A EXPERIMENTAÇÃO NO ENSINO DE BIOLOGIA: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO NO ENSINO SUPERIOR Caroline Barroncas de Oliveira – Universidade do Estado do Amazonas Augusto Fachín Téran – Universidade do Estado do Amazonas Maria Clara Silva-Frosberg – Universidade do Estado do Amazonas William Costa da Silva – Universidade do Estado do Amazonas Resumo Essa pesquisa tratou de investigar como a experimentação era concebida no Curso de Licenciatura em Biologia, a partir dos saberes que legitimam o currículo de formação de professores da respectiva área. A metodologia envolveu a elaboração e aplicação de um questionário com perguntas abertas e fechadas: um para professores e outro para alunos. O presente artigo está dividido em três seções distintas e complementares: 1: Considerações sobre a Experimentação na História do Ensino de Ciências no Brasil; 2: A importância da experimentação no Ensino de Biologia; 3: As concepções de estudantes e professores da Licenciatura de Biologia sobre o papel da Experimentação no Ensino da respectiva área. Os resultados indicam que tanto os docentes quanto os estudantes identificaram a importância da experimentação no ensino de biologia, mas a freqüência de trabalhos experimentais é ainda muito baixa. Os estudantes mostraram dificuldades em distinguir no que consiste a experimentação, isto possivelmente decorre da ausência, durante a formação inicial, de discussões teórico-metodológicas do ensino de biologia que poderiam contribuir para a compreensão da experimentação na construção dos fatos científicos. Este estudo exploratório vem reforçar a idéia do papel importante da experimentação no ensino de Biologia, e aponta a partir dos resultados apresentados a própria concepção dos sujeitos do curso envolvido nesta investigação sobre a experimentação. Considera-se que estas concepções equivocadas de experimentação podem ter repercussões no ensino de biologia. Em vista disso, argumenta-se que a formação inicial do professor de biologia deve contemplar uma formação em didática da ciência, pois fornecerá os subsídios para torná-lo um profissional consciente de seu fazer pedagógico. Desta forma, novas direções devem ser repensadas na sala de aula, tendo em conta os resultados das investigações feitas neste domínio. Palavras-Chave: Experimentação. Ensino de Biologia. Ensino Superior. ANAIS DO XV ENDIPE – ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 1 Introdução Este trabalho teve como objetivo geral investigar como a experimentação é concebida no Curso de Licenciatura em Biologia da Escola Normal Superior, UEA, Manaus a partir dos saberes que legitimam o currículo de formação de professores da respectiva área. O presente artigo está dividido em três seções distintas e complementares: 1: Considerações sobre a Experimentação na História do Ensino de Ciências no Brasil; 2: A importância da experimentação no Ensino de Biologia; 3: As concepções de estudantes e professores da Licenciatura de Biologia sobre o papel da Experimentação no Ensino da respectiva área. E, por fim, os resultados das análises originadas da pesquisa, apresentando algumas considerações a respeito das concepções estabelecidas sobre a experimentação no processo de formação de professores de Biologia. 1 Considerações sobre a Experimentação na História do Ensino de Ciências no Brasil O Ensino de Ciências no Brasil, nas décadas que antecedem os anos 50, foi fortemente caracterizado por uma metodologia tradicional. O professor era o centro de todo o processo pedagógico desenvolvido na escola e ao aluno eram dadas, pelo professor, as informações sobre os fenômenos da Natureza, cabendo-lhe o dever de aceitá-las sem muitos questionamentos. Os livros didáticos utilizados pelos professores eram resultado de traduções ou adaptações de autores europeus (BROSS, 1990, p.72). A atividade experimental, quando sugerida nestes textos, apresentava as características de uma nova atividade experimental demonstrativa, realizada pelo professor e que apenas era observada pelos alunos. A própria configuração do laboratório didático, quando existente, apresentava um formato de anfiteatro, contendo uma mesa para demonstrações, estrategicamente situada para o trabalho do professor; os alunos ficavam assentados em um nível superior, a fim de observarem o professor “dando” a sua aula teórica ou experimental. Os anos 50/60 apresentaram situações novas decorrentes da sofisticação tecnológicas do pós-guerra. Os sistemas educacionais foram grandemente influenciados por estas