse estágio, os vários elementos integrantes de um grupo formado ainda não apresentam qualquer relação entre si, constituindo o mesmo agrupamento desconexo das fases anteriores. O desenvolvimento dos conceitos por complexo, o segundo grande estágio desse processo, apresenta, pela sua posição intermediária, características que se aproximam tanto da etapa que lhe antecede como da que lhe sucede. Nesse estágio de formação de conceitos, assim como no último, estão presentes o estabelecimento de relações, a unificação, a generalização, a ordenação e a sistematização. Entretanto, as funções intelectuais empregadas em cada nível de desenvolvimento apresentam consideráveis diferenças. Nas palavras de Vygotsky (2001a, p. 180), “como um conceito, o complexo é a generalização ou a unificação de objetos heterogêneos concretos. Mas o vínculo através do qual se constrói essa generalização pode ser do tipo mais variado”. Assim como no sincretismo, esse estágio conduz à formação de vínculos entre os elementos, porém esses vínculos são estabelecidos com base em fatos objetivos, que realmente existem entre tais elementos, e não em conexões puramente subjetivas, constituídas nas impressões dos sujeitos (VIGOTSKI, 2001a). 35 Assim, esta etapa da ontogênese dos conceitos se caracteriza pela construção de complexos, de grupos de objetos, com base na semelhança física ou funcional entre eles ou, ainda, em qualquer outro vínculo factual entre tais objetos, os quais, muitas vezes, não apresentam nada de comum entre si. Um exemplo prático dessa etapa pode ser encontrado no trabalho de Luria (1994) sobre a formação de conceitos, apresentado em sua obra Linguagem e Pensamento. Nessa investigação, Luria, inicialmente, entregou às crianças figuras de objetos variados e lhes pediu que as separassem, formando pequenos grupos ou categorias com as figuras dadas. Ao final do experimento, Luria observou que as crianças de idade pré-escolar reuniram as diferentes figuras de acordo com semelhanças externas, como a cor ou forma, por exemplo, ou utilizaram características funcionais dos elementos. Destarte, os objetos “prato”, “faca”, “garfo”, “pão” e “mesa” foram reunidos em um mesmo grupo, por possuírem funções relacionadas à refeição; ou seja, essas crianças ainda se encontravam no estágio de complexos de formação de conceitos. Em relação a esse estágio, as investigações de Vygotsky permitiram observar cinco fases constituintes da formação conceitual por complexo, considerando as variações no grau de generalização empregado pela criança. A primeira fase de complexo, denominada tipo associativo, refere-se ao período em que a criança se baseia em qualquer vínculo factual para agrupar as figuras geométricas. O pensamento ainda se apresenta desordenado, pois “[...] a criança pode construir todo um complexo, acrescentar ao objeto nuclear um outro que tenha a mesma cor, um outro que se assemelhe ao núcleo pela forma, ao tamanho ou a qualquer outro atributo que eventualmente lhe chame a atenção” (VIGOTSKI, 2001a, p. 182). Posteriormente a essa fase de associação por complexo, o processo de formação de conceitos evolui, caracterizando-se pela capacidade das crianças em combinar ou associar diferentes objetos que se complementam em grupos especiais, com base em algum traço concreto, constituindo um agrupamento que é totalmente heterogêneo, no qual, porém, os vários 36 objetos se intercompletam. Essa propriedade se assemelha à das coleções, motivo pelo qual esta fase é denominada por Vygotsky (2001a) de complexo-coleção. Segundo Vygotsky (2001a), a diferença essencial entre o complexo associativo e o complexo-coleção é que o agrupamento realizado neste último não é constituído de exemplares repetidos dos objetos que apresentam o mesmo indício. Sobre este aspecto o autor complementa: [...] se o complexo associativo se baseia na semelhança recorrente e obsessiva entre os traços de determinados objetos, então a coleção se baseia em vínculos e relações de objetos que são estabelecidos na experiência prática e efetiva e direta da criança. Poderíamos afirmar que o complexo-coleção é uma generalização dos objetos com base na sua co-participação em uma operação prática indivisa, com base na sua cooperação funcional (VIGOTSKI, 2001a, p. 184). Essa fase é longa e persiste durante boa parte do desenvolvimento da criança, pois está muito presente na sua experiência diária, como, por exemplo, “[...] um conjunto para o almoço formado por um garfo, uma colher, uma faca e um prato” (VIGOTSKI, 2001a, p. 184). Todavia, não só as crianças que utilizam este tipo de complexo, ele também é, freqüentemente, encontrado no discurso dos adultos (VIGOTSKI, 2001a). A próxima fase do desenvolvimento do pensamento por complexo, denominada por Vygotsky (2001a) de complexo em cadeia e, também, de conjunto seriado por Luria (1994), apresenta-se como um importante momento para a ascensão ao processo de formação de conceitos. Quando as funções intelectuais da criança se encontram na fase de complexo em cadeia os objetos são associados seguindo um determinado sentido e constituindo uma cadeia conceitual; porém, quando se analisam as figuras geométricas que constituem essa cadeia, não é possível observar uma relação significativa entre todos os objetos, uma vez que os traços considerados para o agrupamento são alterados ao longo da formação do complexo. 37 Como exemplifica Luria (1994, p. 46), no complexo por cadeia, “[...] para uma pequena pirâmide verde escolhe-se uma grande pirâmide azul (pelo traço de forma), para esta, um grande cilindro azul (pelo traço de cor), escolhendo-se para o cilindro azul um pequeno cilindro amarelo (pelo traço da forma), etc”. A quarta fase do pensamento por complexo ou complexo difuso se caracteriza pelo emprego de um traço difuso, indefinido, confuso, para agrupar os objetos. Nesta fase, a criança, diante de uma amostra de objetos com várias formas geométricas, constitui um agrupamento considerando não só os triângulos, por exemplo, mas, também, os trapézios, os quais lembram os primeiros, e em seguida inclui os quadrados aos trapézios, os hexágonos aos quadrados, e assim sucessivamente (VIGOTSKI, 2001a). Não obstante, apesar de esta fase apresentar como característica essencial um pensamento ainda, confuso, ela pode ser considerada uma grande evolução no processo de formação de conceitos. Nas palavras de Vygotsky: Sabemos que as aproximações inesperadas, freqüentemente inteligíveis ao adulto, que saltos no pensamento, que generalizações arriscadas e que passagens difusas a criança descobre freqüentemente quando começa a raciocinar ou pensar além dos limites do seu mundinho direto e da sua experiência práticoeficaz (VIGOTSKI, 2001a, p. 189). Para finalizar o segundo estágio por complexo do desenvolvimento dos conceitos, há, ainda, a fase chamada de pseudoconceito. Este período é uma ponte transitória entre o pensamento por complexo e pensamento por conceito, apresentando características de ambos os estágios. As generalizações formadas pelas crianças nessa etapa, apesar de se assemelharem ao conceito empregado por outros em níveis mais altos de elaboração, são diferentes do conceito propriamente dito e se apóiam em operações intelectuais bem diferentes. “Em termos externos, temos diante de nós um conceito, em termos internos, um complexo. Por isso, o denominamos pseudoconceito” (VIGOTSKI, 2001a, p. 190). Nessa fase, portanto, como observa Vygotsky (2001a) em seus experimentos, a criança agrupa todos os triângulos em uma mesma amostra, porém, não com base no pensamento abstrato 38 do significado do conceito de triângulo, mas sim, com a utilização de vínculos diretos factuais e concretos. Em outras palavras, a criança realiza associações características do estágio final da formação de conceitos, mas o caminho para se chegar a esse resultado é inteiramente distinto deste. Sobre essa fase, Vygotsky acrescenta: Encontrar o limite que separa o pseudoconceito do verdadeiro conceito é sumamente difícil, quase inacessível à análise fenotípica puramente formal. A julgar pela aparência, o pseudoconceito tem tanta semelhança com o verdadeiro conceito quanto a baleia com um peixe. Mas se recorrermos à ‘origem das espécies’ das formas intelectuais e animais, o pseudoconceito deve ser tão indiscutivelmente relacionado ao pensamento por complexos quanto à baleia aos mamíferos (VIGOTSKI, 2001a, p. 195). Essa fase, ainda presente no plano dos conceitos espontâneos, constitui a forma de pensamento mais disseminada entre crianças e adolescentes, e, além de representar um momento muito importante para a formação de conceitos, permite a compreensão mútua e a comunicação verbal entre os adultos – que pensam por conceitos – e crianças e adolescentes, que pensam por complexos, os quais se entendem no diálogo, embora, as palavras não tenham os mesmos significados para ambos. Um exemplo dessa fase pode ser observado no emprego da palavra “cão” pela criança, adolescente e adulto, os quais, em um diálogo, se entendem e relacionam a palavra a um mesmo referencial, mesmo que um utilize o pensamento por complexo concreto de cão e o outro o significado abstrato desse termo (VIGOTSKI, 2001a). O terceiro estágio de formação de conceitos, denominado de pensamento por conceito, o qual só é estabelecido na adolescência, ocorre quando se forma o conceito propriamente dito, isto é, quando o conceito se torna instrumento do pensamento do sujeito, permitindo a combinação, a generalização, a discriminação, a abstração, o isolamento, a decomposição, a análise e a síntese, funções fundamentais para a apropriação dos conceitos científicos e o desenvolvimento das capacidades psíquicas superiores. 39 Somente os sujeitos que se encontram nessa fase de desenvolvimento conseguem finalizar o jogo com sucesso, descobrindo e compreendendo o significado das palavras artificiais (LAK, BIK, MUR, CEV). Não obstante, assim como nos estágios anteriores, este também apresenta subestágios de desenvolvimento, sendo completado no decorrer de três fases. Em um primeiro momento, o pensamento por conceito se aproxima muito do pseudoconceito, passando pela fase de conceitos potenciais, caracterizada pela possibilidade de se formarem os conceitos, os quais são internalizados na reta final “quando uma série de atributos abstraídos torna a sintetizar-se, e quando a síntese abstrata assim obtida se torna a forma basilar de pensamento com a qual a criança percebe e toma conhecimento da realidade que a cerca” (VIGOTSKI, 2001a, p. 226). Sobre o movimento do pensamento conceitual dos sujeitos, Vygotsky (2001a, p. 228) ressalta: [...] com o avanço da adolescência, as formas primitivas de pensamento – sincréticas e por complexos – vão sendo gradualmente relegadas a segundo plano, o emprego dos conceitos potenciais vai sendo cada vez mais raro e se torna cada vez mais freqüente o uso dos verdadeiros conceitos, que no início apareciam esporadicamente. Além de estabelecer esses estágios constituintes do processo de formação de conceitos, Vygotsky (2001a), por meio dos seus experimentos, pôde também demonstrar que é através do dinamismo da linguagem que ocorre o direcionamento e o desenvolvimento das generalizações da criança, respeitando-se, no entanto, a maturação natural de suas funções intelectuais. Portanto, as crianças não criam uma linguagem, mas sim, assimilam as palavras prontas que são veiculadas pelos adultos. Nas palavras de Vygotsky, As vias de disseminação dos significados das palavras são dadas pelas pessoas que a rodeiam no processo de comunicação verbal com ela. Mas a criança não pode assimilar de imediato o modo de pensamento dos adultos, e recebe um produto que é semelhante ao produto dos adultos porém obtido por intermédio de operações intelectuais inteiramente diversas e elaborado por um método de pensamento também muito diferente (VIGOTSKI, 2001a, p. 193). 40 Os estudos de Vygotsky sobre a formação de conceitos foram posteriormente ampliados por seus colaborados, destacando-se os trabalhos de Luria, Leontiev, Galperin e Natadze. Natadze (1991), em seu artigo Aprendizagem dos conceitos científicos na escola, trouxe grandes contribuições ao entendimento da ontogênese ao repetir os experimentos realizados por Vygotsky usando como referenciais conceitos verdadeiros, ao invés do método de Sákharov, constituído por figuras geométricas e conceitos artificiais. Para observar e estudar a formação e assimilação dos conceitos, Natadze (1991) acompanhou esse processo em alunos do nível fundamental de ensino em relação a quatro conceitos muito conhecidos pelas crianças antes mesmo de ingressarem na escola: mamífero, peixe, ave e inseto. O desenvolvimento da investigação de Natadze (1991) compreendeu quatro fases. Na primeira fase, definições e características simplificadas foram fornecidas aos sujeitos da pesquisa sobre os conceitos de mamífero, peixe, ave e inseto, por meio de figuras de animais correspondentes aos quatro grupos estudados. Além disso, foram acrescentadas comparações, principalmente entre mamífero e peixe e mamífero e ave. Na segunda fase, a partir de uma série de desenhos de animais foi solicitado que os alunos os classificassem como mamíferos, peixes, aves ou insetos, explicando o porquê de suas escolhas. As explicações dos estudantes foram conduzidas por meio de questões, como, por exemplo: “Por que pensa que isto é um peixe?; isto pode ser um mamífero?; por que não pode ser?” (NATADZE, 1991, p. 29). Em caso de erros, o experimentador os corrigia. Na terceira fase foram apresentados aos alunos desenhos e figuras de animais que, levando-se em consideração seus aspectos externos, pareciam pertencer a determinado grupo, porém, pela análise de suas características essenciais, pertenciam a outro grupo animal. Essa fase pode ser explicada com o exemplo da comparação entre a baleia e os peixes: O fenótipo da baleia 41 é muito semelhante ao dos peixes, mas na sua essência, a baleia é um mamífero. Durante essa atividade, perguntas-guia e explicações foram realizadas com o intuito de auxiliar as crianças. Na quarta fase, por meio de um colóquio verificou-se se os sujeitos da pesquisa ainda se deixavam influenciar pelas características externas dos animais ou se já consideravam suas características essenciais ao classificá-los. Ao final do experimento, Natadze (1991) verificou que cada faixa etária apresentou um progresso característico, o que foi identificado também por Vygotsky em seus estudos sobre a formação de conceitos (2001a). As crianças entre sete e onze anos de idade, na sua grande maioria, apesar de terem reconhecido as características essenciais de cada grupo animal e até identificarem seus respectivos representantes típicos, demonstraram basear-se exclusivamente nos aspectos externos dos animais, no momento de classificá-los. Nessa faixa etária, foi comum encontrar crianças que incluíam a baleia no grupo dos peixes e o morcego no das aves, opinião que persistia em algumas crianças mesmo após a intervenção do experimentador (NATADZE, 1991). Portanto, as funções intelectuais dessas crianças ainda se encontravam no estágio de pensamento sincrético ou por complexo, isto é, os conceitos espontâneos predominavam sobre os científicos. Diferentemente, os adolescentes com idade entre doze e quinze anos demonstraram encontrar-se nas fases finais do processo de formação de conceitos e estar caminhando para a compreensão dos conceitos científicos de mamífero, peixe, aves e insetos. Esses resultados vão ao encontro da reflexão de Vygotsky de que apenas na adolescência ocorre a maturação da base psicológica necessária para a apropriação e elaboração de conceitos científicos. Somando-se aos resultados de Vygotsky (2001a) e Natadze (1997), podemos também mencionar os estudos de Luria na área de ontogênese, destacados na obra Curso de psicologia geral, volume IV, de 1994. 42 Para o desenvolvimento de seus experimentos, Luria utilizou como sujeitos participantes da pesquisa três grupos distintos em relação à faixa etária e ao grau de escolaridade: crianças de nível pré-escolar, adultos com alto e baixo grau de escolaridade. Utilizando-se do método de classificação livre, ou seja, da proposição de agrupar diferentes figuras em categorias, Luria (1994) pôde concluir que tanto as crianças como os adultos com baixo grau de escolaridade realizavam a tarefa de forma semelhante, agrupando as figuras por meio de vínculos externos ou funcionais dos objetos. Por outro lado, os adultos escolarizados incluíram os diferentes objetos em categorias abstratas. Portanto, apesar de o processo de formação dos conceitos poder ser concluído no final da adolescência, nem sempre os adultos conseguem chegar a este nível de generalização, uma vez que o desenvolvimento do pensamento conceitual está diretamente relacionado ao ambiente social e cultural em que o indivíduo está inserido. Sobre esta questão, Vygotsky complementa que “os próprios conceitos do adolescente e do adulto, uma vez que sua aplicação se restringe ao campo da experiência puramente cotidiana, freqüentemente não se colocam acima do nível de pseudoconceitos” (VIGOTSKI, 2001, p. 229). Em suas pesquisas, Vygotsky se dedicou ao estudo da função da linguagem como elemento principal e determinante para a formação de conceitos e, conseqüentemente, para a evolução do pensamento conceitual, mas não chegou a estendê-los ao papel das ações, das soluções de tarefas, ou seja, das atividades práticas no desenvolvimento psíquico dos indivíduos. Vygotsky, em sua análise do processo de formação de conceitos, não potencializou em toda a dimensão a ação do sujeito, o que não lhe permitiu esclarecer o sistema individual de conceitos como resultado da atividade concreta do aluno, orientada para a realidade (objetos e fenômenos da realidade), cujas características essenciais estão refletidas nos conceitos (NUÑEZ; PACHECO, 1998, p. 95). Após a morte de Vygotsky continuaram as investigações sobre a formação de conceitos, além dos estudos de Luria, com as pesquisas desenvolvidas por Leontiev e Galperin, as quais ressaltam que a organização de atividades específicas no ambiente escolar é necessária e 43 determinante no processo de formação e internalização de conceitos científicos. De acordo com estes dois últimos autores, crianças de idade escolar podem chegar ao mais alto nível de abstração e generalização dos conceitos antes mesmo da adolescência, dependendo das atividades desenvolvidas na escola (NUÑEZ; PACHECO, 1997; 1998). Os estudos realizados por Leontiev e colaboradores, sumarizados na Teoria da Atividade, permitiram observar que a internalização de conceitos, indiscutivelmente, deve estar intimamente relacionada a uma atividade, ou seja, as ações realizadas externamente são transformadas em atividades da psique interna (NUÑEZ; PACHECO, 1998; VIGOTSKI; LÚRIA; LEONTIEV, 2006). Sobre sua teoria Leontiev ressalta: Para aprender conceitos, generalizações, conhecimentos, a criança deve formar ações mentais adequadas. Isso supõe que tais ações se organizem de modo ativo. Inicialmente, assumem a forma de ações externas que os adultos formam nas crianças, e só mais tarde é que se transformam em ações mentais internas (LEONTIEV, 1991 apud NUÑEZ; PACHECO, p. 96). As conclusões de Leontiev instigaram Galperin a estudar exaustivamente o processo de transformar as ações externas em internas e a propor uma metodologia baseada na atividade empregada como prática pedagógica para promover a assimilação dos conceitos científicos. Os estudos de Galperin constituíram a Teoria da Assimilação. Cada tipo de atividade é um sistema de ações unidas por um motivo que, em conjunto, assegura o alcance do objetivo da atividade que se assimila. O processo de assimilação do conceito é também o processo de sua aplicação em forma de atividade. A qualidade dos conhecimentos é determinada pelo tipo de atividade que se utiliza para sua assimilação (NUÑEZ; PACHECO, 1998, p. 97). Apoiando-se nos conhecimentos consolidados na Teoria Histórico-Cultural e em suas investigações, Galperin e seus colaboradores demonstraram que os conceitos sistematizados são assimilados facilmente pelos estudantes quando o ensino escolar é organizado com base em três momentos fundamentais: etapa de formação da ação do plano material ou materializado, etapa de 44 formação da ação no plano da linguagem externa e etapa mental (MENCHINSKAIA, 1960; NUÑEZ; PACHECO, 1997; 1998; REZENDE; VALDES, 2006). De acordo com Galperin, a etapa de formação da ação do plano material ou materializado consiste na realização de atividades, de ações, porém no plano externo, considerando como ponto de partida o conhecimento a ser assimilado que é apresentado pelo professor em forma de situação-problema (NUÑEZ; PACHECO, 1998; REZENDE; VALDES, 2006). Além disso, a forma inicial da ação pode ser material ou materializada. “Na forma material, serve de objeto de estudo o mesmo objeto, enquanto na forma materializada, serve seu substituto, o modelo, que contém os aspectos essenciais do objeto de assimilação” (NUÑES e PACHECO, 1997; 1998). Sobre essa etapa do processo de assimilação, Nuñez e Pacheco ressaltam: Nessa etapa o aluno se relaciona com os próprios objetos e fenômenos, realiza com eles ações manipulativas, externas (ações, operações). Distinguindo-as, fixando-as e separando-as com a ajuda das palavras, consegue a transição para o plano mental (NUÑEZ; PACHECO, 1998, p. 104). A importância dessa etapa, segundo Galperin, é o fato de possibilitar que os alunos apliquem os conceitos estudados, e como conseqüência, promover reflexões e discussões professor-alunos e aluno-aluno acerca do significado das palavras, abrindo caminhos para o desenvolvimento da etapa seguinte, caracterizada por contemplar o nível verbal. Na etapa de formação da ação no plano da linguagem externa, o segundo momento de desenvolvimento da aula, o aluno deve realizar a mesma tarefa, porém de forma verbal ou de forma escrita. Dessa maneira, a ação se transforma em uma ação teórica, constituída por palavras, conceitos, termos, os quais passam a ser assimilados, elaborados e articulados no pensamento dos alunos. Nesse momento, “A ação vai se transformando até atingir a lógica dos conceitos e, portanto, começa a se generalizar” (NUÑEZ; PACHECO, 1998, p. 106). 45 A forma mental constitui o final do caminho das transformações das ações externas em internas e é alcançada à medida que a ação é automatizada e passa a ser realizada pelos alunos de forma independente, isto é, a ação se converte em pensamento. Portanto, Um novo conceito se assimila só através do contato com os objetos cujo conceito se forma, por ele, na direção do processo de formação de conceitos organizados às ações que os alunos realizarão com os objetos orientados aos atributos essenciais, oferecendo ao aluno os pontos de referência, mediante os quais formará a imagem dos objetos (NUÑEZ; PACHECO, 1997, p.32). Diante disso fica claro que o ensino voltado para o desenvolvimento da abstração, generalização e formação de conhecimentos científicos não deve ser apenas direcionado para a definição de conceitos e palavras, mas também para a ação, para a atividade ou aplicação, procedimentos que exigem dos alunos que trabalhem com o significado dos conceitos e com as características essenciais dos fenômenos. As teorias da Atividade e da Assimilação se converteram em um recurso metodológico muito importante para a organização de estratégias de ensino e da prática pedagógica, uma vez que, ao proporcionarem ao aluno a estruturação consciente de uma ação, asseguram-lhes, conseqüentemente, a aprendizagem dos conceitos científicos relacionados. Como ressaltam Leontiev e Galperin, o ato de interiorização de conhecimentos e conceitos – ou seja, as abstrações e generalizações – requer uma organização ativa das ações mentais da criança, no decorrer da qual ocorre a transformação da atividade externa material em atividade psíquica interna e vice-versa, formando conceitos móveis e ativos (apud NUÑEZ; PACHECO, 1997; 1998). 46 1.3.2 Conceitos científicos versus conceitos espontâneos Existem dois aspectos com os quais nos deparamos no estudo do desenvolvimento do pensamento conceitual: os conceitos científicos e os conceitos não científicos ou espontâneos. Estas categorias de conceitos foram estudadas por Vygotsky e fazem parte de pelos menos duas de suas obras: A construção do pensamento e da linguagem (2001a) e Psicologia Pedagógica (2001b). Estas categorias de conceitos são também descritas por Luria (1994): É natural que sejam totalmente distintos a estrutura dos dois tipos de conceito e o sistema dos processos psicológicos que participam da formação deles: nos conceitos “comuns” predominam as relações circunstanciais concretas, nos “científicos”, as relações lógicas abstratas. Os conceitos “comuns” se formam com a participação da atividade prática e da experiência figurado-direta, os “científicos”, com a participação determinante das operações lógico-verbais (LURIA, 1994, p. 39). Como já comentado, os conceitos espontâneos e os científicos representam momentos diferentes de um único processo de formação de conceitos, portanto apresentam algumas particularidades. De acordo com Vygotsky (2001a; 2001b), os conceitos espontâneos percorrem um caminho ascendente, ou seja, inicialmente, o indivíduo apenas possui o significado da experiência prática de determinado conceito, não conseguindo explicá-lo verbalmente. Por outro lado, a formação dos conceitos científicos ocorre no sentido descendente: o processo se inicia na escola com a apresentação de conceitos sistematizados para sua posterior aplicação concreta e generalização. [...] o conceito espontâneo da criança se desenvolve de baixo para cima, das propriedades mais elementares e inferiores às superiores, ao passo que os conceitos científicos se desenvolvem de cima para baixo, das propriedades mais complexas e superiores para as mais elementares (VIGOTSKI, 2001a, p. 346). O autor complementa: “[...] se lá a criança caminha do objeto para o conceito, aqui é forçada a fazer o caminho inverso do conceito ao objeto” (VIGOTSKI, 2001a, p. 348). 47 Esta proposição pode ser melhor compreendida mediante os exemplos utilizados por Vygotsky (2001a) acerca dos conceitos de irmão e de lei de Arquimedes para uma criança. Como nos explica o psicólogo russo, a criança, apesar de já ter uma grande experiência cotidiana e prática do conceito de irmão, possui dificuldades em resolver problemas abstratos que envolvam este conceito. Por outro lado, a criança facilmente consegue definir e relacionar os vários conceitos científicos sobre a lei de Arquimedes, aprendidos em situações de ensino, mas não consegue aplicá-los de imediato no seu dia-a-dia. Portanto, “[...] o conceito científico da criança revela a sua fraqueza justamente no campo em que o conceito de “irmão” se revela forte” e viceversa (VIGOTSKI, 2001a, p. 346). Não obstante, apesar de o conceito científico apresentar um caminho oposto ao do espontâneo, seus desenvolvimentos estão intimamente relacionados, de forma que um se encontra subordinado ao outro, apresentando uma relação indissociável. [...] independentemente de falarmos do desenvolvimento dos conceitos espontâneos ou científicos, trata-se do desenvolvimento de um processo único de formação de conceitos, que se realiza sob diferentes condições internas e externas mas continua indiviso por sua natureza e não se constitui da luta, do conflito e do antagonismo entre duas formas de pensamento que desde o início se excluem (VIGOTSKI, 2001a, p.261). Para Vygotsky (2001b), a aquisição integral do conceito científico ocorre somente quando o conceito espontâneo tiver atingido determinado estágio de desenvolvimento. Este evento pode ser observado no estudo de uma língua estrangeira, pois para iniciar o estudo de outro idioma, o conhecimento da língua materna é fator indispensável. Na verdade, “[...] o conhecimento da língua materna deve atingir determinado nível para que seja possível estudar conscientemente uma língua estrangeira” (VIGOTSKY, 2001b, p.542). Em contrapartida, como Vygotsky nos lembra, a evolução dos conceitos espontâneos também possui uma relação de dependência com os científicos. Observa-se que a aprendizagem de uma língua estrangeira, por exemplo, irá influenciar o idioma materno, desencadeando a formação de uma consciência mais ampliada, abstrata e rica de significados. 48 Isso significa que a formação de conceitos não é pontual, mas se caracteriza por ocorrer após um longo processo de ensino intencionalmente organizado: Quando uma palavra nova, ligada a um determinado significado, é aprendida pela criança, o seu desenvolvimento está apenas começando; no início ela é uma generalização do tipo mais elementar que, à medida que a criança se desenvolve, é substituída por generalizações de um tipo cada vez mais elevado, culminando o processo na formação de verdadeiros conceitos (VIGOTSKI, 2001a, 246). No ensino escolar, apesar de o professor ter um valioso instrumento em suas mãos ao conhecer os conceitos espontâneos que os estudantes trazem para a escola, estes, na maioria das vezes, não são investigados em sua profundidade durante os processos de ensino e aprendizagem. Ao contrário do que muitos educadores pensam, os alunos, por meio de suas experiências cotidianas, constroem proposições para explicar os fenômenos naturais, chegando à escola com uma gama de conhecimentos, hipóteses e teorias sobre o mundo que os cerca. Neste contexto, vale ressaltar as palavras de Giordan e Vecchi (1996, p. 75): Um aprendente não é em absoluto uma bolsa vazia que se pode “encher com conhecimentos” e, menos ainda, um objeto de cera que conserva na memória as marcas moldadas nele [...]. Preferimos [...] a idéia de um organismo ator [...] que constrói ao longo de sua história social, em contato com o ensino, muito mais ainda, através de todas as informações mediatizadas e das experiências da vida diária, uma estrutura conceptual na qual se inserem e se organizam os conhecimentos apropriados e as operações mentais dominadas. Essa montagem é, ao mesmo tempo, uma estrutura de recepção que permite assimilar ou não as novas informações e uma ferramenta a partir da qual cada um determina suas condutas e negocia suas ações. Na área de ensino, está se tornando consenso que os conhecimentos espontâneos dos alunos devem constituir o ponto de partida de todo o processo educativo, o substrato através do qual o professor deve organizar e preparar os conteúdos e as atividades didáticas (GASPARIN, 2003; MORTIMER; SCOTT, 2002; GIORDAN; VECCHI, 1996). A experiência pedagógica nos ensina que o ensino direto de conceitos sempre se mostra impossível e pedagogicamente estéril. Um professor que envereda por este caminho costuma não conseguir senão uma assimilação vazia de palavras, um verbalismo puro e simples que estimula e imita a existência dos respectivos 49 conceitos na criança, mas na prática, esconde o vazio (VIGOTSKI, 2001a, p. 247). Entretanto, os conceitos prévios ou espontâneos, na maioria das vezes, distanciam-se dos conhecimentos científicos, comportando-se como barreiras à aprendizagem desses conhecimentos (BASTOS, 1998; BIZZO; KAWASAKI, 1999; CABALLER; GIMÉNEZ, 1993). Desta forma, mesmo após estudar um conceito científico em vários níveis de complexidade, em situaçõesproblema do dia-a-dia ou, até mesmo na sala de aula, os conceitos espontâneos são empregados e os científicos, esquecidos. Bizzo e Kawasaki (1999) e Bachelard (1996) alertam que as idéias espontâneas dos alunos podem ser utilizadas como ponto de partida para o aprendizado do saber científico, mas, para isso, devem ser entendidas com profundidade e consistência, para então serem confrontadas com o saber científico nas atividades didáticas planejadas e desenvolvidas. Para Bastos (1998, p. 23), por outro lado, o conflito entre os conceitos espontâneos e os científicos, isto é, a promoção de mudanças conceituais, “[...] pode não ter papel algum na elaboração de conhecimentos cientificamente corretos [...]”, pois um mesmo aluno pode explicar um conceito de várias maneiras sem estar incorreto. Nesta perspectiva, o papel da escola passa a ser o de esclarecer, discutir quais explicações são mais apropriadas a determinados contextos. Destarte, como podemos observar, a formação de conceitos científicos nos estudantes envolve um longo processo de desenvolvimento e depende de um ensino adequadamente orientado, organizado e sistematizado. 1.4. Contribuições atuais para a Prática Pedagógica de Biologia Nos anos recentes, os resultados e reflexões de muitas pesquisas da área de Educação, nacionais e internacionais, têm contribuído para a melhoria do ensino das ciências naturais. Muitas dessas pesquisas investigaram a formação de conceitos entre estudantes dos vários níveis 50 de ensino nas áreas de Física, Química e Biologia (BASTOS, 1992; CABALLER; GIMÉNEZ, 1993; GIORDAN; VECCHI, 1996; SILVEIRA, 2003; PEDRANCINI et al.; 2007); outras voltaram-se para o desenvolvimento de metodologias, enfocando as interações verbais em sala de aula (DE LONGUI, 2000; LORENCINI JR, 1995; MELO; LIRA; TEIXEIRA, 2005; MIRANDA, 2007; MORTIMER; AGUIAR, 2005), as atividades lúdicas e modelos pedagógicos como recursos para os processos de ensino e aprendizagem (JUSTINA, 2001) e a inclusão da História da Ciência nos vários níveis de ensino das disciplinas científicas (BASTOS, 1992; CARNEIRO; GASTAL, 2005; GASPARIN, 2003; GEBARA, 2005; GIORDAN; VECCHI, 1996). Considerando os conhecimentos obtidos por Vygotsky em relação ao papel central da linguagem no desenvolvimento humano, Mortimer e Aguiar (2005), realizaram pesquisas de campo por meio da quais puderam analisar os vários tipos de discursos que podem ser efetuados em uma sala de aula. Essas pesquisas permitiram aos autores observar que as interações verbais entre professor-aluno e aluno-aluno são essenciais para os processos de ensino e aprendizagem, apesar de envolverem um grande grau de complexidade. O trabalho de Lorencini (1995), semelhantemente, vem destacar a importância do discurso verbal, das situações-problema e, principalmente, dos questionamentos desencadeados pelo professor na sala de aula na elaboração e desenvolvimento conceitual dos estudantes. Nas palavras de Lorencini (1995)... Os alunos precisam de oportunidades para discutir não só com o professor, mas também entre eles próprios, expondo seus pensamentos, seus pontos de vista, suas tentativas de análise. Cabe ao professor proporcionar aos alunos tais oportunidades de tomar decisões, examinar e agir de acordo com suas decisões (LORENCINI, 1995, p. 106). Entretanto, para este autor, dentre as várias modalidades de interações verbais que podem ser efetuadas em uma sala de aula, a utilização de perguntas é um dos mais eficazes recursos pedagógicos (LORENCINI, 1995). Por meio desse recurso, o professor poderá acompanhar o processo mental dos estudantes, suas dificuldades e superações, bem como, 51 possibilitar o equilíbrio da relação professor-aluno, maior interação entre os sujeitos da pesquisa e uma participação mais ativa dos estudantes nas aulas e atividades propostas (LORENCINI, 1995). Ao dar continuidade aos estudos de Lorencini, a pesquisa realizada por Melo, Lira e Teixeira (2005) também trazem soluções e reflexões para a prática pedagógica organizada e desenvolvida com base em perguntas, principalmente. Como enfatizam esses autores... “[...] a função central das perguntas elaboradas pela professora é nortear os alunos para o aprendizado de conteúdos conceituais, através do uso de perguntas estimuladoras ou incentivadoras, e reforçadoras, verificadoras ou esclarecedoras” (MELO; LIRA; TEIXEIRA, 2005, p. 9). Sobre esse mesmo aspecto, os estudos de De Longui (2000) são esclarecedores. De acordo com essa autora, o professor, quando assume o papel de regulador do diálogo, atua na estruturação da elaboração dos estudantes, pois “[...] a interação que provoca faz circular as mensagens e enfrenta argumentações que derivam dos significados pessoais e sociais (DE LONGUI, 2000, p. 215.)”. Em relação a esse mesmo aspecto, interações entre professor-aluno e aluno-aluno, as pesquisas realizadas por Miranda (2007) também trazem contribuições. Do mesmo modo como destaca Vygotsky, essa autora ressalta que a mediação pedagógica, um dos pilares da Teoria Histórico-Cultural, não se esgota nas relações entre professor e aluno ou entre alunos, mas inclui a relação entre os conceitos internalizados. Dessa forma, a aprendizagem de conceitos é o resultado das interações realizadas em sala de aula entre os sujeitos, juntamente com a organização sistemática e intencional dos temas de estudo (MIRANDA, 2007). Esse fato, somado aos resultados obtidos em sua pesquisa, permitiu-lhe “[...] compreender que a organização do ensino de conceitos científicos se constitui num grande desafio para a escola contemporânea [...]” (MIRANDA, 2007, p. 164). Considerando esta reflexão, Justina (2001) realizou uma pesquisa direcionada às atividades que podem ser desenvolvidas na sala de aula para minimizar os problemas dos 52 processos de ensino e aprendizagem. De acordo com essa autora, a utilização de atividades lúdicas e modelos didático-pedagógicos facilita o desenvolvimento cognitivo dos estudantes, possibilitando a compreensão de conceitos e processos biológicos e constituindo-se como recurso pedagógico necessário ao ensino. Sobre, ainda, a questão de recursos auxiliares nos processos de ensino e aprendizagem, a inclusão da perspectiva histórica da ciência nos diversos níveis da educação básica têm sido, também, constantemente, defendida por muitos pesquisadores da área de ensino de ciências em artigos, livros e em propostas curriculares (BASTOS, 1992; CARNEIRO; GASTAL, 2005; GASPARIN, 2003; GEBARA, 2005; GIORDAN; VECCHI 1996; PARANÁ, 2006; 2007). De acordo com esses autores, a utilização da história da ciência do ensino pode proporcionar aos estudantes: um melhor entendimento da origem do conhecimento científico; uma compreensão mais significativa das teorias e conceitos que explicam os fenômenos naturais; a formação da concepção de ciência como algo dinâmico e mutável, entre outros fatores. Por meio desse panorama apresentado acerca de algumas das várias pesquisas que vêm sendo desenvolvidas nessa área de estudo, podemos perceber o crescente reconhecimento das vantagens de uma prática pedagógica pautada nas interações verbais entre professores e alunos, bem como do emprego da perspectiva histórica de ciências e de atividades lúdicas na organização do ensino. Como se pode ver, nosso trabalho tem sido influenciado por pesquisadores – como os que apresentamos aqui – que têm estudado as interações nas aulas de biologia e o desenvolvimento de novos significados por meio de expressões que vão além dos aspectos verbais. Além disso, no momento de organizarmos o ensino de Biologia, uma das etapas do desenvolvimento dessa pesquisa, não só consideramos o aspecto conceitual dos conteúdos trabalhados, mas também o social, o cultural e, principalmente, o histórico no que se refere ao mecanismo da hereditariedade nos seus aspectos clássicos e moleculares. 53 Diante disso, o objetivo do próximo capítulo é demonstrar a trajetória das descobertas científicas referentes à hereditariedade e ao material genético – DNA –, desde a Antigüidade até a contemporaneidade, destacando os atuais avanços biotecnológicos. 54 2. A HEREDITARIEDADE NO DECORRER DOS TEMPOS: A HISTÓRIA DO DESENVOLVIMENTO DA GENÉTICA CLÁSSICA E MOLECULAR Atualmente, a Genética e a Biologia Molecular são alguns dos ramos da Biologia que têm se destacado e desenvolvido na esfera científica e biotecnológica, gerando muitos avanços, tais como: transgenia, mapeamento e seqüenciamento de genes e genomas. Estes avanços vêm contribuindo significativamente em áreas necessárias à sobrevivência humana, como a produção de alimentos, controle de patógenos e pragas na agricultura, otimização de diagnóstico e medidas terapêuticas de doenças, produção de medicamentos, hormônios e vacinas (BORÉM; SANTOS, 2001). Por outro lado, o avanço da ciência e da biotecnologia tem afetado a vida das pessoas, gerando muitas discussões sobre seus impactos e implicações de ordem religiosa, ética, política, social e filosófica. Devemos ou não produzir organismos transgênicos? A utilização de plantas transgênicas pode originar o aparecimento de superpragas ou o aprimoramento da técnica pode garantir que no futuro não faltem alimentos para a imensa população humana? Os homens têm direito de brincar de Deus por meio da técnica de clonagem? Têm o direito de decidir quando a vida se inicia? A clonagem e a utilização de células-tronco na terapia vêm prometendo várias vantagens na área da saúde, porém, quem serão os beneficiados com o desenvolvimento destas tecnologias? Até que ponto é vantajoso o desenvolvimento e a utilização do exame de DNA ou exames genéticos? Muitos criminosos estão sendo descobertos e presos por meio da medicina forense, baseada em testes de DNA. Não obstante, aplicações de outra ordem nos assustam: seguradoras ou agências de emprego poderão exigir exames genéticos para verificar a predisposição a doenças genéticas? Nesse contexto, cabe aqui indagar: Será que a população se encontra preparada para participar dos debates e discussões envolvendo tais temas? Segundo Leite (2000), a população, em geral, encontra-se cientificamente despreparada para participar, de modo crítico e democrático, em debates sobre os avanços biotecnológicos. O autor complementa: 55 [...] é mínima a condição do público brasileiro participar, de maneira informada e democrática, de um debate como o dos alimentos transgênicos, ou das implicações da pesquisa genômica [...] esse estado de coisas cria uma obrigação para todos os autores do processo, fornecer informação compreensível, qualificada e contextualizada sobre as biotecnologias, da engenharia genética à transgenia, da genômica à eugenia (LEITE, 2000, p.45). Esta assertiva ressalta o momento paradoxal em que vivemos: de um lado, a ciência e a tecnologia têm apresentado um desenvolvimento singular; de outro lado, o analfabetismo científico se consolida entre a população, comportando-se como uma barreira à compreensão dos atuais avanços biotecnológicos. Este quadro é fruto de múltiplos fatores. Além dos destacados no primeiro capítulo deste trabalho, consideramos também o ensino ahistórico das ciências em geral e da Biologia em particular que se assentou nas práticas pedagógicas das escolas, colégios e universidades, no qual a Ciência é tomada como uma verdade absoluta, portanto, inquestionável. A apresentação da ciência é absolutamente a-histórica. Sem referência a seu processo de criação e muito menos ao contexto em que foi criada. E, o que é pior, na tentativa de suprir esta lacuna passa uma visão da História da Ciência como se fosse, como já dizíamos, um armazém, um depósito onde guardam as vidas dos cientistas, seus feitos e suas obras (PRETTO, 1985, p. 77) O emprego da histórica da Ciência nos vários níveis de escolaridade tem sido considerado uma ferramenta fundamental no confronto e superação das idéias alternativas apresentadas pelos estudantes e, conseqüentemente, na formação de sujeitos cientificamente alfabetizados e críticos (BASTOS, 1992; CARNEIRO; GASTAL, 2005; GASPARIN, 2003; GEBARA, 2005; GIORDAN; VECCHI, 1996; JUSTINA, 2001; PARANÁ, 2006; 2007). Sobre este aspecto, Giordan e Vecchi (1996) ressaltam: Embora hoje em dia não seja mais permitido pensar que a apropriação do saber pelos estudantes retome os caminhos do desenvolvimento da ciência [...] a história das idéias nos fornece alguns elementos que permitem entender a complexidade dos fenômenos; ela põe em evidência uma série de parâmetros pertinentes que exercem um papel importante na elaboração dos conhecimentos (GIORDAN; VECCHI, 1996, p. 149). 