1
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE
CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
FERNANDA MAURER CORRÊA GEISSLER PRINCE
Ensino de Biologia para Surdos: Conquistas e desafios da atualidade
São Paulo, 2011
2
FERNANDA MAURER CORRÊA GEISSLER PRINCE
ENSINO DE BIOLOGIA PARA SURDOS: CONSQUISTAS E DESAFIOS DA
ATUALIDADE
Trabalho
de
apresentado
Conclusão
no
curso
de
de
Curso
Ciências
Biológicas como requisito parcial para obter
o
Título de
Licenciatura
em
Ciências
Biológicas.
Orientadora: Prof.ª MS. Débora Rodrigues
Moura.
São Paulo, 2011
3
Agradecimentos
Agradeço primeiramente a Deus, por todas as oportunidades concedidas e
por sempre me guiar no caminho da sabedoria.
Agradeço à minha mãe, Ana Marina, por ser meu exemplo de perseverança
e luta, além de todo o carinho, amor e atenção, ao meu padrasto Celso, por ser o pai
que atuou em minha educação, à minha vó Emilia, meu exemplo de educadora e
mulher batalhadora, à minha tia e madrinha Cynthia, por me compreender inúmeras
vezes, ao meu primo Fabyo, por me abrir os olhos para a cultura Surda e a língua de
sinais, à minha irmã Letycia, por ter sido a minha verdadeira primeira aluna.
A todos os meus professores durante o curso de Licenciatura, especialmente
Adriano de Castro, Magda Pechliye e Rosana Jordão, por terem despertado meu
interesse pela educação e pelas mudanças que devem ser feitas, além de terem
contribuído para minha formação pessoal.
Aos meus amigos Leticia Pozzuto, Monique Fascina, Rafael Ferraro, Taciana Borba
e Thiago Cosenza, pelas inúmeras conversas, cafés filosóficos, teorias e discussões
ao longo do curso, e também por terem me apoiado tanto, em diversos momentos, e
ao meu amigo Rafael Carpinetti por ter me ajudado não só nesse, mas também em
outros trabalhos.
A minha orientadora Débora Rodrigues Moura, por além de ter me orientado nesse
trabalho, ter mostrado outro lado da surdez e me ensinado uma nova língua.
A diretora e ao professor da escola escolhida, por terem cedido seu tempo e espaço
para a realização da entrevista, contribuindo para a pesquisa.
4
Uma palavra sem significado é um som
vazio, que não faz mais parte da fala
humana. (Vygotsky, 1934).
5
Resumo
O estudo contextualiza o leitor a respeito do histórico da educação de Surdos
no mundo, passando pelas abordagens de exposição à língua, mais especificamente
Oralismo, Comunicação Total e Bilinguismo, evidenciando a concepção de ensino e
identidade dos Surdos em cada uma delas. Aborda a importância da LIBRAS
(Língua Brasileira de Sinais) para o desenvolvimento do pensamento abstrato e na
formação de conceitos científicos do aluno Surdo, quais são as habilidades
esperadas a serem desenvolvidas no ensino de Biologia segundo os PCN+ e qual a
relevância da alfabetização científica. O procedimento metodológico adotado foi a
análise de conteúdo de um caso, com a coleta de dados por meio de entrevista
semi- estruturada com um professor de Biologia que atua em uma escola particular
Bilíngue para Surdos em São Paulo. A análise dos dados demonstrou que a LIBRAS
é a base para o aprendizado de qualquer conteúdo escolar e que muitos alunos
possuem defasagens de conhecimentos prévios, devido à exposição tardia a esta.
Esta situação acarreta também dificuldade no aprendizado do português como
segunda língua, prejudicando a escrita e a compreensão de textos, como os da
linguagem científica. Desse modo, evidencia-se a importância da consolidação da
LIBRAS como primeira língua para a alfabetização científica do aluno. A criação e
documentação de sinais para termos e conceitos específicos da Biologia são vistas
como possibilidades para a aprendizagem significativa de conteúdos da área das
Ciências Biológicas.
Palavras chaves: Educação de Surdos, Ensino de Biologia para Surdos, Ensino
Bilingue para Surdos, Sinais em LIBRAS para Biologia.
6
Abstract
This paper approachs the context of History of Deaf education over the world,
through the Oralism, Total Comunication and Bilinguism, in order to demonstrate
their concepts about teaching and identity of Deaf. The present research also shows
the importance of LIBRAS in the abstract thinking development and in the process of
scientific concepts formation. In adition, it presents the skills to be developed during
Biology classes, according to the PCN+. The meaning of scientific literacy is
approached too. The methodological procedure adopted was an interview with a
Biology teacher who works in a private bilingual school for deafs in São Paulo. The
data analysis has confirmed that one of LIBRAS’ role is to be the basis for any
school learning process, and many of the deaf students has a lack of prior knowledge
due to the late sign language exposition. Besides, it also affects them to learn
Portuguese as second language, causing impairment in writing and comprehension
of texts, such as scientific texts. Due to these facts, the paper highlights the
importance of consolidation of LIBRAS as first language for students’ scientific
literacy. The creation of new signs for Biology specifically concepts is one possibility
for Biology meaningful learning for Deafs.
Keywords: Deaf education, Teaching Biology for Deafs, Bilingual education for deafs,
Biology signs in LIBRAS.