circunstâncias, resultando em reformulações nos olhares das questões da ciência e da educação, em especial, o porquê, o como e o para que ensinar e aprender Ciências (FRACALANZA, 1986). Novas formas da ação docente começaram a ser propostas; o modelo tradicional de ensino desse componente curricular foi questionado, pois o ANAIS DO XV ENDIPE – ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 2 modelo tradicional de ensino de Ciências não satisfazia às novas exigências da corrida desenvolvimentista. Era esperado que, sendo criadas condições estruturais básicas para o ensino/aprendizagem desta disciplina, através de ações caracterizadas como pertinentes a um modelo didático de redescoberta, seria possível ensinar aos alunos o modo de como foi produzido o conhecimento cientifico. Este modelo, para Amaral (1998, p. 215), foi uma espécie de simulação do método investigativo experimental típico das ciências físicas e naturais; através de um processo empírico e indutivo, o estudante seria levado a redescobrir os conceitos científicos. Contando com o apoio financeiro de instituições nacionais e estrangeiras, o Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura-IBECC veio produzir material didático – livros-textos, equipamentos e material de apoio para a realização de atividades experimentais em laboratório didático e em sala de aula convencional – objetivando a melhoria do ensino de Ciências (BARRA & LORENZ, 1986, p.71-72). A criação da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento do Ensino de Ciências (FUNBEC), em 1967, veio complementar a função do IBECC e, entre outras atividades, produzidas e comercializava os materiais didáticos para o ensino de Ciências, em especial “kits” de laboratório didático que promoviam sessões demonstrativas do experimento, como resultado do treinamento recebido pelo professor nos Centros de Ciências e demais organismos citados. Ensinar Ciências passou a ser sinônimo de realizar atividades experimentais em sala de aula. Da ênfase às demonstrações experimentais realizadas pelo professor, passou-se nos anos 50/60 a valorizar a experimentação realizada pelos alunos, em pequenos grupos, quase sempre seguindo um roteiro instrucional previamente preparado pelo professor ou constante dos livros-textos dos projetos de ensino ou materiais didáticos assemelhados. Nos anos 80, o ensino de Ciências é beneficiado com um programa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), do MEC, o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (PADCT), subprograma Educação para a Ciência (SPEC). Segundo FRACALANZA (1992, p. 131), um dos objetivos do SPEC foi o de “melhorar a qualidade do ensino de ciências nos diferentes níveis de ensino nas áreas de química, física, biologia e matemática, dando-lhe um caráter eminentemente experimental.” Nos anos 90, a discussão sobre a experimentação no ensino de Ciências vivenciou diferentes momentos. Volta-se a estabelecer importância à atividade experimental, cujo ANAIS DO XV ENDIPE – ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 3 espaço vinha sendo dividido com outros enfoques metodológicos, pois, à medida que as escolas não se aparelhavam para a execução de atividades experimentais e também os professores se sentiam despreparados para desenvolvê-las, tais atividades iam sendo deixadas de lado (AMARAL, 1998). Na atualidade, a experimentação é focalizada de forma diferente. A ênfase em procedimentos quantitativos reflui; procura-se estudar, nas atividades propostas, os diferentes aspectos presentes e possíveis de serem observados no fenômeno em estudo; busca-se relacionar as experiências e conhecimentos prévios dos alunos com as observações realizadas nos experimentos didáticos; sempre que possível, é sugerido iniciar uma atividade com a exploração direta do ambiente, seguindo-se estudo mais sistemático e específico em situação controlada/simulada de laboratório didático. Enfim, diversas propostas de mudança metodológicas na experimentação no ensino de Ciências são formuladas pela literatura educacional disponível (AMARAL, 1998). Entretanto, os livros didáticos e a prática escolar da grande maioria dos professores continuam a acalentar as atividades do tipo demonstrativo, realizadas pelo professor com a passividade da observação do aluno, ou então as de redescoberta, na ilusão de se estar simulando o método cientifico na produção do conhecimento cientifico (AMARAL, 1998). 