56 Segundo Gasparin (2003), ao trabalhar certo conteúdo científico, torna-se necessário apresentar aos alunos as múltiplas faces desse conhecimento: sua origem; contexto social no qual foi desenvolvido; rupturas, reelaborações, reincorporações, permanências e avanços sofridos, pois “[...] para aprender com maior precisão a realidade de hoje, através dos conteúdos escolares, fazse necessário dominá-los e atualizá-los em todas as dimensões que respondem aos desafios do tempo presente” (GASPARIN, 2003, p. 46). Entendemos que a inclusão da dimensão histórica da Ciência nas aulas de Biologia traz muitas vantagens, facilitando principalmente o aprendizado dos estudantes, por meio da apresentação de como determinado conhecimento foi produzido no decorrer dos tempos, por quê e para quê ele foi conduzido e quais cientistas/pesquisadores estiveram envolvidos – ou seja, a compreensão do contexto social em que foram produzidos. Além disto, há necessidade de os estudantes interpretarem a Ciência como uma construção coletiva, desenvolvida por diversos grupos de pesquisadores em determinado contexto histórico, social, político, cultural e religioso, com o intuito de compreender melhor os fenômenos naturais e os processos biológicos, característicos dos diferentes seres vivos, modificando a realidade e o meio que nos cerca. [...] o aluno que teve acesso aos questionamentos e às evidências que têm direcionado os raciocínios dos cientistas reúne melhores condições de construir conhecimentos cientificamente aceitáveis (BASTOS, 1992, p. 66). Para Gebara (2005), são vários os pontos favoráveis à inclusão da história da Ciência no ensino de Ciências, entre os quais se destacam uma melhor compreensão dos conceitos científicos e a revelação de que a Ciência é mutável, dinâmica, e não estática e absolutamente correta. A Ciência é uma atividade humana complexa, histórica e coletivamente construída, que influencia e sofre influências de questões sociais, culturais, éticas, tecnológicas e políticas. Analisar o passado da ciência e daqueles que a construíram significa identificar as diferentes 57 formas de pensar sobre a natureza nos diversos momentos históricos (ANDERY et al., 2004; KNELLER, 1980). Sobre este aspecto, Gasparin (2003), com base nos ensinamentos de Vygotsky, ressalta... [...] o conhecimento [...] resulta do trabalho humano no processo histórico de transformação do mundo e da sociedade, através da reflexão sobre esse processo. O conhecimento, portanto, como fato histórico e social supõe sempre continuidades, rupturas, reelaborações, reincorporações, permanências e avanços [...] (GASPARIN, 2003, p. 4-5). Destarte, munido de informações sobre como um conceito foi construído, o aluno terá maior facilidade de compreender seu significado, o qual é resultado de um contexto cultural e social de determinados períodos históricos da existência humana, não sendo formulado propositalmente, mas de acordo com as necessidades de cada época em que foi elaborado e reelaborado, como exemplificado por Vygotsky no que se refere às palavras luná e mêssiatz: [...] As palavras luná e mêssiatz em russo designam o mesmo referente (lua), mas o designam por diferentes modos, que marcam a história da evolução de cada palavra. [...] A palavra luná tem sua origem ligada à palavra latina, e designa “caprichoso”, “inconstante”, “fantasista”. A intenção óbvia desse termo era enfatizar a forma mutável da lua que a distinguisse dos outros corpos celestes. Já a palavra mêssiatz tem seu significado vinculado ao significado medidor. Quem chamou a lua de mêssiatz quis referi-la, mas destacando outra característica: a de que é possível medir o tempo medindo as fases da lua (VIGOTSKI, 2001a, p. 211). Tendo em vista a importância do estudo da história da ciência, bem como o tema abarcado pelas nossas pesquisas “Mecanismo da hereditariedade, localização, estrutura e função do material genético”, o desenrolar histórico das descobertas relacionadas a este assunto será nosso próximo tema de discussão. Este breve histórico foi elaborado por meio de uma revisão das obras de Chassot (1994), Borém e Del Giúdice (2000), Papavero (2000), Henig (2001), Silver (2003) e Watson e Berry (2005) no relato histórico acerca da Antigüidade; de Strathern (2001), Silver (2003), Oliveira et al. (2004) e Aranha (2006) nas descrições sobre o desenvolvimento científico ocorrido durante o período da Idade Média à ciência Moderna; de Henig (2001), Leite (2005) e Watson e Berry (2005) no relato acerca dos trabalhos de Mendel; de Lewis (1998), Strathern (2001), Ferreira (2003), Griffiths et al. (2002), Silver (2003), Oliveira et al. (2004), 58 Prazeres (2006) e Watson e Berry (2005) no histórico sobre a descoberta da estrutura da molécula do DNA; de Suzuki (2000), Henig (2001), Keller (2002), Vieira (2004) e Watson e Berry (2005) para descrever os avanços científicos que procederam à elucidação da estrutura da molécula do ácido desoxirribonucléico (DNA), o material genético dos seres vivos. 2.1 Algumas teorias acerca da hereditariedade: contribuições dos antigos gregos Os recentes avanços biotecnológicos, resultantes da engenharia genética, foram desencadeados após a elucidação da estrutura da molécula de DNA, proposta por James Watson e Francis Crick, em 1953. Sobre isso, os autores Aluízio Borém e Marcos Paiva Del Giúdice (2000), dizem o seguinte: “Como a descoberta do elétron, em 1897, foi um evento que marcou o século XX, as primeiras sementes para o próximo século foram plantadas em 1953, quando James Watson e Francis Crick descobriram como os ácidos desoxirribonucléico formam a molécula de DNA. Este evento foi o resultado de séculos de pesquisas e especulações, envolvendo muitos de pesquisadores em todo o mundo. Vale ressaltar as palavras de Silver (2003): A ciência se constrói sobre si própria. A descoberta da estrutura dos genes teria sido impossível sem a descoberta dos raios X, que permitiu que a estrutura molecular geral da molécula do DNA fosse decifrada. Também foi absolutamente indispensável o conhecimento químico que permitiu que a estrutura das bases e dos outros componentes da molécula do DNA fosse determinada. Praticamente todo cientista que olhar para sua pesquisa poderá definir uma linha indispensável de descobertas, indo até os séculos dezessete ou dezoito, senão ainda mais para trás. A hélice dupla deve muito a Lavoisier (SILVER, 2003, p. 439-440). Diante disto, conclui-se que os estudos envolvendo a natureza do material genético não se resumem à descoberta de Watson e Crick sobre a estrutura do DNA, nem mesmo a compreensão dos mecanismos da hereditariedade se resume aos trabalhos de Mendel, embora essas descobertas tenham acelerado o progresso da Biologia. 59 Apesar de a genética ser considerada um ramo da Biologia estritamente novo, o interesse em compreender o processo de transmissão das características hereditárias sempre esteve presente nas mais antigas civilizações, principalmente na antiga Grécia, levando o homem, por meio de sua curiosidade e especulação, a formular hipóteses e construir teorias. Em relação a este aspecto, Papavero (2000, p.79) diz: “os pré-socráticos e os contemporâneos de Sócrates também se preocuparam em levantar conjecturas sobre a hereditariedade”. Nossos antepassados devem ter começado a se indagar sobre os mecanismos da hereditariedade tão logo a evolução os dotou com cérebros capazes de formular o tipo certo de pergunta. Um princípio que salta aos olhos – parentes próximos tendem a ser parecidos entre si [...] (WATSON; BERRY, 2005, p. 17). Ainda na Antigüidade, ao perceberem as semelhanças e diferenças entre os homens, filósofos e médicos gregos formularam algumas hipóteses para explicar os mecanismos da transmissão das características hereditárias de geração para geração. Alcmeão de Crótona, que viveu na Grécia por volta de 500 a.C., acreditava que o sêmen de ambos os progenitores era formado no cérebro e que a preponderância de um dos pais em relação à quantidade e à qualidade do sêmen determinava as características e o sexo do bebê. Segundo Empédocles de Acragas (490-432 a.C.), o sexo dos bebês era determinado pela temperatura do útero materno: útero quente resultava em homens, útero frio, em mulheres. Anaxágoras de Clazomene (500-428 a.C.) postulava que somente o macho contribuía com sêmen e que este possuía um protótipo em miniatura de cada órgão ou parte do corpo do futuro indivíduo, enquanto que à mulher restava apenas gerar e nutrir este ser pré-formado. Já para Demócrito (470-380 a.C.), os semens de ambos os pais continham átomos, derivados de todas as partes do corpo, que se combinavam ao acaso constituindo o novo ser. Outro filósofo grego, chamado Parmênides (544-450 a.C.), propôs a “teoria do direito e esquerdo”, segundo a qual o lado do corpo onde o sêmen era produzido, bem como o lado do corpo no qual o bebê era gerado, influenciava diretamente no sexo e nas características somáticas da criança: o lado direito era notavelmente masculino e o lado esquerdo era feminino. [...] se o sêmen produzido predominantemente pelo lado direito do pai penetrasse no útero materno, resultaria um filho com características somáticas do pai; se o sêmen produzido pelo lado esquerdo do pai penetrasse no útero 60 materno, resultaria também um filho, mas com caracteres somáticos da mãe (PAPAVERO, 2000, p. 81). Dentre os escritos da Grécia antiga, as hipóteses de Hipócrates (460 – 370 a.C.) e Aristóteles (384-322 a. C.) sobre a hereditariedade foram as mais aceitas e propagadas pelas pessoas e muitos estudiosos da Idade Média ao século XIX. De acordo com a Pangênese, hipótese de Hipócrates, cada órgão ou parte do corpo produziria partículas hereditárias, denominadas de gêmulas, que migrariam para o sêmen do macho e da fêmea por meio do sangue e posteriormente seriam transmitidas para a descendência. “Como o sêmen provém de todas as partes do corpo, partículas sadias virão de partes sadias, e partículas malsãs de partes malsãs” (PAPAVERO, 2000, p. 84). Esta hipótese para a hereditariedade persistiu por muitos séculos, sendo utilizada até mesmo por Darwin, em 1868, em seu livro Variação em animais e plantas e a domesticação (HENIG, 2001). Aristóteles (384-322 a.C.), ao explicar os mecanismos da hereditariedade, considerou que o macho era responsável pela forma (eidos) e a mãe, pela matéria ou substância constituinte da progênie, a qual seria moldada pelo eidos do sêmen masculino. Além disso, Aristóteles questionava a teoria da Pangênese, uma vez que esta teoria não explicava como uma pessoa herdava características presentes nos avós, mas ausentes nos pais, bem como a impossibilidade de tecidos mortos e de as características comportamentais dos seres vivos produzirem partículas. 2.2 A Hereditariedade da Idade Média à Ciência moderna A Idade Média, compreendida entre a queda do Império Romano (476) à tomada de Constantinopla pelos turcos (1453), recebeu dos renascentistas as denominações de “a grande noite de mil anos” ou “idade das trevas”, ao se referirem a um período intelectualmente obscuro, estagnado pelo catolicismo. A cultura medieval é, na verdade, bastante heterogênea, sendo considerada por Aranha (2006, p.101) “[...] um amálgama de elementos greco-romanos, 61 germânicos e cristãos, sem nos esquecermos das civilizações de Bizâncio e do Islã, que fecundaram de forma brilhante a primeira fase da idade média”. No Ocidente, no entanto, após as invasões bárbaras, o clero passou a constituir, juntamente com a nobreza, a classe dominante da sociedade feudal. Com a posse da herança cultural greco-latina, resguardada em seus mosteiros, a Igreja passou a exercer influência não apenas na educação, mas também nos princípios morais, intelectuais, políticos e jurídicos. Durante este longo período, “[...] os mosteiros assumiram o monopólio da ciência” (ARANHA, 2006, p. 106), reinterpretando-a à luz do cristianismo. A filosofia cristã explicava os processos e fenômenos naturais, inclusive a hereditariedade, atribuindo-os, exclusivamente, a Deus. Esta influência divina sofrida pela Ciência está intimamente relacionada ao fato de a Bíblia ter sido traduzida na Idade Média. Segue abaixo a concepção de hereditariedade descrita na Bíblia: Tomou então Jacó varas de álamo, de aveleira e de plátamo, e lhes removeu a casca em riscas abertas, deixando aparecer a brancura das varas. As quais, assim escorchadas, pós ele em frente do rebanho, nos canais de água e nos bebedouros, aonde os rebanhos vinham para dessedentar-se, e conceberam quando vinham a beber. E concebia o rebanho diante das varas, e as ovelhas davam listadas, salpicadas e malhadas (Gênesis 30, 37-39). Do trecho, retirado do capítulo 30, podemos concluir que Jacó acreditava que se suas cabras e ovelhas se acasalassem diante de varas com tiras de casca removida suas crias nasceriam malhadas, listadas e salpicadas (STRATHERN, 2001). Nas palavras de Strathern (2001, p.9), “[...] Jacó tinha um método para assegurar que suas ovelhas e cabras dessem crias manchadas e pintadas [...]”. A Renascença, período compreendido entre os séculos XV e XVI, caracterizou-se pelo esforço de superar o teocentrismo e promover o retorno dos valores greco-romanos, enfatizandose as concepções antropocêntricas, humanistas (ARANHA, 2006). A partir desse período 62 sucederam-se importantes descobertas científicas, como as relacionadas aos elementos químicos, os quais contribuíram para a elucidação dos mecanismos da hereditariedade, apesar de nessa época ainda prevalecerem idéias estabelecidas desde a Antiguidade e conservadas até o final do século XIX, como, por exemplo, a crença de que o sangue era o portador e o veículo das informações hereditárias de pais para filhos. Os primeiros estudos sobre a hereditariedade, assim como o desenvolvimento da Biologia, só foram possíveis por meio da invenção e aperfeiçoamento do microscópio. Um dos pioneiros na construção do microscópio foi o holandês Antony van Leeuwenhoek (1632-1723), que, por meio de apenas uma lente de amplificação máxima de 500 vezes, pôde observar pequeninos seres vivos, os quais foram denominados de microorganismos. Com o mesmo instrumento, van Leeuwenhoek e seu assistente, Johann Ham, descobriram que o sêmen expelido pelos machos no ato sexual continha milhares de “pequenos animais”, os quais foram chamados de espermatozóides (SILVER, 2003, p. 388). Estes estudiosos deduziram que essas estruturas poderiam estar relacionadas com o desenvolvimento e o nascimento de um novo ser. Entretanto, esta hipótese foi confirmada apenas em meados do século XIX. As observações dos espermatozóides por Antony van Leewenhoek, juntamente com os trabalhos de Jan Swammerdam (1637-1680), contribuíram para a difusão da teoria pré-formista, segundo a qual os espermatozóides e os óvulos continham no seu interior formas humanas em miniatura (homúnculos), bastando crescer para se desenvolverem em adultos. Embora esta teoria pudesse ser facilmente refutada por muitos eventos conhecidos, como, por exemplo, o nascimento de um menino mulato de pai branco e mãe negra, ou vice-versa, muitos pesquisadores dos séculos XVII e XVIII eram pré-formistas pertencentes a uma das duas correntes. Alguns, chamados de oovistas, acreditavam que o homúnculo estava no óvulo e que o espermatozóide do pai apenas continha nutrientes que auxiliavam no desenvolvimento do novo ser. Contrariamente, os espermistas acreditavam que o espermatozóide carregava o homúnculo, contendo o óvulo substâncias para nutrir esse ser. 63 Ao mesmo tempo, o holandês Graaf, em 1672, dissecando fêmeas de várias espécies de mamíferos, descobriu que na época da reprodução apareciam pequenos inchaços na superfície de seus ovários, confirmando a importância da fêmea na reprodução. Em meados no século XVII, na Inglaterra, Robert Hooke (1635–1703) se empenhou na construção de microscópios mais elaborados. Os microscópios produzidos por Hooke eram constituídos de duas lentes e permitiam observar certas estruturas por meio da análise de pedaços de cortiça, as quais foram denominadas de célula, devido à semelhança entre as cavidades em seu interior com celas de uma prisão. Na verdade, pelo fato de a cortiça, material de análise de Hooke, ser um tecido de células mortas, o pesquisador observou apenas a parede celular e o espaço anteriormente ocupado pelo protoplasma. François-Vicent Raspail (1794-1878) deu continuidade aos trabalhos de Hooke, afirmando que as células animais e vegetais constituíam os tecidos celulares e, além disto, observou que a membrana que determinava o limite da célula era responsável por selecionar as substâncias que entravam e saíam dela. O contínuo aperfeiçoamento do microscópio proporcionou outras descobertas, e em 1830 o botânico escocês Robert Brown descobriu a existência do núcleo da célula. Entretanto, foram os biólogos Theodor Schwann (1810-1882) e Matthias Jakob Schleiden (1804-1881) que revolucionaram a Biologia com a Teoria Celular. A partir de então, a célula, estrutura envolvida por uma membrana e contendo núcleo, foi considerada a unidade morfofisiológica de todos os seres vivos. Além disso, Schwann e Schleiden consideraram que o núcleo era uma importante região da célula. Como observam Oliveira et al. (2004, p. A4), “Era a primeira vez que se oferecia um caminho para explicar a completa estrutura dos seres vivos a partir das propriedades físico-químicas da matéria”. Na seqüência, muitos outros estudos acerca da célula foram desencadeados. Estas descobertas, juntamente com outras, abriram o caminho para a elucidação dos mecanismos da hereditariedade, bem como da estrutura do DNA; e, apesar das várias hipóteses formuladas desde 64 a Antiguidade, apenas em meados do séc. XIX é que foram elaboradas explicações plausíveis acerca da transmissão das informações hereditárias, por um monge chamado Gregor Mendel. 2.3 Gregor Mendel e as leis da hereditariedade Em 1822, na província austríaca de Silésia, na cidade de Heinzendor, nasceu Johann Mendel (nome de batismo de Gregor Mendel). Ele e as duas irmãs, Veronika e Thersia, moravam com os pais em uma fazenda nos arredores de Heizendorf. Mendel trabalhou com o pai durante alguns anos, mas bem cedo percebeu que não tinha aptidão para o trabalho do campo. Diante disso, aos 11 anos de idade saiu de casa para estudar no Ginásio em Troppou e, por meio de aulas particulares, auxiliava seus pais com os gastos, uma vez que sua família não possuía condições de pagar as taxas escolares. Após formar-se no ginásio, Mendel matriculou-se no Instituto Filosófico da Universidade De Olmütz, no qual estudou filosofia, matemática, história, latim, religião e história natural. Era o período preparatório e obrigatório para o ingresso na universidade. Mas as dificuldades não diminuíram. Em Olmütz o idioma oficial era o Tcheco, língua que Mendel não dominava muito, conseqüentemente, a atuação como professor particular ficou comprometida, conseguindo apenas alguns poucos alunos. Mendel somente conseguiu concluir os estudos graças a sua irmã Theresia, que lhe doou sua parte da herança (HENIG, 2001). Sem recursos para dar continuidade aos seus estudos, Mendel aceitou a recomendação do professor Friedrich Franz, do Instituto de Filosofia, para ingressar na vida religiosa. Esta era a única alternativa de muitos jovens pobres que sonhavam ter uma formação universitária. Na verdade, nesse período, a ciência encontrava-se em plena expansão e o estudo das Ciências Naturais era visto com bons olhos pela Igreja Católica. 65 Em 1843, Mendel ingressou como noviço no mosteiro de Santo Tomás, em Brunn, capital da província de Moróvia, da Áustria, e, alguns dias após completar 25 anos, em 6 de agosto de 1847, foi ordenado padre, adotando o nome de Gregor Mendel. Assim como na infância, quando percebeu não ter vocação para o trabalho no campo, Mendel não demorou muito para concluir que também não possuía muitas afinidades com a vida sacerdotal. Ao perceber isto, o abade Napp, do mosteiro de Santo Tomás, conseguiu uma licença para que Mendel ministrasse aulas de matemática e grego no ginásio da cidade de Znaim (HENIG, 2001). Em agosto de 1850, Mendel fez a qualificação, concorrendo a uma vaga como professor efetivo de ciência do curso ginasial de Znaim, porém, foi reprovado. Para aprimorar seus conhecimentos, em 1851, iniciou, em Viena, o curso universitário na Universidade Real Imperial. Nesta instituição, Mendel teve acesso a muitas informações e conhecimentos que o conduziriam aos experimentos com ervilhas, desenvolvidos nos próximos anos. Sua entrada para a universidade, na segunda metade do século XIX, coincidiu com o que um historiador chamou por “avalanche de números” (HENIG, 2001, p. 55). Naquela época, a matemática estava em pleno auge e as pesquisas nesta área se encontravam em intenso desenvolvimento. Este evento, como também o fato de seu professor Ettingshausen ser o fundador da análise combinatória, ajudou, com certeza, Mendel a organizar os dados obtidos nos seus experimentos. Outro professor que teve um papel importante na vida profissional de Mendel foi o fisiologista vegetal Franz Unger. Por intermédio deste, Mendel teve a oportunidade de conhecer importantes trabalhos de hibridização, como os dos alemães Josef Kheuter e Karl Friedrich von Gärtner. Além disso, nestas aulas foram discutidas as vantagens de se trabalhar com o material biológico Pisum sativum em experimentos de hibridização. Diante disto, Henig (2001) diz que não podemos considerar que Mendel se comportou como um ingênuo durante seus experimentos: 66 [...] a reconstituição de Mendel provavelmente distorceu um pouco a verdade – e no processo desmereceu sua visão e intuição. Dada a familiaridade do monge com a física e o método científico, é difícil acreditar que não soubesse a cada estágio o que esperar das ervilhas e por quê. É claro que, à medida que os anos se passaram e os resultados foram aparecendo, Mendel se viu forçado a mudar algumas das hipóteses iniciais. Entretanto, não foi sincero, e seríamos ingênuos ao acreditar que criou várias gerações de plantas e só mais tarde passou a analisar os resultados dos experimentos (HENIG, 2001, p. 112). Após dois anos de estudo na universidade em Viena, em junho de 1853, Mendel retornou ao mosteiro de Brünn e logo começou a lecionar como professor substituto na escola ginasial daquela cidade. No ano seguinte, entre a função de professor e a de hortelão do mosteiro, Mendel deu início aos seus experimentos com ervilhas, os quais iriam revolucionar o meio científico. Ao embarcar naquela aventura científica, Mendel logo se viria diante de revelações surpreendentes que superariam todas as expectativas, verdades que mudariam para sempre a face da Biologia, afetando profundamente a relação entre a humanidade e o seu próprio futuro (HENIG, 2001, p. 69). Três anos depois, com 34 anos de idade, Mendel fez o seu segundo exame de credenciamento em Viena, porém foi novamente reprovado. Alguns historiadores dizem que Mendel desistiu na primeira questão oral; outros afirmam que Mendel discutiu com um dos integrantes da banca. Diante da nova reprovação, o padre deu continuidade aos experimentos com ervilhas, aos trabalhos rotineiros no mosteiro e às aulas no curso ginasial de Znaim. Em 1865, após desenvolver por oito anos experimentos de cruzamento com ervilhas, Mendel apresentou os seus resultados à sociedade de História Natural, proferindo duas palestras. Nos seus experimentos, Mendel observou que os indivíduos híbridos da geração F1 eram sempre iguais a um dos pais. Plantas originadas de sementes amarelas puras, por exemplo, ao serem cruzadas com plantas originadas de sementes verdes sempre produziam sementes amarelas. O traço semente verde aparentemente desaparecia na geração F1. No entanto, se plantas originadas de sementes amarelas híbridas se autofecundassem, elas produziam sementes amarelas e verdes na proporção de 3 para 1, respectivamente. Diante disto, Mendel concluiu que, nas plantas da geração F1, o traço de um dos pais ficava encoberto, reaparecendo novamente na 67 geração F2. O traço que ficava encoberto nas plantas híbridas foi denominado de recessivo, enquanto o traço que se manifestava em todos os indivíduos de F1 foi chamado de dominante. Para explicar tais resultados, Mendel elaborou a seguinte teoria: cada característica é determinada por um par de fatores hereditários, um herdado do progenitor masculino e outro do progenitor feminino, os quais se segregam no momento da produção de gametas. Desta forma, se, em relação a determinada característica, o indivíduo é puro, todos os gametas produzidos por este serão iguais; se o indivíduo é híbrido, serão produzidos dois tipos de gametas em igual proporção. Estas conclusões fazem parte do primeiro postulado ou primeira lei de Mendel. O monge austríaco investigou também o mecanismo de herança genética de duas ou mais características de ervilhas, simultaneamente, estudos que, posteriormente, foram denominados de segundo postulado ou segunda lei de Mendel (LEITE, 2005). Em 1866 estas conclusões de Mendel foram publicadas. Além disto, ele pediu 40 separatas para distribuir para alguns pesquisadores. Destas, apenas 12 separatas foram enviadas para cientistas de prestígios na Europa; em relação às outras, nada se sabe. Charles Darwin, Scheiden (um dos fundadores da Teoria Celular) e Karl von Nägeli foram alguns dos cientistas que receberam o artigo de Mendel. Mendel e seus experimentos foram citados em alguns livros publicados na época como a obra de Die Pflanzen-Mischlinge de Wilhelm Olbers Focke (1881), mas seu trabalho não teve a repercussão e o reconhecimento que se esperavam, pelo menos até sua morte, em 1884 (WATSON; BERRY, 2005). Em relação a este aspecto, Henig (2001) ressalta... Mendel não foi totalmente ignorado durante a vida. O problema é que algumas das pessoas que leram e compreenderam seu trabalho eram tão obscuras que ninguém, incluindo Mendel, jamais ouvira falar delas [...] (HENIG, 2001, p. 143). Na verdade, Mendel realizou experimentos e análises quantitativas muito mais complexas do que as desenvolvidas na sua época; portanto não é de surpreender que apenas em 68 1900 seu trabalho fosse valorizado mundialmente pela comunidade científica, após sua redescoberta por três geneticistas: Hugo De Vries, Karl Correns e Erich von Tschermak. Mendel trabalhou incansavelmente no seu jardim por oito anos, apresentou sua descoberta de “certas leis de hereditariedade” em duas palestras no inverno de 1865, e voltou ao anonimato – apenas para ter seu trabalho “re-descoberto” e ressuscitado ao mesmo tempo por três cientistas (um dos quais Hugo De Vries), trabalhando em três países diferentes, na primavera de 1900. A explicação que costuma ser oferecida para essa curiosa série de eventos é que o mundo não estava preparado para as leis de Mendel em 1865, o que só aconteceu em 1900 (HENIG, 2001, p. 12). A partir de então, as leis de Mendel foram cada vez mais divulgadas e reconfirmadas por inúmeros pesquisadores no mundo todo, tornando-se uma das descobertas mais importantes da história da Biologia. Não obstante, uma questão ainda pairava no ar: qual seria a natureza química dos fatores hereditários citados por Mendel? Esta questão só pôde ser respondida, aproximadamente, um século após os trabalhos de Mendel. 2.4 DNA: nosso material genético Podemos afirmar que inúmeros foram os pesquisadores e as descobertas científicas relacionadas, direta e indiretamente, à elucidação da estrutura e funcionamento da molécula do ácido desoxirribonucléico (DNA), o material genético encontrado em todos os seres vivos. Ao longo do século XIX, após a divulgação da teoria celular, muitas pesquisas foram direcionadas ao estudo da célula, as quais constituíram a base da Bioquímica e da Biologia Molecular. Esse período foi também marcado pelo intenso estudo do núcleo celular. Em 1868, o médico e pesquisador suíço Friedrick Miescher isolou, de núcleos de glóbulos brancos, um 69 precipitado cinza de alto peso molecular, denominado de nucleína. Além disso, este pesquisador conseguiu determinar quais as substâncias químicas que compunham a nucleína, percebendo que era formada de oxigênio, nitrogênio e fósforo (OLIVEIRA et al., 2004). Nessa época, em conseqüência das descobertas relacionadas ao núcleo celular, vários pesquisadores se dedicaram ao estudo da divisão celular, entre eles Balbiane, Benedem, Flemming, Scheicher e Strasburger. Os estudos em torno do núcleo e da divisão celular aguçaram os interesses de vários pesquisadores, levando, em 1882, os alemães Walter Flemming e Eduard Strasburger a reconhecer e descrever os cromossomos. Ao mesmo tempo, o alemão Theodor Boveri, estudando células germinativas de nematóide Ascaris megalocephala, observou que o número dos cromossomos presentes nestas células se reduzia à metade em um determinado estágio de sua maturação, além de perceber que havia diferenças entre os vários cromossomos presentes na célula. Estas observações foram confirmadas, por volta de 1902, com os estudos de Willian Sutton, que, por sua vez, analisou o processo meiótico em células de gafanhotos. Também, em 1882, Walter Flemming descreveu os processos de mitose e meiose, apresentando o comportamento dos cromossomos durante as várias fases das divisões celulares. Suas descobertas foram muito importantes e conduziram à conclusão de que os gametas são células compostas por metade do número dos cromossomos, em relação às células somáticas, e que após a fecundação de um óvulo por um espermatozóide é formado o zigoto, o qual, após sucessivas diferenciações, dará origem a um novo ser vivo, contendo o mesmo número de cromossomos dos outros indivíduos de sua espécie. Nesse mesmo período, Flemming, ao corar núcleos com anilina, identificou uma estrutura, atribuindo-lhe o nome de cromatina, filamento que se cora. Não obstante, apesar de essa estrutura comportar-se semelhantemente à nucleína identificada por Miescher, não se percebeu a equivalência entre tais estruturas nessa época. Uma das causas deste fato, assim como 70 de outros desencontros que retardaram muitas elucidações científicas, foi que “[...] a comunicação entre os cientistas era bastante restrita” (OLIVEIRA et al., 2004, p. A5). Além destas descobertas, no final do século XIX, Balbiane realizou um experimento que mais uma vez demonstrou a importância do núcleo para a célula. Este pesquisador isolou uma ameba e a partiu em duas partes: uma das partes ficou com o núcleo e a outra não. O segmento contendo o núcleo conseguiu se regenerar, formando uma nova célula com capacidade de se dividir, produzindo outras amebas. O segmento anucleado não se regenerou e, conseqüentemente, não se dividiu em novas células. Em 1889, Richard Altman descobriu o caráter ácido da nucleína, que passou a ser denominada de ácido nucléico. Nessa mesma época, Albrecht Kossel observou a presença de bases púricas e pirimídicas na constituição deste ácido. Poucos anos depois, em novembro de 1895, Roentgen descobriu os raios X, que mais tarde foram empregados na técnica de cristalografia, ferramenta muito importante para a elucidação da estrutura tridimensional do DNA. Foi, porém, a partir da redescoberta dos trabalhos de Mendel, em 1900, que as pesquisas direcionadas a questões referentes à hereditariedade e à constituição do material genético foram intensificadas. Segundo Oliveira et al. (2004, p. A5), “a partir de então, surgiu o interesse por determinar a natureza dos fatores mendelianos, ou seja, o que de fato representavam, de que eram constituídos, como agiam e onde se localizavam”. Por volta de 1902, Walter S. Sutton (1877-1916) propôs que os cromossomos constituem a base física da hereditariedade, contribuindo muito para o desenvolvimento da Teoria Cromossômica da Herança. Ao analisar a meiose em uma espécie de gafanhotos, Sutton percebeu a grande semelhança entre os processos nos quais estavam envolvidos os cromossomos homólogos e os fatores hereditários, descritos por Mendel e recém-redescobertos, e concluiu que os pares de fatores hereditários localizavam-se nos pares dos cromossomos homólogos, de forma que a separação destes cromossomos, durante a meiose, resultaria na segregação dos fatores. 71 A partir desse momento, também foram introduzidos muitos conceitos importantes para o desenvolvimento da Genética, os quais são empregados até hoje. Em 1906, Bateson criou os termos alelo, homozigoto, heterozigoto e genética para definir o novo campo de pesquisa que estava nascendo. Além disso, em 1909, o geneticista dinamarquês Wilhelm Johannsen (18571927) introduziu os seguintes conceitos: gene, para substituir o termo fator, utilizado por Mendel; genótipo para se referir à constituição genética do indivíduo ou à composição alélica de um gene; e fenótipo para designar as características fisiológicas, morfológicas ou, até mesmo, comportamentais de um ser vivo (WATSON; BERRY, 2005). Bateson foi muito importante para a divulgação dos trabalhos mendelianos. Ao ler o artigo de Mendel, em 8 de maio de 1900, percebeu a proximidade que havia com as suas investigações. Desde estão, não apenas divulgou, mas também confirmou os resultados obtidos por Mendel (HENIG, 2001). Além disso, Bateson e seus colaboradores explicaram grande número das exceções das Leis de Mendel, como, por exemplo, o princípio da ligação (linkage), a interação gênica em 1905 e a dominância incompleta, em 1906. Na primeira década do século XX, Thomas Hunt Morgan (1866-1945) e três de seus alunos, Alfred H. Sturtevant (1891-1970), Calvin B. Bridges (1889-1938) e Herman J. Muller (1890-1967), estabeleceram a base da Teoria Cromossômica da Herança. Nessa época, Morgan estava muito insatisfeito com a forma como a genética estava sendo conduzida desde a redescoberta do trabalho de Mendel. Ele não concordava com as pesquisas reproduzidas que postulavam os fatores hereditários sem, ao menos, determinarem o que eram estes fatores (LEWIS, 1998). Diante disso, o objetivo primeiro de Morgan era descobrir a base física dos fatores hereditários, termo empregado primeiramente por Mendel. Por meio de experimentos de cruzamentos, utilizando a mosca Drosophila melanogaster, o grupo de Morgan demonstrou que os cromossomos eram realmente os portadores dos fatores hereditários; concluíram ainda que cada cromossomo da mosca era constituído por um grupo de genes, os conhecidos fatores, que não se segregavam independentemente durante a meiose, exceto se ocorresse o processo de recombinação ou crossing-over, que consiste na troca de fragmentos entre cromossomos homólogos. Também, 72 analisando os cruzamentos e o crossing-over, o grupo de Morgan pôde fazer o mapeamento dos genes em cada cromossomo dos 4 pares que constituem o genoma da mosca da fruta. Morgan divulgou estes resultados em revistas científicas em 1910 e, em 1915 publicou o livro O Mecanismo da Hereditariedade Mendeliana, que lhe mereceu o Prêmio Nobel de Medicina em 1933 (LEWIS, 1998). A partir de então, ficou cada vez mais evidente que as moléculas que constituíam o material genético eram extremamente complexas e que a descoberta de sua composição química era necessária para o desenvolvimento da Ciência. Apesar de todas estas descobertas, uma questão muito importante ainda não havia sido respondida: Qual a natureza química do material genético que compõe os cromossomos? Proteína, RNA ou DNA? Até meados do século XX, acreditava-se que o material genético era constituído de proteínas. Esta hipótese começou a ser refutada a partir de 1928, quando o britânico Frederick Griffith observou o processo de transformação no curso de seus experimentos com bactérias Streptococcus pneumoniae, causadoras de pneumonia em seres humanos e, normalmente, letais em ratos. Em seus experimentos, Griffith utilizou duas linhagens diferentes de Streptococcus pneumoniae: uma linhagem do tipo virulenta normal, caracterizada por possuir uma cápsula polissacarídica, apresentando, conseqüentemente, um aspecto liso; e outra linhagem do tipo mutante não virulenta, ou seja, que causa a doença mas não é letal, caracterizada pela ausência da cápsula polissacarídica, conferindo um aspecto rugoso às colônias. Griffith observou que estirpes de bactérias não virulentas, quando misturadas com células virulentas mortas pelo calor, tornavam-se igualmente virulentas, com paredes lisas. De acordo com este resultado, concluiu que existia alguma substância, presente nos restos celulares dos bacilos letais, que poderia transformar os bacilos mais brandos em bacilos fatais. A partir de então surgiu o seguinte questionamento: qual dos componentes celulares é o responsável por este processo de transformação? 73 Como todas as áreas do conhecimento, os estudos direcionados à patologia também foram intensificados no século XX. Um dos médicos atraídos por este campo de pesquisa foi Oswaldo Avery, que, a partir de 1907, iniciou estudos com bactérias e em 1913, no Instituto Rockefeller, juntamente com seus colaboradores C. M. MacLeod e M. MacCarty, propôs-se isolar o “principio transformante” que causava a transformação de cepas avirulentas de Streptococcus pneumoniae em virulentas. Nessa investigação, o grupo liderado por Avery separou todos os componentes constituintes das bactérias virulentas mortas e testou a habilidade de transformação de cada um desses componentes, ou seja, analisou as moléculas de DNA, RNA, polissacarídeos e proteínas. Após 13 anos de estudos, em 1944, foi concluído que apenas uma classe de moléculas era capaz de induzir à transformação: o ácido desoxirribonucléico. Esses pesquisadores propuseram, então, que o DNA é a molécula responsável por armazenar a informação genética dos seres vivos. Não obstante, a esclarecedora pesquisa realizada por Avery e seus colaboradores foi insuficiente para convencer grande parte dos cientistas, entre os quais o químico Paul A.T. Levene, também pesquisador do Instituto Rockefeller, que considerava a estrutura do DNA, com quatro bases repetidas ao longo da molécula, muito simples para ser o material genético. Para o químico e outros cientistas, as proteínas nos cromossomos eram os portadores da informação genética. Por outro lado, para alguns cientistas, como o físico anglo-irlandês Maurice Wilkins, os experimentos realizados por Avery foram elucidativos. Maurice Wilkins era um dos vários cientistas interessados em esclarecer a estrutura da molécula do DNA. Seu interesse pela genética surgiu após a leitura da obra intitulada O Que é a Vida? (What is life?), escrita pelo físico austríaco Erwin Schrödinger (1887 – 1961), um dos fundadores da mecânica quântica. Em seu livro, Schrödinger tratou os processos dos seres vivos por meio de uma interpretação molecular e atômica (WATSON; BERRY, 2005). Wilkins iniciou seus estudos acerca da estrutura do DNA utilizando a técnica de cristalografia. Esta consiste em projetar feixes de raios-X em determinado arranjo de átomos cristalizados e, por meio de métodos matemáticos, analisar o padrão obtido na difração dos raios- 74 X neste material, visando a conhecer a real disposição e distribuição espacial dos átomos (SILVER, 2003). A técnica de cristalografia foi inventada em 1913 pelo físico Lawrence Bragg (1890 – 1971), juntamente com seu pai, William Bragg (1862 – 1942), em um laboratório da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, o que lhes valeu o Prêmio Nobel de Física em 1915. Não podemos esquecer, porém, que esta técnica só pôde ser concebida graças à descoberta dos raios-X por Roentgen em 1895. Nessa mesma época, entre 1920 e 1940, após o trabalho de vários químicos e bioquímicos, entre eles Paul A.T. Levene e T. Casperson, ficou provado que a molécula de DNA é constituída por muitas partes, ou seja, é um polímero composto por 4 bases nitrogenadas: adenina, guanina, citosina e timina, combinadas individualmente com uma molécula de desoxirribose, resultando em uma micromolécula denominada, posteriormente, de nucleosídeo. Esse período foi fortemente marcado pelas várias pesquisas desenvolvidas em torno da molécula de DNA. Foi também na década de 1940 que George Beadle e Edward Tatum propuseram que um gene expressava uma proteína, e esta, por sua vez, poderia comportar-se como enzima (FERREIRA, 2003). Diante dessas descobertas, Alexander Robertus Todd, químico orgânico de Cambridge, no início da década de 1950, apresentou alguns resultados que obteve por meio de estudos minuciosos com os nucleosídeos. Todd observou que os nucleosídeos estavam unidos por meio de ligações fosfodiéster a grupos fosfatos nas posições 3’ e 5’ do carboidrato desoxirribose. Em 1950, Erwin Chargaff, por meio da análise química de moléculas de DNA, fez também uma descoberta muito importante para a elucidação da estrutura do DNA. Chargaff verificou que o número de bases nitrogenadas de citosina (C) em uma molécula de DNA era proporcional ao número de bases de guanina (G) e que o número de bases de adenina (A) era proporcional ao número de bases de timina (T) (SILVER, 2003). 75 Apesar desta torrente de descobertas acerca da constituição da molécula de DNA e de sua comprovação como material genético de todos os seres vivos, a compreensão da complexa estrutura do DNA só ocorreu no dia 28 de fevereiro de 1953, pelo biólogo James Dewey Watson e pelo físico Francis Harry Compton Crick, no laboratório Cavendish, de Cambridge. James Dewey Watson iniciou sua carreira científica aos 22 anos de idade. Nessa época, o jovem americano trabalhava em Copenhague, na Dinamarca, sob a orientação de Herman Kalckar, o qual tinha como objeto de pesquisa os nucleotídeos, ou seja, os polímeros constituintes dos ácidos nucléicos. Em 1951 realizou-se um congresso acerca de estruturas de macromoléculas em Nápoles, na Itália, e Watson assistiu à palestra conferida por Maurice Wilkins, professor do King’s College, de Londres. Nesta palestra, foram apresentadas algumas imagens de difração de raios-X em uma amostra de DNA, obtidas pela técnica de cristalografia; mas, apesar de essas fotos serem consideradas as melhores que Wilkins já havia conseguido, não era possível ainda identificar ao certo como era a estrutura do DNA. Não obstante, Wilkins, em parceria com a especialista em difração por raios-X, Rosalind Franklin, logo iria obter as melhores imagens da estrutura do DNA por meio da técnica de cristalografia. Ao assistir à palestra de Wilkins, James Watson ficou muito interessado por este campo de pesquisa. Na verdade, “[...] há tempos ele estava convicto de que, se fosse possível desvendar a estrutura do intrigante ácido nucléico, seria possível desvendar um dos segredos fundamentais da vida: a hereditariedade” (PRAZERES, 2006, p.1). Com o intuito de montar um grupo de pesquisa para concluir seus planos, Watson convidou Wilkins para fazer parte deste projeto; porém, a princípio isto não foi possível. Nesse mesmo ano (1951) Watson foi trabalhar no laboratório Cavendish, em Cambridge, sob a orientação de Max Ferdinand Perutz, o qual tinha como objeto de pesquisa analisar a estrutura da hemoglobina por meio da técnica de cristalografia. 76 Nessa época, a técnica de cristalografia estava sendo muito utilizada para a análise estrutural de macromoléculas, ou seja, não só do DNA, mas também de outras moléculas presentes na célula. Por volta de 1950 esta técnica já havia possibilitado realizar estudos da estrutura de algumas proteínas, como, por exemplo, a queratina, a hemoglobina e a mioglobina, bem como constatar as três estruturas apresentadas pelas proteínas: hélices alfa, fitas beta e hélices randômicas. Ao chegar a Cambridge, Watson teve a oportunidade de conhecer Francis Harry Compton Crick e, nesse momento, eles perceberam que tinham muita coisa em comum, como, por exemplo, o interesse em pesquisar a molécula de ácido desoxirribonucléico e, a partir de então, iniciaram um trabalho conjunto com o objetivo de elucidar a estrutura do DNA. A aliança entre Watson, um biólogo, e Crick, um físico, foi extremamente feliz. Watson era especialista em genética molecular, interessado em decifrar a estrutura do DNA. Crick era especialista em técnica de visualização conhecida como “difração de raios X”, que permite ao cientista determinar a disposição espacial dos vários átomos que constituem uma molécula (FERREIRA, 2003, p. 53). Francis Crick era físico e, em 1939, aos 23 anos, foi convocado para trabalhar como desenhista de minas magnéticas marinhas, durante a Segunda Guerra Mundial. Em 1945 iniciou seu doutorado e em 1949 foi trabalhar no laboratório Cavendish, instalado na Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Nesse laboratório teve a oportunidade de especializar-se na técnica de cristalografia, o que seria muito útil para a elucidação da estrutura do DNA. Watson e Crick iniciaram a coleta de informações, pesquisas e materiais. Além disso, no final de 1951, Watson assistiu ao seminário apresentado por Rosalind Franklin, no qual foi mostrada uma imagem do DNA obtida por ela pela técnica de difração de raios-X. Estas informações, ainda que incompletas, instigaram à construção do primeiro modelo apresentado por Watson e Crick, em dezembro de 1951, o qual foi um fracasso. Mesmo assim, eles não desistiram e continuaram as pesquisas relacionadas ao material genético. 