a ciência da hereditariedade Profª Karina Muito cedo na história da humanidade, o ser humano notou que existem semelhanças entre pais e filhos. Isso se aplicava não apenas à espécie humana, mas também aos animais domésticos e às plantas cultivadas. No entanto, o entendimento de como essas semelhanças eram transmitidas começou a se formar há menos de 140 anos! Por que a compreensão desses mecanismos não ocorreu antes? Primeiro, as semelhanças nas famílias não pareciam apontar para nenhuma regra geral. Herdamos, às vezes, a cor dos olhos de nosso pai, a forma do queixo de nossa mãe, a forma da orelha de um tio distante ou o daltonismo de nosso avô materno. Para aumentar ainda mais a confusão, certos caracteres pareciam ser a “média” entre a característica paterna e a materna. Um exemplo é a herança do tipo de cabelo. Homens de cabelos crespos casados com mulheres de cabelos lisos têm, quase sempre, filhos, de cabelos ondulados, caráter intermediário em relação ao de seus pais. Gêmeos siameses Muitas vezes nem os gêmeos são iguais. Outro fator que atrasou muito a compreensão da herança foi o desconhecimento dos eventos da reprodução. Durante muito tempo não ficou claro, por exemplo, o fato de que os progenitores de ambos os sexos, tanto em animais como em plantas, participam da reprodução, cada um deles fornecendo células sexuais. No caso das plantas, essa noção foi aceita apenas em meados do século XIX, a partir de cruzamentos experimentais. Fica evidente que, nenhuma teoria poderia explicar a hereditariedade de forma satisfatória. Para nós, que vivemos no século XXI, pode parecer estranho que conhecimentos tão elementares fossem ignorados durante tanto tempo. Afinal, nos dias de hoje a ideia de gene e de cromossomo, a maneira como eles se distribuem na divisão celular e o fato de o DNA ser o material genético são conceitos muito familiares. Até meados do século XIX, no entanto, tudo isso era desconhecido; a hereditariedade ainda não tinha uma explicação científica. Em 1865, o monge Gregor Mendel, fazendo experiências com ervilhas, começou a esclarecer esse problema. Para explicar os resultados que estava obtendo, Mendel supôs a existência de genes (ou fatores) nos organismos e sugeriu um mecanismo de transmissão desses genes de pai para filho. Os biólogos da época, porém, não entenderam a importância dos trabalhos de Mendel. Foi apenas no ano de 1900, depois da morte do pesquisador, que três outros cientistas, confirmaram, cada um com seus experimentos, os resultados e as conclusões de Mendel. É,portanto, em 1900 que se iniciam as pesquisas sistemáticas nessa nova ciência, que foi denominada genética. Porém, foi somente por volta de 1910 que se entendeu que os genes “moram” nos cromossomos, e que são distribuídos às células-filhas nas divisões celulares. Em 1944, verificou-se que os genes são pedaços de DNA. Dessa época em diante, inúmeras pesquisas fizeram com que se entendesse, cada vez melhor, como eles controlam as atividades das células. Uma pequena quantidade de material biológico permite esclarecer com precisão quase absoluta casos de assassinatos, de estupro ou de investigação de paternidade. A técnica permite concluir se o material genético encontrado em uma amostra de sangue, de cabelo, de esperma ou de outro material biológico é de determinada pessoa. A técnica foi inventada pelo cientista britânico Alex Jeffreys e baseia-se no fato de que o DNA de cada pessoa possui pedaços que se sucedem de forma absolutamente peculiar, repetindo-se em tamanhos e quantidades que são únicos para cada pessoa. Exceto em gêmeos univitelinos, geneticamente idênticos, não há duas pessoas que apresentem o mesmo padrão de repetição desses fragmentos ao longo de suas moléculas de DNA. Trata-se de uma “impressão digital” molecular. Antes dos trabalhos de Mendel, as ideias sobre a hereditariedade eram pouco claras e, muitas vezes, contraditórias. Além da ideia, já exposta, de “mistura de caracteres” outras, também equivocadas, surgiam pelo fato de a reprodução ser um processo mal conhecido. Os antigos sabiam, evidentemente, que havia necessidade de contato entre macho e fêmea para nascerem filhotes e que o líquido seminal dos machos deveria ter um papel importante; porém, ainda estava pouco claro até que ponto a fêmea participava do processo. Muita gente achava que a nova “vida” originava-se apenas do líquido masculino; a fêmea teria apenas o papel de abrigar e nutrir o novo ser, funcionando como uma incubadeira. Até 1672, ignorava-se que as fêmeas de mamíferos, da mesma forma que as das aves e peixes, produziam óvulos. Naquele ano, o médico holandês Regnier de Graaf, dissecando fêmeas de várias espécies de mamíferos, descobriu que, na época da reprodução, apareciam na superfície dos ovários pequenos inchaços : hoje chamados de folículos ováricos. Em fêmeas grávidas, os inchaços eram substituídos por pequenas manchas amarelas (corpos amarelos), em número exatamente igual ao dos embriões no útero. Graaf entendeu, assim, que os ovários produziam algo equivalente ao ovo das aves, que se deslocava do ovário até o útero, no qual se desenvolveria, após ser ativado pelo líquido masculino. Em 1675, outro holandês, Anton von Leeuwenhoeck, observou ao microscópio o sêmen de vários animais, inclusive do homem, e viu uma imensa quantidade de pequenos seres que nadavam ativamente, com uma “cabeça” e uma “cauda”. Leeuwenhoeck estava convicto de que esses “animais do esperma”, ou espermatozóides, representavam o elo entre os pais e os filhos. As células sexuais masculina e feminina só foram reconhecidas na segunda metade do século XVII. Mesmo assim, não se aceitou de imediato a importância dos dois tipos de célula. Na realidade, foi necessário esperar até meados do século XIX para que se reconhecesse, definitivamente, que ambos os sexos, tanto em animais como em vegetais, colaboram na formação dos descendentes. Genética humana e preconceito A característica visível ou verificável em um indivíduo, normalmente depende da interação dos genes herdados mais o ambiente. Muitas vezes, tentou-se provar que certos caracteres eram determinados geneticamente, quando na realidade não o eram. Um exemplo foram os trabalhos do cientista Francis Galton (1822 – 1911) que fundou a eugenia, o estudo dos métodos para “melhorar” o conjunto de genes da espécie humana. O preconceito e a ideia de raças humanas No que diz respeito à espécie humana, a ideia de “raças” não tem base científica. Estudos recentes revelam que não existe um “gene racial”, isto é, um gene que estaria presente em todos os indivíduos de um grupo humano e ausente nos indivíduos de outro grupo. Um dos mais completos estudos sobre o assunto foi publicado pelo médico e pesquisador italiano Luca Cavalli-Sforza, em seu livro História e geografia dos genes humanos, lançado em 1995.