7
SUMÁRIO
Introdução..........................................................................................................8
1
HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO DE SURDOS................................................11
1.1 EDUCAÇÃO DE SURDOS NO MUNDO................................................11
1.1.1 Oralismo......................................................................................13
1.1.2 Comunicação Total....................................................................15
1.1.3 Bilinguismo................................................................................16
1.2 EDUCAÇÃO DE SURDOS NO BRASIL...............................................20
1.2.1 Histórico.....................................................................................20
1.2.2 O contexto Bilingue...................................................................21
2 EDUCAÇÃO BILÍNGUE PARA SURDOS E O ENSINO DE
BIOLOGIA...................................................................................................22
2.1 A IMPORTÂNCIA DA LIBRAS NO APRENDIZADO DO ALUNO
SURDO..................................................................................................23
2.1.1 A linguagem na formação do pensamento.............................23
2.1.2 A formação de conceitos científicos.......................................24
2.1.3 A LIBRAS na formação de conceitos científicos....................24
2.2 A IMPORTÂNCIA DO ENSINO DAS CIÊNCIAS
BIOLÓGICAS........................................................................................26
2.2.1 A alfabetização científica..........................................................27
2.2.2 Competências a serem abordadas
no ensino de Biologia..............................................................28
2.3 PERSPECTIVAS PARA A CRIAÇÃO DE NOVOS SINAIS EM
LIBRAS PARA A ÁREA DE BIOLOGIA................................................29
3 OBJETIVOS..................................................................................................31
4 METODOLOGIA...........................................................................................32
4.1 METODOLOGIA DE PESQUISA ADOTADA........................................32
4.2 COLETA DE DADOS.............................................................................32
4.2.1 Escolha do entrevistado............................................................33
4.2.2 Caracterização do entrevistado................................................33
4.3 LEVANTAMENTO BIBLIOGRÁFICO....................................................34
4.4 ANÁLISE DOS DADOS.........................................................................34
4.5 APROVAÇÃO PARA REALIZAÇÃO DA PESQUISA...........................34
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO...................................................................35
5.1 EXPOSIÇÃO À LÍNGUA........................................................................35
5.2 ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA DE SURDOS E
ENSINO DE BIOLOGIA.........................................................................40
5.3 CRIAÇÃO DE SINAIS EM LIBRAS PARA A ÁREA DE BIOLOGIA.....45
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................48
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................51
8 APÊNDICE A.................................................................................................55
9 ANEXO A.......................................................................................................64
10 ANEXO B.......................................................................................................66
8
INTRODUÇÃO
A surdez nunca foi novidade para mim, graças ao contato com meu primo
Fabyo, que é Surdo1. A vontade de me comunicar com ele aguçou meu interesse
pelas aulas de LIBRAS, no quinto semestre, quando conheci a professora Débora
Rodrigues Moura. Durante as aulas, eu perguntava como eram alguns sinais para
termos específicos da Biologia e ela me dizia que ainda não havia nada
documentado nessa área. Isso me intrigou, pois, se não havia esses sinais, como
então seriam as aulas de Biologia em LIBRAS para os alunos Surdos?
Desde então, esse tema despertou minha curiosidade, em saber como eram
ministradas as aulas de Biologia na perspectiva Bilíngue, se o professor utilizava
imagens, alguma ferramenta, como eram feitas as explicações. Outra questão que
chamou minha atenção foi a importância de desmistificar a surdez como deficiência,
assim como muitos ainda pensam ao denominar os Surdos como “deficientes
auditivos”,e de informar as pessoas de que a Surdez é uma identidade cultural, que
possui a Língua de Sinais como língua natural, assim como afirma Goldfeld (2002).
Diante a essas questões, considerando tudo o que foi estudado durante o
curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, quanto à importância do ensino de
Biologia, tanto para compreender textos que utilizam linguagem científica, quanto
para adotar uma postura crítica diante de temas relacionados à área, conforme
sugerem os PCN+, senti a necessidade de pesquisar como o ensino desta disciplina
estava sendo realizado nas escolas Bilíngues para Surdos, como o professor
realizava suas aulas na ausência de algum sinal, se havia a criação de sinais entre
ele e os alunos. Outro interesse era saber qual é a opinião deste sobre a importância
do ensino em LIBRAS no desenvolvimento do Surdo e se seus alunos estavam
alfabetizados científicamente (CHASSOT, 2003), se o conhecimento científico que
possuíam poderia servir como subsídio para transformações em sua realidade,
assim como para uma possibilidade de inclusão social.
1
Skliar (2001) traz marcada em seus livros a distinção de “Surdo”, com “s” minúsculo e “Surdo”, com
“S” Maiúsculo. Klein (2001:88) revela que na língua inglesa podemos encontrar com freqüência essa
diferenciação. “O termo Surdo refere-se ao fator físico da Surdez, enquanto o termo Surdo refere-se
ao grupo cultural e à comunidade linguística”.
9
É importante ressaltar que a pesquisa foi realizada com a finalidade de
verificar o ensino de Biologia em um contexto Bilíngue, portanto não se pretende
abordar o tema da inclusão, ou seja, não se trata da inclusão de alunos Surdos em
sala convencionais da rede de ensino.
A fim de descobrir mais sobre esses temas, foi delimitado como objetivo
principal desta pesquisa, analisar a importância da LIBRAS no processo de
aprendizagem, focando no ensino de Biologia na perspectiva Bilíngue. Para isso,
foram estabelecidos como objetivos específicos a contextualização sobre a História
da educação de Surdos, passando pelo Oralismo, Comunicação Total e Bilinguismo,
compreender os retrocessos e avanços na educação de Surdos em relação à
concepção de sujeito, ensino-aprendizagem e exposição à língua, compreender em
que consiste a proposta atual Bilíngue de ensino-aprendizagem para Surdos e como
se dá o ensino de Biologia para nesta proposta. Foi proposto também verificar o que
está documentado em LIBRAS sobre o ensino de Biologia para Surdos e registrar as
necessidades latentes da área.