77 Ao mesmo tempo, os estudos em torno da molécula de DNA continuavam. Foi em 1952, oito anos após os experimentos de Avery e de seus colaboradores, que Alfred Hershey e Martha Chase confirmaram a hipótese proposta, segundo a qual o DNA é realmente o material genético. Para chegarem a essa conclusão, Hershey e Chase utilizaram dois grupos de bacteriófagos T2 – vírus que infectam bactérias: em um dos grupos, os bacteriófagos tiveram sua capa protéica marcada com enxofre radioativo (35S); o outro grupo foi constituído por bacteriófagos cujo DNA havia sido marcado com fósforo radioativo (32P). Ambos os grupos foram misturados, separadamente, com bactérias E. coli para esta ser infectada pelos fagos T2. Ao final do experimento, observaram que, ao utilizarem os fagos marcados com 32 P, a maior parte do material radioativo havia sido injetada nas bactérias, porém, quando utilizados os fagos marcados com 35 S, grande parte do material radioativo permaneceu na cápsula dos fagos. Hershey e Chase concluíram que era justamente o DNA, e não as proteínas, que era injetado pelos fagos nas bactérias, comprovando que esta molécula é o material genético. Todavia, havia uma grande dúvida: como era a complexa estrutura do DNA? Watson e Crick eram dois dos vários cientistas interessados em desvendar esse mistério. Para conseguir isso, constantemente estavam à procura de informações e descobertas já obtidas acerca do ácido desoxirribonucléico, sendo este o fator que os conduziu à elucidação da estrutura do DNA. Até então, Watson e Crick haviam dedicado seus estudos aos resultados que os permeavam, tais como: a constituição química da molécula de DNA, a relação da proporção entre o número de bases nitrogenadas A/T e C/G observada por Chargaff, imagens do DNA obtidas por difração de raios X e os estudos de Alexander Todd acerca das ligações fosfodiéster. Além destes dados, Watson e Crick tiveram acesso a informações que foram decisivas para concluírem seus estudos, no final de 1952 e início de 1953. Uma dessas informações cruciais foi obtida em julho de 1952, quando Watson viajou para Londres. Nessa visita, Watson encontrou Wilkins, o qual lhe mostrou algumas fotografias do DNA obtidas pela técnica de cristalografia por Rosalind Franklin. Por meio desse material, Watson pôde ver perfeitamente que se tratava de 78 uma estrutura em hélice. Além disso, Crick, um especialista neste tipo de análise, confirmou que as cadeias de polinucleotídeos se encontravam dispostas como uma hélice. Em outra visita ao laboratório de Rosalind Frankin, em Londres, em janeiro de 1953, Watson obteve informações muito importantes. Dessa vez, Watson teve acesso a algumas conclusões de Rosalind Franklin. De acordo com Franklin, a molécula de DNA apresentava um diâmetro de 20 Ǻ e que, diante disso, a estrutura desta macromolécula deveria se referir a uma dupla hélice. Logo, Crick e Watson também chegaram à conclusão de que os grupos fosfatos (PO4 --) estavam localizados fora da hélice, ou seja, na superfície externa da dupla hélice. Obtidas estas informações, só restava a Watson e Crick montar o quebra-cabeça. Para isto, utilizaram uma estratégia influenciada por Linus Pauling: começaram a montar modelos tridimensionais para representar a estrutura do DNA, utilizando varetas de arame e chapinhas de metal. Ao mesmo tempo, o químico americano Linus Pauling, no Instituto de Tecnologia da Califórnia, em Pasadena, também estava se dedicando à elucidação da estrutura do DNA. Para ele, o DNA era constituído por uma tripla hélice, na qual os fosfatos e as desoxirriboses estavam voltados para a parte interna e as bases nitrogenadas para a parte externa. Além disso, Linus não considerou os resultados obtidos por Chargaff, os quais demonstraram a proporção quantitativa entre as bases nitrogenadas adenina e timina e entre guanina e citosina (STRATHERN, 2001). Em 28 de fevereiro de 1953, Watson e Crick desvendaram a estrutura do DNA, e no dia 25 de abril de 1953, as conclusões de Waton e Crick foram publicadas na revista Nature, no artigo intitulado Structure for Deoxyribose Nucleic Acid. Watson e Crick concluíram que: a molécula de DNA é disposta em hélice e constituída por duas cadeias de polinucleotídeos antiparalelas, ligadas entre si por pontes de hidrogênio, de modo que a adenina se liga com a timinia e a guanina com a citosina; cada cadeia é formada por grupos fosfatos, desoxirriboses e 79 bases nitrogenadas, projetando-se para dentro da molécula. Esta fantástica descoberta os conduziu ao prêmio Nobel, juntamente com Maurice Wilkins, em 1962. Como ressalta Henig (2001, p. 226), “As descobertas de Watson e Crick deram forma a observações que Mendel era incapaz de explicar”. O modelo proposto por Watson e Crick respondia perfeitamente como o material genético era replicado antes de cada divisão celular e como esta informação poderia determinar as características de cada indivíduo e o funcionamento dos organismos vivos. Embora Watson e Crick tivessem proposto que na replicação as duas fitas do DNA se abrem mais ou menos como um zíper, o modelo de replicação semiconservativo para a molécula foi publicado em 1958 por Matt Meselson e Frank Stahl, por meio de um experimento relativamente simples. Após cultivarem bactérias em um meio contendo átomos de N pesado, que foram incorporados ao DNA, os autores retiraram uma amostra e a transferiram para um meio de cultura com N leve, de modo a assegurar que no ciclo de reprodução seguinte esses átomos fossem utilizados na replicação da molécula. Em seguida, empregaram a técnica de centrifugação por gradiente de concentração, que permite separar moléculas de acordo com o peso molecular. Como Watson e Crick haviam previsto, na replicação a dupla hélice do DNA bacteriano se abriu como um zíper e as duas fitas foram copiadas, resultando em duas moléculas híbridas, cada qual constituída por uma fita contendo N pesado e N leve. Quase na mesma época dessa descoberta, os componentes bioquímicos envolvidos na replicação do DNA estavam sendo analisados no laboratório de Arthur Kornberg, na Universidade de Washington, em St. Louis. Esse pesquisador recebeu o Prêmio Nobel de Fisiologia/medicina em 1959, por ter descoberto a DNA-polimerase, enzima que sintetiza DNA adicionando nucleotídeos à extremidade 3’ de uma fita nascente. Nos seus estudos, Kornberg, utilizando-se dessa enzima, conseguiu induzir a replicação completa de um DNA viral em um tubo de ensaio. 80 A partir de então, muitas questões que já intrigavam os pesquisadores da época voltaram a movimentar o mundo científico. “A tarefa imediata [ ] era decifrar como atuava o roteiro da vida codificado pelo DNA. Como o mecanismo molecular das células interpreta as mensagens da molécula do DNA?” (WATSON; BERRY, 2005). Segundo Watson e Berry (2005), começou a ser feita uma série de conjecturas para desvendar esse mistério, antes mesmo da descoberta da estrutura da dupla-hélice do DNA. Os próprios autores, Watson e Crick, já julgavam, antes desta descoberta, que as informações contidas no DNA cromossômico fossem usadas para criar cadeias de RNA de seqüências complementares. Essas cadeias poderiam servir de molde para especificar a ordem dos aminoácidos em suas respectivas proteínas. Um ano após a publicação da dupla-hélice do DNA, em 1954, Gamow, um físico russo, idealizou um modelo que propunha que tripletos de bases do DNA serviam para especificar aminoácidos. Nessa mesma época, Crick propôs que o fluxo de informação DNA-RNA-proteína, constitui o dogma central da genética. Esta hipótese foi corroborada com descoberta, em 1959, da RNA-polimerase, enzima que catalisa a síntese de RNA a partir de uma fita molde de DNA. Em 1955, Francis Crick previu ainda que a molécula de RNA não conteria o segredo da transformação DNA-proteína, mas que os aminoácidos seriam levados por moléculas adaptadoras ao sítio de síntese protéica e, que tais moléculas, provavelmente, seriam pequenos RNAs (WATSON; BERRY, 2005). Pouco tempo depois, Paul Zamecnikos, médico de um hospital de Boston, utilizando materiais de fígado de rato e aminoácidos marcados radioativamente, identificou os ribossomos como a sede da síntese protéica. Esse mesmo pesquisador e seu colega colaborador, Mahlon Hoagland, descobriram que os aminoácidos, antes de incorporarem as cadeias polipeptídicas, estão ligados a pequenas moléculas de RNA, comprovando a hipótese de Crick. Outra peça do quebra-cabeça para desvendar o mistério da decodificação do DNA em proteínas foi colocada em 1960, quando os pesquisadores Matt Meselson, François Jacob e Sydney Brenner descobriram o RNA mensageiro, o verdadeiro molde da síntese protéica. Esses 81 experimentos mostraram que o RNA mensageiro passa pelas duas subunidades ribossômicas, onde se liga aos RNAs transportadores, cada qual com um aminoácido, de modo a possibilitar a ligação peptídica entre os vários aminoácidos que constituem uma proteína. Apesar de tudo, continuavam obscuras as regras para transformar uma seqüência de ácido nucléico em uma seqüência polipeptídica, ou seja, o código genético. Em 1961, experimentos realizados por Brenner e Crick demonstraram que o código é baseado em tripletos, ou trincas de bases do DNA; no entanto, o código completo somente pôde ser desvendado após a descoberta de que RNAs poderiam ser sintetizados in vitro com a utilização de uma enzima específica, capaz de produzir fileiras de AAAAA , GGGGG ou UUUUU. Após sintetizarem uma série de RNAs constituídos de poli-U, poli-A, poli-G, poli-C e com bases intercaladas, Nirenberg, Matthaei e Khorana estabeleceram, em 1966, que o código genético é constituído de 64 códons e identificaram o que cada códon especifica. Nirenberg e Khorana receberam o Prêmio Nobel em Fisiologia/medicina em 1968. Uma descoberta muito importante foi a de que, com raras exceções, o código genético é universal. Estas e outras descobertas, aqui omitidas, revolucionaram o meio acadêmico de tal modo, que muitos cientistas pensavam que a partir de então a genética e a biologia molecular passariam por um longo período de estabilidade, em termos de avanços científicos. Por outro lado, havia aqueles que vislumbravam manipular a molécula de DNA, isolando, modificando e transferindo genes de um organismo para outro. Esta perspectiva tornou-se possível a partir do início da década de 1970, quando Paul Berg isolou e empregou uma enzima de restrição para cortar uma molécula de DNA e uma enzima denominada DNA-ligase para ligar dois fragmentos de DNA, produzindo uma molécula híbrida, denominada de DNA recombinante. A partir deste evento, iniciou-se uma nova era para a genética e a biologia molecular, a era da tecnologia do DNA recombinante. A tecnologia do DNA recombinante foi consolidada na década de 1970, após a descoberta de quatro ferramentas básicas. 82 Uma dessas ferramentas, a enzima DNA-polimerase, foi descoberta no início de 1950 por Arthur Kornberg, como já descrito neste capítulo. Em 1967, Martin Gellert e Bob Lehman identificaram outra enzima muito importante, a DNA-ligase, responsável em unir as extremidades de seguimentos de DNA. A partir de então, utilizando-se apenas duas enzimas, foi possível obter uma molécula de DNA igual ao vírus original, ou seja, com a DNA-polimerase a molécula de DNA era replicada e, posteriormente, a ligase, unia os vários trechos de material genético, formando uma macromolécula contínua. A existência de um terceiro grupo de enzimas foi identificada por Werner Arber, na década de 1960, tendo sido essas enzimas denominadas de enzimas de restrição. Ao estudar a infecção de bacteriófagos por vírus, Arber verificou que o DNA estranho, provindo de bacteriófagos, incorporado na bactéria, sofria degradação pelas enzimas de restrição. A descoberta decisiva para a revolução da tecnologia do DNA recombinante foi, entretanto, o fato de as bactérias poderem desenvolver resistência a antibióticos por meio da importação de uma porção de DNA extracromossômico, denominado de plasmídeo. Assim, uma bactéria, ao receber o plasmídeo de outro semelhante, imediatamente adquire vários genes, de uma maneira completamente diferente do processo de cissiparidade, tipo de reprodução característico desses seres vivos. Nas palavras de Watson e Berry (2005), [...] Primeiro, poderíamos clivar moléculas de DNA usando enzimas de restrição e isolar as seqüências (genes) que nos interessassem. Segundo, usando a ligase, poderíamos “colar” essa seqüência num plasmídeo [...]. Por fim, poderíamos copiar um pedaço de DNA inserindo esse mesmo plasmídeo numa célula bacteriana – a divisão bacteriana normal cuidaria de replicar o plasmídeo com nosso pedaço de DNA [...]. Se deixássemos essa célula se reproduzir continuamente, acabaríamos com uma gigantesca colônia de bilhões de bactérias. A colônia era, portanto, uma verdadeira fábrica de DNA (WATSON; BERRY, 2005, p. 104). Com essas descobertas foi possível confeccionar moléculas de DNA recombinante em laboratório, pela inserção de genes isolados de vários seres vivos em plasmídeos de E. coli e sua 83 introdução em bactérias. Esta tecnologia possibilitou que as proteínas somatostatina (hormônio de crescimento) e insulina humana fossem produzidas, em 1977 e 1978, respectivamente, a partir de bactérias transgênicas. Posteriormente, a técnica de transformação foi transferida para seres superiores, dando origem, em 1981, aos primeiros animais transgênicos e, em 1986, a primeira planta geneticamente modificada, o tabaco, foi liberada pela Agência Norte-Americana de Proteção ao Ambiente (WATSON; BERRY, 2005; SUZUKI, 2000). Os transgênicos mais conhecidos são os de origem vegetal, tais como: a soja Roundup ready, resistente ao herbicida glifosato; o milho, batata e soja Bt, plantas produtoras de toxinas nocivas aos insetos; o tomate Flavr-Savr, apresentando amadurecimento retardado; o arrozdourado, golden rice, que produz um precursor essencial da vitamina A, entre outros. De acordo com Suzuki (2000), transgênico é todo organismo cujo genoma sofreu a adição de um DNA exógeno, ou seja, de uma seqüência de material genético da mesma espécie modificada ou de um trecho de DNA de outra espécie de ser vivo. Portanto, “A característica fundamental que determina a diferença entre organismos transgênicos e não transgênicos é a possibilidade de incorporação de material genético ultrapassando barreiras naturais” (VIEIRA, 2004, p. 32). O Projeto Genoma Humano (PGH) foi outro avanço biotecnológico proveniente da revolução da tecnologia do DNA recombinante. As discussões acerca do desenvolvimento dessa pesquisa iniciaram-se em meados de 1980, tomando, rapidamente, uma força irreversível. No dia 26 de julho de 2000 foi anunciada a conclusão da primeira versão do PGH e, em abril de 2003 o PGH foi finalizado, “[...] coincidindo com o qüinquagésimo aniversário da publicação da descoberta da dupla-hélice” (WATSON; BERRY, 2005, p. 213). Os cientistas não se interessaram em seqüenciar apenas o genoma humano, mas também o dos mais variados seres vivos. De acordo com Keller (2002), o genoma de mais de vinte e cinco microorganismos e animais foram seqüenciados, entre os quais se destacam a bactéria Escherichia coli, o levedo Caenorbabditis elegans e a mosca da fruta Drosophila melagonaster. 84 Com a conclusão do PGH, foi possível verificar que o genoma humano não é constituído por um número tão grande de genes, assim como era imaginado no início da pesquisa. Ainda não se sabe o número exato de genes, porém se estima que se aproxime de 50 mil genes. Além disso, o PGH revelou que apenas cerca de 2% do genoma humano são codificados em proteínas, contrariamente aos demais genes humanos, 98%, os quais, apesar de não serem traduzidos em cadeias polipeptídicas, estão relacionados à regulação genética (WATSON; BERRY, 2005). Sobre esse aspecto, o autor comenta: Até o momento, o aspecto do Projeto Genoma Humano que mais pôs à prova nossa humanidade foi termos percebido como sabemos pouco sobre as funções da vasta maioria dos genes humanos (WATSON; BERRY, 2005, p. 238). Nesse contexto, a ciência já vem realizando dois projetos que irão complementar os resultados obtidos pelo PGH: o Projeto Proteoma e o Projeto Transcriptoma. O Projeto Proteoma terá como objetivo o estudo das proteínas produzidas pelo genoma humano; por outro lado, o Projeto Transcriptoma será voltado para o estudo e determinação dos genes ativos em cada tipo celular que constitui o corpo humano. Assim, apesar do espetacular avanço que a ciência tem apresentado nos últimos tempos, há ainda muito a desvendar, como o “segredo da vida”, desafio desalentador que vem acompanhando o homem desde sua origem na terra. “O fato é que não há aonde ir senão de volta para o futuro, pois, mesmo com o genoma inteiro à nossa disposição, o programa e as indicações que determinam como as instruções desse genoma são levadas a cabo permanecem um mistério quase insondável” (WATSON; BERRY, 2005, p. 248). Deste modo, não podemos deixar de nos questionar o que virá em seguida. 85 3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS PARA A COLETA DE DADOS 3.1. Os primeiros passos: escolha da instituição de ensino e participantes da pesquisa A presente pesquisa foi desenvolvida em uma turma do 2º ano do Ensino Médio noturno de um colégio público de um município da Noroeste do Paraná. A seleção da instituição de ensino e do docente participante baseou-se em critérios de receptividade e convergência de interesses. Esta seleção foi efetuada após visitações, nas quais apresentamos o projeto e discutimos a sua viabilidade junto à direção, à equipe pedagógica e aos docentes de Biologia. Para a escolha da série, levamos em consideração a organização do projeto pedagógico da escola, que estabelece o conteúdo de herança genética para o 2º ano do Ensino Médio. Escolhidas a instituição, a docente de Biologia e a série, faltava-nos decidir a turma. Nesse momento a professora nos propôs um desafio: trabalhar com estudantes do período noturno, uma vez que a única turma do 2º ano do Ensino Médio de Educação Geral, sob sua direção no ano letivo de 2007, pertencia a esse turno. A nossa preocupação inicial assentava-se no fato, apontado por Da Cruz (2006), de a grande maioria desses estudantes dedicar-se a outras atividades durante os períodos matutino e vespertino e, com certa freqüência, apresentar pouca disponibilidade de tempo para as atividades escolares e tarefas extraclasse. Além destes fatores, a duração das aulas no período noturno é menor que a dos outros períodos, e como o turno se inicia às 19h, muitos dos estudantes trabalhadores freqüentemente chegam atrasados à escola. 3.2 A instituição escolar A instituição escolhida para a pesquisa é um colégio estadual, criado em 26/09/1966, voltado à formação de jovens trabalhadores, incluindo professores para a educação básica, a fim 86 de atender à demanda do município e região por profissionais qualificados, em virtude do intenso desenvolvimento. O colégio campo da pesquisa está situado na área central da cidade e caracteriza-se como uma instituição de grande porte, a maior do município, atendendo, aproximadamente, a 3.200 alunos. A clientela compreende alunos de todas as séries do ensino fundamental ao ensino médio, distribuídos nos três turnos: matutino, vespertino e noturno. Fazem parte desta clientela também estudantes com deficiências físicas e mentais, os quais se encontram incluídos em turmas regulares ou em turmas especiais. O ensino médio regular profissionalizante, com as modalidades de formação de docentes e técnicos administrativos, abrange aproximadamente 1077 alunos, dos quais a maior parte estuda no período noturno. Apesar da localização central do colégio, sua clientela é bastante diversificada quanto aos níveis social, econômico e cultural, e provém de diferentes bairros, vilas rurais, e até mesmo de pequenas cidades vizinhas. Para manter a organização interna, o colégio conta com um (1) diretor geral e três auxiliares, um para cada período, 190 professores, em média, 17 funcionários administrativos e 25 de serviços gerais. Além disto, a instituição possui 9 pedagogas que atuam na coordenação pedagógica ou na orientação educacional, distribuídas nos vários períodos de aula. Em relação a sua infra-estrutura, o colégio possui grande espaço físico, constituído por várias salas administrativas e de apoio pedagógico; 35 salas de aula, incluindo salas para educação especial; quadras esportivas e ginásio de esportes; parque infantil e praça de recreação; bibliotecas central e infantil; salão nobre; laboratórios de informática, física, química e biologia, além de outras salas-ambiente para atividades de matemática, história e geografia, língua portuguesa, educação física e prática de ensino, contendo muitos recursos didático-pedagógicos. O projeto político-pedagógico do colégio, fundamentado na Teoria Histórico-Cultural, ressalta a importância da aprendizagem de conhecimentos científicos constituídos de elementos que possam ajudar o aluno a compreender o mundo em que vive e nele intervir de modo 87 consciente. Nesta perspectiva, valoriza o papel do professor como mediador do processo de apropriação destes conhecimentos. O texto destaca ainda como finalidade educacional o pleno desenvolvimento dos indivíduos e a formação voltada ao exercício da cidadania e do trabalho. A análise do documento nos levou a observar certa contradição entre a sua fundamentação teórica, apoiada nos pilares da Teoria Histórico-Cultural, e sua finalidade educacional, descrita sob os moldes dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que, orientados pelas políticas neoliberalistas, baseiam-se nas pedagogias por competências, as quais apresentam um caráter de adaptação do sujeito às necessidades da sociedade atual. De acordo com Duarte (2001a, 2001b), essa concepção, embutida nos PCNs, é fruto do momento em que estamos vivendo, ou seja, a chamada sociedade do conhecimento, que é uma ideologia produzida pelo próprio capitalismo, com a função de moldar o indivíduo aos seus ditames, e cuja adoção apenas fortalece este modelo político. A assim chamada sociedade do conhecimento é uma ideologia produzida pelo capitalismo, é um fenômeno no campo da reprodução ideológica do capitalismo [...] seria justamente a de enfraquecer as críticas radicais ao capitalismo e enfraquecer a luta por uma revolução que leve a uma superação radical do capitalismo, gerando a crença de que essa luta teria sido superada pela preocupação com outras questões “mais atuais”, tais como a questão da ética na política e na vida cotidiana, pela defesa dos direitos do cidadão e do consumidor, pela consciência ecológica, pelo respeito às diferenças sexuais, étnicas ou de qualquer outra natureza (DUARTE, 2001, p. 39). 3.3 Participantes da pesquisa: professora e estudantes A professora participante da pesquisa é graduada em licenciatura plena em Ciências Biológicas, com especialização em Biologia Celular e Psicopedagogia. Além da pós-graduação lato sensu, já realizou alguns cursos para atualização profissional, promovidos por universidades ou pelo Núcleo de Educação do município, e participa de grupos de estudos nos quais são discutidas obras referentes à Teoria Histórico-Cultural. Atua como professora de Biologia na rede pública há 28 anos e, atualmente, também trabalha como supervisora de uma escola particular, 88 totalizando uma carga horária semanal de 60 horas. Durante nossos encontros extraclasse a professora demonstrou estar preocupada, principalmente, com as dificuldades de aprendizagem e o desinteresse dos estudantes em relação aos estudos – no seu caso específico, à disciplina de Biologia. Com o intuito de promover uma maior motivação dos estudantes para o estudo desta disciplina, revelou ter-se apoiado na utilização de atividades lúdicas e na construção de modelos didático-pedagógicos. Não obstante, em sua opinião, deveria haver maior orientação aos docentes para atuar diante dos desafios advindos das novas gerações de estudantes do século XXI, para que possa ocorrer, de fato, uma melhoria nos processos de ensino e aprendizagem de Biologia. Quando começamos a coleta de dados, no início do ano letivo de 2007, a turma selecionada era composta por 35 alunos que freqüentavam regularmente as aulas, apesar de o livro de chamada registrar 37 matrículas. No decorrer do primeiro semestre, a variação do fluxo de freqüência de alunos foi bastante grande, uma vez que, enquanto alguns abandonaram o curso ou pediram transferência para o período diurno ou para outras instituições, principalmente para o ensino supletivo, ocorreu também a inclusão de alunos de outras turmas, períodos e instituições. Ao final da nossa pesquisa participavam, com freqüência às aulas, apenas 25 alunos, embora permanecessem 43 registros no livro de chamada. A variação do número de alunos parece ser peculiar no ensino noturno, pois, como verificado por Abrahão (1993), após três anos de estudos, apenas 11,68% dos estudantes finalizaram um dos cursos noturnos profissionalizantes oferecidos pela instituição na qual foi realizada a sua pesquisa. Sobre este aspecto esse autor completa: A evasão e a repetência nos cursos noturnos é um fenômeno que persiste ao longo do tempo [...] Tal fato é ainda mais preocupante se lembrarmos que o efetivo de alunos do noturno é bastante superior ao do diurno e que este é o extrato da população mais duramente atingido por condicionantes sócio-políticoeconômico-culturais da estrutura social (ABRAHÃO, 1993, p. 6). A esta problemática acrescenta-se a oscilação na assiduidade e pontualidade dos estudantes do período noturno, principalmente em vésperas de feriado, como também observa Da Cruz (2006). Constatamos ainda que as semanas contempladas com algum feriado eram 89 consideradas por muitos estudantes como “ semanas de folga” ou “do saco cheio”, em que eles deixavam de comparecer às aulas por vários dias seguidos. A intensa variação no número de estudantes matriculados e na assiduidade de cada um deles pode ser verificada na tabela abaixo, a qual mostra a quantidade de faltas, o número de desistências, transferências e matrículas efetuadas no decorrer do 1º semestre do ano letivo de 2007 (TABELA 01). Dos estudantes da turma selecionada, aproximadamente a metade era do sexo masculino. A idade desses alunos variava de 15 a 27 anos, com maior concentração na faixa etária de 16 a 18 anos. Com a finalidade de obter um perfil das características afetivas, sociais, econômicas e culturais dos estudantes participantes da pesquisa regularmente freqüentes (25 estudantes), solicitamos que respondessem dois questionários (ANEXO 01 e 02), com questões referentes aos aspectos: profissão exercida; cidade e bairro em que mora; escola na qual estudou anteriormente; motivos e necessidades da escolha do colégio em que estuda atualmente e do curso de Ensino Médio de Educação Geral, ao invés de cursos profissionalizantes; expectativas profissionais e estudantis futuras; meios de comunicação de que dispõe em sua residência, freqüência de acesso a esses meios; afinidade com leitura (livros, revistas e jornais), cinema, teatro e música; atividades preferidas nas horas de lazer. De acordo com os dados obtidos, a maioria dos estudantes (64%) afirmou que trabalhava durante o período diurno, sendo diversas as profissões descritas, tais como: vendedor, operador de máquinas industriais, moto-boy, auxiliar administrativo, auxiliar de almoxarifado, auxiliar de cabeleireira, babá, webdesigner, garçonete e outras. Os outros alunos, ao serem questionados por que estudavam no período noturno se não trabalhavam, responderam que estavam à procura de emprego ou desempenhavam outras atividades durante o dia, como, por exemplo, a prática de esportes. 90 Tabela 01 – Número de faltas, datas das transferências e matrículas efetuadas no período de 12/02/2007 a 6/07/2007 – 1º semestre do ano letivo de 2007 (baseados nos registro diários de classe) Sigla de representação dos Alunos* A1 A2 A3 A4 A5 A6 A7 A8 A9 A10 A11 A12 A13 A14 A15 A16 A17 A18 A19 A20 A21 A22 A23 A24 A25 A26 A27 A28 A29 A30 A31 A32 A33 A34 A35 A36 A37 A38 A39 A40 A41 A42 A43 TOTAL: 43 Número de Faltas Datas das transferências 5 28 10 5 3 15 2 4 1 9 7 0 11 4 4 12 2 6 8 11 2 3 8 14 15 8 13 1 5 5 0 10 0 2 7 1 7 7 20 4 0 0 0 --- ------------17/05/2007 ------------21/05/2007 ---18/05/2007 --------20/05/2007 --------29/03/2007 ----------------21/03/2007 08/05/2007 ------------13/06/2007 --------25/06/2007 --------18/06/2007 --------------------------------------------10 Datas de inclusões na turma ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------26/03/2007 26/03/2007 02/04/2007 02/05/2007 28/05/2007 28/05/2007 6 Datas da última freqüência** --------------------------------------------------------------------------------------------18/06/2007 --------23/04/2007 ------------19/03/2007 ---12/02/2007 14/05/2007 ------------07/05/2007 25/06/2007 ----05/05/2007 --------8 * Letra A seguida pelo número de identificação de cada estudante contido no livro de chamada; ** Considerando-se que a desistência dos estudantes pelos estudos é promulgada após o limite de número de faltas ser ultrapassado, divulgamos apenas a data do 1º dia de uma seqüência significativa de faltas. 91 No que se refere ao bairro onde moravam, verificamos que os participantes da pesquisa eram oriundos de diferentes locais do município, sendo que a maioria (18 alunos) residia longe do centro ou, como no caso do aluno 20, em outro município, dependendo de meio de transporte para estudar e, muitas vezes, para trabalhar. Quando os questionamos sobre estas dificuldades de locomoção, grande parte dos alunos revelou ter escolhido estudar nesse colégio por ser o mais próximo do local de trabalho, minimizando, assim, os obstáculos encontrados no dia-a-dia. A pesquisa revelou ainda que os estudantes eram procedentes de outras escolas estaduais (80%), municipais (16%) ,ou sempre estudaram nesse colégio. Grande parte dos estudantes revelou interesse em dar continuidade aos estudos em nível superior, sendo citados vários cursos, entre os quais os mais mencionados foram Ciências Biológicas, Medicina Veterinária e Psicologia. Em relação aos meios de comunicação apresentados pelos estudantes, a televisão, o aparelho de som e o telefone celular foram assinalados por todos. Por outro lado, nem todos os estudantes afirmaram ter acesso a DVD, computador, Internet, telefone residencial, MP3/MP4, revistas e jornais, com exceção de A15 e A23, os quais assinalaram todos os itens citados acima. Os meios de comunicação com menor índice de acesso pela turma pesquisada foram o aparelho de MP3/MP4, os jornais e as revistas, os quais foram assinalados por 48%, 44% e 56% dos estudantes, respectivamente. Conseqüentemente, a maioria dos alunos (68%) afirmou que a televisão é o principal meio de comunicação utilizado para a obtenção de informações e notícias, seguida, em menor proporção, da Internet (12%), rádio (8%), revistas (4%) e jornais (4%). Apesar de a minoria dos estudantes (44%) ter revelado apresentar afinidade com a leitura de jornais, muitos alunos demonstraram gostar de ler, frequentemente, revistas (56%) e livros não relacionados diretamente aos seus estudos (60%). Entre as revistas preferidas pelos estudantes destacaram-se as de divulgação científica, de esportes, de informação geral (Veja, Isto É) e de entretenimento. Em relação aos livros, a tipologia das obras citadas foi bem ampla, abrangendo o campo policial, romance, ficção científica, aventura, religião, auto-ajuda e suspense. 92 A atração pela música foi um consenso entre os estudantes, sendo os estilos de preferência mais citados o pagode, axé, música sertaneja, samba, MPB, música romântica, música clássica, dance, pop rock, rock, rap, black, heavy metal, heard core, hemo core, gospel, funk e rip hop. Ao contrário do que observamos em relação à música, nem todos os estudantes afirmaram gostar de assistir filmes (4%) e peças teatrais (40%). Entre os estudantes que assinalaram gostar de assistir filmes (96%), as respostas acerca da freqüência com que vão ao cinema oscilaram de raramente a todos os finais de semana, e os estilos de filmes citados variaram entre romântico, comédia, drama, história real, aventura, desenho, ação, ficção científica e terror. Os estudantes que disseram gostar de assistir peças teatrais (60%) complementaram suas respostas dizendo o número de vezes em que haviam tido a oportunidade de apreciar esse tipo de arte, o qual se situou entre uma e sete vezes. Em relação à vida social, os alunos ressaltaram que, nas suas horas ou dias de folga, gostam de assistir TV, navegar na Internet, descansar, ouvir música, passear, visitar e conversar com os amigos e parentes, ler, jogar videogame, desenhar, dançar, fazer exercícios físicos, brincar com o animalzinho de estimação ou namorar. Para conhecermos melhor as particularidades dos estudantes que apresentaram uma participação freqüente na pesquisa (25 alunos no total), são apresentadas abaixo mais algumas informações. Aluno 1: é do sexo feminino, solteira, tem 16 anos e trabalha como operadora de máquinas. Há dois anos estuda nesse colégio, o qual foi escolhido pela sua família por oferecer o curso profissionalizante de Formação Docente. Ao iniciar o ensino médio, matriculou-se neste curso profissionalizante por vontade de sua mãe, porém não se identificou com as disciplinas de licenciatura, por isso decidiu ingressar no curso de Educação Geral. Após finalizar esta etapa de ensino, pretende fazer um cursinho e graduar-se em Medicina Veterinária ou Ciências Biológicas. Em relação aos meios de comunicação a que tem acesso em sua residência, afirmou possuir televisão, rádio, aparelho de som, DVD, computador, Internet, revistas e celular, mas não possui 93 MP3/MP4 e telefone. Afirmou, também, que o principal meio de comunicação por meio do qual obtém notícias e informações é a televisão, seguida pelo rádio. Apesar de não ter o hábito de ler jornais e livros que não estejam diretamente relacionados aos seus estudos, revelou que gosta de ler revistas, assistir filmes, peças teatrais e ouvir música freqüentemente, demonstrando gostar de todos os estilos musicais e de filmes. Nas horas de lazer, costuma namorar e descansar. Aluno 2: é do sexo feminino e solteira, tem 18 anos e atualmente está desempregada. Já trabalhou em restaurante e salão de beleza. Este é o quarto ano em que estuda nessa instituição de ensino, a qual foi escolhida por ela por oferecer o curso de Formação Docente. Entretanto, no decorrer do curso percebeu que não gostaria de exercer a profissão de docência e iniciou o ensino em Educação Geral. Após finalizar esta etapa, pretende dar continuidade aos seus estudos e concluir o ensino superior em Educação Física ou Medicina Veterinária. Em relação aos meios de comunicação a que tem acesso em sua residência, afirmou que possui televisão, rádio, aparelho de som, DVD, computador, celular e MP3/MP4; não acessa a Internet, não lê revistas e jornais e não tem telefone celular. Afirmou também que o principal meio de comunicação por meio do qual obtém notícias e informações é a televisão. Revelou não ter o hábito de ler jornais, revistas e livros que não estejam diretamente relacionados aos seus estudos. Por outro lado, afirmou ter bastante atração pelo teatro, já tendo assistido a várias peças. Além disso, gosta de música e cinema, com preferência por filmes de romance, de comédia e de todos os estilos musicais, com exceção do rap. Nas horas de lazer, gosta de passear e namorar. Aluno 3: é do sexo feminino, solteira, tem 17 anos e trabalha em um salão de beleza. Estuda nesse colégio há 5 anos, o qual foi escolhido pela sua família, porque muitos amigos e parentes estudam ou já estudaram nele. Está cursando Educação Geral, pois não se interessou pelos cursos profissionalizantes, e após finalizar a educação básica pretende fazer vestibular para Direito. Em relação aos meios de comunicação a que tem acesso em sua residência, afirmou que possui quase todos os itens contemplados na listagem dada (Anexo 02), com exceção do MP3/MP4. Afirmou também que o principal meio de comunicação por meio do qual obtém notícias e informações é a Internet, seguida do jornal. A estudante disse que lê freqüentemente o jornal O Diário e revistas como Veja, Época e Z.A.Z. Lê, anualmente, pelo menos um livro não diretamente relacionado aos seus estudos, tendo preferência por livros de Paulo Coelho, recomendando as obras Onze 94 Minutos, O Alquimista e Britta. Revelou gostar também de teatro, tendo já assistido a aproximadamente seis peças teatrais. Gosta também de música, de todos os estilos, com exceção de rock. Quanto aos filmes, romances e comédias são os de sua preferência. Em seus momentos de folga gosta de dormir, ouvir música e fazer ioga. Aluno 5: é do sexo masculino, solteiro, tem 16 anos e trabalha como estoquista. Escolheu essa escola para cursar o ensino médio porque sua família acredita que ela oferece um ensino de boa qualidade. Apesar de estar cursando Educação Geral, afirmou que gostaria de ter feito o curso de Contabilidade, por já ter trabalhado neste ramo, porém não lhe foi possível. Revelou também que pretende fazer o curso superior de Administração ou Engenharia Mecânica, após finalizar o ensino médio. Assinalou possuir, em sua residência, acesso aos seguintes meios de comunicação: televisão, rádio, DVD, computador, Internet, MP3/MP4, celular e telefone. O principal meio de comunicação pelo qual obtém notícias e informações é a televisão. Apesar de não ter o hábito de ler revistas e jornais, revelou ler, durante o ano, aproximadamente 20 livros, em sua maioria relacionados à religião. Afirmou gostar bastante de teatro, de que já assistiu cerca de cinco peças, além de música Gospel e filmes, principalmente de ficção científica e ação. Nas horas de lazer, estudar a Bíblia e a ler livros de teologia são suas atividades preferidas. Aluno 6: é do sexo feminino, casada, tem 18 anos e trabalha como operadora de máquinas. Escolheu esse colégio por dois motivos: possuir excelentes professores e seus amigos também estudarem nele. Após concluir o curso de Educação Geral, pretende fazer os cursos profissionalizantes de Administração e Língua Estrangeira, com vista a se preparar melhor para ingressar no curso superior de Turismo e Hotelaria. No que se refere aos meios de comunicação disponíveis em sua residência, assinalou possuir televisão, rádio, aparelho de som, DVD, computador, Internet, revistas, celular e telefone. A televisão é o principal meio de comunicação pelo qual obtém notícias e informações. Apesar de não ter o hábito de ler jornais, revelou ler as revistas Veja e Cláudia e, pelo menos, um livro ao ano que não esteja relacionado diretamente com seus estudos, com preferência por obras da literatura brasileira. Ressaltou gostar também de ouvir músicas dos estilos dance e evangélica e de filmes de romance e de comédia. Por outro lado, afirmou não gostar de teatro. Nas horas de lazer, prefere dormir, sair, ler e dançar. 95 Aluno 7: é do sexo feminino, solteira, tem 16 anos e trabalha como auxiliar administrativo. Este é o seu segundo ano nesse colégio, o qual foi escolhido pela família por falta de alternativa. Está cursando Educação Geral por acreditar que este é de melhor qualidade em comparação com o curso de Formação Docente, e também porque não envolve muito cálculo, como acontece com o de Contabilidade. Entretanto, apesar de não ter afinidade com cálculo, pretende fazer o curso superior de Administração de Empresas. Em sua residência, tem acesso a televisão, rádio, aparelho de som, DVD, computador, Internet, jornais, revistas, celular e telefone, mas não possui MP3/MP4. Afirmou também que o principal meio de comunicação pelo qual obtém notícias e informações é a Internet, seguida pela televisão, rádio e jornal. Afirmou ter o hábito de ler a revista Época, os jornais O Diário, Folha de São Paulo e folha de Londrina e lê, anualmente, sete livros não relacionados,diretamente,com seus estudos. Questionada acerca de qual livro lido recentemente recomendaria, citou a obra de Dan Brown intitulada O código da Vinci. Ressaltou gostar também de ouvir músicas dos estilos funk, rap, sertanejo, samba e romântico, e de assistir filmes de romance, comédia e aventura. Por outro lado, afirmou não gostar de teatro. Gosta de dormir e navegar na Internet nas horas de lazer. Aluno 9: é do sexo feminino, solteira, tem 16 anos e atualmente está à procura de seu primeiro emprego. Este é o seu segundo ano no colégio, no qual ingressou pelo fato de todas as suas amigas estudarem ali. Escolheu o curso de Educação Geral, pois não se identificou com os cursos profissionalizantes oferecidos pelo colégio. Após finalizar esta etapa, pretende fazer o vestibular, porém ainda está em dúvida em relação ao curso que gostaria de fazer. Os meios de comunicação a que revelou ter acesso em sua casa foram: televisão, rádio, aparelho de som, DVD, computador, Internet, celular e telefone. Afirmou que a televisão é o principal meio de comunicação pelo qual obtém notícias e informações. Apesar de não ter o hábito de ler revistas e jornais, gosta de ler livros não relacionados diretamente com seus estudos. Lê, em média, 10 livros por ano e, ao lhe perguntarmos qual livro leu recentemente, citou as obras: O cobrador, Os ratos e Senhora. Além disto, afirmou gostar de teatro, música de quase todos os estilos, filmes de terror e de ficção científica. Nas horas de lazer, gosta de namorar e passear. Aluno 11: é do sexo feminino, solteira, tem 16 anos e atualmente está desempregada. Há um ano estuda nesta instituição de ensino, porque precisa trabalhar e para isso foi necessário estudar no 96 período noturno. Resolveu escolher o curso de Educação Geral porque os cursos profissionalizantes oferecidos pelo colégio não abrangem a área em que ela gostaria de se especializar após finalizar o ensino médio. Os cursos de nível superior de seu interesse são os de Ciências Biológicas e Gastronomia. Assinalou ter acesso, em sua residência, à grande maioria dos meios de comunicação citados na lista fornecida (Anexo 02). Afirmou, também, que a televisão é o principal meio de comunicação pelo qual obtém notícias e informações. Apesar de não ter o hábito de ler jornais e revistas, disse ler, a cada ano, um livro não relacionado diretamente com seus estudos; e ao perguntarmos qual livro lera recentemente, citou a obra O diário de Débora. Além disto, revelou gostar de ir ao teatro, ouvir música de todos os estilos e assistir filmes de terror. Nas horas de lazer, navegar na Internet, ouvir música e assistir TV são suas ocupações preferidas. Aluno 12: é do sexo masculino, solteiro, tem 16 anos e trabalha como auxiliar de almoxarifado. Este é o segundo ano no colégio, o qual foi escolhido pela família pelo fato de sua mãe já ter estudado nessa instituição e ter gostado bastante do ensino oferecido. Escolheu o curso de Ensino Médio de Educação Geral porque não gosta da área de contabilidade e também pela indicação do seu irmão. Demonstrou interesse em dar continuidade a seus estudos, fazendo cursos profissionalizantes e de ensino superior de Línguas Estrangeiras, Psicologia ou Informática. Em relação aos meios de comunicação a que tem acesso em sua residência, assinalou possuir televisão, rádio, aparelho de som, DVD, jornais, revistas, celular e telefone, não possuindo, porém, MP3/MP4 e computador. Entretanto, apesar de não ter computador, ressaltou que acessa a Internet, freqüentemente. Afirmou, também, que o principal meio de comunicação pelo qual obtém notícias e informações é a televisão, seguida pelo rádio. Descreveu ler o jornal O diário e a revista Teen mania, mas raramente. Além disto, afirmou gostar de ler um a dois livros por ano, que não estejam relacionados diretamente com seus estudos, destacando e recomendando Vale dos dinossauros. Revelou gostar de ouvir músicas relacionadas aos vários estilos de rock (heavy metal, emo core e heard core) e assistir filmes, principalmente, de terror, ficção científica, ação e comédia. Por outro lado, afirmou não gostar de teatro. Nas horas de lazer, suas atividades preferidas são conversar com os amigos e passear. 