2 A importância da Experimentação no Ensino de Biologia Ao discutir a Experimentação no Ensino de Ciências, especificamente nas Ciências Biológicas, passa a ser fundamental reconhecer que experimentar em ciências significa “submeter à experiência” ou “submeter à provas” empíricas as idéias, as suposições, as predições (hipóteses) referentes a determinado fato; envolve o inicial planejamento das observações, experimentos, medidas e demais operações instrumentais; segue através da realização das operações experimentais e coleta de dados empíricos; continua-se pela organização e interpretação dos dados; completa-se pela inferência da conclusão (HENNIG, 1998, p. 168). A inclusão da experimentação no Ensino de Biologia torna-se fundamental, pois, exerce uma função pedagógica de ajudar os alunos a relacionar a teoria (leis, princípios, etc.) e a prática (trabalhos experimentais). Isso propiciará aos alunos condições para uma maior compreensão dos conceitos, do desenvolvimento de habilidades, competências e atitudes, para que assim eles entendam melhor o mundo em que vivem. Por isso a ANAIS DO XV ENDIPE – ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 4 necessidade de haver uma relação entre os conteúdos trabalhados em sala de aula e o cotidiano dos alunos, não apenas aulas sem relação alguma com a vida dos mesmos (NANNI, 2004). Lima (2004) aponta que aprender ciências não é simplesmente introduzir conceitos, mas levar os alunos a refletir sobre os conceitos usando os experimentos como ferramenta para construção e reconstrução das idéias apresentadas pelos mesmos. Pois, o objetivo fundamental das atividades experimentais é promover interações sociais que tornem as explicações mais acessíveis e eficientes para os educandos (GASPAR, 2003). Grande parte dos professores concorda com a importância da experimentação no processo ensino-aprendizagem. Eles também acreditam ser ela uma forma de motivar e estimular os alunos a assistirem as aulas, como também ser uma maneira mais fácil e prática deles relacionarem os conceitos vistos em sala de aula com as situações do seu dia-a-dia (LIMA, 2004). Mesmo os docentes afirmando a importância e necessidade das atividades experimentais, na maioria das vezes eles acabam não as realizando. A discordância entre a importância dada pelos docentes, e a pouca realização destas atividades na prática pedagógica pode ser associada à falta de clareza que se tem hoje quanto ao papel do laboratório no processo ensino-aprendizagem. Desta forma, destaca-se a importância da experimentação para o ensino de Biologia, pois a aprendizagem escolar não é uma recepção passiva de conhecimentos, mas um processo ativo de elaboração. O professor por meio do ensino deve proporcionar as múltiplas interações entre o aluno e os conteúdos (BONZANINI & BASTOS, 2004). Entretanto, a atual realidade das aulas experimentais, de acordo com Fracalanza (1986), Hennig (1998), Amaral(1998), Gaspar (2003), Nanni (2004), Lima (2004), demonstram que os professores ainda atribuem objetivos, tais como: a motivação, o desenvolvimento de atitudes científicas, técnicas laboratoriais e o adestramento no método científico, entretanto, não se preocupam com a formação de conceitos e com desenvolvimento de habilidades e competências. Assim, prevalece entre os professores a visão simplista da experimentação, onde o principal objetivo é o de motivar os alunos, melhorando assim as aulas e adquirir conhecimentos e técnicas científicas. ANAIS DO XV ENDIPE – ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 5 3 As concepções de estudantes e professores da Licenciatura em Biologia sobre o papel da Experimentação no Ensino da respectiva área O trabalho foi desenvolvido no 4° e 6° período do curso de Licenciatura de Biologia de da Universidade do Estado do Amazonas-UEA. Nas etapas da pesquisa foi utilizada a revisão bibliográfica, no sentido de compreender como outros autores abordaram essas questões, sendo de grande importância para o desenvolvimento da pesquisa. No presente estudo, realizou-se uma análise documental da Estrutura curricular do Curso de Licenciatura em Biologia da UEA. Verificou-se que somente sete disciplinas na grade curricular evidenciavam a experimentação em suas ementas, estas disciplinas são: Instrumentação para o Ensino de Ciências e Biologia; Embriologia (optativa); Química Geral I e II; Fundamentos de Zoologia; Prática de Ensino de Ciências e Biologia I e II. O curso de Biologia nesta Universidade oferece somente a opção de licenciatura, mas a partir da disposição disciplinar na estrutura curricular do curso as disciplinas de conhecimentos específicos são em sua maioria