Para o embasamento teórico sobre o histórico da educação de Surdos e a
importância da perspectiva Bilíngue no desenvolvimento cognitivo e social foram
consultados autores como Gesser (2009), Goldfeld (2002), Lacerda (1998), Skliar
(2011), Silva (2006), Sacks (2010) e Quadros (2006). Foram utilizados também
Vygotsky (1999) para abordar a formação de conceitos espontâneos e científicos,
Chassot (2003) para alfabetização científica e Feltrini (2009) para discutir sobre
criação de sinais.
A pesquisa foi realizada por meio de uma entrevista semi-estruturada com um
professor de Biologia e Ciências de uma escola particular Bilíngue para Surdos, em
São Paulo - SP. Cabe lembrar que não se tem a pretensão de generalizar, mas sim
de se realizar um estudo de caso.
No primeiro capítulo do trabalho é abordada a História da educação de
Surdos no mundo, desde o século XVI na França com as primeiras escolas para
Surdos, até a situação atual do ensino de Surdos no Brasil; as abordagens de
exposição à língua, mais especificamente o Oralismo, Comunicação Total e
10
Bilinguismo, evidenciando as consequências de cada uma no processo de
desenvolvimento cognitivo e social do Surdo.
No segundo capítulo, Educação Bilíngue para Surdos e o ensino de Biologia,
é evidenciado o papel da LIBRAS na formação de conceitos espontâneos e
científicos, conforme denomina Vygotsky (1999). Quanto ao ensino de Biologia é
evidenciada sua importância com base nas competências e habilidades propostas
pelos PCN+, assim como se salienta o valor da alfabetização científica como
instrumento de inclusão social. Encerrando o capítulo, tem-se um breve panorama
de como está a criação de sinais na área das Ciências Biológicas, quais são os
desafios e caminhos a serem seguidos.
O terceiro capítulo trata-se da metodologia do trabalho, quais foram os
critérios adotados para a escolha da escola e do participante, do instrumento de
coleta de dados, além de como foi levantada o referencial bibliográfico e a maneira
como foram analisados os dados obtidos.
Ao final, apresentam-se as considerações finais, quais foram as contribuições
deixadas, o que poderia ter sido feito para melhor aproveitamento e quais são as
perspectivas de continuidade para trabalhos futuros nessa área.
11
1
HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO DE SURDOS
Este capítulo tem como objetivo situar o leitor a respeito da história da
educação de Surdos desde o século XVI. Aborda os principais eventos e destaca
algumas personalidades que contribuíram ao longo desse processo.
Para isso, apresenta e propõe reflexões sobre abordagens de exposição à
língua, mais especificamente Oralismo, Comunicação Total e Bilinguismo, discutindo
como são construídas, em cada uma delas, as concepções de ensino
aprendizagem, língua, sujeito e identidade. Salienta a importância da Língua de
Sinais, em uma perspectiva Bilíngue, no aprendizado do aluno Surdo, sendo esta
base para o pensamento abstrato, forma de comunicação efetiva e também ícone de
sua cultura.
Ao final, realiza um breve histórico da educação de Surdos no Brasil, expondo
o que está previsto na legislação, visando apresentar um panorama da realidade
bilíngue atual, vivenciada no país.
1.1
EDUCAÇÃO DE SURDOS NO MUNDO
Na Espanha do séc. XVI, Girolamo Cardamo, após realizar uma série de
pesquisas com indivíduos Surdos que haviam adquirido a surdez em diferentes
épocas, ou seja, nascidos Surdos, com surdez pré linguística, que ficaram Surdos
depois do aprendizado da fala e também com aqueles que ficaram Surdos após a
aquisição da fala e da escrita, chegou à conclusão de que a surdez em si não era
um fator prejudicial à aprendizagem. (SILVA, 2006).
Diante disso, foram criadas diversas abordagens para o ensino de Surdos,
baseadas na língua oral, códigos visuais e na Língua de Sinais. Dentre os que se
dedicaram ao ensino de Surdos na época, estava o monge beneditino Pedro Ponce
de Leon (1520-1884) o qual, por meio da representação manual do alfabeto, escrita
e oralização, ensinava Grego, Latim, Italiano, Física e Astronomia (GOLDFELD,
2002). No entanto, sua prática era direcionada exclusivamente aos filhos de ricos e
nobres da corte espanhola. Os demais Surdos eram vistos como vagabundos, à
12
margem da sociedade, por não conseguirem uma profissão e mendigarem pelas
ruas. (SILVA, 2006).
Em 1750, na França, na época em que a burguesia se uniu ao terceiro estado
francês para derrubar a nobreza, o Abade Charles Michel de L’epée resolveu
dedicar-se aos Surdos, chamados de “vagabundos”, que circulavam pelas ruas de
Paris, educando-os por meio dos “sinais metódicos”, que combinava a Língua de
Sinais com o francês sinalizado (GOLDFELD, 2002).
O contexto que precedia a Revolução Francesa favorecia a construção de
novas escolas, já que a burguesia necessitava de agentes revolucionários que
tivessem acesso à leitura. Em 1760, L’Epée funda a primeira escola pública para
Surdos na França, a qual obteve um grande sucesso em poucos anos. Nesse
espaço, os Surdos tinham a oportunidade de aprender a ler e escrever, por meio da
Língua de Sinais Francesa, além de aprenderem línguas estrangeiras, na forma
escrita, Geografia, Álgebra, Artes e Atividades Físicas. A Escola Pública para
Surdos, em Paris, também tinha como finalidade a formação de professores Surdos,
além de outros ofícios como jardinagem, marcenaria e artes gráficas. (SILVA, 2006).
Interessado nas ideias do Abade L’epeé, o professor americano Thomas
Hopking Gallaudet, em 1815, foi à Europa, a fim de buscar mais informações sobre a
educação de Surdos. Ao voltar para os EUA, fundou a primeira escola permanente
para Surdos em 1817, denominada American Asylum for the Deaf (SACKS, 1989),
na qual o francês sinalizado foi adaptado ao inglês, para ser usado durante as aulas.