97 Aluno 14: é do sexo feminino, solteira, completou recentemente 19 anos e atualmente trabalha como fiscal de provas. Este é seu primeiro ano nessa instituição de ensino, a qual foi escolhida pela família por considerá-la uma boa escola. Por não se interessar pelos cursos profissionalizantes oferecidos pelo colégio, matriculou-se no curso de Educação geral e, após finalizá-lo, pretende continuar seus estudos na área de Medicina Veterinária. Os meios de comunicação a que tem acesso em sua residência são televisão, rádio, aparelho de som, DVD, revistas e telefone, não tendo acesso, porém, a MP3/MP4, Internet e jornais. A maior parte das informações e notícias a que tem acesso são obtidas por meio da televisão. Revelou não ter o hábito de ler livros, jornais e revistas e de ir ao teatro. Por outro lado, ressaltou gostar de ouvir música dos estilos romântico, sertanejo, pop rock e dance, e assistir filmes de todos os estilos, exceto de terror. Nas horas de lazer, gosta de descansar. Aluno 15: é do sexo feminino, solteira, tem 16 anos e atualmente está apenas estudando. Este é o segundo ano nesse colégio e afirmou que o principal motivo desta escolha foi o fato de ter um companheiro com quem pode ir e voltar do colégio. Matriculou-se no curso de Ensino Médio de Educação Geral por não ter afinidade com nenhum dos cursos profissionalizantes oferecidos pelo colégio e por acreditar que esta modalidade proporciona uma boa formação para que possa dar continuidade aos seus estudos em nível superior. Quanto às suas expectativas em relação ao ensino superior, revelou ter interesse pelo curso de Psicologia. A estudante assinalou possuir em sua residência todos os meios de comunicação citados na listagem fornecida (Anexo 02). Afirmou também que o principal meio de comunicação pelo qual obtém notícias e informações é a televisão, seguida pelo rádio. Declarou possuir hábito de ler jornais, revistas e livros não relacionados diretamente com seus estudos. Ao lhe perguntarmos qual livro lera recentemente, citou a obra intitulada O crime do padre Amaro. Ressaltou gostar também de teatro e que já teve a oportunidade de assistir cerca de sete peças; gosta ainda de ouvir músicas e assistir filmes de todos os estilos. Nas horas de lazer, prefere descansar e passear. Aluno 17: é do sexo feminino, solteira, tem 18 anos e trabalha como vendedora. Entrou em 2007 nesse colégio, devido ao incentivo da família, que o considera uma boa instituição de ensino. Escolheu o curso de Educação Geral por não se interessar pelos cursos profissionalizantes e, após finalizar esta etapa, pretende fazer o curso de Direito. No que se refere aos meios de comunicação 98 a que tem acesso em sua residência, assinalou possuir televisão, rádio, aparelho de som, DVD, computador, Internet, jornais, revistas, celular e telefone. Informou ser a Internet o principal meio de comunicação pelo qual obtém notícias e informações. Revelou ler, às vezes, o jornal O diário, e freqüentemente, a revista Isto É, embora não tenha a hábito de ler livros que não estejam relacionados diretamente com seus estudos. Além disto, afirmou gostar de teatro, música pop, sertaneja e romântica, e de assistir filmes românticos e de terror. Nas horas de lazer, gosta de descansar. Aluno 18: é do sexo feminino, solteira, tem 15 anos, não está trabalhando, e está estudando à noite porque é o único período em que seu pai pode ficar em casa cuidando de sua filha. Estuda no colégio há apenas seis meses e este foi escolhido por estar localizado próximo à sua residência. Está cursando Educação Geral por acreditar que este curso oferece uma melhor preparação para o ingresso no ensino superior, em que pretende estudar Nutrição. Assinalou ter acesso, em sua residência, aos seguintes meios de comunicação: televisão, rádio, aparelho de som, DVD, computador, Internet, MP3/MP4, celular e telefone. Afirmou também que o principal meio de comunicação pelo qual obtém notícias e informações é a televisão. Afirmou não ter o hábito de ler jornais, revistas e livros. Por outro lado, revelou gostar de teatro, música pop e rock e assistir filmes. Nas horas de lazer, prefere assistir TV e acessar a Internet. Aluno 19: é do sexo masculino, solteiro, tem 18 e atualmente está desempregado. Este é o seu segundo ano no colégio, e o escolheu porque, em sua opinião, possui bons professores e o ensino que oferece é de boa qualidade. Apesar de estar cursando Educação Geral, tenciona posteriormente fazer cursos profissionalizantes, e se decidir continuar seus estudos, pretende fazer o curso superior de Arquitetura. Em relação aos meios de comunicação a que tem acesso em sua residência, assinalou possuir televisão, rádio, aparelho de som, DVD, computador, jornais, revistas, MP3/MP4 e celular. Não tendo acesso à Internet. Afirmou também que as revistas são o principal meio de comunicação pelo qual obtém notícias e informações, seguidas da televisão. Disse ler, frequentemente, o jornal Gazeta do Povo e revistas, porém revelou não gostar de ler livros não relacionados diretamente com seus estudos. Além disto, afirmou gostar de ouvir música dos estilos rock, black e rap, e de assistir filmes de ação. Nas horas de lazer, jogar videogame é sua atividade preferida. 99 Aluno 20: é do sexo masculino, solteiro, tem 19 anos e trabalha como auxiliar de escritório. Por considerá-la uma boa escola, ingressou nesta instituição de ensino este ano. Apesar de estar cursando Educação Geral, pretende, posteriormente, fazer o curso profissionalizante de Administração para expandir seus conhecimentos, uma vez que já trabalha nesta área; e gostaria de fazer o curso superior em Contabilidade. Em relação aos meios de comunicação a que tem acesso em sua residência, assinalou possuir televisão, rádio, aparelho de som, DVD, computador, Internet, jornais, revistas e celular. Afirmou também que o principal meio de comunicação pelo qual obtém notícias e informações é o rádio, seguido pela Internet. Disse ler, diariamente, o jornal O diário e, com pouca freqüência, revistas; porém ressaltou não gostar de ler livros que não estejam relacionados diretamentecom seus estudos. Além disto, afirmou gostar de teatro, música de todos os estilos e filmes de ação, ficção científica, história real, romance e de comédia. Passear e visitar amigos e parentes são suas atividades preferidas, nas horas de lazer. Aluno 23: é do sexo masculino, solteiro, tem 20 anos e trabalha na área de análise e crédito (cobrança) em uma concessionária. Este é o seu primeiro ano nesta instituição de ensino, a qual foi escolhida por um motivo de praticidade: é o colégio mais próximo de seu trabalho. Parou seus estudos por algum tempo e, após dois anos sem estudar, deu continuidade ao curso de Educação Geral, pois constatou o peso da educação no momento de obter um emprego. Entre os motivos da preferência pelo curso de Educação Geral se destacam o menor tempo requerido para conclusão e melhor preparação para o seu ingresso no ensino superior, em que pretende estudar Arquitetura. Em relação aos meios de comunicação a que tem acesso em sua residência, assinalou todos os itens contidos na lista dada (Anexo 02). Afirmou, também, que o principal meio de comunicação pelo qual obtém notícias e informações é o jornal, seguido pelas revistas. Demonstrou ter o hábito de ler, freqüentemente, revistas, jornais e livros não relacionados diretamente com seus estudos. Lê, em média, nove livros por ano, e quando questionado sobre qual livro lido recentemente recomendaria, citou O código da Vinci. Além disto, afirmou gostar de teatro, já tendo tido a oportunidade de assistir a cerca de cinco peças; gosta ainda de música de vários estilos, destacando-se os de MPB, clássicos e pop rock, e de filmes. Nas horas de lazer, gosta de ler ou realizar atividades que envolvam aquisição de conhecimento. 100 Aluno 24: é do sexo masculino, solteiro, tem 19 anos e trabalha como motoboy. Há três anos estuda nesse colégio e escolheu cursar Educação Geral porque os outros cursos não lhe interessavam. Ao finalizar a educação básica, não sabe o que irá fazer, porém, se continuar seus estudos, gostaria de estudar Psicologia. Assinalou ter acesso, em sua residência, aos seguintes meios de comunicação: televisão, rádio, aparelho de som, DVD, computador, Internet, MP3/MP4, celular e telefone. Afirmou também que o principal meio de comunicação pelo qual obtém notícias e informações é a televisão, seguida pela Internet. Demonstrou não ter o hábito de ler revistas, jornais e livros não relacionados diretamente com seus estudos. Além disto, revelou não gostar de assistir peças teatrais. Por outro lado, afirmou gostar de ouvir música, principalmente, black e rock, e de assistir a filmes de ficção científica. Nas horas de lazer, adora passear. Aluno 28: é do sexo feminino, solteira, tem 27 anos e trabalha como bordadeira. Há um ano está estudando neste colégio, o qual foi escolhido porque aparenta oferecer um ensino melhor, comparado a outras instituições. Por motivos pessoais foi obrigada a parar seus estudos na juventude e, ao retornar, decidiu cursar Educação Geral, pois concluiu que seria o melhor a fazer após tantos anos sem estudar. Quando finalizar esta etapa escolar, pretende continuar estudando e fazer o curso de Ciências Biológicas. Em relação aos meios de comunicação a que tem acesso em sua residência, assinalou possuir televisão, rádio, aparelho de som, DVD, computador, Internet, revistas, celular e telefone. Afirmou, também, que o rádio é o principal meio de comunicação pelo qual obtém notícias e informações. Demonstrou não ter o hábito de ler revistas, jornais e livros que não estejam relacionados diretamente com seus estudos. Além disto, ressaltou não gostar de assistir a peças teatrais e filmes. Por outro lado, afirmou ter grande afinidade com músicas sertaneja e religiosa. Nas horas de lazer, gosta de descansar. Aluno 30: é do sexo feminino, solteira, tem 17 anos e trabalha como atendente. Escolheu estudar nesse colégio porque é bem-conceituado no que se refere ao ensino de qualidade. Iniciou o ensino médio na área de magistério, mas se decepcionou com o curso e, diante disto, resolveu ingressar no curso de Educação Geral. Após finalizar a educação básica, pretende continuar seus estudos e fazer o curso superior em Fisioterapia. Televisão, rádio, aparelho de som, DVD, computador, Internet, jornais, MP3/MP4, celular e telefone são os meios de comunicação a que assinalou ter 101 acesso em sua residência. Afirmou também que o principal meio de comunicação pelo qual obtém notícias e informações é a televisão. Apesar de não ter o hábito de ler revistas, procura ler o jornal O diário, semanalmente, e um a dois livros ao ano que não estejam diretamente relacionados com seus estudos, destacando os seguintes livros lidos recentemente: Marley e eu, Feiurinha e A moreninha. Além disto, afirmou gostar de teatro, música de todos os estilos, exceto rock, e filmes de desenho, romance e de comédia. Nas horas de lazer, gosta de passear. Aluno 35: é do sexo feminino, solteira, tem 16 anos e trabalha como vendedora. Este é seu primeiro ano no colégio, e a decisão de estudar nele foi tomada por sua mãe, que já estudava nessa instituição e elogiava bastante o ensino oferecido. Após concluir o ensino médio, pretende fazer vestibular para Moda ou Medicina. Em relação aos meios de comunicação a que tem acesso em sua residência, assinalou possuir televisão, rádio, aparelho de som, DVD, computador, Internet, revistas, MP3/MP4, celular e telefone. Afirmou também que o principal meio de comunicação pelo qual obtém notícias e informações é a televisão, seguida pelo rádio. Apesar de não ter o hábito de ler jornais, revelou gostar de ler as revistas Minha Novela, Todateen e Marie Clarie, e de ler livros não relacionados diretamente com seus estudos. Lê, em média, três livros ao ano, e, ao ser questionada sobre qual livro lido recentemente recomendaria, citou a obra intitulada O cobrador. Além disto, afirmou gostar de teatro, música de todos os estilos e filmes de romance e de comédia. Nas horas de lazer, adora namorar e descansar. Aluno 36: é do sexo feminino, solteira, tem 17 anos e está à procura de seu primeiro emprego. Este é o seu terceiro ano no colégio, o qual foi escolhido pela família por oferecer um ensino de maior qualidade em relação às outras instituições. Embora atualmente esteja cursando Educação Geral, ao iniciar o ensino médio se matriculou no curso de Formação Docente, com o qual não se identificou. Ao finalizar a educação básica, pretende continuar estudando e fazer um curso superior na área de comunicação. Em relação aos meios de comunicação a que tem acesso em sua residência, assinalou possuir televisão, rádio, aparelho de som, computador, Internet, celular e telefone. Afirmou, também, que a televisão é o principal meio de comunicação pelo qual obtém notícias e informações. Apesar de não ter o hábito de ler revistas e jornais, gosta de ler livros que não estão relacionados diretamente com seus estudos. Lê, em média, quatro livros ao ano, e quando questionada sobre qual livro lido recentemente recomendaria, citou Lucíola, A primeira 102 reportagem e Senhora. Além disto, afirmou gostar de música gospel e filmes de comédia, ação e de romance.Revelou não ter afinidade por teatro. Nas horas de lazer, ler a bíblia é sua atividade preferida. Aluno 37: é do sexo masculino, solteiro, completou 17 anos durante o desenvolvimento da pesquisa e trabalha como photo e webdesigner. Há dois anos estuda nesse colégio, pois ouviu falar muito bem da instituição. Está cursando Educação Geral, e não Formação de Docência ou Contabilidade, porque não pretende ser professor e, também não gostaria de seguir a carreira em contabilidade, uma vez que já trabalhou nesta área e não se identificou. Após finalizar a educação básica, almeja continuar trabalhando e estudando na área de Informática. Em relação aos meios de comunicação a que tem acesso em sua residência, assinalou possuir televisão, rádio, aparelho de som, DVD, computador, Internet, MP3/MP4, celular e telefone; afirmou também que a Internet é o principal meio de comunicação pelo qual obtém notícias e informações. Apesar de não ter o hábito de ler revistas e jornais, gosta de ler livros não relacionados diretamente com seus estudos. Lê de dois a dez ao ano, e, quando questionada sobre qual livro lera recentemente, citou Os miseráveis e A floresta dos homens loucos. Além disto, afirmou gostar de teatro, ouvir músicas dos estilos de rock e hip rop e de assistir filmes de terror, ficção científica e de comédia. Nas horas de lazer, tocar, conversar com os amigos e navegar na Internet são suas atividades preferidas. Aluno 40: é do sexo masculino, solteiro, tem 18 anos e atualmente está desempregado. Ingressou no colégio este ano porque ouviu falar muito bem da instituição. Está cursando Educação Geral por não ter se interessado pelos cursos profissionalizantes oferecidos pela instituição de ensino. Após finalizar o Ensino Médio, pretende continuar estudando. Em relação aos meios de comunicação aque tem acesso em sua residência, assinalou possuir televisão, rádio, aparelho de som, DVD, computador, Internet, MP3/MP4, celular e telefone. Afirmou também que a televisão é o principal meio de comunicação pelo qual obtém notícias e informações. Revelou não ter o hábito de ler revistas, jornais e livros não relacionados diretamente com seus estudos. Por outro lado, afirmou gostar de ouvir músicas e assistir filmes, mas não gostar de teatro. Nas horas de lazer, passear e navegar na Internet são suas atividades preferidas. 103 Aluno 42: é do sexo feminino, solteira, tem 18 anos e trabalha como babá e garçonete. Mudou-se para o município este ano com sua família e resolveu matricular-se nesta instituição de ensino devido a recomendações de várias pessoas. Escolheu o curso de Educação Geral por considerar ser a modalidade de Ensino Médio que prepara melhor os estudantes para o vestibular. Após finalizar esta etapa de ensino, pretende fazer vestibular, porém ainda está em dúvida em relação à área na qual gostaria de estudar. Assinalou ter acesso, em sua residência, aos seguintes meios de comunicação: televisão, rádio, aparelho de som, DVD, computador, MP3/MP4, celular e telefone, não tendo, porém, acesso à Internet. Afirmou também que o principal meio de comunicação pelo qual obtém notícias e informações é a televisão. Apesar de não ter o hábito de ler revistas e jornais, gosta de ler livros não relacionados diretamente com seus estudos. Além disto, afirmou gostar de teatro, de ouvir música de todos os estilos e de filmes de romance e de histórias reais. Nas horas de lazer, passear, ouvir música, conversar com os amigos e curtir a família são suas atividades preferidas. Aluno 43: é do sexo feminino, solteira, tem 17 anos e trabalha como babá. Mudou-se para o município este ano com sua família e resolveu matricular-se nessa instituição de ensino por ter ouvido falar muito bem do ensino que ela oferece. Escolheu estudar Educação Geral porque é o curso que pode prepará-la melhor para os cursos e concursos para polícia militar e civil que pretende fazer, após finalizar o ensino médio. Em relação aos meios de comunicação a que tem acesso em sua residência, assinalou possuir televisão, rádio, aparelho de som, DVD, jornais, revistas e celular, não possuindo, porém, MP3/MP4 e computador. Ressaltou que, apesar de não ter computador, acessa a Internet freqüentemente. Afirmou também que a televisão é o principal meio de comunicação pelo qual obtém notícias e informações. Tem o hábito de ler os jornais O Diário e Folha de São Paulo, diariamente; as revistas Época e Marie Clarie, freqüentemente; e livros que não estão diretamente relacionados com seus estudos. Complementou dizendo que os livros que mais gosta de ler são os de auto-ajuda, destacando os livros Ninguém tropeça em montanhas e A escuridão do pó branco. Além disto, afirmou gostar de teatro, ouvir música principalmente, axé, pagode, música sertaneja e pop rock, e de assistir a filmes de romance, comédia e de terror. Nas horas de lazer, adora desenhar e brincar com seu animal de estimação. 104 Três aspectos da caracterização geral e individual dos estudantes nos chamam a atenção: muitos deles descreveram estar estudando nessa escola devido à qualidade do ensino oferecido; a maioria demonstrou a pretensão de dar continuidade aos estudos em nível superior e todos assinalaram ter acesso à maior parte dos meios de comunicação listados no questionário de coleta de dados, destacando-se o uso da Internet. Esse discurso poderia refletir, para qualquer pessoa externa à realidade escolar, a ocorrência de melhorias e inovações no sistema educacional em termos de conhecimento e “competências”, exigidas pela sociedade atual, denominada por muitos autores de “sociedade do conhecimento”. Não obstante, há falta de consenso entre os dizeres dos alunos e as revelações da professora em relação às dificuldades de aprendizagem e desinteresse, pelos estudos por parte dos alunos. Esse desinteresse e/ou a dificuldade em conciliar os estudos com o trabalho e com outros fatores inerentes à vida particular de cada um, também se refletem na variação do fluxo da freqüência às aulas e no alto índice de desistência (TABELA 01). Tornam-se evidentes, também, as contradições entre a facilidade de acesso aos meios de comunicação – ressaltando-se a Internet – que tem essa nova geração de estudantes, de um modo geral, e o seu desempenho insatisfatório em relação à apropriação do conhecimento sistematizado, identificado nos resultados de avaliações externas de caráter internacional como o PISA, por exemplo. Por fim, podemos ainda identificar certo antagonismo entre esses resultados do desenvolvimento intelectual e cultural dos estudantes e o poder ilusório do sistema educacional brasileiro, apoiado, como já descrevemos, em pedagogias de “competências” e do “aprender a aprender”, em detrimento do ato de ensinar (DUARTE, 2001a; 2001b; SANTOS, 2005). Em relação à perspectiva de a educação escolar desenvolver no indivíduo a autonomia intelectual e a liberdade de pensamento e expressão, Duarte (2001a). revela não discordar dessa afirmação, mas contesta a hierarquia valorativa, segundo a qual o “aprender sozinho situa-se em um nível mais elevado do que a aprendizagem resultante da transmissão de conhecimentos por 105 alguém” (DUARTE, 2001a, p. 36). Sobre este confronto do “aprender a aprender” versus a transmissão do conhecimento, o autor expressa seu pensamento da seguinte forma: Ao contrário desse princípio valorativo, entendo ser possível postular uma educação que fomente a autonomia intelectual e moral através justamente da transmissão das formas mais elevadas e desenvolvidas do conhecimento socialmente existente (DUARTE, 2001 a, p. 36). Neste contexto, voltamos a destacar as reflexões do autor (2001b) sobre essas pedagogias que, ao invés de almejarem uma transformação da sociedade por meio da superação das desigualdades sociais e culturais, apresentam apenas um caráter de função adaptativa, isto é, a de preparar os indivíduos para o desenvolvimento de competências exigidas pela atual “sociedade do conhecimento”, fundamentada no ideário do capitalismo. Isto consigna que o simples acesso aos meios de comunicação não garante por si só a apropriação do conhecimento científico sistematizado. Sobre este aspecto, Gasparin (2003, p. 1) escreve que “não se dispensam as tecnologias, pelo contrário, exige-se, cada vez mais, sua presença na escola, mas como meios auxiliares e não como substitutos dos professores”. 3.4 Caracterização dos instrumentos utilizados para a coleta e análise de dados. Tendo como base a questão problemática norteadora da nossa investigação, que consistiu em verificar como o ensino pode ser organizado de forma a promover a aprendizagem e o desenvolvimento do pensamento conceitual dos estudantes, escolhemos como procedimento de coleta de dados organizar e acompanhar os processos de ensino e aprendizagem em todos os seus aspectos: fundamentação teórica, planejamento, execução, avaliação e replanejamento. Para a efetivação dessa investigação, o caminho escolhido por nós foi o de organizar e desenvolver as ações docentes e discentes em conjunto com a professora da classe selecionada e acompanhar o movimento da elaboração dos conhecimentos científicos pelos estudantes à medida que estes foram sendo trabalhados em sala de aula. Portanto, a pesquisadora não só se preocupou 106 em observar o comportamento dos alunos participantes e das situações de ensino desencadeadas, mas desempenhou um papel ativo em todas as etapas consideradas importantes para a coleta e análise dos dados, tais como: investigação e análise das elaborações iniciais dos conceitos apresentadas pelos alunos; estudos, reflexões, organização e desenvolvimento dos procedimentos de ensino; intervenções durante a ação docente em sala de aula; investigação e análise contínua das reelaborações dos conceitos pelos alunos; reflexão, replanejamento e desenvolvimento de novas ações docentes e discentes e avaliação final. Todas essas etapas da pesquisa foram conduzidas de forma articulada e se constituíram em procedimentos de observação, intervenção e investigação, tornando-se difícil, muitas vezes, a distinção entre os procedimentos pedagógicos e os procedimentos de investigação, apesar de serem processos distintos. Dessa forma, esses procedimentos caracterizam uma metodologia qualitativa que tem como finalidade a realização de uma investigação didática. 3.4.1. A fundamentação teórica: os primeiros encontros com a professora participante A ação conjunta entre a pesquisadora e a professora participante iniciou-se no mês de janeiro de 2007 e prosseguiu, semanalmente, durante todo o período de desenvolvimento da pesquisa, que abrangeu o 1º semestre do ano letivo de 2007. Nos primeiros quatro encontros, antes de iniciarmos os planejamentos propriamente ditos, foram realizados estudos e discussões sobre mediação simbólica; pensamento e linguagem; desenvolvimento e aprendizagem, destacando-se os conceitos de níveis de desenvolvimento real, e potencial; zona de desenvolvimento proximal; e as relações desses conhecimentos com a apropriação e elaboração dos conceitos científicos. Esses estudos foram fundamentados, principalmente, nas obras A formação social da mente (2007) e A construção do pensamento e 107 linguagem (2001a), escritas por Vygotsky, bem como na de Marta Kohl de Oliveira intitulada “Vygotsky: Aprendizado e desenvolvimento, um processo sócio-histórico” (1997). Os temas geradores serviram de pilares nas discussões sobre o papel do professor como mediador intencional do conhecimento, dando ênfase às interações discursivas desencadeadas por meio de situações problematizadoras e procedimentos de avaliação contínua das elaborações e reelaborações dos estudantes. Outro tema também discutido foi a importância da dimensão histórica dos conteúdos como instrumento de auxílio à apropriação e elaboração dos conhecimentos sistematizados pela ciência. Leituras de capítulos das obras selecionadas foram realizadas, individualmente, pela professora participante e pesquisadora durante os dias da semana, sendo os encontros reservados para discussões e reflexões de como esses conhecimentos podem influir na prática docente. 3.4.2. Planejamento das ações discentes e docentes: Os planejamentos semanais das ações docentes e discentes, iniciados na primeira semana de fevereiro de 2007, foram igualmente realizados de forma colaborativa entre a professora participante, a pesquisadora e os alunos, no sentido de levar em consideração sua prática social inicial, isto é, suas concepções prévias, interesses e necessidades, transformando-os em situações-problema que nortearam a organização das ações docentes e discentes. Dessa forma, as tomadas de decisões para a organização do ensino, fundamentaram-se na Pedagogia Histórico-Crítica, proposta por Saviani (1989) e descrita por Gasparin (2003) e Santos (2005), sendo constituída pelas seguintes etapas: prática social inicial, problematização, instrumentalização, catarse e prática social final. A prática social inicial é o momento de apresentar os conteúdos que serão estudados e relacioná-los à vida cotidiana dos estudantes, desafiando-os e motivando-os a expressar suas concepções prévias, necessidades, problemas e interesses. Sobre esta etapa, Santos (2005, p. 11) ressalta: 108 Partir do social significa partir do humano genérico, das preocupações coletivas, da dimensão na qual se manifestam nossas lutas, realizações e contradições. Assume-se que o aluno não é ‘menos’, mas que sabe menos ou sabe de forma não organizada, o que indica ser o professor o organizador da estratégia de ensino. Para organizar as estratégias de ensino, é fundamental que o professor identifique, anteriormente, os principais problemas colocados na prática social inicial. Este momento referese à etapa da problematização, que pode ser subdividida em dois passos: elaboração de situaçõesproblema, partindo das concepções – muitas vezes, contraditórias em termos científicos –, necessidades e interesses dos estudantes; e determinação e dimensão dos conhecimentos científicos já produzidos pela humanidade e capazes de contribuir para o entendimento e solução dos problemas propostos. Os conteúdos selecionados, dependendo da prática social inicial, podem assumir diferentes dimensões: conceitual/científica, histórica, social, econômica, política, religiosa e outras. Na etapa seguinte, denominada de instrumentalização, as ações docentes e discentes são planejadas e os recursos didático-pedagógicos são selecionados com vista ao equacionamento dos problemas levantados na prática social inicial e sistematizados na problematização. Desta forma, “todo o processo de ensino-aprendizagem é encaminhado para, explicitamente, confrontar os sujeitos da aprendizagem – os alunos – com o objeto sistematizado do conhecimento – o conhecimento” (GASPARIN, 2003, p. 51). Após possibilitar a apropriação e elaboração do conhecimento científico, é chegado o momento de verificar se os objetivos propostos na prática social inicial foram atingidos pelos estudantes. Essa fase é chamada de catarse, e abrange a análise de dois aspectos: a elaboração mental da nova síntese e a expressão prática da nova síntese. O primeiro se refere à análise da sistematização do conteúdo realizada pelo aluno, já o outro aspecto se detém em conhecer como os estudantes passaram a interpretar a realidade social após ter tido acesso ao conhecimento sistematizado. Nas palavras de Gasparin (2003, p. 134): 109 Esse é o momento da avaliação que traduz o crescimento do aluno, que expressa como se apropriou do conteúdo, como resolveu as questões propostas, como reconstituiu seu processo de concepção da realidade social e como, enfim, passou da síncrese à síntese. Na última fase, denominada de prática social final, o processo pedagógico retorna a realidade social dos estudantes, permitindo a transposição dos conteúdos estudados no nível teórico para o nível prático, em que professor e alunos elaboram e desenvolvem um plano de ação articulando educação e sociedade. Estas etapas não foram seguidas da forma restrita e seqüencial como aqui foram apresentadas, mas muitas vezes se misturaram de uma forma dinâmica na interação entre professora, pesquisadora, alunos e conhecimento, não sendo possível identificá-las isoladamente. 3.4.3. Execução, avaliação e re-planejamento das aulas organizadas: As atividades desenvolvidas e os procedimentos utilizados incluíram discussões a partir de situações-problema, elaboradas com base nos seguintes aspectos: a prática social inicial; a leitura, interpretação, reprodução e produção de textos de forma individual ou em grupo; estudo dirigido; atividades lúdicas por meio de jogos e dramatizações; e a dimensão histórica, científica, cultural e social do tema abordado; porém, sempre se utilizou como instrumento principal a mediação interativa e discursiva (FONTANA, 2005; LORENCINI JR., 1995; MORTIMER; AGUIAR, 2005; MORTIMER; SCOTT, 2002). Mais do que procedimentos ordenados passo a passo, a idéia foi assumir a mediação da dinâmica da interação, como forma de viabilizar o espaço do outro, o dizer do outro e a possibilidade de, nesse mesmo processo, entretecer os dizeres em circulação, questioná-los, redimensioná-los e sistematizá-los (FONTANA, 2005, p. 71). Dessa forma, o ensino foi desenvolvido de modo a promover e intensificar as interações verbais entre os sujeitos envolvidos nos processos de ensino e aprendizagem, por meio das quais 110 se “exploram idéias, formulam perguntam autênticas e oferecem, consideram e trabalham diferentes pontos de vista” (MORTIMER; SCOTT, 2002, p. 6). 3.4.4. Coleta e análise dos dados As elaborações dos conceitos pelos estudantes, conceitos que constituíram a fonte de dados para a análise da nossa investigação, foram obtidas nos pronunciamentos dos alunos gravadas durante as interações discursivas, nos textos elaborados por eles, e com a observação de seu desempenho nas atividades propostas, como jogos e dramatizações. Na análise dessas elaborações, procuramos identificar as modalidades de generalização do conceito, estabelecendo categorias, baseadas nos estudos de Vygotsky (2001a), Luria (1994) e Natadze (1991), em relação ao desenvolvimento dos conceitos nas crianças e adultos, que implica nas variações no uso da palavra e na forma de raciocinar. Referências a estes estudos foram realizadas no primeiro capítulo desta dissertação, contemplando os três estágios de desenvolvimento dos conceitos identificados por Vygotsky e utilizados na nossa análise para estabelecer as categorias de elaboração conceitual dos estudantes. Estas categorias são descritas a seguir. - Sincretismo: caracteriza-se pelas idéias, concepções ou formas elementares de pensamento que apresentam uma organização difusa e não direcionada do significado da palavra. Nesta fase, é particularmente difícil para o sujeito assimilar as características essenciais de um conceito, uma vez que só consegue estabelecer nexos vagos, baseados em relações diretofigurativas, originadas de suas próprias impressões. - Complexos: ao contrário da fase anterior, no pensamento por complexos o sujeito inicia os primeiros passos na análise e na operação intelectual que supõem abstrair, isolar o conceito, examiná-lo separadamente da totalidade da experiência concreta e estabelecer elos com outros conceitos. No entanto, como observa Fontana (2005), no pensamento por complexo o 111 traço abstraído do conceito é ainda instável, factual, tornando-se mais estável à medida que a elaboração de complexos associativos vai criando base para generalizações posteriores. - Conceitos: esse estágio de pensamento é atingido quando se forma o conceito propriamente dito, isto é, quando o conceito se torna instrumento do pensamento do sujeito, permitindo a combinação, a generalização, a discriminação, a abstração, o isolamento, a decomposição, a análise e a síntese. Essa fase da pesquisa, desenvolvida durante o 1º semestre do ano letivo de 2007, abrangeu um total de 30 horas/aula. Entretanto, para facilitar a análise dos dados, agrupamos as aulas por assunto trabalhado, constituindo o que denominamos de “Episódios de Ensino”. O número de aulas, objetivos, assunto discutido e metodologia empregada em cada episódio contemplado por esta pesquisa pode ser observada na Tabela 02. Os episódios de ensino foram registrados por meio de filmagens, gravações, anotações e fotos. Todas as aulas foram transcritas, e posteriormente se procedeu à análise qualiquantitativa dos dados. No entanto, nem todos os diálogos efetuados e transcritos foram considerados por nós na análise e discussão dos dados, tendo sido utilizados aqueles que demonstraram a evolução do pensamento conceitual dos estudantes. Para representar as falas da pesquisadora e da professora nos diálogos, utilizamos, respectivamente, as siglas Ps e P. Já os alunos são representados pela letra A seguida do número que constava no livro de chamada para cada estudante, particularmente. Os diálogos efetuados durante as aulas desenvolvidas e considerados por nós importantes, bem como as respectivas análises e discussões acerca do desenvolvimento conceitual dos alunos em relação ao tema trabalho são apresentadas por nós no próximo capítulo. 112 Tabela 02: O número de aulas, objetivos, assunto discutido e metodologia empregada em cada episódio de ensino. Instrumentalização Episódios Assunto Objetivos 1º. Apresentação da pesquisadora, professora, alunos e conteúdo. Conhecer as necessidades, interesses e afinidades dos alunos-participantes pela disciplina de Biologia, e o que já sabiam sobre o tema que iria ser trabalhado. Conhecer os conceitos prévios dos estudantes e promover as elaborações iniciais a respeito dos seguintes conceitos básicos de genética: espécie, característica hereditária e adquirida, hereditariedade, genética, DNA, cromossomos e células. Episódio de Ensino 2.º Introdução Genética a Episódio de Ensino 3.º Episódio O que é Hereditariedade? Avaliar como o conceito de hereditariedade estava sendo elaborado. Número de aulas 2 4 2 Ações docentes Aplicação questionários de -Apresentar questionamentos, situaçõesproblema. -promover interações verbais Proposição uma questão. de de Ensino 4º Episódio O Mecanismo da Hereditariedade no decorrer dos tempos de Ensino 5º Episódio de Ensino Conceitos básicos de genética Possibilitar aos estudantes o acesso às construções históricas do conhecimento sobre o “Mecanismo da Hereditariedade”, partindo das contribuições dos filósofos gregos da antiguidade até as descobertas dos gametas, cromossomos e divisões celulares. Trabalhar os conceitos básicos da genética, tais como: raça, espécie, híbrido, característica hereditária, fenótipo, hereditariedade, cromossomos, entre outros, 6 2 - Organizar as atividades: leitura, reprodução e produção de textos. Promover interações verbais Estabelecer situaçõesproblema e questionamentos, utilizando como apoio didático a reportagem “Que cachorro é este”, publicada na Revista veja de 7 de março/2007. Ações discentes Responder questões propostas. as Participar das interações verbais promovidas em sala de aula. Discutir e responder, em grupo, à seguinte questão: “Como vocês explicam o mecanismo da hereditariedade? Realizar leituras do livro; efetuar a reprodução e produção de textos; participar das interações verbais Participar interações verbais. das 113 Episódios Assunto Objetivos Apresentar os mecanismos da herança mendeliana, utilizando-se da história da genética. 6º. Episódio de Ensino 1ª Lei de Mendel 7.º Episódio de Ensino 1ª Lei de Mendel Conhecendo as elaborações iniciais dos estudantes. 8.º Episódio de Ensino 9º. Episódio de Ensino 10.º Episódio de Ensino 11.º Episódio de Ensino 1ª lei de Mendel exercícios Conceitos básicos de genética Transmissão informações hereditárias Mecanismo hereditariedade das da Investigar como os conceitos de linhagem pura; planta híbrida; traço dominante e recessivo; fatores hereditários; cromossomos homólogos; indivíduo homozigoto, heterozigoto e fenótipo estavam sendo aprendidos e elaborados pelos estudantes. Possibilitar, por meio da resolução de problemas de genética, a aplicação e reforço dos conceitos aprendidos. Auxiliar no aprendizado e fixação dos conceitos referentes à genética. Demonstrar para os estudantes que a herança biológica é determinada pela transmissão dos genes Analisar o nível conceitual atingido pelos alunos. Número de aulas 6 Instrumentalização Ações docentes Ações discentes -Promover interações; - Apresentar e explicar o significado dos conceitos, fenômenos e processos relacionados a 1ª Lei de Mendel -Responder 14 questões dissertativas acerca dos experimentos de Mendel. - Participar das interações verbais. Aplicação questionário. Responder, individualmente, as questões propostas. de 1 2 2 2 Auxiliar os estudantes na resolução dos exercícios e proporcionar-lhes a aplicação, reforço e o estabelecimento de relações entre os conceitos estudados. Aplicação de um jogo lúdico: dominó de conceitos de genética. - Aplicar o modelo didático-pedagógico; -Auxiliar os estudantes durante a atividade; -Efetuar questionamentos e Apresentar situaçõesproblema aos alunos. Aplicar questionário. 1 Resolver os problemas de genética propostos. Montar, em grupo, o dominó de conceitos. Efetuar, em grupo, a Simulação da transmissão das informações genéticas de pais para filhos por meio de um modelo didáticopedagógico. Responder a seguinte questão: Como as instruções para a expressão das características hereditárias são transmitidas de pais para filhos? 114 4. A MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA E O DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO CONCEITUAL DOS ESTUDANTES EM RELAÇÃO AO MECANISMO DE HEREDITARIEDADE: ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS 4.1. 1º Episódio de Ensino: Apresentação dos professores, alunos e conteúdo. No primeiro encontro com a turma participante, a professora regente apresentou a pesquisadora e ambas explicaram os objetivos da pesquisa, que iria ser desenvolvida no decorrer do 1º semestre do ano letivo de 2007, esclarecendo as dúvidas apresentadas pelos estudantes, uma vez que todos deveriam estar de acordo em participar das atividades propostas. Esclarecidas as dúvidas, realizamos uma prática social inicial com o objetivo de obter as primeiras impressões sobre os estudantes participantes, isto é, suas necessidades, interesses e afinidades com a disciplina de Biologia, bem como o que já sabiam sobre o tema que iria ser trabalhado durante o desenvolvimento da pesquisa: os mecanismos de herança, nas perspectivas clássica e molecular. Esta etapa é indispensável, pois, como nos lembram os estudiosos Giordan e Vecchi (1996), conhecer o público ao qual se dirige o ensino e sua estrutura de recepção, isto é, suas concepções, interesses e o modo pelo qual aprende, é um fator fundamental para o sucesso dos processos de ensino e aprendizagem. Esses dados foram obtidos mediante a aplicação de um questionário com cinco questões, uma objetiva e quatro dissertativas, as quais contemplavam indagações acerca de suas impressões sobre a disciplina de Biologia, os fatores que contribuíram para terem estas impressões, como gostariam que fossem as aulas de Biologia e o que sabiam sobre genética (ANEXO 03). Em relação às suas afinidades com disciplina de Biologia, 50% dos estudantes afirmaram que gostam desta disciplina, uma vez que... É bom conhecer como funciona a vida (A37). Biologia é um curso que é fundamental para o conhecimento do nosso corpo e de outros seres (A30). 115 Biologia [...] nós dá o privilégio de aprendermos sobre nós mesmos, seres vivos, e muito mais coisas que nós não sabíamos (A31). Por outro lado, alguns alunos (18,8%) comentaram apenas que gostam da disciplina, mas não expuseram por que acham a Biologia “interessante” ou “adoram a matéria”, e, como conseqüência de um ensino pautado em palavras vazias de conteúdo, revelaram as dificuldades que têm encontrado durante seus estudos. São exemplos destas respostas: Eu acho a Biologia interessante, mas não consigo entender muito (A9). Sou muito traumatizada por causa da minha antiga professora, mais adoro a matéria (A35). Acho a Biologia interessante, porém, ao mesmo tempo, cansativo de se estudar (A32). Os demais estudantes (31,2%) revelaram desinteresse pela disciplina, e um deles (A17) disse ter pânico pelo seu estudo, “pois é muito difícil e complicado”. Segundo Bastos (1992), o desinteresse pela Biologia e as dificuldades de aprendizagem, apresentados por muitos alunos, devem-se ao ensino corrente desta disciplina, que repousa, excessivamente, no estudo de detalhes e dos processos do ser vivo, deixando de ressaltar aspectos centrais do conteúdo e exigindo dos alunos apenas memorização de nomes, definições e afirmações sobre as funções. A nosso ver, um dos principais motivos que contribuem para que os estudantes não gostem da disciplina de Biologia reside na forma fragmentada e descontextualizada em que os conteúdos são propostos nas salas de aula pela maioria dos professores, tornando o estudo desta disciplina sem sentido e sem utilidade para os alunos (CORAZZA-NUNES et al., 2006; PEDRANCINI et al., 2007). Sobre este aspecto, Vygotsky (2001a) destaca que o ensino de palavras vazias e sem significado para o aluno resulta em mero verbalismo inconsciente, pois “a criança não assimila o conceito, mas a palavra” (VIGOTSKI, 2001a, p. 247). 116 No que se refere às opiniões dos estudantes acerca de como gostariam que fossem as aulas de Biologia, foi consenso que essas deveriam ser “mais práticas e menos teóricas” (A19), “mais interativas” (A23), “divertidas e interessantes” (A12), “no laboratório, com bastante pesquisa e muita explicação” (A21) e “com várias atividades” (A35), pois “a biologia tem que chamar a atenção daqueles que a estudam” (A5). A ênfase em uma pedagogia não diretiva, focalizada no autodesenvolvimento, na realização pessoal do aluno e em métodos ativos, integrantes da pedagogia do “aprender a aprender”, atualmente defendida por Philippe Perrenoud em seu livro Dez novas competências para ensinar (2000), encontra-se presente, embora de modo inconsciente, nas falas desses alunos. Para Perrenoud (2000), a escola deve “instituir um conselho de alunos e negociar com eles diversos tipos de regras e de contratos”, dentre estes o de “não estar sempre atento”, “a só aprender o que tem sentido”, “a se movimentar”. Conclui-se, de acordo com esta concepção, que a organização dos processos de ensino e aprendizagem deve focalizar-se no “aprender-aaprender” em detrimento do ato de ensinar, enfraquecendo o papel de mediação e a autoridade do professor ao outorgar ao aluno plenos poderes para decidir o quê, quando, onde e com quem estudar. Contrário ao poder ilusório das teorias não críticas e às teorias crítico-reprodutivistas, Santos (2005), embasado na Teoria Histórico-Cultural, defende o resgate dos conteúdos relevantes, a autoridade e o papel mediador do professor nos processos de ensino e aprendizagem: Nesse momento, nossa luta é recriar condições que permitam uma educação substanciosa, consistente e clássica. Só se pode educar com um mínimo de disciplina, respeito às normas, regras e procedimentos. Que se garanta ao aluno o direito de expressão, de defesa e protesto, mas que isso não signifique calar os educadores e escravizá-los (SANTOS, 2005, p. 8). Ao assinalarem a questão sobre quanto sabiam de genética, em sua maioria os estudantes (46,9%) afirmaram que entendiam muito pouco, outros (37,5%) afirmaram que já tinham ouvido falar sobre o assunto, mas não sabiam do que se tratava, uma pequena porção dos alunos (9,35%) considerou ter um conhecimento satisfatório e os restantes (6,3%) não responderam à questão. 117 Não obstante, quando solicitamos aos estudantes que descrevessem o que sabiam sobre genética foi possível compreender melhor suas concepções. Entre os alunos que responderam a esta questão (apenas 50%), verificamos quatro grupos distintos de respostas. Em um desses grupos (28,1%), os alunos, apesar de não conceituarem genética como uma ciência, relacionaram a palavra ao “material genético” ou DNA, genes, cromossomos, determinação das características dos seres vivos e hereditariedade. Para estes estudantes, Genética é o conjunto de cromossomos que formam as características de uma pessoa (A37). Genética, pra mim, são o DNA que carregamos dos nossos pais e família (A18). Genética, pelo que eu sei, é sobre os genes das pessoas que passam por gerações escondidas no DNA das pessoas (A12). Esse grupo de alunos revelou apresentar um pensamento por complexo, pois conseguiu estabelecer conexões da palavra genética com os termos cromossomos, DNA, genes, gerações e características, que são conceitos necessários para entender o estudo desta ciência. Estas atividades mentais são típicas deste estágio de desenvolvimento do conceito. Sobre o estágio por complexo, Vygotsky (2001a) escreve que [...] este [...] conduz à formação de vínculos, ao estabelecimento de relações entre diferentes impressões concretas, à unificação e à generalização de objetos particulares, ao ordenamento e à sistematização de toda a experiência da criança (VIGOTSKI, 2001a, p. 178). Por outro lado, esses alunos demonstraram estar ainda em níveis elementares desse estágio, mais propriamente, na fase de complexo em cadeia. Como é característico dessa fase, os alunos relacionaram os diversos conceitos seguindo uma determinada direção e formando uma cadeia conceitual cuja análise como um todo não permitiu verificar uma relação significativa entre os termos, como observado na resposta de A12, por exemplo. Esse aluno apresenta a cadeia: genética→genes→transmissão de genes→DNA, porém a frase integral é destituída de relações significativas. “[...] Cada elo, ao inserir-se no complexo, torna-se membro isômero desse complexo” (VIGOTSKI, 2001a, p. 186). 