desconexas das disciplinas pedagógicas. Ao se centrar a formação de professores nas disciplinas pedagógicas, estabelece-se uma prática que determina a dicotomia dessa formação, com fortes reflexos na profissionalização dos egressos dos cursos de licenciatura (PAGOTTO, 1998). Essa dicotomia sugere que os cursos não apresentam clareza do tipo de profissional que estão formando, isto é, se é um professor ou um pesquisador. Gatti (2000, p.56) assevera que “muito da deficiência que vem sendo mostrado quanto à formação dos professores se deve à ausência, na estrutura e desenvolvimento dos cursos, de uma concepção da unidade nas relações entre teoria e prática”. A autora menciona a necessidade de que os cursos de formação de professores adotem uma nova postura metodológica, na qual teoria e prática constituam uma unidade. Isto significa que qualquer teoria tem sua origem na prática social humana e que nesta estão sempre explícitos pressupostos teóricos. Tem-se, aí, portanto, uma relação dialética entre teoria e prática, e não mais uma relação dicotômica. Para aprofundamento das questões a cerca do objetivo proposto, utilizou-se questionário com perguntas abertas e fechadas: um para professores e outro para alunos, totalizando cinqüenta questionários entregues e respondidos pelos alunos e de dez questionários entregues três foram respondidos pelos professores. Procedeu-se à análise de conteúdo das respostas obtidas para os dois questionários recorrendo ao método de ir ANAIS DO XV ENDIPE – ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 6 determinando unidades de registros e estabelecendo os indicadores à medida que foram ressaltando dessa análise (BARDIN, 1991). Fato a ser relembrado para uma posterior análise foi durante a aplicação dos questionários, sendo observada em todas as turmas aplicadas uma dificuldade de compreensão do que seja Trabalhos Experimentais, como vamos notar no Quadro 1 na categoria “modalidade de TE”, 10% de respostas citaram Seminário como modalidade de TE, uma vez que este é um procedimento de metodologia de estudo. De forma preocupante, demonstra a falta de clareza dos futuros profissionais do ensino de biologia quanto ao que venha ser a experimentação, isto possivelmente decorre da ausência, durante a formação inicial, de discussões teórico-metodológicas do ensino de Biologia que poderiam contribuir para a compreensão da experimentação na construção dos fatos científicos. A respeito das disciplinas que demonstravam em sua ementa a experimentação. A partir do gráfico percebe-se que dezesseis disciplinas no qual os alunos do 4° e do 6° período citaram ofereceram algum tipo de Trabalho experimental, exceto as sete disciplinas que foi demonstrado na análise documental onde constam na ementa à palavra experimentação. Mas, dentre as dezesseis disciplinas os professores não executavam toda a carga horária disponível, mesmo possuindo em algumas disciplinas horas destinadas à prática. Isso ratifica a falta de clareza quanto ao uso de Trabalhos Experimentais e sua relevância, pois ao mesmo tempo que os docentes apontam a sua importância eles não realizam em sua prática pedagógica. Os docentes alegam um grande número de obstáculos como a falta de estrutura física das escolas, material didático, número reduzido de aulas, excesso de alunos por sala, como também a necessidade de auxiliares para ajudar na organização das aulas laboratoriais, que os impedem na maioria das vezes de realizarem aulas experimentais (LIMA, 2004). Os resultados da análise das respostas dadas pelos docentes e alunos aos respectivos questionários encontram-se sistematizados no quadro 1 em anexo. A análise das respostas dadas pelos professores vem confirmar ao que já é referido na literatura (Quadro 1), nomeadamente no que diz respeito à necessidade de interligar a teoria com a prática para que o TE possa promover aprendizagem, e que todos os professores e alunos mencionam em algum momento das respostas que deram. Não se espera, na verdade, que da experimentação nasça a teoria, numa perspectiva empírico-indutivista como preconiza o modelo da aprendizagem por descoberta. Todavia, é clara a necessidade dos alunos se relacionarem com os fenômenos sobre os ANAIS DO XV ENDIPE – ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 7 quais se referem os conceitos. E, nesse sentido, estamos falando em experimentação no ensino de ciências como algo complementar e necessário ao processo educacional. É importante ressaltar que, por outro lado, não intentamos uma superposição dos métodos de