Mais tarde, em 1850, a American Sign Language (ASL) traduzida para o português
como Língua Americana de Sinais, ganha força e substitui o inglês sinalizado. Em
1864, é fundada a Universidade Gallaudet, a primeira universidade para Surdos
(GOLDFELD, 2002), tendo como primeiro reitor Edward Gaullaudet, filho de Thomas
Gallaudet (SACKS, 1989). Esta Universidade existe até os dias de hoje.
Embora o contexto da educação de Surdos, até a metade do século XIX,
tenha sido bastante favorável às Línguas de Sinais e à escolarização dos Surdos,
com
inúmeros
defensores
da
sinalização,
na
outra
metade
fervilhavam
manifestações de cunho nacionalista, principalmente nos países europeus,
clamando uma unificação da língua como representação máxima de uma nação.
13
Sendo assim, todos os tipos de línguas diferentes utilizadas num país, dialetos e
Línguas de Sinais foram recriminadas pelos que desejavam a homogeneização de
seu povo (LODI, 2005).
Nesta época, a visão antropocêntrica, encorajada pela concepção mecânica
do universo, reduzia a imagem do homem como ser orgânico, funcionando de modo
análogo ao de uma máquina. Nesse contexto, aqueles que não possuíam seu corpo
em perfeito funcionamento, não se encaixavam na regra e assumiam um rótulo de
deficiente que deveria ser objeto de pesquisa (SILVA, 2006).
Em 1880, impulsionado por correntes oralistas, foi realizado o Congresso
Internacional de Educadores de Surdos em Milão (SACKS, 1989). Este teve como
pauta a discussão sobre a educação de Surdos, para decidir quais métodos, período
necessário e tipo de linguagem adotar. É interessante enfatizar que neste evento,
de todos seus componentes, apenas um era Surdo, Edward Gaullaudet, o qual
assistiu a grande maioria ouvinte decidir, sem considerar a opinião dos Surdos, a
imposição da língua oral como objetivo de ensino e proibição do uso da Língua de
Sinais, sua língua materna (SKLIAR, 2011).
1.1.1 Oralismo
Com a decisão sobre a abordagem Oralista de exposição à língua, no
Congresso de Milão, esta filosofia educacional em que a comunicação só se
estabelece por meio da língua oral, pela estimulação da fala e leitura labial, foi
imposta. Nesse período, o uso de qualquer tipo de Língua de Sinais foi vetado, ainda
que muitos Surdos continuassem a manter sua comunicação por meio de sinais, de
forma escondida, entre as comunidades sociais (LODI, 2005). Os alunos mais novos
eram separados dos mais velhos, para que esses não se deixassem contaminar
pela cultura Surda e pela Língua de Sinais (SKLIAR, 2011). Além disso, os
professores Surdos foram quase totalmente substituídos por professores ouvintes,
que desconheciam o idioma visual (SACKS, 1989).
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Nessa abordagem de exposição à língua, o Surdo era visto como deficiente,
que só poderá ser curado por meio da estimulação auditiva e da oralização.
Somente esta permitiria sua integração no mundo ouvinte e possibilitaria se portar
como um ouvinte. A Língua de Sinais foi considerada totalmente prejudicial para o
aprendizado da Língua Oral (GOLDFELD, 2002). Nessa época, os professores
Surdos foram substituídos por ouvintes, que substituíram as estratégias pedagógicas
anteriores por terapias individuais, entendendo que o desenvolvimento cognitivo dos
Surdos estaria relacionado com seu conhecimento da língua oral (SILVA, 2006).
A surdez no Oralismo era caracterizada pela ausência da fala, sendo esta o
alvo da escola, da medicina e fonoaudiologia, por meio do uso de aparelhos
auditivos. Entretanto, um problema recorrente era que, por mais que se tentasse a
aquisição da língua oral pelos Surdos, esta se dava se forma totalmente artificial.
Isso acontecia devido ao fato de que o processo de aprendizagem da língua oral
pela criança Surda distingue-se da criança ouvinte. Para compreender melhor, é
necessário que se entenda que o pensamento de uma criança só totalmente
explorado, a partir da aquisição efetiva de uma língua, a qual permita interagir com
outras pessoas e atribuir valores a conceitos abstratos, permitindo a realização de
generalizações.
No entanto, durante o Oralismo, era proposto que a criança Surda adquirisse
língua de uma forma não espontânea e descontextualizada, por meio de terapias
fonoaudiológicas. Por mais que tentassem torná-la significativa, por meio de
diálogos forçados em família, ainda assim o processo se dava de forma não natural,
uma vez que os Surdos não possuem o principal canal receptor necessário a esse
tipo de língua. Por intermédio dessa forma mecanizada de aprendizagem, os Surdos
não conseguiam alcançar níveis de abstração e, consequentemente não possuíam
condições de alcançarem o domínio de conceitos científicos (GOLDFELD, 2002).
Esse desempenho não satisfatório foi considerado por professores ouvintes,
médicos e fonoaudiólogos como consequência da “deficiência” dessas crianças
(LODI, 2005).
Durante quase um século essa filosofia vigorou no ensino de Surdos, até que
em 1970, William Stokoe publicou o artigo “Sign Language Structure: an Outline of
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the Visual Communication System of the American Deaf”, o qual demonstrava a
legitimidade da ASL (GOLDFELD, 2002), comparando suas unidades mínimas
gestuais com fonemas da língua oral. Também demonstrou os parâmetros básicos
de um sinal: o lugar onde se realiza o sinal, a configuração da mão e o movimento
desta (LACERDA, 1998). Seu trabalho serviu como ponto de partida para outras
inúmeras pesquisas sobre Língua de Sinais, sugerindo o fracasso do Oralismo
quanto ao desenvolvimento da língua oral e escrita pelos Surdos, enquanto Surdos
filhos de Surdos que utilizavam a Língua de Sinais apresentavam um melhor
desempenho, em praticamente todas as áreas do saber (LODI, 2005).