118 Outro grupo de estudantes (6,3%), contrariamente, revelou conhecer o significado do termo genética, apresentando uma definição que se aproxima da encontrada no âmbito científico, como pode ser observado na frase de um dos alunos: Genética estuda os genes, DNA, genótipos, hereditariedade (A6). Não obstante, analisando-se a resposta desse aluno, apesar de esta se apresentar externamente semelhante ao conceito, não é possível identificar se este, realmente, já havia se apropriado de cada termo empregado ou se ainda possuía um pseudoconceito acerca de genes, DNA, genótipos e hereditariedade. De acordo com Vygotsky (2001a), essa dificuldade de encontrar o limite entre o pesudoconceito e o verdadeiro conceito é inevitável, uma vez que, externamente, ambas as formas de pensamento se apresentam semelhantes, sendo diferentes apenas no que se refere ao entendimento e às operações intelectuais empregadas. Nuñez e Pacheco (1997), fundamentando-se na Teoria Histórico-Cultural, explicam que os pseudoconceitos [...] são fenotipicamente iguais a um conceito, mas psicologicamente diferentes, dada essa última, pela especificidade das abstrações que participam do processo de elaboração [...] (NUÑEZ; PACHECO, 1997, p. 17). Dessa forma, a resposta do aluno A6 não nos dá elementos suficientes para definir em qual estágio de formação de conceitos se encontra: se no de pseudoconceito ou no de conceito. Faltou-nos, nesse momento, investigar o que esse aluno entendia por cada conceito empregado e como os usaria em outras situações. Por conceito, o termo genética refere-se ao [...] ramo da Biologia que estuda as leis da transmissão dos caracteres hereditários nos indivíduos e nas populações, bem como procura interpretar o modo de ação dos genes no determinismo desses caracteres (SOARES, 1993, p. 191). 119 No 3º grupo (12,5%), por sua vez, os estudantes apresentaram possuir algumas idéias alternativas sobre o assunto, as quais podem ter-se originado, de acordo com Giordan e Vecchi (1996), por meio de dois processos: o estudante entendeu, mas a transmissão de seu saber baseiase num referencial simplista, de modo que não mais representa o conteúdo a ele ensinado; ou, por outro lado, o aluno pode construir uma explicação um tanto equivocada, a partir de palavras ou conceitos que ouviu, e gravá-la em sua memória. São exemplos deste grupo as seguintes respostas: A genética posso dizer que é a evolução através de uma geração, por exemplo, meu avó, meu pai, eu, meu filho (A5). Eu acho que genética trata do estudo das células, os gêneses (A32). Como podemos observar, os estudantes desse grupo estabeleceram relações desconexas entre genética-evolução (A5) e genética-célula-gênese (A32), sem sentido para nós, porém, com algum significado para os estudantes, o qual foi formado, acertadamente, com base em relações subjetivas e emocionais; portanto esses alunos se encontravam no estágio de sincretismo do processo de formação de conceitos. Outro estudante, o qual representou o grupo quatro de respostas, revelou que genética é um assunto sempre presente na sua vida cotidiana, mas não conseguiu explicá-lo, ou seja, também apresentava um pensamento sincrético sobre o conceito investigado: Genética é o que a gente sempre vê nos jornais e na televisão. Mas gostaríamos de saber mais (A23). Diante desta observação, fica evidente a importância da aquisição do conhecimento científico para a compreensão das notícias veiculadas pelos meios multimidiáticos. Sobre este aspecto Alves e Caldeira (2005) salientam: A rapidez e facilidade de obter informações, nos meio de comunicação, não bastam. Sem uma orientação adequada, a tarefa de selecionar, interpretar e usar tais informações para a construção do conhecimento escolar de qualidade tornase impossível (ALVES; CALDEIRA, 2005, p. 60). 120 As aulas seguintes foram organizadas levando-se em consideração estas e outras concepções prévias, investigadas por meio de diálogos estabelecidos com os estudantes e de suas descrições, e visaram contribuir para o gradual desenvolvimento de conceitos científicos relacionados aos mecanismos da hereditariedade. 4.2. 2º. Episódio de Ensino: Introdução à Genética - Conceitos prévios dos estudantes e elaborações iniciais Com a premissa segundo a qual “o ensino direto de conceitos sempre se mostra impossível e pedagogicamente estéril” (VIGOTSKI, 2001a, p. 247), iniciamos a pesquisa em sala de aula investigando a prática social inicial dos estudantes sobre diversidade e herança genética. A aula começou com a apresentação de figuras de grupos de indivíduos representando diferentes raças de algumas espécies animais, como seres humanos, coelhos, cães, gatos e galinhas. Por meio das imagens, questionamentos foram realizados pela professora participante com o intuito de promover a reflexão dos estudantes acerca da grande diversidade das formas vivas e, ao mesmo tempo, ressaltar a manutenção das características peculiares de cada espécie. Nessa interação discursiva os conceitos de espécie, característica hereditária, hereditariedade, espécie e genética foram investigados e discutidos. A riqueza desta atividade interativa pode ser observada no episódio de ensino descrito abaixo, mediado por algumas questões e situações-problema norteadoras, seguidas de respostas constituídas de idéias sincréticas, formadas a partir das percepções sensoriais dos estudantes. P: Gente, nós temos o quê nesta primeira figura? Alunos: Gatos. P: E o que estes gatos têm em comum? A22: Olhos. A22: Pêlo. A24 ou 25: Todos têm bigode. A37: Orelha. 121 A5: Rabo. Referindo-se ainda ao grupo dos gatos, a professora continuou a perguntar: P: E o que estes gatos têm de diferente? A5: A cor. A12: Raça. A22: Tamanho. Em seguida, a docente continuou a perguntar, dessa vez usando as imagens dos grupos de coelhos e galinhas. P: E aqui? Todos são coelhos. Qual é o nome científico do coelho? Os alunos, lendo a informação escrita abaixo da figura, responderam em coro: “Oryctolagus cuniculus”. P: E o que eles têm de diferente aí? A22: A cor. P: A coloração do pêlo!. A12: Fêmea, macho. Apontando para a figura das galinhas, a professora prosseguiu, perguntando: P: E aqui, por que são galinhas e não coelhos, gente? Por quê?. A22: Porque ela tem asas. A5: Pena. A28: Bico. A22: Bota ovo. P: É. Galinha tem asa, pena, bico e o coelho tem pêlo, tem orelha etc. Os mesmos questionamentos foram efetuados em relação às figuras de outros grupos de seres vivos, como cães e seres humanos, mas, novamente, os estudantes recorreram às suas percepções sensoriais, ressaltando apenas as características observáveis, reais e imediatas e 122 distinguindo diferenças até mesmo entre os seres vivos da mesma espécie, mas não conseguiram explicar o porquê de isto acontecer. Ao descrever a característica geral do pensamento, Menchinskaia (1960) ressalta: O conhecimento não se reduz às sensações, percepções e recordações daquilo que se tem percebido. A vida coloca ao homem situações que são impossíveis de resolver por meio da percepção direta dos objetos e fenômenos que o rodeiam ou pela recordação do que antes se percebeu. Para resolver algumas destas situações é necessário utilizar um meio indireto e deduzir conclusões partindo dos conhecimentos que se tem (MENCHINSKAIA, 1960, p. 232). Percebendo que os estudantes não iriam além das impressões sensoriais, a professora interveio com questões que exigiam conhecimentos mais complexos do que os empregados anteriormente, possibilitando a elaboração do conceito de característica e, logo em seguida, de espécie: P: O que é esse negócio: olho, orelha, rabo, pêlo, bigode? A1: Características. P: O que é uma característica? A8: São diferenças. A5: São diferenças entre os seres vivos. A22: São traços genéticos. P: Então, características são diferenças, traços genéticos que distingue um ser vivo de outro. Como podemos observar nos diálogos acima descritos, as questões formuladas pela professora desencadearam o estabelecimento de uma situação motivadora para o envolvimento cognitivo dos alunos, possibilitando-lhes avançar do sincretismo para níveis mais elevados de elaboração do conceito de característica. Classificamos esse nível de desenvolvimento do conceito na categoria dos pseudoconceitos, uma vez que, na ausência da investigação do significado de traços genéticos para o aluno, não temos elementos suficientes para concluir se o conceito, realmente, faz parte de seu pensamento, de modo que possa ser aplicado a outras situações concretas. 123 Aproveitando o momento interativo, a professora prosseguiu com os questionamentos e intervenções para mediar o conceito de espécie: P: Mas todos estes gatos são iguais? Alunos em coro: Não. P: O que estes gatos têm de diferença? A5: A cor. A12: Raça. A22: Tamanho. A12: A genética. P: E vocês viram aqui que todos os gatos são chamados de Felis catus, mesmo com tanta coisa diferente. Por que será que esses doze gatos são da mesma espécie? A23: Antepassados. A37: Algumas características são iguais. A22: Raça. A5: Grupo de seres vivos com mesmo modo de vida. A23: Alimentação. P: O que é possível para uma espécie se perpetuar? A12: Reprodução. P: Além da reprodução, tem outra coisa importante. Imaginem se vocês, esta geração, não pudesse ter filhos, o que aconteceria? (silêncio) P: A espécie iria acabar. Então, como vocês disseram, espécie corresponde a um grupo de seres vivos com características semelhantes, capacidade de reprodução e, também, que deixam descendentes férteis. Constatamos que as questões norteadoras deste episódio de ensino criaram uma situação-problema desafiadora, que estimulou os alunos a formularem respostas e hipóteses para explicar o porquê de certos seres vivos, apesar de apresentarem diferenças entre si, serem considerados indivíduos da mesma espécie. Nas enunciações dos estudantes para explicar as diferenças entre os gatos da figura e o porquê de estarem agrupados na mesma espécie podemos identificar conhecimentos de senso comum, constituídos pelas percepções sensoriais imediatas, como também pseudoconceitos, restritos nas palavras raça e genética. De acordo com Vygotsky (2001a), quando o sujeito se encontra na fase de pseudoconceito, os termos por ele empregados coincidem com os utilizados por indivíduos em níveis de desenvolvimento mais elevados no que se refere ao aspecto concreto, porém os sujeitos não compartilham o mesmo significado: alguns possuem o conhecimento concreto do conceito, e 124 outros, o conceito abstrato. Não obstante, isso não impede que ambos os grupos se comuniquem e se compreendam. Nos diálogos descritos acima percebemos que alguns alunos, como A12 e A22, revelaram não possuir o conhecimento abstrato dos conceitos de raça e genética, pois não conseguiram explicar tais conceitos; todavia esse fato não os impediu de empregar esses termos e participar do diálogo, uma vez que possuíam um conhecimento concreto. Nas palavras de Vygotsky (2001a, 197) [...] as criança, que pensa por complexos, e o adulto, que pensa por conceitos, estabelecem uma compreensão mútua e uma comunicação verbal, uma vez que o seu pensamento se encontra de fato nos complexos-conceitos que coincidem. Ao perceber que as reflexões dos estudantes em relação ao conceito de espécie se limitavam ao compartilhamento de certas características morfológicas e comportamentais, a professora interveio direcionando a reflexão para os processos biológicos que garantem a perpetuação de cada espécie, introduzindo os conceitos de reprodução e descendentes férteis. Observamos que a interação da professora mediante pistas e anunciações intencionais possibilitou o desencadeamento da zona de desenvolvimento proximal (ZDP). Nesse contexto, vale ressaltar aqui as palavras de Vygotsky (2007, p. 98): “[...] aquilo que é a zona de desenvolvimento proximal hoje, será o nível de desenvolvimento real amanhã – ou seja, aquilo que uma criança pode fazer com assistência hoje, ela será capaz de fazer sozinha amanhã”. Em seguida, após a mediação do conceito de espécie, a professora resgatou o termo genética, citado por um dos alunos (A12), para explicar a diferença entre os diferentes indivíduos da mesma espécie, realizando novas intervenções com o objetivo de investigar o que os estudantes entendiam sobre este conceito: P: Alguns de vocês citaram o termo genética. O que é a genética, gente? (silêncio) 125 Diante do silêncio dos alunos, a professora conduziu o diálogo utilizando um tipo de interação denominado sugerir respostas (DE LONG, 2000) ou fornecimento de pistas (MONTEIRO; TEIXEIRA, 2004), dirigindo e estimulando o raciocínio do aluno A10, mas prejudicando a participação dos demais estudantes. P: É uma ciência? Ou não? A21: É. P: A genética é uma ciência que estuda o quê? A10: As características. P: Exatamente. Genética é uma ciência que estuda como as características hereditárias passam... A10: De geração em geração. Ao perceber o movimento do pensamento de A10, a professora resgatou o conceito, compartilhando seu significado com os demais alunos. P: Essas características que eu posso ver lá nos grupos dos coelhos, humanos, cães... são herdáveis, passam de pais para filhos. A genética trata de estudar tudo isto. Na continuidade do diálogo, a professora deu novas informações por meio de mais uma questão problematizadora e anunciações, estimulando os estudantes a refletir sobre os significados e correlações dos conceitos características hereditárias e características adquiridas. P: Mas, será que todas as características são herdadas? Coro: Não. P: Em relação à cor da pele que eu posso ver, posso analisar. A cor da pele continua igualzinha de quando a gente nasceu? Coro: Não. P: Se a gente ficar mais no sol nós vamos ter a pele mais escura. Então, as características podem ser modificadas, alteradas daquilo que a gente recebe dos pais. Na tentativa de investigar o que os alunos sabiam sobre o mecanismo da hereditariedade, a professora utilizou a figura que representava a obra Operários de Tarsila do Amaral para elaborar a seguinte situação-problema: 126 Ps: Mas, o que a gente recebe para nós sermos da espécie humana? O que a gente recebe pra aparecer estas características aqui? A37: O DNA. P: O que é o DNA? A8: É o conjunto de cromossomos. A34: Professora! Genótipo. P: É o genótipo que ela falou? Gente, o DNA contém o que será? A10: Células. Neste trecho evidenciamos que, embora os alunos utilizassem em suas respostas as palavras DNA, cromossomos, genótipo e célula, apreendidas durante os anos de escolaridade, correlacionando-as à idéia de transmissão das características hereditárias, os conceitos científicos que elas expressaram ainda não haviam sido apropriados de modo a possibilitar a generalização. As respostas dos alunos neste diálogo são características do estágio por complexo de formação do conceito de DNA, uma vez que eles conseguiram correlacionar este conceito aos de cromossomo, genótipo e célula, mas não demonstraram um entendimento abstrato de cada termo empregado. Podemos concluir que esses alunos não haviam se apropriado desses conceitos, mas sim, da palavra, o que lhes permitia somente repetir os termos retidos em sua memória, caracterizando um verbalismo vazio de significado. Essa constatação nos leva a refletir que os conceitos não podem ser formados por meio da apreensão de esquemas verbais sem sentido para os alunos, pois “[...] um conceito é mais do que a soma de certos vínculos associativos formados pela memória [...] é um ato real e complexo de pensamento que não pode ser aprendido por meio de simples memorização [..]” (VIGOTSKI, 2001a, p. 246). Percebendo as dificuldades dos estudantes, a docente realizou a intervenção relacionando o mecanismo da hereditariedade com os acontecimentos cotidianos, com a finalidade de possibilitar aproximações significativas ao conceito. P: Lembram do Ratinho? O que era o DNA? Quando a pessoa fazia aquele escândalo lá no programa do Ratinho, a pessoa ia fazer o quê? Alunos: DNA. 127 P: Se o filho era do pai ou não. O que será que eles comparam? A28: O sangue. P: O que analisa pra saber qual é o pai da criança? A25: Se o tipo sanguíneo é compatível com... P: O tipo sanguíneo é uma coisa, mas no teste específico de DNA não é o DNA que eles, em específico, comparam? O DNA da mãe, o DNA do pai e o DNA da filiação. Como nos ensina Vigotski (2001b), a aprendizagem de conceitos científicos se apóia, inicialmente, nos conhecimentos espontâneos, porém o bom ensino é aquele que vai além das impressões imediatas. Com esse intuito, a professora deu continuidade às intervenções por meio do estabelecimento de vínculos conceituais, necessários à apreensão do processo de transmissão das características hereditárias, tais como DNA, cromossomo e célula. P: DNA, a gente encontra onde? A8: Nos cromossomos. P: Os cromossomos a gente encontra onde? A37, A36, A8: Nas células. P: Em quais células?Que tipo de células? A37: Nas células do fio de cabelo. A12: Células da pele. A25: Na saliva. A37: Na orelha. A12: Na unha. A8: No sangue. Apesar de, normalmente, os alunos apresentarem um idéia difusa sobre célula, cromossomo e DNA, confundindo, muitas vezes, estes conceitos, o direcionamento da docente possibilitou sua redefinição pelos estudantes. Quanto à questão relativa aos tipos de célula em que o DNA se encontra, os estudantes citaram exemplos das que estão sendo utilizadas nos atuais testes de paternidade, medicina forense e diagnóstico precoce, baseados na análise de DNA extraído do sangue, fio de cabelo, saliva e unhas; mas nenhum dos alunos citou exemplos de células que constituem os principais tecidos dos animais superiores, tais como as células ósseas, neurônios, células musculares, entre outras que fazem parte dos conteúdos escolares. Ao versar sobre a via de desenvolvimento dos 128 conceitos científicos em relação aos espontâneos, Vigotski (2001b, p. 528) afirma que “a fraqueza de um conceito se descobre justamente onde o outro já está relativamente maduro”. Após mediar a constatação de que o DNA constitui os cromossomos e que esses se encontram nas células, a docente direcionou o conflito cognitivo para a importância dos gametas, a única ligação física entre as gerações: P: Vocês falaram para mim das células do corpo; mas é só nas células do corpo que tem cromossomos? Onde tem algo que nos interessa aqui nesse momento? Como é possível vocês estarem presentes aqui nesse momento? A38: Através do esperma do pai. P: É somente pelo esperma do pai? Coro: Não. A12: No óvulo também. P: DNA contem informações contidas onde? A37: Nos cromossomos. P: Os genes estão contidos onde? A37: Nos cromossomos. P: Que são passados... A37: De pais para filhos. A8: De geração em geração. P: Onde? A37: Na reprodução. P: Quem transporta os cromossomos? A37: Espermatozóides. P: E óvulo, que são os gametas (escrevendo no quadro de giz: gametas: óvulo nas mulheres ♀ e espermatozóide nos homens ♂ – e não esperma –, transportam os cromossomos). Pela fecundação é constituído a célula-ovo ou zigoto, que dará origem ao novo ser. Embora conduzidos pela professora nesse episódio, percebemos que os estudantes se encontravam em estágios mais elevados do processo de formação de conceitos em relação aos gametas e sua função na perpetuação dos seres vivos, apresentando um pensamento por complexo do tipo pseudoconceito. A professora prosseguiu, mencionando e relacionando os conceitos de genética e Hereditariedade: 129 P: Então, pessoal, é isto que vamos estudar neste semestre: a genética é uma ciência que trata do estudo da hereditariedade, ou seja, como as informações contidas no DNA são passadas de pais para filhos. Neste episódio de ensino a professora não só proporcionou um ambiente propício para investigar os conhecimentos prévios dos estudantes, mas também direcionou-os à elaboração conceitual por meio de interações verbais, permitindo o confronto e a articulação entre os conceitos mencionados pelos alunos acerca do mecanismo de transmissão das características hereditárias, tema das discussões dos próximos encontros. 4.3. 3º Episódio de Ensino: O que é hereditariedade? Esse encontro teve como objetivo avaliar como o conceito de hereditariedade estava sendo elaborado. Para isto, a professora propôs aos estudantes que, em grupos, discutissem e respondessem à seguinte questão: “Como vocês explicam o mecanismo da hereditariedade, ou seja, como as instruções para a expressão das características hereditárias são transmitidas de pais para filhos”? Nesta etapa, apesar de voltarmos para a definição acerca do mecanismo da hereditariedade, como no episódio anterior, a atividade possibilitou a utilização de outras capacidades dos estudantes, como o registro escrito, o qual “[...] em sua especificidade, exige um processo de elaboração, uma atividade mental distinta daquela propiciada pela interação oral” (FONTANA, 2005, p. 81). Além disso, as definições são importantes para assimilação dos conceitos, pois [...] contêm os caracteres essenciais dos objetos e fenômenos que abarcam um conceito dado e mostra suas relações com outros mais gerais. Fixa o principal e o mais importante para determinar um conceito (MENCHINSKAIA, 1960, p. 249). 130 Ao analisarmos os registros dos estudantes, verificamos que, dos oito grupos, quatro (grupo 1 -G1-, grupo 3 -G3-, grupo -G4- e grupo 5 -G5-) buscaram os elementos e conceitos estabelecidos nas interações discursivas promovidas em episódios anteriores, de forma que “os textos produzidos são explicitamente uma resposta dirigida à professora. Tanto assim que sua voz ecoa em todos eles [...]” (FONTANA, 2005, p. 84). G.1: Através do DNA (informações) contidas nos cromossomos que são passadas de pai para filhos na reprodução. Quem transporta esses cromossomos são o óvulo e o espermatozóide. G.3: Através dos cromossomos que estão no gameta feminino e masculino. G.4: Através dos espermatozóides e do óvulo. G.5: É pelas células gametas, que levam os cromossomos com as características dos pais. Nesta descrição observamos um nível gradual de generalização e abstração, indicando que as interações verbais haviam proporcionado condições para as primeiras elaborações sobre o mecanismo da hereditariedade, bem como para conexões entre os conceitos de DNA, cromossomos, espermatozóides e óvulos, próprias das fases finais do pensamento por complexo. De acordo com Vygotsky (2001a), ao se passar pelas várias fases do pensamento por complexo, concomitantemente ocorre o estabelecimento de vínculos com base em variadas impressões concretas: unificação, generalização, ordenamento e sistematização de conceitos, objetos e experiência particulares. Estas características deste estágio, apontadas por Vygotsky, foram identificadas nas proposições dos grupos 3, 4 e 5. Ao descrever as características do pensamento nas fases finais do estágio por complexo, Luria (1994) acrescenta: [...] o sujeito, comparando um número sempre crescente de “palavras” condicionais que representam diferentes figuras, já constrói as hipóteses do significado dessas palavras e discrimina os grupos adequados de objetos (LURIA, 1994, p. 47). 131 Por outro lado, os outros quatro grupos restantes apresentaram dificuldades em responder a questão. Dois deles, grupos 2 e 6 (G2 e G6), não a responderam, enquanto os grupos 7 e 8 (G7 e G8) revelaram possuir idéias sincréticas em relação ao mecanismo da hereditariedade. G. 7: As características são transmitidas de pai para filho com o passar do tempo de convivência, é o mesmo que assumir a empresa após a morte dele. G. 8: Hereditariedade é a característica passada de pai para filho geralmente ou de um dos familiares, como os avós, bisavós, tanto materno quanto paterno; são transmitidas de pai para filho através do sangue. Por meio destas descrições, podemos constatar que muitos dos conceitos espontâneos, de senso comum, são resistentes a mudanças, sendo difícil eles ascenderem a conceitos científicos. Mesmo após terem passado por vários níveis de escolaridade e terem participado das interações verbais realizadas anteriormente, alguns alunos continuaram acreditando que fatores como tempo de convivência e o sangue são os veículos de transmissão das características hereditárias. Esta concepção de que o DNA é sinônimo de sangue já havia sido observada por nós em pesquisas anteriores, nas quais analisamos a compreensão de estudantes que estavam finalizando o ensino médio em relação aos conceitos básicos de biologia molecular e de genética (PEDRANCINI et al., 2007). Nesses estudos, encontramos alunos que acreditavam que o DNA é o tipo de sangue e encontra-se no plasma do sangue ou no sangue (PEDRANCINI et al., 2007, p. 304). A concepção de que a hereditariedade é transmitida pelo sangue foi construída desde a antiguidade e amplamente aceita durante muitos séculos, sendo manifestada até nos dias atuais nas expressões consangüinidade, puro sangue, sangue do meu sangue. Por outro lado, essas idéias dos alunos podem ter-se originado das divulgações da mídia ou dos comentários dos professores e livros didáticos sobre a extração de DNA do sangue para a realização dos atuais testes de paternidade, de exames criminalísticos e de diagnóstico precoce de doenças hereditárias. 132 Diante dessas concepções apresentadas por alguns estudantes sobre o papel do sangue na transmissão das informações genéticas, replanejamos as aulas seguintes, partindo do estudo do histórico da hereditariedade, analisando as hipóteses formuladas desde a antiguidade para explicar os mecanismos da herança genética. De acordo com a fundamentação teórica, apresentada no capítulo dois desta pesquisa, a utilização da História da Ciência no ensino de Biologia é considerada por muitos autores uma abordagem favorável aos processos de ensino e aprendizagem, por vários fatores, destacando-se: a compreensão dos pensamentos que influenciaram a construção dos conhecimentos contemporâneos, facilitando, conseqüentemente, a apropriação dos conceitos científicos; a reflexão sobre as influências religiosas, econômicas, políticas, sociais e tecnológicas de cada período histórico, as quais impulsionaram mudanças na pesquisa científica e, por isso mesmo, na forma de ver e explicar o mundo, enriquecendo a bagagem cognitiva dos estudantes (PARANÁ, 2006; 2007). Além disto, a nosso ver, ao incluir a História da Ciência nos estudos escolares revela-se aos alunos que o conhecimento é uma construção humana, portanto seu desenvolvimento e evolução é intencional, dinâmica e mutável. Como ensino e aprendizagem, o conhecimento da história da ciência propicia uma visão dessa evolução ao apresentar seus limites e possibilidades temporais e, principalmente, ao relacionar essa história com as práticas sociais às quais está diretamente vinculada (PARANÁ, 2006, p. 15). 4.4. 4º. Episódio de Ensino: O mecanismo da hereditariedade no decorrer dos tempos Estas aulas foram organizadas e conduzidas com o intuito de possibilitar aos estudantes o acesso às construções históricas do conhecimento sobre o mecanismo da hereditariedade, partindo das contribuições dos filósofos gregos da Antiguidade até as descobertas dos gametas, cromossomos e divisões celulares. 133 Os processos de ensino e aprendizagem destes conhecimentos foram organizados e desenvolvidos por meio da técnica de leitura, reprodução e produção coletiva de textos, atividades norteadas pela seguinte questão: “Como a transmissão das características hereditárias passadas de geração a geração foi explicada nas diferentes épocas da existência humana?” O estudo dos conhecimentos sistematizados, a realização das atividades propostas e as interações dialógicas efetuadas nestas aulas foram estabelecidas utilizando-se como apoio didático o livro fornecido pelo Governo do Estado para todos os estudantes da rede pública de ensino: AMABIS. J. M.; MARTHO, G. R. Biologia das Populações. 2ª edição. São Paulo: Moderna, 2004, v.3. Para o desenvolvimento da aula, a priori, os estudantes fizeram uma leitura silenciosa do capítulo, assinalando as palavras desconhecidas que, em seguida, foram investigadas e esclarecidas pela docente, sendo destacados os conceitos de gêmula, pangênese, epigênese, cópula, cariótipo, amorfo, citologistas, citologia, biogênese, geração espontânea, fuso mitótico, mitose, meiose, ancestrais remotos, folículos e cromátides. Com o intuito de tornar a leitura mais significativa, entregamos aos alunos um glossário contendo a definição das palavras que, em nosso parecer, poderiam dificultar o entendimento do texto, e, posteriormente, as explicamos. O glossário foi constituído pelos conceitos de: conhecimento de senso comum, filósofo, pré-história, antiga Grécia, Idade Média, sêmen, hermafrodita, protótipo, ciência, pangênese, herança das características adquiridas, geração espontânea ou abiogênese, reprodução, naturalista, ovo, fertilização ou fecundação, hipótese, micróbio, ovíparos, vivíparos, folículos ovarianos (ANEXO 04). Após a etapa de leitura e compreensão do texto, os estudantes foram distribuídos em sete grupos para a discussão e confecção de um texto de um dos subitens do capítulo do livro, dando início à realização de uma ação no plano externo, isto é, à execução de uma ação material do objeto de estudo, tipo de atividade considerado importante por Galperin no processo de assimilação de conceitos. De acordo com os estudos de Galperin, a apropriação e internalização de conceitos compreendem, também, a sua aplicação na forma material ou materializada, pois “o 134 grau de generalização vai aumentando constantemente [...] enquanto ação vai-se realizando de maneira menos desdobrada, se abreviando” (NUÑEZ; PACHECO, 1998, p. 99). Em seguida, professora e pesquisadora solicitaram aos estudantes que comentassem os temas lidos, discutidos e sistematizados por eles, iniciando os questionamentos referentes às hipóteses formuladas pelos antigos gregos. Nessa atividade os estudantes foram instigados a explicar oralmente os conceitos estudados, possibilitando que realizassem, conjuntamente com a professora, pesquisadora e colegas, redefinições e reelaborações dos conhecimentos sistematizados no livro didático, etapa denominada por Galperin de formação da ação no plano da linguagem externa (NUÑEZ; PACHECO, 1997; 1998; REZENDE; VALDES, 2006). Ps: Como os antigos Gregos explicavam a transmissão das características hereditárias? Como eles achavam que as características hereditárias eram transmitidas de pais para filhos? (silêncio) Ps: No livro são ressaltadas duas teorias importantes. Nessa primeira parte, são citados vários filósofos: filósofos que tentaram explicar como as características eram transmitidas de pais para filhos, como, por exemplo, o Empédocles, o Anaxágoras... Mas teve dois filósofos que se ressaltaram nessa época, que formularam teorias que ficaram conhecidíssimas. Quais são esses dois filósofos?... Qual é o nome dessas teorias? Alguns alunos responderam, simultaneamente: “Pangênese”, e outro aluno complementou: A1: E a idéia de Aristóteles. Ps: O que é pangênese? Como esta teoria explicava a transmissão das características hereditárias? Um estudante, não conseguindo falar espontaneamente sobre o tema, recorreu ao texto reproduzido do livro didático, lendo o trecho relacionado com o questionamento efetuado pela pesquisadora: A23: [...] pangênese, cada órgão ou parte do corpo de um organismo vivo produzia partículas hereditárias chamadas de gêmulas, que eram transmitidas aos descendentes no momento da concepção [...]’ (AMABIS; MARTHO, 2004, p. 3). 135 A atitude do aluno nos revela que a leitura, a discussão com o grupo e a reprodução conjunta do texto ainda não haviam fornecido elementos suficientes para que o conceito fosse apreendido de modo a fazer parte de seu pensamento. De acordo com a Teoria da Assimilação de Galperin, esse estudante ainda se encontrava na fase verbal da formação de conceitos, a qual possibilita a compreensão e domínio do fenômeno como um todo, porém não dos conceitos envolvidos nesse fenômeno (NUÑEZ; PACHECO, 1998). Sobre este aspecto, Vygotsky ressalta: Esse processo de desenvolvimento dos conceitos ou significados das palavras requer o desenvolvimento de toda uma série de funções [...] Por isso, do ponto de vista psicológico dificilmente poderia haver dúvida quanto à total inconsistência da concepção segundo a qual os conceitos são aprendidos pela criança em forma pronta no processo de aprendizagem escolar e assimilados da mesma maneira como se assimila uma habilidade intelectual qualquer (VIGOTSKI, 2001a, p. 246). Percebendo as dificuldades apresentadas pelos estudantes em compreender a hipótese de Hipócrates, a professora recorreu à explicação do sentido semântico da palavra pangênese, tornando-a mais acessível e significativa. P: Gênese é o que, gente? A5: Gênese é a início da vida. P: Pra gente nunca mais esquecer, vamos pegar como referência o capítulo da Bíblia. Gênese trata do que mesmo? A5: Criação do mundo. P: Criação, origem, início. Então, gênese: origem; pan...? De agrupar. A origem estava relacionada a um agrupamento. Ao trabalhar o significado da palavra pangênese, a professora facilitou a passagem da forma material à verbal e da forma verbal à mental do pensamento dos estudantes, contribuindo para a elaboração do conceito, pois, como nos ensina Vygotsky (2007), os processos psicológicos, de caráter interpsicológico, vão se transformando em intrapsicológicos no decorrer das interações entre as pessoas. 136 Sobre a importância de conferir sentido aos conceitos trabalhados em sala de aula, Lemke completa: Ao ensinar ciência, ou qualquer outra matéria, não queremos que os alunos simplesmente repitam as palavras como papagaios. Queremos que sejam capazes de construir os significados essenciais com suas próprias palavras e em palavras ligeiramente diferentes como requer a situação. As palavras fixas são inúteis, as palavras devem transformar e serem flexíveis para cumprir as necessidades do argumento, problema, uso, ou aplicação do momento (LEMKE, 1997, p.105). A professora prosseguiu com o diálogo estreitando a relação professor-conhecimentoaluno e aluno-aluno, o que possibilitou novas interpretações do saber sistematizado: P: E o que se agrupava na reprodução na pangênese? A23: Cada parte do corpo produzia gêmulas que iam pro sêmen do pai e da mãe. P: O filho seria resultado do pai e da mãe. E esse resultado vinha do quê? A23: Das gêmulas. P: Gente, vocês entenderam o que eram gêmulas? A23: São partículas de cada órgão ou parte do corpo. A25: E como é o momento da concepção? A23: A partícula de cada parte do corpo passa para o filho. Ps: Para os antigos gregos, as partículas hereditárias, que eram as gêmulas, iam pra corrente sanguínea, da onde se originava o sêmen... Então, para eles, as informações hereditárias eram transmitidas pelo sangue. Mas será que eles estavam certos? Vamos verificar isto no final da aula. Como podemos observar no trecho descrito acima, as interações verbais permitiram que os estudantes passassem da ação material para a ação teórica, demonstrando, ao final do diálogo, maior facilidade em utilizar os novos termos científicos estudados, isto é, “a ação vai se transformando até atingir a lógica dos conceitos e, portanto, começa a se generalizar” (NUÑEZ; PACHECO, 1998, p. 106). O pensamento envolvido na etapa verbal de assimilação dos conceitos é por complexo, do tipo pseudoconceito, mas pode atingir níveis de generalização característicos do estágio do pensamento por conceito, como podemos observar no final do trecho do diálogo acima transcrito, quando A23 conseguiu responder ao questionamento de seu colega, A25. Nesse momento o 137 diálogo passou da ação verbal para a ação mental, a qual se caracteriza pela “[...] ação interna, mas dirigida ao exterior (a si mesmo ou a outra pessoa)” (NUÑEZ; PACHECO, 1998, p. 107). Sobre o compartilhamento de significados nas interações discursivas, Lorencini Jr. (1995, p. 106) destaca que “Os alunos precisam de oportunidades para discutir não só com o professor, mas também entre eles próprios, expondo seus pensamentos, seus pontos de vista, suas tentativas de análise”. Em seguida, as discussões e reflexões concentraram-se nas idéias formuladas por Aristóteles e nas teorias da Pré-formação e da Epigênese para explicar o mecanismo da hereditariedade, permitindo a passagem da ação do plano material para o verbal, ação baseada em palavras e conceitos verbais. Observamos que, durante a atividade interativa, descrita abaixo, os alunos puderam atingir níveis de desenvolvimento mais elevados de generalização por meio da elaboração, aplicação e articulação entre os conceitos. Portanto, a linguagem é um instrumento de extrema importância no processo de interiorização, à medida que [...] permite separar da ação a imagem e a operação, substituindo-as pelos próprios movimentos lingüísticos do aluno. Os signos têm por princípio uma forma externa, material, e, ao se interiorizarem, tornam-se internos, ideais (NUÑEZ; PACHECO, 1998, p. 107). Ps: E Aristóteles fala o quê? Para Aristóteles, qual era a participação do pai e da mãe na fecundação? (silêncio) Ps: O que Aristóteles achava: que tanto o pai como a mãe participavam da formação do novo ser? O que ele dizia? Ele achava que ambos colaboravam? A8: Só o pai. Ao invés de afirmar ou negar a resposta do aluno, a professora fez outro questionamento, envolvendo, cognitivamente, outros estudantes na discussão: P: Só o pai? O que esse filósofo explicava a respeito disso? O modo de proceder da professora está de acordo com os critérios para a formulação de perguntas em sala de aula estabelecidos por Lorencini Jr., que, sobre esta conduta, ressalta: 138 O professor não deve sentir-se satisfeito com respostas vagas, evasivas, confusas ou incompletas; uma resposta incompleta exigirá outras para completá-la, uma resposta confusa deverá ser superada por outra clara e definida (LORENCINI JR., 1995, p.111). Segundo o autor, deve ser formulada pelo professor uma série de perguntas baseadas nas respostas precedentes dos alunos, até que a resposta final para a questão original apareça naturalmente. Diante da questão reformulada pela professora, os alunos recorreram novamente, ao livro didático, até que um deles leu o seguinte trecho: A5: “Aristóteles acreditava que resultava de uma contribuição diferencial dos sexos: a fêmea fornecia a ‘matéria’ básica que constituía e nutria o ser em formação, enquanto o macho fornecia por meio do sêmen, a ‘essência’, transmitindo-lhe a alma, fonte da forma e do movimento [...]” (AMABIS; MARTHO, 2004, p. 4). Ps: O que vocês entenderam sobre isso? A8: Que ele contribuía mais que a mulher para a formação de um novo ser. Ps: Todos concordam? Então, a mulher só colaborava com a matéria, a substância. Agora, quem dava forma pra isso era o homem. As teorias da Pré-formação e da Epigênese também foram introduzidas nas discussões: Ps: Então, a próxima teoria vai surgir no séc. XVI, em meados de 1500, lá com o cientista Harvey. O que Harvey dizia? A20: Ele propôs que todo animal se originava de um ovo. Harvey acreditava que o ovo produzido pela fêmea necessitava ser fertilizado pelo sêmen do macho para originar um novo ser. Ps: E para Harvey, o que acontecia após a fecundação do óvulo pelo espermatozóide? Harvey deu duas explicações. A20: a- Todo material pra produzir um novo ser já estaria presente no gameta ovo fertilizado, tendo apenas que ser moldado. A14: b- o material que constituiria o novo ser teria de ser produzido à medida que o desenvolvimento fosse ocorrendo ao mesmo tempo que moldava o novo organismo. Ps: Então nós temos duas explicações aí. Qual é o nome da primeira e da segunda hipótese? A14: Pré-formação e Epigênese. Ps: Qual a diferença entre estas duas hipóteses? 139 A8: A primeira dizia que já estava pronto e a segunda era a teoria mais certa. Nesse episódio verificamos que, apesar de os estudantes A14 e A20 demonstrarem ter havido uma boa interpretação do texto estudado, A8 vai além, ao explicar a diferença entre as teorias da Pré-formação e Epigênese, utilizando suas próprias palavras. Como observado por Vygotsky, uma “[...] nova estrutura de generalização [...] cria a possibilidade para que os pensamentos passem a um plano novo e mais elevado de operações lógicas” (VIGOTSKI, 2001a). As interações verbais continuaram, intercaladas por leituras realizadas pelos alunos de trechos do livro didático, possibilitando o desencadeamento dos significados dos conceitos de gametas e fecundação e sua relação com a hereditariedade: Ps: E com a descoberta dos gametas, a qual conclusão eles chegaram de como as características eram transmitidas de pais para filhos? A5: Depois da descoberta dos gametas descartou a idéia do pré-formismo. Na fecundação precisava de duas células que era o espermatozóide e o óvulo. O espermatozóide do homem e o óvulo da mulher. Processo denominado fecundação [...] Depois, mais pra frente eles começaram a aprofundar seus estudos, porque “[...] se os gametas são a única ligação física entre as gerações, então eles devem conter toda a informação hereditária para originar um novo organismo” (AMABIS; MARTHO, 2004, p.6)”. P: O que são mesmo os gametas? A37: Células. P: Qual é a função delas? A5: Fecundar. P: O que é fecundar? A22: O espermatozóide entra no óvulo. P: E após o espermatozóide penetrar no óvulo, o que é formado, gente? A5: Uma outra célula. P: Como se chama essa célula, a nossa primeira célula?” A36: Zigoto. P: Zigoto ou célula ovo. Então, na fecundação um espermatozóide penetra no óvulo e dá origem a uma nova célula. Ao investigar o que os estudantes haviam retido sobre o conceito de gametas em outros momentos e níveis de ensino, a docente proporcionou um ambiente propício para a elaboração conceitual, possibilitando a conexão com outros conceitos, como espermatozóide, óvulo, célula e 140 zigoto. Novamente, utilizando as palavras de Lorencini Jr. (1995, p. 106), “A aprendizagem que acentua os processos mentais dos alunos é influenciada por emoções, pressões, dinâmica da sala de aula, diferentes graus de auto-confiança, e pelas atitudes e comportamentos do professor”. As discussões sobre o histórico da hereditariedade evoluíram para a teoria cromossômica, revelando conhecimentos já apreendidos e idéias, muitas vezes, confusas e desconexas sobre os conceitos de cromossomos, mitose, meiose, sobre os mecanismos nucleares decorrentes destes eventos de divisão celular e sua relação com a transmissão das características hereditárias. Alguns trechos desses diálogos são descritos a seguir. P: Na nossa espécie, por exemplo, quantos cromossomos nós temos? A22: 24. A28: 46. P: 46 cromossomos. Como é que surge nessa célula, ovo ou zigoto esses 46 cromossomos? A5: Metade de cada um. A37: 23 (...). P: De quem? A22: Da mãe e do homem. P: Metade na onde? Metade no... A22: Espermatozóide. P: 23 no espermatozóide e 23 no... Alguns alunos responderam simultaneamente: Óvulo. A professora efetuou outros questionamentos, direcionando a discussão para a descoberta dos cromossomos. P: E a descoberta dos cromossomos, como se deu? A37: No séc. XIX os cientistas descobriram uma teoria que as células são... basicamente, a formação de todo ser vivo é a célula. E também descobriram, existia uma convicção de que uma célula se originava somente de outra célula. Aí eles fizeram a teoria: cellula ex cellula. E eles também se aprofundaram em descobrir como ocorria essa duplicação da célula, aí eles descobriram que o núcleo desaparecia e transformava em dois filamentos que ia ficando cada vez mais grossos, mais espessos, e, enfim, se dividia em duas células filhas. P: Então, como o colega falou, eles descobriram que a célula é a unidade de todo ser vivo, que uma célula só podia se originar de outra célula preexistente. Inclusive combateram aquela idéia da abiogênese, que acreditava que o ser vivo poderia surgir de uma substância inanimada. Além disso, eles perceberam que 141 havia um movimento, toda uma movimentação no núcleo. Essa movimentação levava o quê? O que modificava no interior do núcleo? Que material sofria transformação no interior do núcleo? (silêncio) P: O que acontecia no interior do núcleo dessa célula? Não possuindo ainda elementos que lhe garantissem a autonomia de pensamento, uma das alunas leu um trecho do livro didático para responder à pergunta da docente: A28: “Primeiro, os cromossomos tornam-se visíveis com fios finos e longos no interior do núcleo ficando progressivamente mais curtos e grossos ao longo da divisão celular” (AMABIS; MARTHO, 2004, p. 7). A partir desta leitura a professora realizou outros questionamentos e intervenções sobre o ciclo cromossômico e sua relação com a hereditariedade, mas não obteve grandes progressos na evolução do pensamento conceitual dos estudantes, os quais continuaram apresentando um pensamento característico das fases iniciais do estágio de complexos, isto é, conseguiam estabelecer relações entre diversos conceitos, formando proposições que, ao serem analisadas integralmente, revelavam-se destituídas de significado. Ao explicar o estágio de complexo de formação de conceitos, Vygotsky escreve: Qualquer vínculo pode levar à inclusão de um dado elemento no complexo, bastando apenas que ele exista, e nisto consiste o próprio traço característico da construção do complexo (VIGOTSKI, 2001a, p. 181). O mesmo ocorreu em relação aos conceitos de mitose e meiose. P: O que é mitose? A12: Quando a célula se divide. P: Então, mitose é um tipo de divisão celular. E meiose, o que é, gente? A22: É uma duplicação de cromossomos. A11: Uma divisão celular. P: Meiose é também um tipo de divisão celular. 