investigação científica aos métodos de ensino de ciências. Isso seria deturpar a dimensão pedagógica mais coerente com os processos através dos quais os alunos constroem seu conhecimento. Os alunos, em situações de experimentação, com caráter investigativo, têm os seus próprios “métodos” de proceder diante do fenômeno e, com eles, suas próprias concepções e organicidade sobre o referido fenômeno. É nessa perspectiva que entendemos a experimentação como parte integrante do processo ensino-aprendizagem de ciências. Deve-se dar ao aluno a oportunidade de expressar suas concepções dos fenômenos de forma direta, experimental, ou de forma indireta, através de registros desses fenômenos. Os docentes e alunos envolvidos no estudo apontaram vários aspectos que gostariam de ver alterados de modo que o TE promova aprendizagem, nomeadamente questões a que se prendem: com falta de tempo; melhoria na qualidade do material disponível; melhores condições de infra-estrutura (modelos, ônibus para a prática de campo, laboratórios específicos e etc.); qualificação do professor para melhor aprofundamento teórico e dinamicidade nas aulas. Um aspecto que deve ser considerado é o fato de que a ausência de fenômenos nas aulas pode levar os alunos a pensarem que a simbologia utilizada no ensino, principalmente da biologia, sejam reais. As aulas de ciências devem abranger articulações entre três dimensões do conhecimento: (1) o fenomenológico ou empírico, (2) o teórico ou de modelos, (3) o representacional ou da linguagem (MORTIMER et al, apud ZANON e SILVA, 2000). Estas três dimensões podem ser articuladas no processo de construção do conhecimento tendo como auxílio o TE. Em função disso, os docentes salientam o papel da experimentação no ensino de biologia como um grande potencial para a construção da compreensão, do raciocínio podendo tornar-se uma aprendizagem mais significativa, no entanto isto depende da disponibilidade do professor, dos alunos e de recursos da instituição. Os alunos, por sua vez, relatam 75% que a experimentação é constatação da teoria na prática; 10% aprimoramento e fixação de conteúdos; 5% prática; 5% um veículo que desperta a curiosidade e desenvolve a observação, raciocínio lógico e o questionamento. Há uma nítida concordância entre as respostas dadas pelos professores e alunos envolvidos na pesquisa, quanto à freqüência dos Trabalhos Experimentais. De acordo com as respostas dadas, o TE é realizado com uma freqüência muito baixa e raras ANAIS DO XV ENDIPE – ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 8 exceções médias, assumindo em geral, a forma de práticas de laboratórios tendo como momento de realização, geralmente, uma aula destinada somente para o TE, havendo sempre o cuidado de relacionar teoria e prática. Pois, tanto professores quanto os alunos declararam que as informações fornecidas antes de realizar o TE são de 70% das respostas que a teoria é abordada anteriormente e discutido o objetivo com os alunos e, 30 % só oferecem orientações práticas do TE. Também, consideram que uma maior freqüência e o fato de serem os alunos a executar poderão contribuir para facilitar a aprendizagem. Conclusão De acordo com as respostas obtidas, o TE implementado neste curso envolvido no estudo, tem uma freqüência muito baixa e características muito tradicionais em sua maioria. O fato de o aluno reconhecer a importância de ser ele mesmo a realizar as atividades é relevante, pois, quando o próprio tiver realizado uma experiência, feito as suas próprias observações, e elaborado conclusões sem saber antecipadamente os resultados, será capaz de perceber o que é ciência. Estas dificuldades apontadas na pesquisa de campo no processo de formação desses futuros profissionais do ensino de Biologia demonstram a responsabilidade de se refletir sobre as características do trabalho científico e do papel do indivíduo na construção do conhecimento. Percebemos a falta de clareza no que realmente consiste a experimentação por parte dos alunos e torna-se essencial uma avaliação do curso por parte dos coordenadores e professores para que não venha a ser uma licenciatura ‘revestida’ de bacharelado, com disciplinas pedagógicas descontextualizada do ensino de ciências, especificamente no ensino de Biologia. Finalmente, este estudo exploratório vem reforçar a idéia do papel importante da experimentação no ensino de Biologia, e aponta a partir dos resultados apresentados a própria concepção dos sujeitos do curso envolvido nesta investigação sobre a experimentação. Considera-se que