1.1.2
Comunicação Total
Segundo Lacerda (1998), frente a essas pesquisas e aos resultados
negativos do Oralismo desenvolveu-se outra filosofia educacional, denominada
Comunicação Total, tendo como principal objetivo a comunicação do Surdo com os
ouvintes e também com outros Surdos. Nesta abordagem a oralização não é mais
meta principal, mas é vista como um dos recursos a serem utilizados. Nesta
proposta, os sinais passam a ser utilizados novamente, porém sem a legitimidade de
uma língua, visto que sua estrutura gramatical era totalmente alterada aos moldes
da língua oral, com sintaxe e morfologia totalmente artificiais (LODI, 2005). O
Francês, Inglês e outras línguas orais eram traduzidas de forma literal para os sinais,
ao invés de expressarem as ideias que se desejava (SACKS, 1989). A fala e leitura
labial eram utilizadas concomitantemente ao uso de sinais (LODI, 2005).
Na Comunicação Total, a língua não era considerada fator crucial a formação
e a aprendizagem do Surdo, além disso, sua relevância cultural era desprezada.
Porém, em relação à identidade do Surdo, diferente do Oralismo que o tratava como
um ser com uma patologia, essa filosofia o assume como pessoa que possui a
surdez como um elemento, que influencia em suas relações e desenvolvimento
afetivo e cognitivo (GOLDFELD, 2002).
Quanto a seus resultados, foram apresentadas melhoras significativas na
compreensão e comunicação dos Surdos, no entanto a expressão de seus
16
sentimentos, ideias e conceitos abstratos, ainda estavam muito defasados, assim
como escrita, que também não apresentou muitos avanços (LACERDA, 1998). Lodi
(2005) argumenta que isso se deve ao fato de que as linguagens utilizadas como
gestos, desenhos, sinais, atendiam uma necessidade momentânea para a
representação da língua oral, ignorando- se qualquer tipo de processo de
significação.
Enquanto a Comunicação Total privilegiava o uso de linguagens artificiais
com o único fim a própria comunicação, a educação Bilíngue incentivada a partir dos
anos 80 (LODI, 2005), trazia consigo o uso da Língua de Sinais, como língua natural
do indivíduo Surdo. Esta segundo Quadros (2006), se distingue dos demais códigos
de comunicação, por meio das seguintes características: produtividade ilimitada,
criatividade, multiplicidade de funções, arbitrariedade da ligação entre significante e
significado, a articulação desses elementos em dois planos: o do conteúdo e o da
expressão.
Sendo assim, segundo Ferreira Brito (1993), a Comunicação Total continua
com a mesma concepção de linguagem que o Oralismo, ou seja, a fala oral como
forma de expressão do pensamento e comunicação. Isso trouxe uma série de
prejuízos no aprendizado de diversos conteúdos pelos Surdos, já que estes eram
ministrados em sinais por alguns professores, porém na estrutura gramatical da
língua oral. Esse déficit ocasionado pela falta de uma construção linguística efetiva,
acabou sendo relacionado como inerente a surdez.
1.1.3
Bilinguismo
Considerando
essencial
a
aquisição
da
Língua
de
Sinais
para
o
desenvolvimento cognitivo por Surdos, do mesmo modo como a aquisição da língua
oral por ouvintes é fundamental (LACERDA, 1998), o Bilinguismo assume que a
criança Surda deve desenvolver primeiramente a língua de sinais como língua mãe,
e posteriormente aprender a língua oral na forma escrita como segunda língua
(LODI, 2005).
17
Jokinen (2009) explicita a língua materna como aquela adquirida de forma
natural, a qual permite a identificação dos Surdos entre eles mesmos e também
pelos ouvintes. Além disso, ressalta também que o aprendizado da língua oral como
segunda língua difere-se de uma língua estrangeira, uma vez que esta última só
estaria presente na vida do aluno em situações de ensino e raramente fora do
ambiente escolar. Já a segunda língua é encontrada diariamente na vida da criança
Surda, nas ruas, dentro de casa, etc.
Somente por meio da aquisição da língua materna o Surdo é capaz de
desenvolver seu pensamento em nível mais abstrato e propor generalizações,
podendo interagir e atribuir significados, através do diálogo contextualizado em sua
comunidade, inserido em uma cultura com valores próprios (TREVISAN, 2008). É
importante que os Surdos utilizem a língua materna para expressar seus
sentimentos, pensamentos de maneira a desenvolver sua capacidade cognitiva
(JOKINEN, 2009).
Segundo Quadros (2006), na educação Bilíngue, tanto a primeira quanto a
segunda língua devem estar presentes nas práticas escolares, sendo utilizadas em
momentos
diferentes,
respeitando
suas
propriedades,
e
não
usadas
simultaneamente como na Comunicação Total (LACERDA, 1998).
Com o reconhecimento da Língua de Sinais, a Surdez no Bilinguismo é
reconhecida como identidade. O Surdo é visto como um ser cultural integrante de
uma comunidade que possui sua língua como a representação máxima dessa
cultura, ultrapassando os aspectos biológicos e da deficiência, assumidos no
Oralismo e na Comunicação Total (GOLDFELD, 2002).