142 Preocupada com a concepção distorcida apresentada pela aluna A22 ao definir meiose apenas como “uma duplicação de cromossomos”, a professora esclareceu a relação entre os conceitos de divisão celular e duplicação cromossômica. Isso é mediar, ou seja, não só ter conhecimento do que o outro sabe, mas também intervir, quando preciso, questionando, redirecionando e sistematizando. P: Gente, o que A22 está dizendo? É um tipo de duplicação de cromossomos? Duplicação de cromossomos é uma etapa que acontece antes da divisão celular. Prepara para a célula poder se dividir. A partir de então, as diferenças entre os dois tipos de divisão celular foram discutidas: P: Existem diferenças entre mitose e meiose? Alguns alunos responderam “Sim” e outros responderam “Não”. P: Mitose: uma célula dá origem a duas iguaizinhas. Meiose: uma célula dá origem a quatro. Então, a mitose é um tipo de... Coro: Divisão celular. P: Meiose também é um tipo de ... Coro: Divisão celular. P: Cujos objetivos são diferentes. O objetivo da mitose é multiplicar células pra repor material de alguma lesão. O objetivo da meiose é produzir células especiais. A23: Professora, tenho uma dúvida. Como você disse, a mitose serve para repor tecidos e meiose: as células especiais. E qual á a função delas? P: Vamos ver, quem sabe explicar qual a função dessas células produzidas pela meiose. A37: São os gametas, que têm função de reprodução. Após essas discussões, muitos estudantes demonstraram dúvidas, solicitando maiores explicações acerca do assunto. Diante disto, a docente fez uma breve sistematização dos conceitos de célula, gametas, espermatozóide, óvulo, gêmula, cromossomos e divisão celular. P: Quando os cientistas descobriram os gametas, eles não sabiam como se formavam os gametas e nem como as células se multiplicavam. Eles sabiam, naquele momento, que o novo ser se formava pela união de células e que o espermatozóide e óvulo não eram mais aquelas gêmulas que se falava lá atrás, na teoria da pangênese.. Espermatozóide e óvulo tinham nome: eram células. Refletiram que essas células deveriam ter lá dentro alguma coisa que passava de pais para filhos as características. Mais tarde, eles descobriram o que acontecia no interior da célula. Descobriram que existia dois tipos de divisão celular, que 143 existia uma série de transformações no material genético, mas não se sabia quem era o material genético. Observaram no núcleo das células uns fios que se coravam, por isso “cromo” “somo”, isto é, corpos que se coram [...]. Ao observar que os alunos não estavam compreendendo seu discurso, a professora, com o auxílio de spinlight, continuou a explicação, relacionando as várias fases do ciclo celular – interfase, prófase, metáfase e telófase – aos eventos de duplicação do material genético, condensação dos cromossomos, posicionamento equatorial dos cromossomos, formação das fibras do fuso, separação das cromátides-irmãs e/ou dos cromossomos homólogos e formação das células-filhas nos processos de mitose e meiose. Em um dado momento, A22 fez um questionamento que foi transformado em situaçãoproblema pela docente, com o intuito de estimular a participação dos demais alunos. Além disto, a professora e pesquisadora direcionaram a atenção dos estudantes para a inter-relação entre o número de cromossomos de uma célula somática e gamética e os processos de meiose e mitose, proporcionando um nível mais elevado de elaboração: A22: Professora, por que (e leu uma questão contida no livro): “[...] se os gametas juntam seus cromossomos para formar um novo indivíduo, por que o número cromossômico não dobra a cada geração?” (AMABIS; MARTHO, 2004, p. 7). P: Por que será? Olha a pergunta dela, é uma pergunta bastante interessante. Alguém sabe responder? A37: Porque cada gameta tem 23 cromossomos e não 46. A5: Os gametas sempre vão possuir 23. A12: Porque o homem contribui com 23 e a mulher com 23 pra formar os 46. P: E pro homem contribuir com 23 e a mulher com 23 é necessário acontecer que tipo de divisão celular? Coro: Meiose. P: Os gametas vão se formar com a redução do número de cromossomos. Então, a reprodução nada mais é do que... A reconstituição do número de cromossomos da espécie pela união do espermatozóide do homem e o óvulo da mulher. Ps: Então, nós vimos que na meiose serão produzidos gametas com 23 cromossomos, ou seja, metade do número de cromossomos da espécie. Se isso não ocorresse, o número de cromossomos duplicaria a cada geração. Os indivíduos formados seriam da espécie humana? A: Não! Ps: Por quê? (Silêncio) 144 P: Gente! Para ser da espécie humana, quantos cromossomos têm que ter nas células do corpo? A12, A5: 46. P: Logo precisa ocorrer a meiose para que o número de cromossomos se mantenha constante. Ps: E na mitose? Qual é o número de cromossomos das células-filhas? A28: 46. P: Então, a meiose reduz o número de cromossomos, garantindo que as espécies sempre tenham o mesmo número de cromossomos. Apesar da riqueza conceitual presente nos diálogos destes encontros, havia muito para ser estudado, compreendido, relacionado e discutido sobre o mecanismo da hereditariedade, ou seja, havia um longo caminho para que as ZDPs dos estudantes se tornassem níveis de desenvolvimento real, uma vez que ainda não haviam alcançado o estágio de conceito, último estágio de formação de conceitos científicos. No entanto, os alunos que participaram desses diálogos mostraram estar em níveis mais elevados de elaboração conceitual em relação às primeiras aulas ministradas. Percebemos que muitos deles haviam evoluído das fases elementares do pensamento por complexo para a fase de pseudoconceito. Isto pode ser verificado no emprego constante dos conceitos científicos de espermatozóide, óvulo, gametas, zigoto, fecundação, mitose, meiose e divisão celular, bem como no estabelecimento de relações entre tais palavras. Vale destacar as palavras de Vygotsky: [...] no momento da assimilação da nova palavra, o processo de desenvolvimento do conceito correspondente não só não se conclui como apenas está apenas começando. Quando está começando a ser apreendida, a nova palavra não está no fim mas no início do seu desenvolvimento (VIGITSKI, 2001a, p. 394). Após este encontro, as aulas seguintes foram desenvolvidas utilizando-se diversos procedimentos didático-pedagógicos, destacando-se: estudo dirigido e discussões em grupos; interações verbais acompanhadas de intervenções e demonstrações; atividades lúdicas, como montagem de dominó de conceitos; elaboração de mapas conceituais e jogos simulando o mecanismo da hereditariedade partindo da hipótese da pangênese e das teorias da Pré-formação e Epigênese. Os estudos se dirigiram para os mecanismos clássicos de herança mendeliana, intercalados pela herança cromossômica e molecular. 145 Durante as práticas pedagógicas, buscamos proporcionar momentos propícios para os estudantes estabelecerem relações conceituais e refletirem acerca de seus próprios conhecimentos, aproximando-os dos conhecimentos científicos relacionados ao mecanismo da hereditariedade, valorizando, principalmente, os diálogos. 4.5. 5º. Episódio de ensino: Conceitos básicos de genética Esse encontro teve como objetivo trabalhar os conceitos básicos da genética, possibilitando uma melhor preparação dos alunos para o estudo dos experimentos realizados e conclusões obtidas por Mendel acerca dos mecanismos da hereditariedade. De acordo com Banet e Ayuso (1995), os estudos sobre o mecanismo da herança genética devem prosseguir após os estudantes terem tido acesso às relações entre informação hereditária, estrutura e funções celulares envolvidas neste processo. Para o desenvolvimento desse encontro, foi utilizada como apoio didático a reportagem intitulada Que cachorro é este!, de autoria de Duda Teixeira, publicada na Revista Veja de 7 de março de 2007 (ano 40, nº 9), a qual discute o processo de hibridização que vem sendo realizado entre algumas raças de cães. Essa reportagem foi selecionada por nós por apresentar uma linguagem simples e, principalmente, por permitir aproximar a genética do cotidiano dos estudantes, revelando-se uma boa ferramenta para instigá-los à busca de novos conhecimentos. Sobre este aspecto Rubinstein esclarece: Todo processo mental é, pela sua estrutura, um ato orientado para a solução de uma determinada tarefa ou de um determinado problema. Este problema atribui uma finalidade à atividade mental do indivíduo, a qual está vinculada às condições em que o problema se apresenta. Todo ato mental de um indivíduo é derivado de um motivo qualquer. O fato inicial do processo mental é, em regra, a situação problemática. O homem começa a pensar ao sentir a necessidade de 146 compreender. O pensar começa normalmente com um problema ou com uma questão, com algo que despertou a admiração ou a confusão ou ainda com uma contradição. Todas estas situações problemáticas levam a iniciar um processo mental e este está orientado para a solução de qualquer problema (RUBINSTEIN, 1973, p. 140). Inicialmente, os alunos leram e discutiram a reportagem em pequenos grupos e, em seguida, por meio de interações discursivas entre a professora, a pesquisadora e os alunos, os conceitos de raça, espécie, híbrido, característica hereditária, fenótipo, hereditariedade, cromossomos, entre outros, foram discutidos e reelaborados. As interações dialógicas começaram com a discussão do significado do conceito de raça, o qual já havia sido citado pelos alunos nas primeiras aulas como causa das diferenças entre os indivíduos da mesma espécie, porém naquele momento não fora explorado. Portanto, nossa preocupação foi analisar o que os alunos entendiam pela palavra raça, bem como promover a elaboração deste conceito. Este processo pode ser observado no diálogo descrito abaixo: Ps: Olhem a reportagem que foi entregue para vocês. O que nós temos aqui? Que animal é este aqui? (apontando para o cão da raça Pug) A8: Pug. Cachorro. Ps: Qual é a raça desse cachorro? A8: Pug. Ps: E esse outro cachorro aqui, qual é a raça dele? A13: Beagle. Ps: Então, nós temos aqui dois cães, ou seja, Canis familiares, que é o nome científico da espécie do cão. Porém são iguais? A22: Não. As características são diferentes. Ps: São raças diferentes. O que é raça, mesmo? A8: Que distingui um do outro. A5: Separa a espécie da outra. A22: É uma raça só, não é? A partir das respostas dos estudantes observamos que, apesar de eles conseguirem identificar os cães das diferentes raças, apresentavam idéias sincréticas sobre os conceitos de raça e espécie. Como uma característica do estágio de sincretismo, os alunos utilizavam espontaneamente estas palavras, porém não dominavam os elementos essenciais dos conceitos. 147 Vygotsky nos revela que no campo dos conhecimentos espontâneos se “[...] tem o conceito do objeto e a consciência do próprio objeto representado nesse conceito, mas não tem consciência do próprio conceito, do ato propriamente dito de pensamento através do qual concebe esse objeto” (VIGOTSKI, 2001a, p. 345). Diante disto, pesquisadora e professora prosseguiram com os questionamentos com o intuito de promover o desenvolvimento dos conhecimentos científicos referentes a estes conceitos. Ps: Aqui tem uma raça só? Coro: Não. Ps: Aqui tem o quê? Coro: Duas raças. Ps: Todos são... A30: Cachorros. Ps: Ambos são cães, ambos são da mesma espécie, mas de raças diferentes. O que é uma raça? É o que distingue o quê? A5: Uma espécie da outra. A23: Cada raça tem uma característica pra caçar, para correr. Percebendo a dificuldade dos alunos em explicar o conceito de raça, bem como em diferenciá-lo do conceito de espécie, a pesquisadora apresentou sua definição, pois o desenvolvimento do conceito científico “[...] começa habitualmente pelo trabalho com o próprio conceito como tal, pela definição verbal do conceito, por operações que pressupõem a aplicação não espontânea desse conceito” (VIGOTSKI, 2001a, p. 345). De acordo com Soares (1993, p. 404), raça é: Variedade de uma espécie. Subespécie... Entre animais domésticos e plantas o termo é comum, inclusive para qualificar as subespécies resultantes da ação seletiva do homem, controlando os cruzamentos, a fim de obter o aprimoramento de certos caracteres e a proliferação dos tipos preferenciais. Utilizando-se deste referencial, a pesquisadora ressaltou a definição da palavra raça: 148 Ps: O que distingue uma raça da outra são características que vão definir um determinado grupo dentro de uma espécie. O contexto da interação possibilitou ainda que outros alunos demonstrassem suas dificuldades em relação a tais conceitos: A22: Espécie e raça é diferente? Ps: Vamos lá, gente, espécie e raça são diferentes? Coro: É. Ps: Qual a diferença entre espécie e raça? A23: Espécie é o cão... A8: Espécie é um cachorro que distingue de um outro animal. Raça é a característica de cada cachorro. A23: Espécie é o cachorro, espécie é o gato... Ps: Olha só o que o A23 falou. Então, temos várias espécies de animais e dentro de uma mesma espécie temos raças. No caso aqui, temos uma mesma espécie, “Canis familiares”, porém dentro desta espécie temos grupos diferentes, que são as raças. Nesse trecho, podemos observar uma gradual evolução conceitual dos estudantes no plano social da sala de aula, à medida que a pesquisadora interagiu com A8, A22 e A23 utilizando suas concepções para chegar a uma definição científica de raça. Entretanto, a elaboração deste conceito ainda não estava completa. Sobre este aspecto, Vygotsky nos ensina: [...] o caminho entre o primeiro momento em que a criança trava conhecimento com o novo conceito e o momento em que a palavra e o conceito se tornam propriedade da criança é um complexo processo psicológico interior, que envolve a compreensão da nova palavra que se desenvolve gradualmente a partir de uma noção vaga, a sua aplicação propriamente dita pela criança e sua efetiva assimilação apenas como elo conclusivo (VIGOTSKI, 2001a, p. 250). Para complementar os conceitos de raça, permitindo uma maior elaboração conceitual, a pesquisadora fez novas interferências, direcionando a pergunta para os aspectos biológicos relacionados ao tema discutido. 149 Ps: Esses dois cães aqui poderiam se cruzar e dar descendentes férteis? (referindo-se ao Pug e ao Beagle) Alguns alunos disseram: Sim. E outros disseram: Não. A22: Claro que pode, mas não vai ser uma raça pura. A25: Vai dar raça diferente. Não vai? Ps: Olha só que A22 está falando: não vai ser uma raça pura. A8: Vai ser um vira-lata. Ps: O que é um vira-lata? A22: Mistura de raças. A30, A5: É uma raça indefinida. Ps: Então, esses dois poderiam se cruzar? (referindo-se ao pug e ao beagle) Coro: Pode. Ps: E o descendente deste cruzamento será fértil? Alguns alunos disseram: Sim. E outros disseram: Não. A22: Claro que é. A15: Pode, mas não vai ser mais uma raça. Ps: Olha só o que A15 disse: Pode, mas não vai ser mais uma raça. Por meio da intervenção intencional e sistemática da professora e pesquisadora os conhecimentos científicos se desenvolvem conscientemente nos alunos e, ao mesmo tempo promovem o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, como, por exemplo, a abstração, a generalização, a imaginação e o raciocínio. No trecho transcrito acima percebe-se que as situações-problema propostas pela pesquisadora possibilitaram o envolvimento cognitivo dos estudantes, permitindo perceber o movimento conceitual, bem como a evolução da compreensão do conceito de raça. Além disto, a pesquisadora, ao formular novas questões e utilizar-se de intervenções pedagógicas baseadas na marcação de significados-chave, possibilitou que os estudantes explicassem e reformulassem suas concepções. Entende-se por intervenção pedagógica baseada na marcação de significados, aquela em que o professor “[...] repete um enunciado; pede ao estudante que repita um enunciado; estabelece uma seqüência I-R-A (Iniciação do professor, Resposta do aluno, Avaliação do professor) com um estudante para confirmar uma idéia; usa um tom de voz particular para realçar certas partes do enunciado” (MORTIMER; SCOTT, 2002). 150 A pesquisadora continuou então a perguntar, porém, direcionou a discussão para o significado do conceito de espécie, com o objetivo de contrastar este termo com o de raça. Ps: Agora, uma espécie diferente: um cão e um gato são de espécies diferentes. Eles podem se cruzar? Coro: Não. A25: Não? Poder pode. Ps: Pode até acontecer de indivíduos de diferentes espécies se cruzarem, mas vai nascer descendentes? Coro: Não. Ps: E se caso nascer? Não obtendo respostas, a própria pesquisadora acrescentou: Ps: Pra nascer um indivíduo do cruzamento entre indivíduos de espécies diferentes ele não será fértil, esse indivíduo não vai ser fértil. Aí está o limite, a definição de espécie e raça. Analisando os diálogos referentes aos conceitos de raça e espécie, percebemos que ao longo das interações verbais houve uma gradual evolução do pensamento dos estudantes do sincretismo para níveis mais elevados de elaboração do tipo complexo, isto é, os nexos desarmônicos entre os conceitos passaram a ser unificados em um grupo comum, o que constitui a principal diferença entre esses dois estágios de formação de conceitos, de acordo com Vygotsky (2001a). Nas palavras de Vygotsky, Se o primeiro estágio do desenvolvimento do pensamento se caracteriza pela construção de imagens sincréticas [...] o segundo estágio se caracteriza pela construção de complexos que têm o mesmo sentido funcional (VIGOTSKI, 2001a, p. 179). Em outro momento interativo, após a mediação dos conceitos de raça e espécie, a professora e a pesquisadora prosseguiram com os questionamentos e intervenções para mediarem o termo fenótipo, o qual já havia sido rapidamente comentado em um encontro anterior. 151 Ps: Quais são as características da raça Pug? Qual é o fenótipo do PUG? Mas, o que é fenótipo mesmo? A5, A22: São características que dá pra ver. Como definido por Soares (1993, p. 167), “[...] fenótipo se constitui no resultado aparente, visível ou simplesmente de alguma forma detectável, da atividade do genótipo, sujeito a influências do ambiente”. Percebendo a concepção alternativa apresentada pelos alunos A5 e A22 ao considerarem como fenótipo apenas o que se pode ver, a pesquisadora questionou: Ps: Será que fenótipo se refere apenas às características que nós podemos ver? Coro: Não. A8: São as características por dentro dele: se ele é bravo ou tal. No diálogo descrito acima, o aluno A8 revela estar em um nível mais elevado de elaboração conceitual em relação aos seus colegas A5 e A22 e, com o intuito de possibilitar que o restante da turma acompanhasse o movimento de seu pensamento conceitual, a pesquisadora apresentou a definição do termo fenótipo. Ps: Que tipo de característica é esta: ser bravo? É o comportamento, são características comportamentais. E características fisiológicas: o funcionamento do organismo dele. Então, gente, quando eu falo fenótipo: são características que eu posso ver e características que eu não posso ver, mas que eu posso detectar por meio de algum exame. Entretanto, a pesquisadora foi além da definição do conceito de fenótipo, exigindo que os alunos aplicassem este termo, pois, de acordo com Vygotsky, “[...] o desenvolvimento dos conceitos científicos começa no campo da concretude e do empirismo e se movimenta no sentido das propriedades superiores dos conceitos: da consciência e da arbitrariedade” (VIGOTSKI, 2001a, p. 350). Ps: Qual é, então, o fenótipo do Pug? Os estudantes, observando as figuras contidas na reportagem, responderam: A13: Enrugado, pequeno, cara achatada. 152 A22: Ele é enrugadinho. A12: Orelha pequena. Percebendo que os estudantes iriam citar apenas as características observáveis do pug, a pesquisadora interveio, exigindo, por meio de um questionamento, maiores reflexões acerca do conceito que estava sendo trabalhado. Ps: Até agora, vocês citaram apenas as características morfológicas do cachorro da raça Pug; mas qual é o fenótipo comportamental dele? Nenhum aluno conseguiu responder à questão, mesmo tendo acesso à reportagem, que contemplava informações a respeito das características comportamentais apresentadas pelos cães da raça Pug. Esse fato nos fez perceber quão abstrato era o termo fenótipo para os alunos. Até esse momento, os alunos haviam associado o fenótipo apenas com as características que podiam ser vistas por eles, não considerando como fenótipo a falta de noção espacial compartilhada pelos cães da raça Pug, uma característica comportamental, portanto, não observável. Considerando-se que a aprendizagem não é um processo individual, muito menos um processo caracterizado pela memorização de palavras vazias de sentido, os questionamentos e intervenções foram direcionados para o real entendimento do conceito fenótipo. Ps: E qual é o fenótipo do cão da raça Beagle? Os alunos observaram as figuras contidas na reportagem e responderam: A13: Ele é grande. A22: Ele tem a orelha grande. Ps: Ele tem a orelha longa e caída. A13: Focinho grande. A5: Não tem noção espacial. Ps: O Beagle não tem noção espacial? A13: Ele tem sim. Ps: Ele é caçador, então, ele tem que ter noção espacial. A23: Ele é brincalhão e agitado. Ps: Que tipo de fenótipo é este? A23: Do comportamento. 153 Percebemos que nesse momento o conceito de fenótipo alcançou patamares mais elevados também no pensamento do aluno A23, uma vez que ressaltou características comportamentais da raça em questão. Não obstante, a maioria dos estudantes ainda não havia compreendido este fato. Diante disso, continuamos analisando o fenótipo dos cães das raças Pug, Beagle e Puggle (nome dado ao cachorro obtido por meio do cruzamento ente o Pug e o Beagle), e, ao final desta atividade interativa foi construída, conjuntamente com os alunos, a tabela demonstrada abaixo: PUG BEAGLE PUGGLE Características pequeno Grande Médio Tamanho Pele enrugada Pele lisa Pele enrugada Tipo da pele Orelhas Orelhas grandes Orelhas médias Formato e pequenas e caídas comprimento das orelhas Cara achatada Focinho longo Focinho longo Tamanho do focinho Pelagem bege Pelagem Pelagem bege malhada: preto, escuro Cor da pelagem branco, bege escuro Sem noção espacial Com noção espacial Sem noção espacial Comportamento Esta atividade estimulou a participação ativa da maioria dos estudantes na identificação das características dos cães, possibilitando que seu pensamento conceitual alcançasse os níveis mais elevados de elaboração. Isto consigna que o pensamento por complexo evoluiu para o último estágio de formação de conceitos, no qual ocorre o entendimento abstrato de fenótipo. Este fato pode ser observado no momento em que os alunos passaram a identificar os fenótipos 154 dos cães, citando exemplos de características morfológicas e comportamentais de cada uma das raças e do híbrido correspondente. De acordo com Vygotsky (2001a), no estágio de conceito a palavra se torna um signo do pensamento que pode ser aplicado e usado em variadas situações, utilizando-se de diferentes operações intelectuais, e assim o conceito se constitui em elemento mediador entre sujeito e meio. O conceito surge quando uma série de atributos abstraídos torna a sintetizar-se, e quando a síntese abstrata assim obtida se torna forma basilar de pensamento com o qual a criança percebe e toma conhecimento da realidade que o cerca (VIGOTSKY, 2001a, p. 226). Após a mediação do conceito de fenótipo, as interações discursivas foram direcionadas para a discussão do termo característica hereditária, o qual ainda se apresentava difuso no pensamento de alguns estudantes, como podemos observar no diálogo abaixo: Ps: Pessoal, estas características que nós vimos aqui são hereditárias? O que vocês acham? Alguns alunos responderam sim e outros responderam não. Como podemos observar no diálogo abaixo, alguns alunos corrigem os colegas que disseram não e, ao explicarem o porquê de certas características serem hereditárias, revelaram possuir a compreensão da palavra no nível abstrato, isto é, já haviam concluído a formação desse conceito científico. A22: São. Claro que é: tamanho. A35: É verdade, se cruzar dois pequenininhos não vai nascer um grandão. Ps: Olha só o que a colega falou: se cruzar dois cães pequenos não vai nascer um cão grande. Então, eu posso dizer que tamanho, cor da pelagem, tipo de pele, são características hereditárias? Coro: Pode. Ps: Por que eu posso dizer que são hereditárias? O que é uma característica hereditária? A5: Passam de pais pra filho, de uma geração para outra. Ps: Então, são características que passam de pais pra filhos. 155 Nesse momento, uma aluna questionou, confusa: A22: Tamanho não é hereditário? A professora, então, convidou os estudantes a olharem com mais atenção a tabela que haviam confeccionado anteriormente: P: Olhando este quadro, podemos concluir que essas características são hereditárias, sim ou não? Coro: Sim. P: Por quê? A5: A maioria das coisas do pai e da mãe apareceu no filho. Nesse episódio percebemos a importância das interações discursivas na sala de aula, pois somente assim é possível o professor conhecer as concepções, interesses e necessidades dos estudantes, bem como acompanhar o desenvolvimento do pensamento conceitual de cada um. Além disso, o saber a ser apropriado pelo aluno se encontra na linguagem veiculada em sala de aula, uma vez que “[...] a palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial” (BAKHTIN, 1990). Aproveitando o momento interativo, a professora e a pesquisadora prosseguiram com os questionamentos e intervenções para mediar o conceito de híbrido: Ps: Pessoal, voltando aqui para a reportagem! Então, está na moda, agora, cruzar raças. Aqui, mostra o cruzamento entre o Pug e o Beagle. Desse cruzamento foi obtido o Puggle, um animal híbrido. O que é um animal híbrido? A22: Que não tem raça. Não. Tem raça, mas... A5: Uma raça melhor. Ps: Será que é uma raça melhor? A5: Então, é uma raça inferior. Ao perceber a dificuldade dos estudantes, a professora direcionou suas atenções para o fenótipo dos cães envolvidos no cruzamento, comparando as características apresentadas pelas raças Pug, Beagle e Puggle. 156 P: Independente de ser a mãe ou pai o Pug ou o Beagle, o que vocês observam no híbrido? Não obtendo respostas, a professora reformulou sua pergunta: P: Todas as características, seja lá do pai seja lá da mãe, apareceram no híbrido? O que aconteceu lá no híbrido, que é o filho? A8: Algumas mudanças. P: E o que aconteceu? Veja lá: o Pug tinha cara achatada, o Beagle tinha focinho longo e o focinho nasceu médio. É uma característica intermediária. Não é isso? Ps: Então, o que o A8 disse mesmo? Híbrido é a mistura de... A8: Raças. Como pode ser observado, tínhamos como objetivo que os alunos expressassem com suas palavras a compreensão dos conceitos, ou seja, a aula estava direcionada para o apreender e não para o memorizar. Um dos fatores que nos ajudaram a criar condições para uma maior compreensão do conteúdo foi, decisivamente, a reportagem selecionada, uma vez que esta diminuiu a distância entre o conteúdo a ser estudado e o cotidiano dos estudantes, tornando os conceitos estudados significativos e funcionais para os alunos. Sobre este aspecto Barrabín e Sánchez (1996) ressaltaram que: Os alunos têm demonstrado através dos tempos a capacidade de memorizar términos, sem aprender seu significado, ou ter uma adequada representação. [...] Memorizá-los, sem aprender seu significado ou ter uma adequada representação, não só será perda de tempo, como também pode ser motivo de confusão, interferindo em determinadas aprendizagens (BARRABÍN; SÁNCHEZ, 1996, p. 61). Outra característica dessa aula foi a preocupação da professora e pesquisadora em relacionar entre si os vários conceitos estudados, permitindo que os estudantes re-elaborassem uma complexa rede de conceitos. Este fato pode ser observado nas interações verbais promovidas para a discussão da íntima relação entre o processo de transmissão de informações genéticas e o conceito de hereditariedade, como pode ser observado abaixo. 157 Ps: E como se chama o processo, esse mecanismo de transmissão de características hereditárias de pais, progenitores, ascendentes para filhos. Os alunos responderam: A8: Hereditariedade. Ps: Olha só o que o A8 disse: hereditariedade. Ele disse que esse processo de transmissão de características de pais para filhos é a hereditariedade. O que vocês acham? A35: Não entendi! Diante da dificuldade dos estudantes, a pesquisadora solicitou que os estudantes abrissem o livro didático e que o aluno A8 lesse a definição do conceito de genética. A8: “Genética é a área da biologia que estuda a herança biológica, ou hereditariedade, que é a transmissão de características de pais para filhos, ao longo das gerações” (AMABIS; MARTHO, 2004, p.2). Ps: Pessoal, o que vocês entenderam disso que o A8 leu? O que é hereditariedade ou herança biológica? A25: É a transmissão de características de pais para filhos. Ps: É o processo, o processo de transmissão de características de pais para filhos. Isso que é hereditariedade. Em seguida, a discussão foi direcionada para os aspectos físicos do processo da transmissão das informações hereditárias, relembrando termos como gametas, espermatozóide, óvulo, zigoto. Além disso, os conceitos de cromossomos, cromossomos homólogos etc. foram introduzidos. Já ao início da discussão, foi possível verificar que um dos estudantes possuía dificuldades em distinguir os termos gameta e zigoto, como pode ser observado no trecho descrito abaixo. Ps: Alguém pode me explicar como passou a ser explicada esse mecanismo da transmissão das características hereditárias após a descoberta dos gametas? A5: Que os gametas são formados a partir de duas células: o óvulo e o espermatozóide. 158 A pesquisadora, percebendo a confusão feita pelo aluno, pediu-lhe que repetisse o que havia dito com o intuito de confirmar se tratava-se, realmente, de uma dificuldade conceitual ou apenas de uma inversão terminológica ocorrida ao acaso. Ps: Os gametas? Repete, por favor. A5: Os gametas são formados a partir de duas células: por espermatozóide fornecido pelo macho ou pelo homem e o óvulo fornecido pela fêmea ou mulher. Diante do pensamento sincrético apresentado pelo A5, a pesquisadora continuou questionando e intervindo, buscando possibilitar condições para a formação dos conceitos de gameta, espermatozóide, óvulo e zigoto. Ps: O que é um espermatozóide, o que um óvulo? A5: É uma célula. Ps: Que tipo de células? A22: Reprodutivas. A12: Não são os gametas? Ps: Exatamente. São os gametas. A5: Nossa! Deu uma embaralhada agora aqui. Ps: Olha só, pessoal. O que são os gametas, A12? A12: São as células reprodutivas: o espermatozóide e o óvulo. Ps: Isso. Então, os gametas são os espermatozóides e os óvulos. E depois o que acontece? A5: Vai formar o zigoto? Ps: O zigoto: que é a primeira célula dos seres humanos. Ao acompanhar o diálogo, é possível observar a evolução do pensamento conceitual de A5 para as fases finais do estágio por complexo. Além disso, as interações verbais direcionadas pela pesquisadora possibilitaram que este aluno se apropriasse de um conhecimento que anteriormente estava representado apenas no meio social, que aqui se refere à sala de aula. Vygotsky (2007) explica que a aprendizagem é um processo social e, portanto, obtida por meio das interações entre os indivíduos. Em outras palavras, todo conhecimento se encontra, inicialmente, no nível social, e só depois chega ao nível individual. A aula teve seqüência com as discussões direcionadas para o entendimento do significado do termo cariótipo, do qual se derivou o assunto estruturas cromossômicas. 159 Ps: O que é cromossomo, gente? Os alunos responderam utilizando o material de suas pesquisas realizadas como atividades extraclasse: A23: Elemento celular portador das informações genéticas hereditárias, composto fundamentalmente de ácido desoxirribonucléico ou ADN (lendo o que tinha respondido no questionário dado como tarefa). A5: Cromossomos são longos filamentos presentes no núcleo das células eucarióticas, constituído por DNA e proteínas... (lendo o que tinha respondido no questionário dado como tarefa). Para complementar a definição apresentada pelos colegas A5 e A23, a pesquisadora leu a definição de cromossomo presente no livro didático dos estudantes: Ps: “Em 1882, Flemming descreveu o comportamento dos filamentos nucleares no decorrer da divisão de uma célula. Esses filamentos, devido a sua grande afinidade por corantes, foram chamados de cromossomos (do grego khrôma, cor, e sôma, corpo)” (AMABIS; MARTHO, 2004, p.7). Analisando as respostas dos estudantes A23 e A5 ao definirem o que são os cromossomos, percebemos que estão corretas e bem-formuladas, porém são, certamente, trechos copiados de livros ou de outros meios de comunicação, não podendo, assim, ser considerados como elaborações atingidas no decorrer de seus próprios desenvolvimentos. Não obstante, essa cópia ou imitação da linguagem utilizada por outras pessoas pelos alunos não pode ser descartada nos processos de ensino e aprendizagem, como nos alerta Vygotsky (2007). Dos escritos de Vygotsky (2007) depreende-se que a atividade imitativa não se refere a um processo essencialmente mecânico, mas sim, a uma ação que possibilita ao indivíduo ir além de sua própria capacidade, contribuindo para o seu desenvolvimento. “Ao imitar a escrita do adulto, por exemplo, a criança está promovendo o amadurecimento de processos de desenvolvimento que o levarão ao aprendizado da escrita” (OLIVEIRA, 1997, p. 63). O conceito de cromossomos homólogos também foi introduzido: 160 Ps: Observem a figura! Como os cromossomos estão agrupados? Os alunos responderam: de pares; de dois em dois; em grupos. Ps: Por que será que os cromossomos estão de dois em dois? Nós temos dois cromossomos nº 1, dois cromossomos nº 2... A8: São pares que vão dar 46. A12: Um cromossomo é masculino e outro é feminino. Ps: Isso mesmo. Por que tem dois cromossomos nº 1? Porque um cromossomo veio do pai e o outro veio da mãe. Como chama estes pares de cromossomos aí? A22: Homólogos. Ps: São os cromossomos homólogos. E, além disto, os cromossomos homólogos são correspondentes: têm o mesmo formato, o mesmo tamanho. Com base no conhecimento de que estudantes do ensino médio, geralmente, fazem confusão entre cromossomos homólogos e cromátides irmãs, mesmo após terem estudado tais conceitos (BANET; AYUSO, 1998; SILVÉRIO; MAESTRELLI; 2005), o diálogo foi direcionado para a introdução do termo cromátides-irmãs, bem como para as suas diferenças em relação ao termo cromossomos-homólogos. Ps: Como se chama cada filamento desses que o cromossomo possui? A5: Não é mitose não, né? A29: Meiose, células germinativas. A8: Duplicação cromossômica. A9: É uma célula, não é. A22: É zigoto? A29: Bivalente. Ps: São as cromátides... A29, A9: Cromátides irmãs. Nos episódios de ensino aqui descritos, podemos verificar o movimento do pensamento conceitual dos estudantes direcionado – por meio de atividades interativas, situações-problema, oferecimento de pistas – para o desenvolvimento do conhecimento científico, que a cada momento se revelou mais complexo e abstrato. A aula foi iniciada com o conceito de raça, passou pelos processos biológicos envolvidos na reprodução humana e finalizou-se com o conceito de cromossomos, cromossomos-homólogos e cromátides-irmãs. Em fim, 161 Qualquer modalidade de interação social, quando integrada num contexto realmente voltado para a promoção do aprendizado e do desenvolvimento, pode ser utilizado, portanto, de forma produtiva na situação escolar (OLIVEIRA, 1997, p. 64). 4.6.6 Episódio de Ensino: 1ª LEI DE MENDEL Atualmente, grande parte do currículo escolar do ensino médio tem sido reservada para o estudo do mecanismo da hereditariedade nos seus vários aspectos – morfológicos, fisiológicos, celulares e moleculares –, no entanto, muitas vezes o ensino deste conteúdo é conduzido integralmente por meio de resolução de exercícios repetitivos e sem significado para os estudantes (CORAZZA-NUNES et al., 2006). Considerando que a aprendizagem de genética e, em particular, da 1ª Lei de Mendel não pode ser obtida pela mera resolução de listas de exercícios, iniciamos o estudo dos mecanismos da herança mendeliana apresentando o caminho percorrido por Mendel, desde a escolha do material biológico utilizado em seus experimentos até a elaboração de hipóteses diante dos resultados obtidos nos cruzamentos realizados por ele, finalizando com a redescoberta de seu trabalho no início de 1900. Após serem trabalhados todos esses aspectos foi proposta a resolução de problemas de genética, método que está de acordo com a opinião de outros pesquisadores da área de ensino de Ciências, como, por exemplo, Ayuso, Banet e Abellán (1996). Além disto, neste encontro, assim como nos demais, procuramos relacionar os diversos conceitos introduzidos entre si e com os conteúdos trabalhados anteriormente, possibilitando uma melhor compreensão de todo o mecanismo da hereditariedade. Como apontado por Justina (2001), o estudo da genética deve ser redirecionado, ou seja, as aulas de genética necessitam [...] tratar as temáticas [...] de forma não fragmentada e dentro de uma visão de construção humana. Não é suficiente que o aluno decore conceitos e resolva os problemas automaticamente propostos em uma aula de genética. É necessário 162 interpretá-los dentro de um conjunto de conhecimentos, que possibilitem relacioná-los direta ou indiretamente com as novas abordagens em genética e também com as implicações destes avanços científicos para o ser humano (JUSTINA, 2001, p. 128). Sob esta consigna, antes de iniciar as discussões sobre Mendel, a professora se preocupou em situar os estudantes, informando a época em que Mendel havia realizado seus experimentos, bem como os conhecimentos que ele teve à disposição e as dúvidas e incertezas que lhe dificultaram atingir maiores conclusões. P: Mendel sabia que alguma coisa era transmitida, mas não sabia exatamente o que era. Vocês podem ver aqui [apontando para o painel], acreditavam na teoria da pangênese e na idéia de Aristóteles. Na teoria da pré-formação, existia os ovistas e os espermistas que acreditavam que ser vivo era algo pré-formado dentro dos gametas, que só faltava evolui e dar origem ao novo ser. Em 1850, descobriu-se que a célula é o constituinte de todos os seres vivos. Mais tarde, foi descoberto os gametas. Vejam bem onde Mendel está colocado aqui! Mendel está entre a descoberta dos gametas, mas ainda não tinham sido descritos os cromossomos, não se conhecia ainda o processo de mitose e meiose, não se sabia que o núcleo é uma parte da célula importante que guarda os filamentos responsáveis em armazenar as informações que passam de pais para filho e determinam as características hereditárias. Para o desenvolvimento desse encontro, além de termos valorizado as interações entre a professora, a pesquisadora e os estudantes, utilizamos como procedimento didático-pedagógico principal a técnica de estudo dirigido, e como apoio didático, o livro de Biologia dos estudantes – AMABIS e MARTHO, 2004, v. 2 –, cartazes com esquemas de cruzamentos, maquetes da flor da ervilha e transparências com figuras diversas. A aula foi norteada por 14 questões dissertativas acerca do trabalho realizado por Gregor Mendel e sua contribuição para a compreensão da hereditariedade, confeccionado com base no 2º capítulo do livro didático utilizado pelos estudantes (ANEXO 05). Para estimular as interações durante a aula, no encontro anterior fora solicitado aos alunos que respondessem a essas questões norteadoras em casa e as trouxessem respondidas nesta aula. Dessa forma, ao chegar à sala de aula, grande parte dos alunos já havia lido e refletido a respeito do assunto que iria ser tratado, enriquecendo as discussões e contribuindo para que os colegas que não haviam realizado a tarefa se inteirassem do tema abordado, participando das interações dialógicas. 163 Este resultado pode ser observado nos diálogos transcritos abaixo: P: Quem foi Mendel? Vocês poderiam falar quem foi Mendel? A4: O pai da genética. P: Na verdade, ele é considerado o pai da genética. Por que será ele é considerado o pai da genética? A25: Por causa dos experimentos dele. P: Ele fez o quê? O que ele estudou? A35: Pra ver os descendentes, as características. A8: Pra descobrir a ervilha, se era verde... P: Qual era o objetivo do trabalho de Mendel? A1: Pra ver a genética. A8: Hereditariedade. A5: Como herdava as características. Como podemos observar nas falas dos alunos, a atividade proposta, baseada em questões sobre os experimentos realizados por Mendel, possibilitou-lhes chegar à aula com certas apropriações e elaborações, características das várias fases do pensamento por complexo (VIGOTSKI, 2001a). A análise deste diálogo nos revela que a estudante A1, ao dizer que o objetivo da pesquisa realizada por Mendel foi “ver a genética”, apresentava-se em níveis elementares desse estágio de formação de conceitos, mais especificamente, na fase de complexo por associação. É característico dessa fase o indivíduo se basear em qualquer semelhança factual entre os conceitos para realizar um agrupamento, ou seja, em elementos que apresentam algum vínculo concreto, mas sem considerar as semelhanças abstratas entre tais conceitos. Ao relacionar os termos Mendel e genética por meio de traços factuais, esta estudante deixou evidente a incompreensão abstrata do conceito de genética. Por outro lado, estudantes como A8 e A5 demonstraram estar nos estágios finais de elaboração, ao conseguirem estabelecer relações entre os objetivos do trabalho de Mendel e o termo hereditariedade, utilizando palavras de seu próprio vocabulário. A professora complementou as respostas, explicando acerca do interesse que havia na época, entre a comunidade científica, em elucidar as incertezas que pairavam em relação ao 164 mecanismo da hereditariedade e, em seguida deu continuação ao diálogo, mas, a partir daí, em relação ao material biológico utilizado por Mendel em seus experimentos: P: Qual material biológico Mendel usou? A40: Ervilha. P: E quais as vantagens de se usar a ervilha? A40: Fácil de plantar. A5: Ciclo de vida rápido. A8: Tem várias ervilhas em uma vagem só. A12: A fácil identificação das características. Em seguida, a partir da introdução do termo autofecundação por A8 e A23, as intervenções e direcionamentos realizados pela pesquisadora atuaram nas ZDPs dos estudantes, possibilitando que muitos destes se aproximassem das fases finais de elaboração do conceito de autofecundação e facilitando o estabelecimento de relações entre este e outros conceitos. A8: A flor da ervilha também se autofecunda, né, pra se reproduzir. A23: A ervilha também tem autofecundação A8: Ela não precisa de ninguém pra reproduzir. Ps: E por que será ela realiza autofecundação? A40: Porque ela é hermafrodita. Ps: Exatamente. O que é ser hermafrodita? A8: Tem os dois sexos em um só. Ps: Tem os órgãos reprodutores masculino e feminino. Mas será que só por esse motivo ela se autofecundaria? A8: Não. Ps: Qual o outro motivo de ela se autofecundar? A12: Porque tem a quilha, que deixa mais fechada a região de reprodução dela, evitando a fecundação dela com outros pés. Posteriormente, utilizando a maquete da flor de ervilha, a pesquisadora continuou explicando o processo de autofecundação nesta planta. Ressaltou a importância do hermafroditismo e da presença da quilha para a ocorrência deste evento na ervilha, os quais, concomitantemente, dificultam o processo de fecundação cruzada. De repente, um aluno questionou: A8: Tem como fazer de propósito, não tem? 165 Estimulando os estudantes a refletirem e reformularem o raciocínio, a pesquisadora, ao invés de responder ao questionamento, redirecionou a questão para a turma: Ps: Olha só o que o A8 falou! Tem como fazer de propósito? Tem como fazer uma fecundação cruzada artificial? A5: Com pincel. Ps: Como se faz uma fecundação cruzada artificial na ervilha? Como Mendel fez a fecundação cruzada artificial? Na verdade, Mendel trabalhou com a ervilha e ele usou muito a fecundação cruzada artificial. A25: [leu no livro] “[...] é preciso abrir previamente a quilha de algumas flores e cortar suas anteras, o que corresponde a “castrar” a parte masculina. Quando a parte feminina está madura, abre-se novamente a quilha e coloca-se sobre o estigma, pólen retirado de flores intactas de outra planta” (AMABIS; MARTHO, 2004, p. 20). Nesse momento, o aluno A8 pegou a maquete da flor da ervilha que estava nas mãos da professora e começou a dramatizar e explicar, com suas palavras, o processo da fecundação cruzada artificial. À medida que A8 foi simulando o processo, a professora e a pesquisadora foram intervindo e complementando com informações adicionais, o que possibilitou que todos os alunos compreendessem esse procedimento, bastante utilizado por Mendel em seus experimentos. Na seqüência, foram apresentadas, com o auxílio de transparências, as sete características selecionadas e utilizadas por Mendel em seu trabalho: cor da vagem, da semente e da casca da semente; forma da semente e da vagem; altura da planta e posição das flores na planta. Os cruzamentos realizados por Mendel também foram discutidos e, no decorrer do diálogo foram introduzidos os conceitos empregados por esse pesquisador, tais como: linhagem pura, linhagem híbrida, geração parental, primeira geração híbrida ou F1, segunda geração híbrida ou F2, traços recessivos e traços dominantes. Seguem abaixo alguns trechos desse episódio: P: Em relação à cor da semente, Mendel fez o quê? Mendel cruzou o quê? Coro: Amarela e verde. P: E essas plantas eram puras ou híbridas? A8: Híbridas. A5, A12: Puras. P: Eram puras ou híbridas? 