estas concepções equivocadas de experimentação por parte dos alunos podem ter repercussões no ensino de Biologia futuramente. Em vista disso, argumenta-se que a formação inicial do professor deve contemplar uma formação em Didática da Ciência, pois fornecerá os subsídios para torná-lo um profissional consciente do seu fazer pedagógico. Desta forma, novas direções devem ser repensadas na sala de aula, tendo em conta os resultados das investigações feitas neste domínio. ANAIS DO XV ENDIPE – ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 9 Referências AMARAL, Ivan Amorosino do. Currículo de ciências: das tendências clássicas aos movimentos atuais de renovação. In: BARRETO, Elba Siqueira de Sá (org.). Os currículos do ensino fundamental para as escolas brasileiras. Campinas, SP: Autores Associados; São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 1998. BARRA, V. M.; LORENZ, K.M. Produções de materiais didáticos de ciências no Brasil. Ciência e Cultura, v.38, n.12, Dez 86. São Paulo: SBPC, 1986. BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1991. BONZANINI, Taitiâny Kárita. BASTOS, Fernando. 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Revista eletrônica de ciências. São Carlos – SP, n. 24, 26 de maio de 2004. Disponível em: <http: //cdcc.sc.usp.br/ciencia/artigos/art_26/natureza.html>. Acesso em: 23 de abril de 2009. PAGOTTO, Maria Dalva S. A organização das licenciaturas: práticas atuais e perspectivas de mudança. In: IX Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino. Anais. v.1/2. Águas de Lindóia, 1998, pp. 376-389. SILVA, L. H. A.; ZANON, L. B. A experimentação no ensino de ciências. In: SCHNETZLER, R. P.; ARAGÃO, R. M. R. Ensino de Ciências: fundamentos e abordagens. Campinas, UNIMEP/CAPES, 2000. ANEXOS Quadro 1 – Síntese dos resultados da análise das respostas aos questionários Categorias Exemplo de TE* promotor de aprendizagem Freqüência de opiniões de Professores (N=3) - Indicação de um TE específico (3) Freqüência de opiniões de Alunos do 4° período (N=22) -Indicação de TE específico (22) Freqüência de opiniões de Alunos do 6° período (N=28) -Indicação de TE específico (26) - Sem resposta (2) Aspectos desse TE que favoreceram a aprendizagem - Relação com o cotidiano (1) - Relação com a teoria (10) Relação com a teoria (10) - Protocolos bem elaborados (1) - Executado pelo próprio aluno (8) Executado pelo próprio aluno (8) - Boa relação teoria/prática (1) - Sem resposta (4) Objetivos bem definidos (4) Relação com o cotidiano (4) Sem resposta (2) Exemplo de TE que contribuiu pouco para a aprendizagem - Reprodução de esquemas (1) - Indicação de um TE específico (18) - Exercícios escritos (1) - TE que não considera os conhecimentos prévios (2) - Sem resposta (1) - Indicação de um TE específico (28) - Sem resposta (2) ANAIS DO XV ENDIPE – ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 11 Características e sugestões para TE que podem promover aprendizagem - Ligação teoria/prática (2) -Material de melhor qualidade (2) -Material de melhor qualidade (4) - Sem resposta (1) -Melhor fundamentação teórica (8) -Melhor fundamentação teórica (6) -Qualificação do professor (2) -Dinamicidade nas aulas (2) -Trabalhos de pesquisa na área profissional (2) -Qualificação do professor (2) -Dinamicidade nas aulas (4) - Mais tempo disponível (6) - Realização mais freqüente de TE (4) -Sem respostas (6) - Sem resposta (2) Freqüência - Baixa- 6h para 60 h de curso (Invertebrado II) -Baixa – 2 por período (2) - Média 30h para 60 de curso (Citologia, Histologia e Anatomia) -Média – semanalmente (20) -Baixa – 2 por período (28) - Sem resposta (1) Tipo de Fichas -Caderno de campo (1) -Roteiro (20) -Roteiro (13) -Não Fornece ficha (1) -Não fornece ficha (2) -Não fornece ficha (11) -Modelo de Metodologia (2) -Roteiro (1) -Às vezes (2) Papel da experimentação no ensino de Biologia - Potencializa a compreensão, o raciocínio e torna o aprendizado mais significativo (2) -Constatação da teoria na prática (20) -Constatação da teoria na prática (15) -Prática (2) - Aprimoramento do conteúdo (6) - Relevante, mas depende da disponibilidade do professor, alunos e de recursos da instituição. -Fixação de conteúdos (4) - Prática (3) -Desperta a curiosidade e desenvolve a observação, raciocínio lógico e o questionamento (1) Quadro 1- Síntese dos resultados da análise das respostas aos questionários, pesquisa realizada em 2009. Autora: Carol Barroncas. * TE – Trabalho Experimental. ANAIS DO XV ENDIPE – ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 12