Nessa perspectiva, Lodi (2005) sugere que o ideal seria que essa língua, a
qual ajuda a transmitir a Cultura Surda, fosse aprendida pela criança, por meio de
adultos Surdos na família ou dentro da própria Comunidade Surda. No entanto, a
maioria dos Surdos são filhos de ouvintes e a criança é privada de receber a Língua
de Sinais devido à falta de conhecimento por parte de seus pais. Isso acarreta em
uma lacuna, no que diz respeito a experiências que deveriam ser vivenciados. As
crianças Surdas são privadas de receberem certas informações fora da escola como
as conversas escutadas nas ruas, na televisão e na própria família (SACKS, 1989).
18
Sendo assim, essas crianças chegam à escola com uma defasagem de
conhecimentos em relação a crianças ouvintes (LODI, 2005).
Devido a essa intercorrência, antes pensava-se que o papel da escola para
Surdos era de proporcionar essas experiências para o desenvolvimento cognitivo
das crianças. Muitos inclusive, erroneamente, denominavam-na escola de LIBRAS.
Atualmente, tem-se a ideia de que é necessário ir além de oferecer tais
experiências, é preciso fornecer subsídios para que o pensamento do aluno Surdo
esteja no mesmo patamar que de um aluno ouvinte. Para que isso ocorra, é
necessário um trabalho interdisciplinar na escola, que além de ser um ambiente
linguístico favorecedor para a aquisição da LIBRAS, é também o espaço que atente
aos conteúdos curriculares propostos e que, sobretudo, valorize o que os alunos
trazem para a sala de aula, para juntos reconstruírem e
seu conhecimento
(DORZIAT, 2009).
Quanto ao processo de aquisição das línguas, ao se adotar a Língua de
Sinais, a criança passa a ter uma linguagem dotada de significação, a qual permite
conceber um mundo novo, a partir do maior número de elementos que ela dispõe
para registrar suas relações (QUADROS, 2006). A aprendizagem da segunda língua
deve se dar à partir da Língua de Sinais, deixando claro os papéis que cada uma
exercerá na vida do aluno Surdo. Jokien (2009) divide as funções da Língua de
Sinais em comunicação diária, como ferramenta para adquirir conhecimentos e
habilidades, e como instrumento para o desenvolvimento social e emocional,
enquanto o conhecimento da língua falada garante subsídio, no contexto escrito, e
permite ao aluno coletar informações de textos escritos.
Quadros (2006) salienta que, ao longo do processo de aprendizagem da
segunda língua, os Surdos apresentam um estágio de interlíngua, em que a língua
não se caracteriza mais como a materna, porém ainda não apresenta todas as
regras da segunda. Nesse estágio observa- se o uso da estrutura gramatical
semelhante à Língua de Sinais. Algumas características são comuns nesse estágio,
como o uso da estrutura gramatical semelhante à Língua de Sinais, falta do emprego
de artigos, preposições ou conjunções e falta de concordância de gênero e número.
19
A seguir, tem- se um trecho de um texto produzido por um aluno em estágio de
interlíngua:
Chapeuzinho Vermelho
Mãe fala chapeuzinho vermelho
A vovó muito doena [doente?]
Chapeuzinho Vermelho foi vê flor
muito bonita
Chapeuzinho
lobo.
Vermelho
assauto
Lobo corre muito casa vovó lobo
come vovó
Chapeuzinho Vermelho lobo quem
chapeuzinho
Vermelho lobo quem chapeuzinho
Vermelho porque olho
porque nariz grande,
grande,
Porque
Orelha grande, porque boca grande
come chapeuzinho Vermelho
(QUADROS, 2006, p 37- 38).
Jokien (2009) ressalta a importância do aprendizado da segunda língua, de
forma contextualizada para o Surdo. Este retrata o exemplo da Suécia, país em que
as crianças Surdas aprendem o sueco através de histórias infantis e da Língua de
Sinais Suécia (SSL). Deste modo, a criança é estimulada de maneira significativa,
não concentrando o ensino apenas na gramática. Assim como Quadros (2006)
assume postura semelhante, ao enfatizar que as atividades de leitura durante o
processo de aprendizado da segunda língua, no caso o português no Brasil, devem
ser contextualizadas com a realidade do aluno, bem como estimular o interesse e a
curiosidade deste, por exemplo, por meio de estímulos visuais. Deve haver clareza
nos objetivos da leitura.
Considerando todas as características do Bilinguismo, citadas anteriormente,
e suas consequências tanto na educação quanto na identidade dos Surdos, aqueles
que são privados ao acesso à língua natural ou tomam um primeiro contato com
esta tardiamente, apresentarão dificuldades para atingir certos níveis de abstrações,
assim como seu desenvolvimento cognitivo ficará prejudicado (TREVISAN, 2008).
20
Portanto, a escola deve ser propícia ao desenvolvimento de políticas
linguísticas e culturais, que permitam a identificação das crianças Surdas com outros
Surdos, assegurando seu direito de adquirir sua língua natural, a qual é transmitida
de geração para geração, carregada de valores. Contudo, é imprescindível que essa
política extrapole o ambiente escolar, sendo pensada como algo que atinja todos os
territórios, de modo a superar discursos hegemônicos (SKLIAR, 2010).
1.2
EDUCAÇÃO DE SURDOS NO BRASIL
1.2.1 Histórico
Em 1835, o deputado Cornélio Ferreira promoveu uma tentativa de se fundar
uma escola para Surdos, porém somente em 1857 foi fundada a primeira escola
para Surdos no Brasil, o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), no Rio de
Janeiro, por Ernest Huet, um francês Surdo que veio ao país a mando do imperador
Dom Pedro II.
Após o Congresso de Milão em 1880, o INES adotou o Oralismo como filosofia
educacional. Em 1911, a superintendente Ana Rímoli de Faria Doria decidiu proibir o
contato de alunos Surdos mais velhos com os mais novos, para que esses não
aprendessem a Língua de Sinais. Mais tarde, houve outras mudanças, que fizeram
com que a escola se encaixasse nos padrões da Comunicação Total (GESSER,
2009).