166 A5, A12, A23: Puras! P: Mas o que quer dizer uma linhagem pura? A5: É uma pura, ué! Uma coisa sem mistura. P: Pra Mendel, o que era uma linhagem pura? A23: Melhor qualidade. A22: VV. A8: F1. A35: Elas se autofecundavam e davam origem a plantas iguais a si. P: Todos concordam? Como podemos observar, a professora, ao considerar as respostas emitidas pelos estudantes, foi direcionando suas atenções para o que Mendel, realmente, considerou como linhagem pura em seus trabalhos. Aproveitando o momento interativo, prosseguimos com os questionamentos e intervenções para mediar o conceito de linhagem híbrida: P: Quando Mendel fez o cruzamento entre ervilha amarela e verde, o que ele obteve em F1? O que é F1, mesmo? A35: Primeira geração híbrida. A25: Não. 1ª geração de filhos. P: Primeira geração de filhos híbrida. Nesse momento, o aluno 25 revelou desconhecer o termo híbrido, questionando: A25: Por que híbrida? P: Por que híbrida? A5: Porque misturou duas linhagens puras. P: Portanto, podemos dizer que híbrido é a mistura de raças. Ao invés de responder à questão de A25 – “Por que híbrida?” –, a professora retornou o questionamento para toda a turma, exigindo maiores reflexões e raciocínio por parte dos estudantes. O resultado pode ser visto na resposta de A5, que explicou o significado da palavra híbrido, utilizando outro conceito – linhagem pura. Como podemos observar, as atividade de leitura e escrita e as interações dialogadas entre professor e alunos e dos alunos entre si possibilitaram que esse aluno atingisse níveis mais elevados de elaboração conceitual, abandonando idéias sincréticas, observadas em situações anteriores, para, gradualmente, tornar o conceito um instrumento de seu pensamento. 167 Os instrumentos psicológicos, também chamados por Vygotsky de signos, são importantes para as ações internas de um indivíduo, auxiliando-o em tarefas que exigem memória e atenção e possibilitando-lhe que tenha maior controle sobre suas atividades. “A memória mediada por signos é, pois, mais poderosa que a memória não mediada” (OLIVEIRA, 1997, p. 30). Além disso, a utilização de signos internalizados permite que o homem opere o mundo mentalmente, deixando de necessitar de marcas externas do espaço e tempo presentes; isto é, o sujeito, ao ter ao seu dispor signos internos, mesmo na ausência dos objetos, pode estabelecer relações, imaginar e planejar situações (VIGOTSKI, 2007; OLIVEIRA, 1997). Nas palavras de Oliveira (1997), Posso pensar em um gato que não está presente no local em que estou, imaginar um gato sobre a poltrona que no momento está vazia, pretender ter um gato em minha casa a partir da próxima semana. Essas possibilidades de operação mental não constituem uma relação direta com o mundo fisicamente presente; a relação é mediada pelos signos internalizados que representam os elementos do mundo, libertando o homem da necessidade de interação concreta com os objetos de seu pensamento (OLIVEIRA, 1997, p. 35). A evolução conceitual apresentada pelos estudantes no diálogo acima está em conformidade com conclusões que obteve Vygotsky (2001a, 2001b) ao analisar as diferenças entre os conhecimentos espontâneo e científico. De acordo com estes estudos, o processo de ensino, quando é organizado de forma intencional, possibilita que o desenvolvimento dos conceitos científicos ultrapasse o desenvolvimento dos conhecimentos espontâneos (VIGOTSKI, 2001a, 2001b). Ainda sobre este aspecto, Oliveira (1997), com base em escritos de Vygotsky, enfatizou que “O professor tem o papel explícito de interferir na zona de desenvolvimento proximal dos alunos, provocando avanços que não ocorreriam espontaneamente” (OLIVEIRA, 1997, p. 62). A explicação acerca dos resultados obtidos por Mendel em seus cruzamentos prosseguiu, também, em um ambiente interativo: 168 Ps: Ao cruzar ervilhas amarelas com verde, o que Mendel obteve na 1ª geração híbrida? Amarelas ou verdes? A8, A5: Amarelas. A22: Por quê? Ps: Então, ele também ficou confuso: 100% amarela. Mas em F2 ele ficou mais confuso ainda. Ele deixou que a planta formada a partir de uma semente amarela se autofecundasse. O que ele obteve nessa geração F2? A12, A8: Verde e amarela. A5, A22: Amarela. A1: 50% verde, 50% amarela. A5: 70% amarela e 30% verde. A12, A37: 75% amarela e 25% verde. A8: Vai ser amarela e verde, mas vai ser mais amarela do que verde. A22: Eu acho que vai ser amarela de novo, porque é dominante, não é? Ps: Então, o que Mendel obteve? A cada 3 amarelas ele obtinha uma semente verde. A pesquisadora continuou explicando os resultados obtidos nos cruzamentos realizados por Mendel em relação à cor da semente e, ao observar que um dos estudantes – A22 – já estava utilizando o conceito de dominante, direcionou os questionamentos para a introdução e discussão deste termo, bem como para o de recessividade. Ps: Para explicar estes resultados Mendel introduziu dois conceitos. Mendel introduziu dois conceitos para caracterizar o caráter que desapareceu em F1 e o caráter que apareceu em todas as gerações. Imediatamente, um dos alunos respondeu: A5: Recessivo e dominante. Percebendo que tais palavras já haviam sido apropriadas pelos alunos, a pesquisadora se preocupou em conhecer as suas concepções, ou seja, analisar o que entendiam por dominante e recessivo. Os alunos A5 e A12 revelaram já compartilhar dos níveis finais do pensamento por complexo. Ps: O que quer dizer traço recessivo? A12: Traço recessivo é que pode pular uma geração e aparecer na outra... A5: Fica em recesso. Ps: E o que seria um traço dominante? 169 A5: É o que domina. A12: É o que aparece em todas as gerações... Ps: Qual seria aqui a característica recessiva e a dominante? Os alunos responderam em coro: Amarela: dominante e verde: recessivo. Analisando as proposições elaboradas pelos alunos A12 e A5, verificamos que já haviam se apropriado das características essenciais dos termos recessivo e dominante, assimilação atingida no último estágio de formação de conceitos, uma vez que conseguiram explicar, distinguir e exemplificar tais termos utilizando suas próprias palavras. Saber um conceito significa ter um conjunto de conhecimentos sobre os objetos a que este conceito se refere. Quanto mais nos aproximamos disto, melhor conhecemos um conceito dado. Nisto consiste o desenvolvimento dos conceitos [...] (MENCHINSKAIA, 1960, p. 242). Apesar de a professora e a pesquisadora reconhecerem que os novos conceitos científicos ainda não haviam sido completamente estabelecidos por todos os estudantes, de modo que pudessem generalizá-los para outras situações, nesse momento não foram dadas maiores explicações, uma vez que estes seriam retomados nos próximos encontros. Diante disso, a aula prosseguiu por meio de simples exposição, com o auxílio de cartazes, sobre as conclusões extraídas por Mendel de seus experimentos, introduzindo os termos fatores hereditários e segregação. Além disso, foi explicada a representação dos fatores hereditários, realizada por meio das letras do nosso alfabeto e efetuada segundo algumas regras básicas. Em seguida, a pesquisadora, com o intuito de trabalhar um pouco mais o desenvolvimento da genética, acrescentou algumas informações referentes à redescoberta dos trabalhos de Mendel e sua repercussão na comunidade científica da época, ressaltando os conceitos científicos que foram substituídos ou introduzidos, tais como: genética, homozigoto, heterozigoto, gene e alelos. Ps: Então, Mendel fez isso, mas naquela época ninguém deu muita bola para Mendel. Ele apresentou seus resultados, porém, ninguém entendeu; na verdade, o pessoal não conseguiu entender os resultados, as hipóteses de Mendel. Só 35 anos depois, em 1900, é que redescobriram o trabalho de Mendel. E quando eles 170 redescobriram, viram que realmente tinham descoberto uma pesquisa importante e a partir daí um cientista introduziu o termo ‘genética’. Aí que a genética surge, no início de 1900, quando redescobriram os trabalhos de Mendel, pra conceituar a nova ciência que estava nascendo naquele momento. E também substituíram alguns termos usados por Mendel e introduziram outros conceitos. Introduziram, por exemplo, o termo homozigoto e o termo heterozigoto. O que seria heterozigoto e homozigoto? Dois dos estudantes, ao tentarem definir os conceitos de homozigoto e heterozigoto, revelaram possuir concepções sincréticas sobre o significado destas palavras. A22: Homo é só um, né? Um zigoto só? A8: Homozigoto é de um sexo. Heterozigoto é de outro sexo. Homozigoto é de um jeito e heterozigoto é de outro. Diante da dificuldade apresentada pelos alunos, a pesquisadora deu continuidade à aula, explicando o significado de tais termos e, posteriormente, redirecionou a discussão para os aspectos históricos da ciência da hereditariedade: Ps: Mendel usava indivíduo puro, linhagem pura. Pós-Mendel, foi trocado alguns termos, o que Mendel chamava de linhagem pura eles chamaram aqui de linhagem homozigota, ou seja, que tem fatores hereditários iguais. E heterozigoto, o que a gente chamava de híbrido, mistura de raças, heterozigoto. Também, aqui, após a redescoberta de Mendel, o termo “fatores hereditários”, introduzido por Mendel, é substituído por “genes”. Porém, nessa época só houve uma substituição de termos. Não se sabia ainda aqui do que o gene era constituído, onde ele estava etc. A introdução do termo alelo, após a redescoberta de Mendel, também foi lembrada nas explanações... Ps: E foi introduzido outro termo aqui: o termo alelo para denominar as diferentes formas em que um gene pode aparecer. Por exemplo: tanto o fator V como o fator v são responsáveis pela cor da ervilha, porém, temos formas diferentes em que esse gene pode ser: esse gene pode ser dominante ou recessivo. Na natureza, esse gene pode aparecer de duas formas e essas duas formas são chamadas de alelos [...]. 171 Para finalizar esta aula, outros momentos históricos importantes para o desenvolvimento da Genética foram ressaltados como, por exemplo, a descoberta de que os fatores hereditários ou genes estão localizados nos cromossomos homólogos. Para o entendimento do processo de segregação dos genes alelos durante a divisão meiótica, apresentamos aos estudantes um esquema, representado em um cartaz, que contemplava todas as fases para a formação de gametas em uma planta com genótipo heterozigoto para a cor da semente da ervilha. Nesse momento nos preocupamos em dar suporto teórico para que os alunos conseguissem compreender a relação do processo de meiose com a transmissão das informações hereditárias, o que é um conhecimento necessário para o entendimento do mecanismo da hereditariedade como um todo. Apesar de termos trabalhado este assunto utilizando o método de transmissão, este foi um momento importante para o desenvolvimento do pensamento conceitual dos estudantes, uma vez que apresentamos as relações entre a meiose e o mecanismo de transmissão hereditária. Sobre este aspecto do estudo da genética, Banet e Ayuso comentam: Muitos estudantes possuem dificuldades para compreender o significado da meiose na transmissão das características hereditárias e, em particular, no processo de segregação genética, já que não relacionam este processo com a herança biológica (BANET; AYUSO, 1998, p. 25). Essas dificuldades apresentadas pelos estudantes do ensino médio, que havíamos também constatado também em estudos anteriores (PEDRANCINI et al., 2007), levaram-nos a organizar o ensino tomando como base a história da ciência e dando ênfase às interações verbais, de modo a evitar a fragmentação dos conteúdos e minimizar a ocorrência de conceitos alternativos. 4.7.7º Episódio de Ensino: Conhecendo as elaborações iniciais dos estudantes Como os conceitos sistematizados nas aulas anteriores estavam sendo aprendidos e elaborados pelos estudantes? Os estudantes estavam conseguindo utilizar como instrumentos de seu pensamento os conceitos introduzidos e discutidos nas aulas anteriores? O desenvolvimento 172 dos conceitos científicos havia superado o desenvolvimento dos espontâneos? Quais conhecimentos os estudantes estavam empregando para explicar os conceitos de genética, o científico, o espontâneo ou ambos? Quais dificuldades ainda possuíam? Os alunos ainda possuíam alguma concepção alternativa que poderia dificultar o entendimento do mecanismo da hereditariedade? Neste encontro, nosso objetivo foi investigar tais questões para que, por meio dos dados obtidos, pudéssemos refletir sobre a organização e o desenvolvimento da prática pedagógica que estava sendo estabelecida por nós, bem como acerca da direção que iríamos seguir no curso das aulas subseqüentes. Para conseguirmos respostas às nossas indagações, solicitamos aos estudantes que escrevessem individualmente, sem consultar materiais auxiliares, o que entendiam pelos conceitos de: linhagem pura; planta híbrida; traço dominante e recessivo; fatores hereditários; cromossomos homólogos; indivíduo homozigoto, heterozigoto e fenótipo. Nesse primeiro momento, as explicações dos estudantes, ao definirem os conceitos propostos, puderam ser reunidas em dois grupos de respostas, de acordo com o nível de elaboração conceitual apresentado. Um grupo dessas respostas sugeriu a formação de pensamento característico das fases intermediárias do estágio por complexo. Desta forma, pudemos concluir que determinados conceitos haviam sido apropriados, porém, não estavam, ainda completamente, formados, como podemos observar nas respostas dos alunos A14, A32 e A36 ao explicarem o que entendiam por fatores hereditários, cromossomos-homólogos e fenótipo, respectivamente: A14: Fatores hereditários é o que herdamos dos nossos pais. Ex: cor da pele, cabelo, boca etc. A32: Cromossomos-homólogos são pares de cromossomos, um do pai e outro da mãe. A36: Fenótipo é aquilo que dá par ver, no caso da ervilha a cor da semente poderia ser verde ou amarela. 173 O estudante A14, ao explicar o que entendia por fatores hereditários, termo introduzido por Mendel, demonstrou saber a relação entre estes e “o que herdamos de nossos pais”, mas não conseguiu explicar de que estes fatores são constituídos, onde se encontram nas células, como são transmitidos para os descendentes; ou seja, o conceito de fatores hereditários não havia sido completamente estabelecido nesse momento do ensino. De acordo com Menchinskaia (1960), o conceito é constituído por um emaranhado de conhecimentos acerca dos objetos, palavras, termos, assim como exemplificado por este autor com o conceito de carbono: Quando desenvolvido o conteúdo do conceito de “carbono” manifestamos uma série de juízos sobre suas qualidades características, sobre sua distinta origem, sobre suas diferentes classificações, sobre suas varias classes, etc. (MENCHINSKAIA, 1960, p. 242). Em relação ao conceito de cromossomos-homólogos, a aluna A32 conseguiu reconhecer que o cromossomo é o veículo de informação hereditária de pais para filhos, bem como que, no processo de fecundação, cada progenitor colabora com apenas um cromossomo homólogo do par correspondente. Essa aluna, entretanto, apesar de estabelecer conexões entre alguns termos – cromossomo-homólogo, cromossomo, hereditariedade –, não revelou conhecer tais conceitos de forma abstrata, ou seja, o seu entendimento acerca desses conceitos não lhe permitiu realizar decomposições, análise, sínteses e generalizações de modo abstrato como a apresentada pelo aluno. Esta etapa só é alcançada quando “[...] os fatos se separam da situação concreta e se percebem suas características gerais” (NUÑEZ; PACHECO, 1997, p. 18). No mesmo contexto, a resposta da estudante A36, apesar de definir o termo fenótipo de forma semelhante àquela apresentada em alguns livros didáticos, revelou que não havia ocorrido a assimilação do conceito em sua essência, uma vez que ela utilizou apenas exemplos de características observáveis, não considerando as de aspectos comportamentais e fisiológicos, mesmo após esse conceito ter sido, exaustivamente, trabalhado em aulas anteriores. Não obstante, os resultados obtidos concordam com os apresentados por Vygotsky (2001a; 2001b; 2007) no que se refere ao longo processo de apreensão e assimilação de conceitos 174 científicos pelos indivíduos. “Esse aspecto do desenvolvimento do pensamento é um processo interno profundo de mudança da estrutura do próprio significado da palavra” (VIGOTSKI, 2001b, p. 521). Por outro lado, em relação aos conceitos de homozigoto, heterozigoto, linhagem pura, planta híbrida, traço dominante e traço recessivo, obtivemos respostas que indicaram níveis mais elevados de desenvolvimento conceitual, como, por exemplo, as descrições dos estudantes A12, A35 e A37. A12: Homozigoto são as plantas puras e heterozigoto são as plantas híbridas. A35: Linhagem pura: são aquelas que cruzadas com plantas, dão origem a plantas iguais a si, com as mesmas características. A12: Planta híbrida é a planta formada pelo cruzamento de duas plantas de características diferentes. Ex: planta alta x planta baixa = planta híbrida. A37: Traço dominante é o traço que predomina durante a primeira geração F1. Recessivo são os traços que aparecem na segunda geração F2 na proporção de 1:3 sobre o traço dominante. Esse grupo de respostas, ao contrário do anterior, utilizou termos científicos em suas proposições, apresentando, consequentemente, maior domínio do conteúdo estudado. Além disso, as explicações dos conceitos estudados se assemelharam, fenotipicamente, com os encontrados em nível científico. Esse fato nos permite concluir que estes estudantes já se encontravam no estágio de pseudoconceito ou no estágio de conceito, etapa na qual o indivíduo alcança o significado da palavra, propriamente dito. Entretanto, os elementos que coletamos nessa fase da pesquisa não nos permitiram verificar com certeza em qual desses estágios esse estudantes se encontravam. Como Vygotsky ressalta (2001a), é difícil encontrar o limite entre o pseudoconceito e o conceito, pois a única diferença entre eles reside [...] em que uma generalização é o resultado de um emprego funcional da palavra, enquanto outra surge como resultado de uma aplicação inteiramente diversa dessa mesma palavra (VIGOTSKI, 2001a, p. 227). 175 Analisando as respostas dos estudantes de um modo geral, observamos uma evolução no desenvolvimento de seu pensamento conceitual, até mesmo entre os que apresentaram maiores dificuldades, uma vez que muitos dos conceitos científicos estudados e discutidos passaram a fazer parte de seus discursos, substituindo as concepções espontâneas observadas nos primeiros encontros. Por outro lado, a elaboração dos conceitos aqui tratados ainda não estava completa. Como ensina Vygotsky, este processo é longo e complexo, e é alcançado apenas quando o aluno consegue generalizar os conhecimentos científicos para situações diferenciadas. Nas palavras de Vygotsky: [...] o desenvolvimento do significado das palavras é um processo celular interno de desenvolvimento ou mudanças. Um processo microscópico, que não se manifesta direta e imediatamente na mudança da atividade do pensamento. [...] O processo de mudança interna do próprio pensamento acarreta inevitavelmente mudanças e operações de pensamento, ou seja, também estão na dependência do tipo de estrutura do pensamento aquelas operações que são possíveis no campo desse pensamento (VIGOTSKI, 2001a, p. 521). Outro fator que, de acordo com nossas reflexões, contribuiu para as elaborações iniciais dos estudantes foi a prática pedagógica adotada pela professora e pesquisadora em dois aspectos: “ [...] a identificação dos caminhos percorridos e a identificação dos caminhos a serem seguidos”, considerando, assim, a função diagnóstica da avaliação (LUCKESI, 2005. p. 43). Primeiramente, foi possível observar e evidenciar as contribuições das interações verbais que foram desencadeadas no decorrer das aulas, bem como dos outros procedimentos por nós empregados. O outro aspecto verificado nesse momento foi a necessidade de organizarmos as próximas aulas de forma a possibilitar a aplicação prática dos novos conceitos apreendidos, criando condições para um maior desenvolvimento, nos estudantes, do pensamento conceitual e de outras funções superiores. 176 Diante destas conclusões, foi traçado o curso das aulas seguintes e foram selecionadas as atividades, a partir das quais os estudantes puderam pôr em prática as informações que, até o momento, haviam sido possibilitadas apenas em leituras, elaborações textuais e diálogos. Destarte, o desenvolvimento dessas aulas incluiu atividades de resolução de exercícios e utilização de dois jogos lúdicos – dominó de conceitos e simulação do mecanismo da hereditariedade –, os quais foram realizados separadamente, nos três encontros subseqüentes. Nessa etapa da pesquisa, apesar de termos adotado outros métodos de ensino, as interações discursivas e a mediação intencional dos processos de ensino e aprendizagem continuaram a ser utilizadas por nós como os principais instrumentos pedagógicos no curso desses encontros. 4.8. 8º Episódio de Ensino: Resolução de exercícios de genética Considerando que a resolução de problemas de genética tem o papel de possibilitar a aplicação dos conceitos aprendidos (AYUSO, BANET, ABELLÁN, 1996), nesse encontro foram propostos para os estudantes resolverem alguns exercícios, os quais não favoreciam a mecanização, mas sim, proporcionavam uma situação para reestruturação dos conceitos fundamentais sobre a herança biológica, uma vez que os novos conceitos não são internalizados pelos indivíduos tão logo são aprendidos (VIGOTSKI, 2001a). Não obstante, como aquele era o primeiro contado dos alunos com os exercícios de genética, detivemo-nos em apenas dois problemas do tipo causa-efeito, reservando os do tipo efeito-causa para aulas posteriores. Os problemas utilizados no ensino de genética podem se enquadrados nestes dois tipos distintos – causa-efeito ou efeito-causa – de acordo com o nível de dificuldade com que se apresentem. De acordo com Stewart (1988 apud SIGÜENZA-MOLINA, 2000), os problemas em 177 genética são denominados “causa-efeito” quando, a partir do tipo de herança e do genótipo dos progenitores, é pedido aos estudantes informarem o fenótipo dos descendentes; já os de efeitocausa exigem que os alunos estabeleçam o genótipo dos descendentes e/ou o tipo de herança a partir do fenótipo. Diante disto, os problemas do tipo efeito-causa exigem maior raciocínio, conseqüentemente, favorecem o desenvolvimento cognitivo dos estudantes, quando comparados aos do tipo causa-efeito, os quais podem ser resolvidos aplicando-se apenas um padrão de resposta (SIGÜENZA-MOLINA, 2000). Os dois problemas que foram propostos para os alunos nesse encontro podem ser observados e analisados abaixo: 1) Em seus experimentos com ervilha, Mendel cruzou plantas puras produtoras de sementes lisas com plantas produtoras de sementes rugosas. Ele verificou que todas as sementes F1 eram lisas. Enquanto em F2, num total de 7.324 sementes analisadas, 5.474 eram lisas e 1.850 eram rugosas. a) Qual caráter é dominante e qual é recessivo? Justifique sua resposta. b) Determine a proporção entre as duas classes fenotípicas de F2. Faça os seguintes cruzamentos em relação ao caráter forma da semente: RR x rr; RR x Rr, Rr x Rr e Rr x rr. 2) Considerando a característica altura da planta, represente os seguintes cruzamentos: a) b) c) d) AA x aa; AA x Aa; Aa x Aa; Aa x aa. Apesar de estes problemas terem exigido um nível baixo de raciocínio, durante as suas resoluções nos preocupamos em possibilitar que os estudantes compreendessem e relacionassem os conceitos que estavam utilizando por meio das interações verbais e/ou pistas, direcionamentos, intervenções, questionamentos efetuados pela professora e pela pesquisadora. 178 Portanto, aos poucos, os estudantes, mediados pelos saberes científicos disponibilizados, revelaram possuir um maior entendimento em relação ao assunto tratado e aos conceitos de genética. Este fato pode ser observado, por exemplo, no breve trecho, abaixo, retirado da discussão desencadeada durante a correção do 1º problema de genética proposto. P: Qual é a característica recessiva, neste caso? A5: Ervilha rugosa. P: Por quê? A5: Porque aparece em menos experimentos. P: Será que aparece em menos experimentos? Isso daqui é um experimento? A35: Pode aparecer em uma geração e na outra não. A9: Porque só aparece na segunda geração. A23: Não aparece na F1 e aparece na F2... A37: Porque ela só aparece no que é mono, monozigoto, homozigoto. P: Exatamente. Ele só se expressa em homozigose. Vocês entenderam o que A37 disse? Convocados pela professora a participar do diálogo, os estudantes logo se envolveram cognitivamente na situação-problema – ‘Qual é a característica recessiva?’– que foi respondida rapidamente e sem dificuldades por A8. A professora, ante a reposta de A8, questionou o porquê de o traço rugoso ser recessivo, permitindo conhecer em qual nível de elaboração os estudantes se encontravam em relação a este conceito. Apesar de todos os alunos terem mostrado estar nas fases finais do estágio por complexo do processo de formação de conceitos, o aluno A37, ao introduzir o conceito homozigoto, trouxe uma nova relação entre traço recessivo e dominante, apresentando um nível maior de compreensão e abstração do conceito discutido, em relação aos outros colegas. Por este estabelecimento de relações realizado pelo aluno A37 – recessivo-homozigoto –, chegamos à conclusão de que este aluno (A37) se encontrava no processo final de formação de conceitos, ou na fase de pseudoconceito ou na fase de conceito, uma vez que é difícil, muitas vezes, distinguir entre esses dois tipos de elaboração, como exposto anteriormente. Outra seqüência de interações verbais que revela a riqueza dos diálogos e do movimento conceitual proporcionada no decorrer da resolução de exercícios pode ser observada na discussão sobre os conceitos de homozigoto e heterozigoto. Nesse momento, além de os alunos terem tido 179 mais uma oportunidade para distinguir entre os conceitos introduzidos por Mendel e os termos que os substituíram após a sua redescoberta, foi disponibilizada a relação heterozigoto-genes, permitindo uma gradativa evolução do pensamento dos estudantes para as fases finais da formação de conceitos por complexo. Ps: Então, após a redescoberta de Mendel, essas ervilhas que eram chamadas de puras passaram a ser chamadas de homozigotas. Por quê? A12: Porque só produz um tipo de gameta. Ps: E esse indivíduo aqui, como passou a ser chamado depois? Mendel chamava de híbrido. A35: Heterozigoto. Ps: Por quê? A35: É que dá dos dois... Ps: O que dá dos dois? A35: É a mistura de raças. A37: tem dois tipos de genes. Ps: Vamos tentar entender, agora, o que A37 disse! Além disto, durante esta atividade, ressaltamos os seguintes aspectos: - reprodução sexuada nas plantas; - relação entre segregação dos genes alelos e o processo de meiose; -localização dos genes alelos nos cromossomos homólogos; - utilização e significado do quadrado de Punnet; - representação dos fatores hereditários por letras do nosso alfabeto; - relação entre letras maiúsculas e minúsculas e alelo dominante e recessivo; Assim, buscamos que nesse momento de resolução de exercícios não se realizasse em um vazio conceitual, mas desenvolvemos um ambiente propício para a reelaboração e internalização dos conceitos e do mecanismo da hereditariedade, bem como o entendimento da ciência como processo humano. Sobre este aspecto, Ayuso, Banet e Abellán (1996) revelam: [...] cremos que é possível dar um salto qualitativamente importante no tipo de problemas de genética que propomos aos nossos alunos e alunas em classe, de maneira que os estudantes possam ser capazes de resolvê-los, compreendendo os 180 conceitos que aplicam e aprendendo, simultaneamente, a solucionar situações problemas, que contribuirão para que se formem idéias mais adequadas sobre a ciência e a forma de trabalho dos cientistas (AYUSO, BANET e ABELLÁN, 1996, p. 139). Ao final deste encontro, foi entregue para cada aluno uma lista de exercícios com problemas variados de genética que foram resolvidos em alguns momentos específicos das aulas subseqüentes ou, então, propostos como atividade para casa (ANEXO 06). Além disto, os estudantes receberam um glossário contendo a explicação de alguns conceitos de genética que já haviam sido trabalhados até essa ocasião, tais como: gene, cromossomos homólogos, alelos, homozigoto, heterozigoto, genótipo, fenótipo, dominante e recessivo (ANEXO 07). 4.9. 9 Episódio de Ensino: Dominó de conceitos Com a finalidade de auxiliar no aprendizado e fixação dos conceitos referentes à genética, esta aula foi reservada para a aplicação de uma atividade lúdica, o “dominó de conceitos”, um jogo didático-pedagógico proposto por Ramalho et al. em um artigo publicado na Revista Genética na Escola, nº 1, v. 2, de 2006, p. 45-49. Como vem sendo demonstrado, no ensino de genética, disciplina caracterizada pelo intenso número de conceitos e pela complexidade que estes abarcam, é importante o emprego de atividades lúdicas que facilitem a aprendizagem, fixação e compreensão dos conceitos e processos da herança biológica. (RAMALHO et al., 2006; JUSTINIANO et al., 2006). A nosso ver, as atividades lúdicas, dentre elas o jogo de dominó de conceitos, além de serem uma ferramenta capaz de auxiliar na fixação de termos e processos biológicos, trazem outras vantagens para o ensino e aprendizagem, como, por exemplo, tornam o estudo mais dinâmico e atrativo para os estudantes e promovem o desenvolvimento de funções superiores diversificadas. 181 O jogo lúdico utilizado nesse encontro, chamado dominó de conceitos, é assim denominado por assemelhar-se a um dominó, com a diferença de ser constituído por peças que contêm definições e conceitos em vez de números, como no jogo tradicional (RAMALHO et al., 2006). Cada peça é constituída, em um dos lados, por um conceito, e no oposto, pela definição de outro conceito não correspondente ao primeiro, exceto a 1ª e a última peças, uma das quais deve conter apenas conceitos de ambos os lados, e a outra, somente definições de conceitos (RAMALHO et al., 2006). Para a confecção deste jogo utilizamos materiais de fácil acesso, como borracha de etil vinil acetato (EVA), folha de sulfite, cola e tesoura. As peças do jogo foram representadas por retângulos de EVA em tamanho de 4cm de largura x 11cm de comprimento, e as definições e conceitos selecionados por nós foram impressos em papel sulfite, recortados e colados sobre os retângulos de E.V.A. O “dominó de conceitos” por nós elaborado conteve 33 peças, com conceitos de genética e suas respectivas definições, e também com termos relacionados já trabalhados em sala de aula – como meiose, mitose, genética, hereditariedade/herança biológica, pangênese, teoria da pré-formação, teoria da epigênese, gameta, fecundação/fertilização, autofecundação, fecundação cruzada, cariótipo, cromossomo, cromátides irmãs, cromossomos homólogos, heredograma, linhagens puras, indivíduo híbrido, fatores hereditários, Mendel, genes, alelos, homozigoto, heterozigoto, fenótipo, genótipo, dominante, recessivo, características, raça/subespécie, espécie, característica adquirida, variedade/subespécie (ANEXO 08). Para o desenvolvimento da atividade em sala de aula, a turma foi dividida em grupos de cinco a seis estudantes e cada grupo de alunos recebeu um “dominó de conceitos”, que foi montado por meio de discussões, leituras e pesquisas em materiais auxiliares (ANEXO 09). Sobre as atividades desenvolvidas na sala de aula, vale destacar que as coletivas são mais produtivas, quando comparadas às individuais. Os estudantes que constituem uma determinada turma sempre se apresentam heterogêneos em relação a vários aspectos, inclusive no que se refere ao nível de evolução conceitual ou cognitivo. Dessa forma, o professor não é o 182 único mediador presente na sala de aula, mas são também mediadores os estudantes com maior nível de desenvolvimento cognitivo e intelectual (OLIVEIRA, 1997). Esta vantagem da atividade grupal pôde ser observada durante a montagem do dominó de conceitos pelos estudantes. As interações desencadeadas entre os integrantes de cada grupo foram muito intensas e férteis: concepções e conceitos foram discutidos; as dificuldades apresentadas por alguns se constituíram como motivos de pesquisas de todo o grupo; os estudantes que haviam atingido maiores níveis de elaboração explicaram àqueles com maiores dificuldades. Além disto, percebemos que a maioria dos estudantes se envolveu cognitivamente na atividade proposta e, conseqüentemente, se empenhou em concluir com sucesso a tarefa. Como também observado por Pavan (2006, p. 79), o jogo lúdico pode se constituir como um instrumento de “estímulo à busca do conhecimento”. Ao final da montagem do jogo de dominó pelos estudantes, os conceitos foram conferidos e discutidos. Entre os quatro grupos de alunos, houve de cinco a dezesseis erros ou conceitos ligados com definições não correspondentes, destacando-se os conceitos de: alelos, característica, cariótipo, cromátides irmãs, cromossomo, cromossomos homólogos, dominante, espécie, fatores hereditários, fecundação cruzada, fenótipo, fecundação/fertilização, gameta, híbrido, hereditariedade, heterozigoto, homozigoto, linhagem pura, raça/subespécie, recessivo, teoria da epigênese e variedade/subespécie (TABELA 03). Analisando e comparando os jogos de dominó montados pelos vários grupos, percebemos que algumas dificuldades foram comuns à maioria, enquanto outras foram manifestadas apenas por alguns grupos. Com esta atividade, também foi possível observar que muitos dos conceitos que não haviam sido aprendidos pelos estudantes nas aulas anteriores foram ligados às definições corretas nesta aula, indicando a internalização destes termos pelos estudantes (TABELA 03). 183 Analisando a tabela descrita abaixo, podemos verificar a quantidade de conceitos científicos que foram trabalhados, ou seja, a riqueza conceitual disponibilizada para os estudantes. Apesar de, nesse momento do ensino, termos nos voltado para a definição de conceitos, temos que considerar que a palavra é um signo e é a partir da internalização de seu significado que os sujeitos conseguem analisar objetos, abstrair e generalizar (LURIA, 1994). Como Vygotsky (2001a, 2001b) conclui em seus experimentos no campo da formação de conceitos, a palavra apresenta um papel decisivo para o término desse processo. Sobre este aspecto, esse autor completa que é com a palavra que [...] a criança orienta arbitrariamente a sua atenção para determinados atributos, com a palavra ela os sintetiza, simboliza o conceito e opera com ele como lei suprema entre todas aquelas criadas pelo pensamento humano (VIGOTSKI, 2001a, p. 226). Além disso, essa atividade nos permitiu verificar quais conceitos estavam em processo de internalização, especialmente, na fase de pseudoconceito, e os que ainda se encontravam em estágios elementares de formação: sincrético e do tipo complexo. Essa atividade, entretanto, não nós possibilitou reconhecer se o entendimento de alguma palavra já se encontrava no estágio de conceito do pensamento dos alunos, última etapa do processo de formação conceitual, uma vez que nesse momento se exigiu dos alunos tão-somente a definição de tais conceitos. “Assimilar um conceito não é só saber as características dos objetos e fenômenos que abarca” (MENCHINSKAIA, 1960, p.250). 184 Tabela 03: Resultado do jogo Dominó de conceitos: erros e acertos de cada grupo. GRUPO 1 Alunos Participantes GRUPO 2 GRUPO 3 GRUPO 4 Alunos: 5, 11, Alunos: 3, 6, 7, Alunos: 12, 15, Alunos: 1, 26, 9, 23 e 29. 24 e 30. 18, 28 e 36. 32, 42 e 43. Alelos Alelos Alelos Alelos Autofecundação Autofecundação Autofecundação Autofecundação Característica Característica Característica Característica adquirida adquirida adquirida adquirida Características Características Características Características Cariótipo Cariótipo Cariótipo Cariótipo Cromátides- Cromátides- Cromátides- Cromátides- irmãs irmãs irmãs irmãs Cromossomo Cromossomo Cromossomo Cromossomo Cromossomos Cromossomos Cromossomos Cromossomos Dificuldades homólogos homólogos homólogos homólogos Conceituais Dominante Dominante Dominante Dominante *destacadas em Espécie Espécie Espécie Espécie negrito e Fatores Fatores Fatores Fatores sublinhadas hereditários hereditários hereditários hereditários Fecundação Fecundação Fecundação Fecundação cruzada cruzada cruzada cruzada Fecundação/ Fecundação/ Fecundação/ Fecundação/ fertilização fertilização fertilização fertilização Fenótipo Fenótipo Fenótipo Fenótipo Gameta Gameta Gameta Gameta Genes Genes Genes Genes Genética Genética Genética Genética Genótipo Genótipo Genótipo Genótipo 185 Hereditariedade/ Hereditariedade/ Hereditariedade/ Hereditariedade/ herança herança herança herança biológica biológica biológica biológica Heredograma Heredograma Heredograma Heredograma Heterozigoto Heterozigoto Heterozigoto Heterozigoto Homozigoto Homozigoto Homozigoto Homozigoto Indivíduo Indivíduo Indivíduo Indivíduo híbrido híbrido híbrido híbrido Dificuldades Linhagens puras Linhagens puras Linhagens puras Linhagens puras Conceituais Meiose Meiose Meiose Meiose *destacadas em Mendel Mendel Mendel Mendel negrito e Mitose Mitose Mitose Mitose sublinhadas Pangênese Pangênese Pangênese Pangênese Raça/ Raça/ subespécie Raça/ Raça/ subespécie subespécie subespécie Recessivo Recessivo Recessivo Recessivo Teoria da Teoria da Teoria da Teoria da epigênese epigênese epigênese epigênese Teoria da pré- Teoria da pré- Teoria da pré- Teoria da pré- formação formação formação formação Variedade/ Variedade/ Variedade/ Variedade/ subespécie subespécie subespécie subespécie 186 4.10. 10 Episódio de Ensino: Simulando a transmissão das informações hereditárias Esse encontro teve como objetivo demonstrar para os estudantes que a herança biológica é determinada pela transmissão dos genes. O conhecimento foi mediado por um modelo didáticopedagógico confeccionado por nós a partir de uma atividade proposta por Amabis e Martho (2001), divulgada no Guia de Apoio Didático para professores de ensino médio de Biologia, denominada Simulando a transmissão de algumas características humanas. Esse material, selecionado e reconstruído por nós, além de possibilitar o desenvolvimento de uma atividade lúdica atrativa, constitui-se em uma excelente ferramenta para auxiliar na compreensão do mecanismo da hereditariedade mendeliana pelos estudantes. Como ressaltam Amabis e Matho (2001), esta atividade trabalha a questão do porquê de os filhos de um mesmo casal apresentarem diferenças significativas entre si e em relação aos seus pais. O modelo, constituído por bonecos que representam os pais e os filhos, contém peças avulsas de contornos de rosto humano e de vários tipos de características faciais, tais como: espessura dos lábios, formato do nariz e dos olhos, espessura das sobrancelhas e forma do lobo da orelha (ANEXO 10). Para a confecção destas peças foram utilizados materiais de baixo custo, como borracha de etil vinil acetato (EVA) de várias cores, papel-paraná, tinta guache, estilete, cola e tesoura. Para simular a transmissão das características hereditárias, o genótipo dos filhos é determinado pelo sorteio dos alelos, representados em quadradinhos de papéis, utilizando-se como referência o genótipo de um casal hipotético; em seguida montam-se os filhos com as peças das características contempladas pelo jogo. No início da atividade, entregamos para cada grupo de estudantes as peças das características, os bonecos representando os filhos, os alelos em papel a serem sorteados e uma folha contendo as informações a respeito das características humanas selecionadas e do genótipo dos pais hipotéticos que já estavam representados no quadro de giz (TABELA 04). 187 Em seguida, em grupos, os estudantes simularam a transmissão das informações genéticas de pais para filhos, montando os possíveis filhos do casal apresentado. O emprego dessa estratégia lúdica originou momentos propícios para a evolução conceitual, uma vez que a atividade racional é inseparável da atividade prática (MENCHINSKAIA, 1960). O trabalho, o estudo, os jogos, qualquer aspecto da atividade humana exige resolver tarefas racionais. [...] As generalizações e conclusões que faz o indivíduo partindo de princípios gerais se comprovam na prática (MENCHINSKAIA, 1960, p. 234). Apesar de os alunos terem apresentado evoluções no decorrer dessa e de outras atividades, os conceitos trabalhados ainda não haviam completado sua formação, portanto o entendimento abstrato a respeito do mecanismo da hereditariedade, nos seus aspectos clássicos e moleculares, ainda estava para ser alcançado. 188 Tabela 04: Informações que foram utilizadas para a simulação da transmissão das características hereditárias: CARACTERÍSTICA FENÓTIPO GENÓTIPO GENÓTIPO DA MÃE GENÓTIPO DO PAI SEXO FEMININO XX XX XY QQ qq Lf Lg LfLg rr rr Aa AA FF FF Aa Aa MASCULINO FORMA DO ROSTO ESPESSURA DOS LÁBIOS FORMATO DO NARIZ XY ROSTO OVAL QQ/Qq ROSTO QUADRADO qq LÁBIOS GROSSOS LgLg L. FINOS L. ESPESSURA MÉDIA LfLg CURVO RR/Rr RETO FORMATO DOS AMENDOADO OLHOS LfLf rr AA/Aa ARREDONDADO aa ESPESSURA DA GROSSA FF/Ff SOBRANCELHA FINA FORMA DO LOBO DA ORELHA ff LOBO LIVRE AA/Aa LOBO ADERENTE aa 189 A correlação entre os estudos clássicos e moleculares da herança genética foi mediada pela leitura e discussão de dois textos elaborados pela professora participante e a pesquisadora, seguidas da aplicação prática destes conhecimentos em atividades lúdicas, compreendendo um total de seis horas-aula. O texto, intitulado O segredo da vida I, apresenta a evolução cronológica dos estudos clássicos da hereditariedade para a sua compreensão em nível molecular, destacando os estudos que possibilitaram identificar o DNA como o material genético dos seres vivos, bem como os que permitiram decifrar sua composição química, estrutura e função (ANEXO 11). Em o Segredo da Vida II os alunos tiveram acesso aos estudos que possibilitaram desvendar os mecanismos por meio dos quais as informações codificadas no DNA são decodificadas e expressas nas características observáveis e não observáveis dos indivíduos (ANEXO 12). O texto refere-se, portanto, às descobertas dos três tipos de RNA, mostrando as diferenças da sua estrutura em relação ao DNA e aos processos de transcrição e tradução. Modelos didáticos e atividades lúdicas que simulam esses processo e fenômenos também foram utilizados, como, por exemplo, a dramatização da duplicação do DNA e a simulação da síntese de proteínas (ANEXO 13). Como anteriormente discutido por nós, a atividade prática é um elemento essencial nos processos de ensino e aprendizagem, pois “Partindo da prática, o indivíduo volta, novamente, a ela aplicando na vida aquilo que foi obtido como resultado do pensamento” (MENCHINSKAIA, 1960, p.234). 190 4.11. 11º Episódio de Ensino: Analisando o nível conceitual atingido pelos alunos Ao final das atividades, solicitamos que os alunos elaborassem um texto respondendo novamente à questão: “Como vocês explicam o mecanismo da hereditariedade, ou seja, como as instruções para a expressão das características hereditárias são transmitidas de pais para filhos?”