Na década de oitenta, iniciavam- se discussões sobre a educação Bilíngue para
Surdos, dando origem a uma revolução linguística, em que linguístas, professores e
estudantes de Letras trouxeram novas perspectivas para essa educação. A
Comunidade Surda junto à eles, passou a exigir mudanças e a oficialização da
LIBRAS.
Influenciados pelo movimento Deaf Power que ocorria nos Estados Unidos, os
Surdos brasileiros passaram a utilizar a LIBRAS em produções artísticas, assumiram
a língua em sala de aula e também passaram a exigir seus direitos como o de terem
intérpretes, legendas em noticiários, telefonia adequada para Surdos, etc. Com isso,
21
foram surgindo diversos trabalhos, que contribuíram para a redação do documento
“A educação que nós Surdos queremos”, entregue ao MEC e outros órgãos
públicos, para que fosse considerado na elaboração das Diretrizes Nacionais para a
Educação Especial na Educação Básica (Resolução MEC/ CNE: 02/2001).
Na década de noventa, a Educação de Surdos começou a ser pensada em uma
perspectiva multicultural, sendo pautada pelas diferenças, as quais consolidaram a
Identidade Surda.
Em 2002, instaurou-se a lei 10.436, a qual reconhece a LIBRAS como meio de
comunicação e expressão, com estrutura gramatical própria, proveniente de
comunidades Surdas brasileiras. Garante ainda o apoio ao uso e a difusão da
LIBRAS, assim como a inclusão desta nos cursos de formação em Educação
Especial, Fonoaudiologia e Magistério, tanto no nível médio quanto superior.
Em 2005, o decreto 5.626 assegurou a educação Bilíngue aos Surdos no Brasil,
garantindo o acesso à comunicação, informação e educação às pessoas Surdas,
desde o ensino infantil até o ensino médio. Para isso, assegura o ensino da LIBRAS
na formação de professores, o ensino da Língua Portuguesa como segunda língua
para Surdos, além de proporcionar para as escolas tradutores e intérpretes LIBRASportuguês, sala de recursos em turno oposto do horário regular de aula e tecnologias
como recursos didáticos.
1.2.2 O contexto Bilíngue
A educação Bilíngue no Brasil apresenta diversas formas, entre elas há
escolas em que utilizam a LIBRAS como língua de instrução, enquanto o Português
é ensinado como segunda língua. Há outras em que essa situação permanece
apenas nas séries iniciais, depois disso as crianças são incluídas na rede regular de
ensino. Nesses espaços a Língua Portuguesa é a língua de instrução, porém estão
presentes intérpretes dentro da sala de aula e o ensino desta é realizado fora do
horário escolar, na sala de recursos. Existem ainda escolas em que o intérprete é
presente desde o início da escolarização do aluno Surdo. Embora o direito a
22
intérpretes e professores com formação em LIBRAS esteja assegurado pela
legislação, existem escolas que não contemplam esses recursos por falta de
interesse do corpo diretivo escolar, cabendo ao aluno Surdo exigir seus direitos para
que se tenha uma educação efetiva, diferente do que ocorre quando o Surdo está
em uma sala de ouvintes, com professor ouvinte que mal possui o conhecimento da
existência da LIBRAS.
A Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS)
defende que os Surdos devem frequentar escolas bilíngues desde a mais tenra
idade, para que possam adquirir a LIBRAS como primeira língua, e a Língua
Portuguesa como segunda língua.
Após o desenvolvimento cognitivo, por meio da LIBRAS, o aluno Surdo pode
frequentar o Ensino Médio e o Ensino Superior, em instituições com a presença de
intérpretes.
23
2
Educação Bilíngue para Surdos e o ensino de Biologia
Este capítulo tem como objetivo evidenciar a importância da LIBRAS para o
aprendizado dos conteúdos escolares pelo Surdo, sobretudo os da área de Biologia,
sendo esta língua a base para a construção do pensamento abstrato e de conceitos
científicos. O capítulo disserta sobre a importância da alfabetização científica dos
alunos e as habilidades que se espera desenvolver no ensino de Biologia, de acordo
com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN+). Ao final, aborda a situação atual
dos sinais em LIBRAS para termos específicos das Ciências Biológicas, refletindo
sobre quais são as possibilidades de ampliação dos mesmos, e como isso deve
ocorrer.
2.1 A IMPORTÂNCIA DA LIBRAS NO APRENDIZADO DO ALUNO SURDO
Na perspectiva da educação Bilíngue, a Língua de Sinais é a base para o
aprendizado de todos os conteúdos escolares como Química, Física, Matemática,
Biologia, dentre outros. Nesta perspectiva, o Surdo que não possui o domínio de sua
língua natural encontrará dificuldades na formação de conceitos, uma vez que isso
depende da extrapolação do plano concreto, para atingir determinados níveis de
abstração (TREVISAN, 2008).
2.1.1 A linguagem na formação do pensamento
Segundo Vygostsky (1999), a linguagem e o pensamento estabelecem
interdependência, uma vez que o significado da palavra é a unidade do pensamento
verbal, que propicia a construção do pensamento e de novos conceitos.
Tratando- se de linguagem, é comum muitos associarem- na imediatamente à
produção de sons, assim como durante muitos anos acreditou-se que signo fosse a
soma da palavra e seu som. No entanto, o conceito de linguagem é muito mais
abrangente, sendo um processo que envolve significação, em que o sujeito a
24
internaliza e opera por meio de signos, sendo estes a codificação posterior de
experiências vividas, que permitem a formação de conceitos.