. A análise das descrições demonstrou que os alunos, apesar de terem participado, com certa freqüência, das aulas, e de terem recebido as mesmas oportunidades, encontravam-se em diferentes estágios no processo de formação dos conceitos estudados. Características do pensamento por complexo em cadeia foram identificadas em alguns registros, como podemos observar na representação descrita abaixo. A3: Toda transmissão genética passadas de pai para filhos, começam no DNA e assim vão passando pelas características pelos genes e cromossomos do pai e da mãe (23P e 23M) e assim por diante. Um indivíduo, quando se encontra no estágio de complexo em cadeia, constitui uma cadeia conceitual por meio da combinação entre conceitos; porém, ao ser analisada como um todo, essa cadeia não apresenta uma relação significativa entre todos os termos, uma vez que os elos considerados para o agrupamento são alterados ao longo da formação do complexo (VIGOTSKI, 2001a). Nesta descrição, verificamos que os conceitos de DNA, cromossomos e genes não foram totalmente compreendidos, uma vez que o limite do estudante é a palavra. Além disto, muitos conceitos, envolvidos neste processo biológico não foram citados ou relacionados, demonstrando que não foram internalizados, provavelmente devido à sua complexidade. Não obstante, outros estudantes revelaram ter percorrido estágios mais avançados de elaboração conceitual, demonstrando possuir uma compreensão do processo de hereditariedade como um todo, apesar de muitos conceitos e conhecimentos subordinados serem esquecidos ou não serem relacionados nas suas descrições. É o que pode ser observado na resposta de A29: 191 A29: É transmitido através da fecundação entre os gametas masculino e feminino, isto é o óvulo e o espermatozóide, que são constituídos por moléculas que formam o DNA, que é onde está guardado o nosso material genético que é passado de pais para filho. Em outros casos, o conhecimento adquirido possibilitou passar do geral ao particular e do particular para o geral, ou seja, houve a internalização de todo o mecanismo biológico. Isto pode ser verificado no registro do A37: A37: Primeiro de tudo vem a meiose, primeiramente os cromossomos se duplicam e então a célula se separa em duas; logo após os cromossomos se organizam e se separam novamente, formando 4 células-filhas com metade do número de cromossomos da célula-mãe; essa células filhas são chamadas de gametas. Os gametas masculinos fecundam o feminino, dando origem a uma célula com o número completo de cromossomos, o zigoto. Através do zigoto é formado o novo ser. No núcleo da célula ficam os cromossomos e nos cromossomos fica o DNA, o desoxirribonucleic acid, ou ácido desoxirribonucléico. Nesse DNA fica as informações genéticas responsáveis pelas características do novo ser e é passado para o zigoto na fecundação. Isto consigna que a aprendizagem é atingida quando o estudante consegue falar sobre o conceito, pensar com o conceito, abstrair o conceito. Em outras palavras: “[...] o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer” (VYGOTSKY, 2007, p. 103). 192 CONSIDERAÇÕES FINAIS Esta pesquisa vem fortalecer as premissas de que as abordagens vygotskyanas sobre mediação, zonas de desenvolvimento, desenvolvimentos dos conceitos espontâneos e científicos consolidados na Teoria Histórico-Cultural oferecem elementos essenciais para a organização intencional do ensino, pautada no papel do professor como mediador dos processos de ensino e aprendizagem. Na concepção de Vygotsky, a formação dos conceitos pode ocorrer sob diversas condições, mas depende, fundamentalmente, de como é organizado o processo de sua assimilação. O papel determinante que Vygotsky outorga à linguagem no processo de significação dos conceitos científicos sistematizados na escola também foi assumido nesta pesquisa, ao basear a organização do ensino, principalmente, nas interações verbais professorconhecimento-aluno. Por outro lado, provavelmente devido ao seu curto período de vida acadêmica, Vygotsky não potencializou, em toda a sua dimensão, seus estudos quanto à ação do sujeito, ou seja, não considerou o papel da atividade realizada pelo sujeito na formação dos conceitos. Estes conhecimentos foram esclarecidos por pesquisas pós-vygotskyanas, desenvolvidas por Leontiev e Galperin, e consolidados nas Teorias da Atividade e da Assimilação, respectivamente (NUÑEZ; PACHECO, 1997). Os pressupostos teóricos desses autores também se revelaram instrumentos fundamentais para a reflexão da organização das atividades de ensino e análise dos dados obtidos, uma vez que, em associação com as interações verbais estabelecidas, as atividades lúdicas propostas possibilitaram que muitos estudantes atingissem níveis mais elaborados no processo de formação dos conceitos científicos. 193 Os dados apresentados oferecem, ainda, evidências de que a organização de um ensino capaz de promover o desenvolvimento do pensamento conceitual dos indivíduos com a utilização de interações verbais como o principal instrumento pedagógico se revela complexa, em todos os aspectos, e exige uma preparação teórica e prática do professor. Em relação a esse aspecto, Mortimer e Scott (2002) ressaltam: Dificilmente alguém discordaria da importância central do discurso de professores e aluno na sala de aula de ciências para a elaboração de novos significados pelos estudantes. No entanto, relativamente pouca atenção tem sido dada a esse aspecto, tanto entre professores, formadores de professores e investigadores da área (MORTIMER; SCOTT, 2002). Isso vem fortalecer a necessidade de uma reforma substantiva da formação inicial docente, bem como do desenvolvimento de cursos qualificados para a sua formação continuada. De acordo com Weismann (1998, p. 54), “[...] a melhoria da qualidade e da quantidade de conhecimentos científicos e didáticos [...]” na formação inicial e continuada dos docentes é uma das estratégias que poderiam ocasionar mudanças relevantes nos processos de ensino e aprendizagem. Ao mesmo tempo pudemos verificar como o processo de formação de conceitos é longo e complexo, porquanto, ao final das atividades organizadas e desenvolvidas, observamos que muitos alunos ainda não haviam atingido as fases finais de elaboração dos conceitos científicos referentes à hereditariedade. Alguns estudantes revelaram estar ainda em níveis elementares da formação de conceitos, apresentando um pensamento por complexo do tipo associativo, de cadeia, complexodifuso e de coleção, fases que são caracterizadas pelo estabelecimento de relações entre os conceitos, mas com a utilização de apenas vínculos concretos e funcionais. Outro grupo de estudantes demonstrou compartilhar um pensamento mais elaborado sobre o assunto estudado, mais especificamente, do tipo pseudoconceito. Como já ressaltado por nós, o sujeito, quando se encontra nessa fase do processo de formação de conceitos, apresenta 194 uma generalização conceitual fenotipicamente semelhante ao conceito propriamente dito, porém destituída das características essenciais de tais conceitos. “Estamos diante de uma sombra do conceito, do seu contorno” (VIGOTSKI, 2001a, p. 195). Por outro lado, parte dos alunos revelou já ter alcançado as últimas fases do desenvolvimento conceitual, isto é, esses alunos formaram o conceito no sentido estrito da palavra. Nas palavras de Menchinskaia (1960), internalizar um conceito não se resume em conhecer os objetos e fenômenos relacionados... [...] a assimilação de um conceito inclui não só um caminho de baixo para cima, ou seja, desde os casos particulares [...] a generalização, sim também o caminho oposto, de cima para baixo, do geral ao particular [...] (MENCHINSKAIA, 1960, p. 250). De acordo com Vygotsky, o fato, de nem todos os alunos terem alcançado o mesmo nível na formação dos conceitos é, pedagógica e psicologicamente, compreensível e normal, uma vez que a formação de conceitos é um processo individual: [...] os conceitos não surgem mecanicamente como uma fotografia coletiva de objetos concretos; nesse caso, o cérebro não atua à semelhança de uma máquina fotográfica que faz tomadas coletivas, e o pensamento não é uma simples combinação dessas tomadas; ao contrário, os processos de pensamento, concreto e eficaz, surgem antes da formação dos conceitos e estes são produto de um processo longo e complexo de evolução do pensamento [...] (VIGOTSKI, 2001a, p. 236). Apesar das diferenças encontradas entre os estudantes em relação aos estágios de formação de conceito, uma evolução foi observada, de modo geral, quando comparamos as suas concepções prévias iniciais àquelas descritas no último encontro. Este fato revela a importância de o ensino ser organizado por meio de várias atividades didático-pedagógicas que contribuam para o entendimento do significado dos conceitos, termos e palavras que descrevem os fenômenos e processos biológicos. Outro aspecto verificado por nós, já abordado no decorrer das análises dos dados, foi a dificuldade de estabelecer um limite entre a fase de psedoconceito e o estágio de conceito nas 195 elaborações apresentadas pelos estudantes, mesmo desenvolvendo um ensino por meio de atividades diversas. De acordo com Vygotsky (2001a), a fundamental diferença entre esses níveis de formação conceitual é que o pensamento por pseudoconceito se baseia em vínculos concretos, contrariamente ao estágio de conceito, que é estabelecido por meio de generalizações, abstrações, sínteses, discriminação e isolamento entre os elementos. Com base nessa problemática, estudos posteriores devem ser realizados para investigar as diferentes situações e condições de ensino, de modo que possibilitem verificar e distinguir quando uma elaboração é, de fato, um pseudoconceito ou de um conceito propriamente dito. 196 REFERÊNCIAS ABRAHÃO, M. H. B. A formação de professores e o ensino de jovens trabalhadores. CAESURA, nº. 2, p. 5-18, Jan/Jun. 1993. ALVES, S. B. F.; CALDEIRA, A. M. de A. Biologia e Ética: um estudo sobre a compreensão e atitudes de alunos do Ensino Médio frente ao tema genoma/DNA. In: CALDEIRA, Ana Maria de Andrada; CALUZI, João José (Orgs). Filosofia e História da Ciência: contribuições para o ensino de ciências. Ribeirão Preto: Kayros Editora, 2005, p. 58-77. AMABIS. J. M.; MARTHO, G. R. Biologia das Populações. 2ª edição. São Paulo: Editora: Moderna, 2004, v.3. AMABIS. J. M.; MARTHO, G. R. Guia de apoio didático: conceitos de Biologia, objetivos de ensino, mapeamento de conceitos, sugestões de atividades. 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Por que você escolheu Educação Geral no ensino médio invés de cursos profissionalizantes, tais como: Formação para a Docência e Contabilidade? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 5. O que você pretende fazer ao finalizar este curso? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 6. Se você continuar seus estudos, que curso superior você pretende fazer? ___________________________________________________________________________ 206 ANEXO 02 Nome: ___________________________________________ Profissão atual:____________ 1) Assinale quais meios de comunicação você tem acesso em sua casa: ( ) Televisão ( ) Rádio ( ) Aparelho de som ( ) DVD ( ) Computador ( ) Internet *Com qual freqüência você acessa a Internet (Diariamente, Semanalmente, Raramente, etc) ?______________________________________________ ( ) Jornais *Quais Jornais (Ex: O diário, Gazeta do Povo, etc)? ____________________________________________________________ Com qual freqüência você lê jornal? ____________________________________________________________ ( ) Revistas Quais revistas você lê? ____________________________________________________________ ( ) MP3/PM4 ( ) Celular ( ) Telefone residencial 2) Qual é o principal veículo de comunicação por meio do qual você obtém notícias e informações? ________________________________________________________________________ 3) Você gosta de ler livros que não estão, diretamente, relacionados com seus estudos? ( ) SIM ( ) NÃO * Caso a resposta seja afirmativa, responda: a)Quantos livros você lê ao ano? ________________________________________________________________________ b)Cite o título da(s) obra(s) que você recomendaria. ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 207 4) Você gosta de teatro? Quantas vezes você já foi ao teatro? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 5) Você gosta de ouvir música? ( ) SIM ( ) NÃO * Caso a resposta seja afirmativa, responda: a)Em quais momentos você gosta de ouvir música? ________________________________________________________________________ b) Quais estilos de música você gosta? ________________________________________________________________________ 6) Você gosta de assistir filmes? ( ) SIM ( ) NÃO * Se a resposta for afirmativa, responda: a) Com qual freqüência você vai ao cinema? _______________________________________________________________________ b) Qual estilo de filme você gosta (romântico, terror, ficção científica, etc)? ________________________________________________________________________ 7) O que você mais gosta de fazer nas suas horas ou dias de folga? ________________________________________________________________________ 208 ANEXO 03 Questionário 1. Comente as impressões que a disciplina de Biologia causa em você. ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 2. Quais os fatores que devem ter contribuído para que você tenha esta impressão? ________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________ 3. Como você gostaria que fossem as aulas de Biologia? ________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________ 4. Sobre o assunto “Genética”, o qual será estudado durante este 1º semestre, assinale o que você sabe sobre: ********************** GENÉTICA Nunca ouvi falar Já ouvi falar, porém, não sei do que se trata Sei muito pouco Tenho conhecimento satisfatório Já tenho bastante conhecimento sobre. 5. Descreva o que você sabe sobre genética. ________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________ 209 ANEXO 04 GLOSSÁRIO – CAP. 1 1) Conhecimento de senso comum: obtido por meio das experiências práticas na tentativa de resolver os problemas da vida diária. Ex: uma pessoa sabe que, ao bater as claras em neve, elas crescem e se tornam esbranquiçadas, porém não sabe explicar por que e como ocorrem estes fenômenos. 2) Filósofo: filosofia (do grego philo: amizade, amor fraterno; sophia: sabedoria) significa amizade pela sabedoria. Filósofo (do grego sophos: sábio): o indivíduo que ama a sabedoria, que tem amizade pelo saber, deseja saber, ou seja, é um pensador que reflete sobre indagações humanas, utilizando a consciência racional. Ex: ao invés de gritar “mentiroso”, um filósofo questiona: o que é verdade? o que é mentira? 3) Pré-história: anterior ao advento da escrita, antes de 4000 a.C; Antiga Grécia: 1000 a.C. a 323 a.C.; Idade Média: séc. V a XV. 4) Sêmen: hoje nós sabemos que apenas o homem produz o sêmen ou esperma (espermatozóides [células sexuais ou gametas masculinos - produzidos nos testículos]+ líquidos nutritivos), porém, na antiga Grécia, eles achavam que homem e mulher produziam sêmen e que este era produzido pelo sangue. 5) Hermafrodita: um indivíduo que possui órgãos sexuais dos dois sexos. Em uma espécie dióica (onde os sexos se encontram em indivíduos separados) podem aparecer indivíduos hermafroditas por causa de malformação embrionária. 6) Protótipo: exemplar; modelo. 7) Ciência: é um sistema de conhecimentos constituído por leis gerais obtidas e testadas através do método científico. 8) Pangênese: do grego gênese: origem e da mitologia grega encontramos Pan: o deus que simbolizava a alegria de viver. 9) Herança das características adquiridas: teoria que afirmava que as características adquiridas (por exemplo: cor da pele obtida pela exposição demasiada ao sol) poderiam ser transmitidas para os descendentes (teoria não aceita atualmente). 10) Geração espontânea ou abiogênese: (do grego a-bio-genesis: origem não biológica) designa de modo geral a origem da vida a partir de matéria não viva. 11) Reprodução: processo por meio do qual um ser vivo gera novos indivíduos; pode ser assexuada, no caso de um único genitor dar origem a descendentes geneticamente idênticos a si (ex. ameba); ou sexuada em que o novo indivíduo se origina da fusão de duas células (gametas), 210 na maioria dos casos provenientes de indivíduos diferentes (esta é a explicação aceita hoje, porém, na antiga Grécia, Aristóteles tinha uma outra explicação para este tipo de reprodução). 12) Naturalista: indivíduo com interesse ou talento em história natural ou ciência natural, entre as quais a botânica, a geografia, a geologia etc. 13) Ovo: ovo ou óvulo é a célula sexual feminina (gameta feminino), a qual é produzida pelos ovários. Esta palavra também é utilizada com outro significado, ex.; estrutura onde o embrião de alguns seres vivos- aves- se desenvolve. 14) fertilização ou fecundação: processo de fusão de dois gametas –óvulo e espermatozóidecom a formação de um zigoto que se desenvolve em um novo ser. 15) Hipótese: é uma idéia provável, mas não comprovada. Assim que comprovada, a hipótese passa a se chamar teoria, lei. 16) Micróbio: ser vivo microscópico. 17) Ovíparos: animais cujo embrião se desenvolve dentro de um ovo sem ligação com o corpo da mãe, à custa de nutrientes presentes no ovo. Ex: maioria dos insetos e peixes, anfíbios, répteis e aves. 18) Vivíparos: animais cujo embrião se desenvolve dentro do corpo da mãe numa placenta que lhe fornece o alimento e retira os produtos de excreção. Ex.: maioria dos mamíferos e alguns peixes, répteis e anfíbios. 19) Folículos ovarianos: estrutura encontrada no ovário constituída pelo óvulo imaturo envolvido por algumas camadas de células. 211 ANEXO 05 QUESTÕES: 1ª Lei de Mendel. 1. Quem foi Mendel? O que ele fez que foi tão importante para a biologia e, principalmente, para a genética? 2. Qual foi o material biológico escolhido por Mendel para desenvolver seus experimentos? Por que Mendel escolheu este tipo de material? 3. Na flor da planta da ervilha ocorre normalmente um processo chamado de autofecundação. O que é autofecundação? Por que este processo acontece na flor da ervilha? 4. O que é fecundação cruzada? Como Mendel realizou artificialmente a fecundação cruzada em plantas de ervilha? 5. Quais características foram selecionadas por Mendel para a realização de seus experimentos? 6. Como Mendel certificou-se que as características selecionadas por ele se tratavam de características hereditárias? 7. O que Mendel chamou de linhagem pura e linhagem híbrida? O que fez para obter as linhagens puras? 8. O que vocês entenderam por geração parental? 9. E por geração F1? Como Mendel obteve a geração F1 – primeira geração híbrida? 10. E uma F2 - segunda geração híbrida? 11. O que ele obteve em F2? 12. De acordo com esses resultados o que vocês entenderam por traço ou caráter dominante e recessivo? 13. Por que esse mecanismo de herança, descrito por Mendel chama-se herança com dominância? 14. Como Mendel explicou esses resultados obtidos? Ou seja, quais foram as suas hipóteses? 212 ANEXO 06 EXERCÍCIOS: HERANÇA DOMINANTE/RECESSIVA 1. O gene autossômico que condiciona pêlos curtos no coelho é dominante em relação ao gene que determina pêlos longos. Do cruzamento entre coelhos heterozigotos, qual será o fenótipo e o genótipo da prole? Qual será a proporção entre traços dominantes e recessivos resultante deste cruzamento? 2. Em cobaias, o gene B, que condiciona coloração preta da pelagem, é dominante sobre o gene b, que condiciona pelagem branca. Se cruzarmos cobaias pretas heterozigotas com cobaias brancas, qual será o genótipo e o fenótipo da prole? Mencione a proporção entre traços dominantes e recessivos resultante deste cruzamento. 3. Em algumas variedades de gado bovino, a ausência de chifres é produzida pelo gene dominante C. Um touro sem chifres é cruzado com três vacas. Com a vaca A, com chifres, produziu bezerro sem chifres; com a vaca B, com chifres, produziu bezerro com chifres, com a vaca C, sem chifres, produziu bezerro com chifres. Qual o genótipo do touro e das vacas cruzadas? 4. Do cruzamento de uma Drosophila melanogaster de asa normal (VV) com outra de asa vestigial (vv) resultaram, em F1, todas as moscas de asa normais. Qual a proporção esperada para F2 do cruzamento de dois heterozigotos? 5. Um macho de Drosophila melanogaster de olhos vermelhos foi cruzado com uma fêmea também de olhos vermelhos e produziu apenas descendentes de olhos vermelhos. Entretanto, esse mesmo macho foi cruzado com uma segunda fêmea de olhos brancos e produziu descendentes de olhos vermelhos e descendentes de olhos brancos. Determine: a) O genótipo dos envolvidos nos dois cruzamentos. b) O genótipo e fenótipo dos descendentes do 2º cruzamento. 6. Algumas pessoas demonstram uma transpiração excessiva mesmo em condições ambientais normais. Esse caráter é determinado por um gene dominante (S). Considerando um casal, cujo homem é heterozigoto dominante e mulher homozigota recessiva para esta característica, qual a probabilidade de F1 deste cruzamento. 7. Na espécie humana e em diversos outros organismos ocorre uma característica denominada albinismo, em que há ausência completa de pigmentos na pele e em estruturas epidérmicas como pêlos e penas, de modo que o indivíduo albino é branco. Indivíduos homozigóticos AA e heterozigóticos Aa têm pigmentação normal. Por outro lado, um indivíduo homozigoto aa tem a pele e as estruturas epidérmicas despigmentadas. Considerando o albinismo, um homem com pigmentação normal de pele casou-se com uma mulher com pigmentação normal e tiveram 2 filho com pigmentação normal de pele e 1 filho albino. a) Determine através de árvore genealógica o genótipo das pessoas. b) se o filho com pigmentação de pele normal (heterozigoto), casa-se com uma mulher albina, qual será o genótipo e o fenótipo dos descendentes? 213 8. As pessoas que sentem gosto amargo ao provarem a pheniltiocarbamina (PTC) são designadas sensíveis e as que não sentem gosto amargo desta substância são chamadas insensíveis. O gene para a sensibilidade (I) é dominante sobre o que determina insensibilidade (i). Do cruzamento se uma pessoa sensível com outra insensível nasceram duas crianças sensíveis e uma insensível. Quais os genótipos das várias pessoas citadas? Construa o heredograma desta família. 9. Analise a seguinte heredograma: 1 2 3 4 5 6 7 8 9 ? a) b) c) d) A anomalia é causada por um gene dominante ou recessivo? Justifique sua resposta. Quais indivíduos são, certamente, heterozigotos? Quais indivíduos são, certamente, homozigotos recessivos? Qual é a probabilidade do filho nº 9 apresentar a anomalia? 10. Uma mulher normal, cujo pai apresentava surdo-mudez de herança autossômica recessiva, casou-se com um homem normal, cuja mãe era surda-muda. Quais os possíveis genótipos e os fenótipos correspondentes na prole do casal? 11. Considerando que a anomalia em questão é a miopia, analise a árvore genealógica abaixo: 1 2 3 5 6 8 4 7 9 10 12 11 13 14 214 a) b) c) d) A miopia é um caráter recessivo ou dominante? Qual é o genótipo de casa indivíduo? Que tipos de gametas os indivíduos 12, 13 e 14 produzirão? Se o indivíduo 13 casar com alguém de genótipo igual ao indivíduo 12, qual será o genótipo e fenótipo dos descendentes? 12. Em cavalos, a cor negra é condicionada por um gene dominante C, e a castanha pelo recessivo c. Determine a probabilidade de ser obtido na descendência o fenótipo castanho. 13. Em seus experimentos com ervilha, Mendel cruzou plantas puras produtoras de sementes lisas com plantas produtoras de sementes rugosas. Ele verificou que todas as sementes F1 eram lisas. Enquanto em F2, num total de 7.324 sementes analisadas, 5.474 eram lisas e 1.850 eram rugosas. a) Qual caráter é dominante e qual é recessivo? Justifique sua resposta. b) Determine a proporção entre as duas classes fenotípicas de F2. c) Faça os seguintes cruzamentos em relação ao caráter forma da semente: RR x rr; RR x Rr. RR x rr; Rr x Rr e Rr x rr. 14. Na espécie humana, o formato do rosto é uma característica hereditária e pode apresentar dois fenótipos distintos: rosto oval e roto quadrado. Entretanto, rosto oval é dominante sobre o caráter rosto quadrado. Considerando um casal, no qual a mulher é homozigota para o caráter rosto oval e o homem homozigoto para o caráter rosto quadrado, qual a porcentagem esperada de descendentes com rosto quadrado? 15. Tomando-se como exemplo o gene que determina a forma do lóbulo da orelha, na espécie humana, o alelo A determina lóbulo da orelha livre e seu alelo recessivo a determina lóbulo de orelha aderente. Responda: a) Esquematize o genótipo de um indivíduo heterozigoto para o caráter lóbulo da orelha livre. b) Esquematize o genótipo de um indivíduo homozigoto para o caráter lóbulo da orelha livre. c) Esquematize o genótipo de um indivíduo que apresenta o lóbulo da orelha aderente. d) Determine o genótipo, o fenótipo e a porcentagem de descendentes para cada fenótipo em relação ao seguinte cruzamento: Aa X aa. 16. Explique, utilizando como exemplo o caráter forma da semente (lisa e rugosa), os experimentos realizados por Mendel, resultados e conclusão de Mendel, empregando os seguintes conceitos: gene, fatores hereditários, caráter dominante e recessivo, indivíduo homozigoto e heterozigoto, indivíduo puro e híbrido, fenótipo, genótipo, alelo, proporção, probabilidade, autofecundação, fecundação cruzada artificial, geração parental, 1ª geração híbrida, 2ª geração híbrida etc. 215 ANEXO 07 Conceitos Utilizados na Genética Moderna - Gene: (tem origem da palavra pangênese, retirando as sílabas ‘pan’ e ‘se’, fica gene). Termo introduzido para substituir o termo ‘fator hereditário’ empregado por Mendel. Logo foi descoberto que estes genes estão localizados nos cromossomos e que cada gene tem uma posição definida em um determinado cromossomo, a qual é chamada de lócus. - Cromossomos homólogos: (do grego homois, igual, semelhante) par de cromossomos correspondentes, ou seja, com mesma morfologia e que apresentam a mesma seqüência de genes. - Alelos: são as diferentes formas que um gene, responsável por um determinado caráter hereditário, pode apresentar. Ex: o gene responsável pela cor da semente da ervilha pode se apresentar em duas formas: V e v. - Homozigoto: (Do gr. homoios, ‘igual’; zygos, ‘par’). O indivíduo que recebeu de ambos os pais alelos idênticos para determinado caráter. Ex: VV e vv. - Heterozigoto: (Do gr. hétero, ‘outro’, ‘diferente’; zygos, ‘par’). Indivíduo que recebeu de ambos os pais alelos diferentes para determinado caráter. EX: Vv. - Genótipo: Constituição genética de um indivíduo. - fenótipo: (do grego phenos, evidente, e typos, característica) características ou conjunto de características (físicas, fisiológicas ou comportamentais) de um ser vivo, resultante do genótipo associado com o ambiente. Ex: Ervilhas com o genótipo Vv têm como fenótipo a cor amarela. - Dominante: Propriedade de um alelo expressar o mesmo fenótipo tanto em condição homozigótica quanto em condição heterozigótica. Ex: Vv e VV. - Recessivo: propriedade de um alelo de só manifestar-se fenotipicamente em condição homozigótica. Ex: vv. 216 ANEXO 08 Conceitos e suas respectivas definições utilizadas no Dominó de Conceitos: 1. Meiose: Processo de divisão celular responsável pela formação dos gametas. Caracteriza-se por promover a redução do número de cromossomos da espécie à metade. 2. Mitose: Processo de divisão celular em que uma célula dá origem a duas células-filhas com mesmo número e mesmos tipos de cromossomos da célula-mãe. Processo responsável em promover o crescimento dos organismos e reposição de células mortas. 3. Genética: Área da biologia que estuda a hereditariedade ou herança biológica. 4. Hereditariedade /herança biológica: Transmissão de características, por meio da transmissão de informações genéticas, de pais para filhos, ao longo das gerações. 5. Pangênese: Teoria proposta pelo filósofo grego Hipócrates (460-370 a.C.) para explicar a hereditariedade. Segundo esta hipótese, cada órgão ou parte do corpo de um organismo vivo produzia partículas hereditárias chamadas de gêmulas, que eram transmitidas aos descendentes no momento da concepção. 6. Teoria da Pré-formação: Teoria que teve seu auge no final do séc. XVII e no séc. XVIII. Afirmava que havia um ser pré-formado no ovo ou no espermatozóide – o homúnculo -; o desenvolvimento consistia apenas no crescimento. 7. Teoria da Epigênese: Afirmava que o material que constituiria o novo ser teria de ser produzido à medida que o desenvolvimento fosse ocorrendo, ao mesmo tempo em que moldava o novo organismo. 8. Gameta: Célula especializada para a reprodução sexuada (espermatozóide ou óvulo, nos animais), resultante do processo de meiose. 9. Fecundação/fertilização: Se refere a fusão de dois gametas – um masculino e um feminino – originando a primeira célula do novo indivíduo, o zigoto. 10. Autofecundação: Modo de reprodução sexuada, na qual os gametas masculinos e femininos são oriundos do mesmo indivíduo. Ocorre predominantemente nos vegetais. 11. Fecundação cruzada: Fusão de gametas masculinos e femininos, produzidos por indivíduos diferentes. 12. Cariótipo: Conjunto de cromossomos, típico de cada espécie. 13. Cromossomo: Estrutura nuclear formada pela condensação dos filamentos cromossômicos durante a divisão celular. Recebe este nome por possuir grande afinidade por corantes. 14. Cromátides-irmãs: Cada uma das duas cópias de um cromossomo duplicado unidas pelo centrômero. 15. Cromossomos homólogos: Par de cromossomos correspondentes, um de origem materna e outra paterna. Apresentam mesma morfologia e a mesma seqüência de genes. 217 16. Heredograma: Representação gráfica que resume a história genética de uma família particular, indicando seus membros, a relação entre eles e suas condições a respeito de uma determinada característica hereditária. 17. Linhagens puras: Segundo Mendel, eram as linhagens que, por autofecundação, davam origem somente a plantas iguais a si. 18. Indivíduo híbrido: Obtido por meio da fecundação cruzada entre indivíduos de diferentes variedades. 19. Fatores hereditários: Termo introduzido por Mendel para denominar as estruturas presentes na ervilha que eram responsáveis pela expressão/determinação das suas características. 20. Mendel: Foi o primeiro cientista a apresentar uma hipótese plausível sobre um dos mecanismos da hereditariedade. 21. Genes: Conceito introduzido para substituir o termo ‘fator hereditário’, empregado por Mendel. Estes estão localizados nos cromossomos e cada um tem uma posição definida em um determinado cromossomo, a qual é chamada de lócus. 22. Alelos: São as diferentes formas que um gene, responsável por um determinado caráter hereditário, pode apresentar. 23. Heterozigoto: Indivíduo que recebeu dos pais alelos diferentes para determinado caráter. 24. Homozigoto: Indivíduo que recebeu de ambos os pais alelos idênticos para determinado caráter. 25. Fenótipo: Característica ou conjunto de características (físicas, fisiológicas ou comportamentais) de um ser vivo, resultante da interação do genótipo com o meio ambiente. 26. Genótipo: Constituição genética de um indivíduo. 27. Dominante: Propriedade de um alelo expressar o mesmo fenótipo tanto em condição homozigótica quanto em condição heterozigótica. 28. Recessivo: Propriedade de um alelo de só manifestar-se fenotipicamente em condição homozigótica. 29. Características: Traços, detalhes que assemelham ou diferem um ser vivo de outro. 30: Raça/subespécie: Tem o mesmo significado que o termo ‘variedade’, porém é empregado, normalmente, quando se trata de animais. 31: Espécie: Grupo de seres vivos semelhantes entre si e capazes de se entrecruzarem e produzirem descendentes férteis, em condições naturais. 32: Característica adquirida: Traço não herdado, contraído durante a vida ou durante a formação embrionária em conseqüência de fatores ambientais. 33. Variedade/subespécie: Conjunto de seres vivos que apresentam um mesmo tipo de variação, formando um grupo distinto do tipo original da espécie, sem chegar a constituir-se uma nova espécie. Termo usado para os seres vivos do Reino Plantae. 218 ANEXO 09 Alunos, em grupo, montando o dominó de conceitos. 219 ANEXO 10 Foto do modelo didático-pedagógico utilizado para simular a transmissão das características hereditárias 220 ANEXO 11 O SEGREDO DA VIDA I Desde a antiguidade, o homem tinha a curiosidade de saber como as características eram transmitidas de pais para filhos. E, tentando explicar este fenômeno, muitas idéias foram formuladas como, por exemplo: a Pangênese na antiga Grécia, a Teoria da Pré-formação no século XVII (1600), etc. Porém, apenas depois da descoberta da existência dos gametas, células reprodutivas, em meados do século XIX, é que se pode entender melhor o mecanismo da hereditariedade – como as características são transmitidas de pais para filhos. Nesta época, foi descoberto que na reprodução da maioria dos seres vivos, ocorria a união do gameta masculino com o gameta feminino (na espécie humana chamados de espermatozóide e óvulo), formando um novo ser. E concluíram: se os gametas eram, então, a única ligação física entre as gerações, deveriam conter toda a informação hereditária para originar um novo organismo. Mas, muitas questões ainda pairavam no ar: onde estas informações estavam contidas nos gametas?; do que eram constituída? etc... Porém, estas questões só foram respondidas e compreendidas em 1953, após um longo caminho. Nesta mesma época em que os gametas foram descobertos, um cientista e monge chamado Gregor Mendel iniciou pesquisas utilizando ervilhas – Pisum sativum – com o objetivo de compreender melhor o mecanismo da hereditariedade. De acordo com os resultados obtidos em seus experimentos, Mendel concluiu que cada característica hereditária era determinada por um par de fatores, contido no interior de todas as células do organismo, um proveniente do genitor masculino (pai) e o outro do genitor feminino (mãe), durante a fecundação dos gametas. Quando os fatores seriam iguais, o indivíduo seria homozigoto (puro) para esta característica, porém, se os fatores fossem diferentes, o indivíduo seria heterozigoto (híbrido). Os fatores de cada par separariam na formação dos gametas que conteriam, portanto, apenas um fator. Entretanto, estas informações só receberam o devido valor em 1900 – 35 anos após a morte do monge. Apesar da desvalorização do importante trabalho de Mendel, o final do século XIX foi muito significativo para o desenvolvimento da ciência. Nesta época, os cromossomos – estruturas presentes no núcleo das células - foram descobertos. Além disto, os processos de mitose e meiose foram desvendados: Mitose - processo de divisão celular por meio da qual são obtidas células filhas com o mesmo nº de cromossomos da célula mãe e tem função, primordial, durante o crescimento do indivíduo e na reposição de células; Meiose - processo de divisão responsável pela produção de gametas, células contendo metade do nº de cromossomos em relação à célula mãe. Desta forma, estas informações foram muito importantes para compreender como o número de cromossomos, típico de cada espécie, é mantido de geração em geração. Tomando, como exemplo, a espécie humana, com 46 cromossomos, cada indivíduo, de ambos os sexos, forma gametas com 23 cromossomos, por meio da meiose. Na reprodução, quando um gameta masculino (espermatozóide com 23 cromossomos) fecunda um gameta feminino (óvulo, também, com 23 cromossomos), dá-se a origem a uma célula ovo ou zigoto, com 46 cromossomos, que, a partir de sucessivas mitoses, constituirá o novo ser. Estas informações também foram muito importantes pra compreender os trabalhos de Mendel após a sua redescoberta – em 1900. Nesta época, ficou claro que os fatores hereditários, termos introduzidos por Mendel, só poderiam estar localizados nos cromossomos. E, a partir de então, os fatores hereditários passaram a ser denominados de genes. Com estas descobertas, muitos pesquisadores começaram a reproduzir os trabalhos realizados por Mendel, os quais ficaram conhecidos como 1ª Lei de Mendel ou Herança com Dominância. Entendeu-se por Herança com Dominância aquela em que o indivíduo heterozigoto apresenta o mesmo fenótipo de um dos indivíduos homozigotos parentais. Isto ocorre quando, na ausência da expressão do alelo recessivo, o alelo dominante se expressa como se estivesse em dose dupla. Posteriormente, foi descoberto que algumas características apresentavam “Herança com Dominância Incompleta” ou “Herança com Co-Dominância”. Na herança com dominância incompleta, o 221 indivíduo heterozigoto apresenta um fenótipo intermediário aos parentais homozigotos. Isto ocorre quando, na ausência da expressão do alelo recessivo, o alelo dominante se expressa, porém, não com a mesma intensidade quando está em dose dupla. Já na Herança com Co-dominância, o indivíduo heterozigoto vai apresentar as características de ambos os parentais homozigotos, devido a expressão de ambos os alelos. Entretanto, apesar de todas estas descobertas, uma questão muito importante ainda não havia sido respondida: Qual a natureza química do material genético que compõe os cromossomos? (Proteína, RNA ou DNA?). Esta pergunta só foi respondida, em 1944, quando Avery e seus colaboradores chegaram a conclusão de que a substância química que compõem os cromossomos e contem a informação genética é o DNA. Porém, muitas outras questões, ainda, estavam para ser resolvidas: -Como a informação genética esta codificada em cada molécula de DNA que compõe cada um dos cromossomos? - Como esta informação é transmitida para cada célula filha durante as divisões celulares e de pais para filhos durante a reprodução? - Como esta informação é decodificada, isto é, como ela expressa as características hereditárias nos indivíduos? As respostas a estas questões só se tornaram possíveis a partir do modelo de dupla –hélice de DNA, proposto por Watson e Crick, em 23 de Fevereiro de 1953, para explicar a estrutura tridimensional dessa molécula. O nosso DNA, ácido desoxirribonucléico, é um macro-molécula constituída por muitas moléculas menores denominadas de nucleotídeos. Cada nucleotídeo é composto por um grupo fosfato (PO4), um açúcar (desoxirribose de 5 carbonos) e uma base nitrogenada (possui muitos átomos de nitrogênio, além de átomos de carbono, hidrogênio e oxigênio), que pode se apresentar de 4 formas diferentes: a adenina (A), timina (T), guanina (G) e citosina (C). Portanto, há 4 tipos de nucleotídeos, de acordo com a base que os compõe. Os nucleotídeos se ligam entre si por meio do fosfato de um nucleotídeo e a pentose do nucleotídeo seguinte, formando uma longa cadeia de nucleotídeos – cadeia de polinucleotídeos. Entretanto, a molécula de DNA, na verdade, é constituída de duas cadeias de polinucleotídeos, antiparalelas, que se enrolam, formando uma dupla hélice. Essas duas cadeias de polinucleotídeos estão unidas por meio das pontes de hidrogênio (ligações; atração) que ocorrem entre as bases nitrogenadas das duas cadeias: a adenina sempre se liga com a timina por duas pontes de hidrogênio e a guanina sempre se liga com a citosina por três pontes de hidrogênio. Sabendo agora a constituição do famoso “DNA”, você deve estar se indagando: Qual a diferença entre o DNA, o cromossomo e o gene? Bem, o DNA é o nosso material genético, o qual é constituído por milhares de nucleotídeos (como já foi discutido acima); cada cromossomo é constituído de por uma molécula de DNA e proteínas que atuam na sua condensação e na sua função de transmissão das informações hereditárias; gene é um segmento de nucleotídeos de uma molécula de DNA. Falaremos um pouco mais sobre este conceito, posteriormente. Mas, o que acontece com o DNA quando ocorre a duplicação dos cromossomos? Após todas estas descobertas sobre a constituição do DNA, pode-se também entender como o DNA se duplica, processo que acontece em uma célula toda vez que ela vai sofre divisão (tanto mitose como meiose). Quando o DNA se duplica, as duas cadeias de polinucleotídeos separam-se e cada cadeia serve de molde para a produção de uma cadeia complementar, resultando em duas moléculas de DNA exatamente iguais. Essas duas moléculas formam as cromátides-irmãs de um cromossomo duplicado, as quais se mantêm ligadas por meio do centrômero até a divisão celular. Porém, ainda falta mais uma questão importante a ser respondida: como o DNA, localizado no núcleo da célula, consegue determinar todas as nossas características como, por exemplo: cor do cabelo, altura, cor da pele, cor dos olhos, formato do rosto etc? 222 ANEXO 12 O SEGREDO DA VIDA II Na aula passada, estudamos a constituição e localização do DNA, cromossomos e genes. Porém, faltou responder uma questão muito importante: como o DNA, localizado no núcleo da célula, consegue determinar todas as nossas características como, por exemplo: cor do cabelo, altura, cor da pele, cor dos olhos, formato do rosto etc? Este fenômeno é possível por meio de um processo denominado “Síntese de Proteínas (uma grande cadeia de peptídeos)”, o qual ocorre nas células de todos os seres vivos. Entretanto, para entendermos melhor este evento, vamos estudar um pouco sobre RNA – ácido ribonucléico. O RNA possui uma constituição muito semelhante a do DNA, sendo também composto por nucleotídeos. Entretanto, estes nucleotídeos apresentam algumas particularidades: 1) O açúcar presente no RNA é a ribose, ao invés da desoxirribose como no DNA. A diferença entre ambas é referente à presença ou não de um grupo OH ligado ao carbono 2’ do açúcar. A molécula de açúcar que constitui o RNA possui o grupo OH e o DNA não. 2) O RNA, também, é formado por 4 tipos diferentes de nucleotídeos, chamados de ribonucleotídeos, de acordo com qual base nitrogenada está acoplada a micro-molécula. São elas: guanina, citosina, adenina e uracila, ou seja, a base nitrogenada timina (T) presente do DNA é substituída pela base uracila (U) no RNA. 3) A estrutura do RNA é formada por apenas uma cadeia de polinucleotídeos, diferentemente da dupla hélice do DNA. Existem 3 tipos de RNA: RNA-mensageiro; RNA-ribossômico e RNA-transportador. Os 3 tipos de RNAs são produzidos a partir de trechos do DNA, utilizadas como molde. Esta síntese de RNA não é uma cópia exata do DNA, mas sim uma molécula complementar. Desta forma, o emparelhamento dos ribonucleotídeos acontece da seguinte maneira: ribonucleotídeos com uracila emparelham-se às adeninas da cadeia do DNA (A–U); ribonucleotídeos com adenina emparelham-se às timinas do DNA (T-A); ribonucleotídeos com citosina emparelham-se às guaninas do DNA (G-C); ribonucleotídeos com guanina emparelham-se com às citosinas do DNA (C-G). Entretanto, os RNA não ficam no núcleo das células. Após a síntese dos diferentes tipos de RNAs, estes se deslocam para o citoplasma da célula, onde vão desenvolver diferentes funções na “Síntese de Proteínas”. Porém, como os polipeptídios são fabricados? As informações para a síntese de uma cadeia de polipeptídios de uma proteína estão contidas na molécula do DNA, o código genético. No entanto, toda essa informação tem apenas a função de guiar uma construção, assim como um manual de instruções. O primeiro passo de todo este processo é a leitura dessas informações, mas o problema é: como fazer isso sem danificar o nosso DNA, substância tão importante dos seres vivos? Para não correr riscos, é feita uma cópia das instruções contidas no DNA, na verdade, de um segmento de DNA, chamado gene. Essa cópia é o RNA mensageiro, o qual se desloca para o citoplasma, onde será decodificada com o auxilio do RNAt e RNAr Ex: inglês para português. Mas que tipo de informação existe em cada gene? Cada cópia de um gene pode ser traduzida em uma cadeia polipeptídica. Porém, como essa substância é produzida, ou seja, como o RNAm é traduzido ? 223 Primeiramente, ao chegar ao citoplasma, o RNAm se liga a uma organela citoplasmática chamada de “ribossomo”. O ribossomo é constituído de proteínas e RNAr. Em seguida, um RNAt, que transporta um aminoácido chamado metionina, se liga a uma trinca de bases nitrogenadas (códon) do RNAm por meio de seu anticódon complementar (trinca de bases nitrogenadas). Dessa forma, se dá início ao processo chamado de tradução do código genético. À medida que o ribossomo se desliza sobre o RNA mensageiro outros RNAs transportadores ligam-se ao complexo, através do anticódon complementar ao códon do RNAm, trazendo em uma de suas extremidades um respectivo aminoácido, o qual se liga com os aminoácidos já transportados para o local da síntese, formando uma cadeia polipeptídica. Percebe-se, também, que a seqüência de bases nitrogenadas do RNAm determina a ordem em que os RNAts se acoplam ao complexo e, consequentemente, a ordem dos aminoácidos constituintes da cadeia polipeptídica Cada aminoácido corresponde a 3 bases nitrogenadas do seguimento do DNA que foi transcrito em RNAm e traduzido para formar a proteína. Diante de tudo isto, podemos chegar a seguinte conclusão em relação a função de cada tipo de RNA (RNAm, RNAt, RNAr): • RNA- ribossômico (RNAr): o RNA-ribossômico se une a proteínas, constituindo estruturas citoplasmáticas chamadas de ribossomos, local onde acontece “a síntese de proteínas”. • RNA- transportador (RNAt): esse RNA é responsável pelo transporte de moléculas de aminoácidos até os ribossomos, as quais constituirão os polipeptídeos. Este também apresenta uma região mediana onde se encontra uma trinca de bases denominada de “anticódon”. Por meio deste anticódon o RNAt se liga, temporariamente, a uma trinca de bases complementares do RNA mensageiro. Além disto, cada tipo de anticódon define qual aminoácido será transportado (ver tabela). • RNA-mensageiro (RNAm): este RNA é que têm a informação para a síntese de proteínas. Cada trinca de bases é chamada de códon, a qual determina cada aminoácido constituinte do polipeptídio. Entretanto, vocês devem estar se perguntando: qual a importância das proteínas para a manutenção de todas as características dos seres vivos, funcionamento do organismo etc.? Uma ou mais cadeias de polipepitídios se unem, formando uma proteína e estas são substâncias com funções muito importantes no organismo humano: elas dirigem a construção de todas as estruturas celulares; outras constituem partes das células e do organismo (cabelos, unhas); e outras, ainda, catalisam milhões de reações bioquímicas que ocorrem em nosso organismo. Ex: A hemoglobina humana é uma proteína formada por 4 cadeias de polinucleotídeos: 2 alfas e 2 betas. 224 ANEXO 13 – Simulando a síntese de proteínas 225