Desta forma, a linguagem não precisa ser necessariamente oral, mas sim
uma maneira em que o indivíduo possa atribuir significações, como por exemplo, a
língua de sinais para os Surdos. Sendo assim, a mera repetição de sons não permite
a apropriação adequada de significados e a formação posterior em signos. Isso
explica a ineficácia do Oralismo quanto ao desenvolvimento cognitivo, pois apesar
dos Surdos repetirem de forma mecânica palavras na língua oral, eles não estavam
atribuindo significado algum a nenhuma delas, o que os impediam de formar
conceitos e atingir níveis abstratos de pensamento. O mesmo raciocínio pode ser
aplicado para explicar a defasagem cognitiva na Comunicação Total, em que os
sinais eram utilizados, porém para traduzir de forma literal palavras da língua oral, as
quais muitas vezes não faziam o menor sentido para os Surdos.
2.1.2 A formação de conceitos científicos
Vygotsky (1999) promove uma diferenciação entre conceitos adquiridos por
meio da vivência pessoal no cotidiano, denominados conceitos espontâneos, e
aqueles que são aprendidos na escola, os conceitos não-espontâneos, ou mais
especificamente, conceitos científicos.
Para a formação de conceitos científicos, é necessário que a criança tome
consciência de uma operação mental, de modo a transferir do plano de ação para o
plano de linguagem, para que seja possível se expressar por meio de palavras.
Enquanto a criança depende da consciência para a formação de conceitos
científicos, os conceitos espontâneos se formam sem a consciência destes. Isso
pode ser explicado devido ao fato de, ao formar um conceito científico como, por
exemplo, a economia russa, o aluno o constrói, durante o processo de aprendizado
mediado pelo professor, que deve auxiliá-lo fornecendo informações, questionando,
corrigindo, enquanto que os conceitos espontâneos são formados a partir do
cotidiano, de maneira mais natural.
25
Embora os processos de formação dos dois tipos de conceitos citados
anteriormente sejam distintos, é importante ressaltar que esses devem se relacionar,
de modo que o fluxo de aprendizado entre estes seja aproveitado pela escola.
A respeito de conceitos científicos Trevisan (2008) destaca que, apesar de
algumas concepções distorcidas a respeito, estes não são meros rótulos que
definem com uma palavra, um objeto ou evento, de maneira descontextualizada e
fragmentada, mas uma rede complexa de conhecimentos, que se articulam entre si,
e permitem a visualização dessas ligações de maneira clara e aprofundada.
2.1.3 A LIBRAS na formação de conceitos científicos
Portanto, reconhecendo a importância da linguagem para a construção do
pensamento abstrato e do conceito científico, é importante que o professor de
Biologia tenha em mente que a LIBRAS não estabelece apenas a comunicação
entre ele e seus alunos, mas é por meio dela que eles irão atribuir significados ao
conteúdo, uma vez que a compreensão de conceitos científicos depende da
comunicação efetiva em sala de aula (FELTRINI, 2006). Nesse sentido, o professor
deve atuar como mediador no processo de desenvolvimento do conhecimento
científico, valorizando as experiências trazidas pelos alunos (TREVISAN, 2008).
É necessário ainda que a escola Bilíngue propicie ambientes em que os
alunos Surdos possam expor suas ideias, questionar, interagir utilizando a
linguagem científica em LIBRAS (FELTRINI, 2006).
Nesse sentido, cabe lembrar que assim como a língua oral é mediadora para
os ouvintes tanto na formação de conceitos científicos como espontâneos
(VIGOTSKI, 1999) a LIBRAS também atua nessa perspectiva para os Surdos, ou
seja, exerce a função de base para a construção não só de conceitos aprendidos na
escola, mas como também daqueles adquiridos em seu dia-a-dia.
26
2.2 A IMPORTÂNCIA DO ENSINO DAS CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
O domínio de conhecimentos científicos é extremamente necessário para
compreender as notícias e informações sobre assuntos biológicos e de tecnologia,
como DNA, clonagem, efeito estufa e transgênicos (PCN+). Nesse sentido, é
enriquecedor trazer a aula diversas fontes de informações científicas como filmes,
jornais, revistas, de maneira a permitir que os alunos estabeleçam conexões entre
os conceitos aprendidos com a atualidade.
Os PCN+ (Parâmetros Curriculares Nacionais) das Ciências da Natureza
valorizam, de um modo geral, em todas as disciplinas inseridas nessa grande área,
o desenvolvimento das seguintes competências:
O reconhecimento, a utilização e a
interpretação de seus códigos,
símbolos e formas de representação;
a análise e a síntese da linguagem
científica presente nos diferentes
meios de comunicação e expressão;
a
elaboração
de
textos;
a
argumentação e o posicionamento
crítico perante temas de ciência e
tecnologia (PCN+, p. 26- 27).
Além de promover a compreensão de temas biológicos veiculados pela mídia,
o conhecimento desses temas permite ao ser humano explorar e explicar
mecanismos de evolução, reprodução e organização da vida, além de desenvolver o
pensamento para uma participação consciente no mundo.
Nesse sentido,
A elaboração dessa explicação do
mundo natural – diria que isso é
fazer ciência, como elaboração de
um conjunto de conhecimentos
metodicamente adquiridos – é
descrever
a
natureza
numa
linguagem dita científica. Propiciar o
entendimento ou a leitura dessa
linguagem é fazer alfabetização
científica (CHASSOT, 2003, p. 93).
27
2.2.1 A alfabetização científica
Chassot (2003) vê a alfabetização científica como a possibilidade de poder
compreender melhor o universo e os fenômenos da natureza por meio da linguagem
da Ciência. Para ele, esses conhecimentos devem ser utilizados para melhorar a
qualidade de vida, possibilitando os alunos a enxergarem as conexões entre as
áreas das Ciências Naturais como Física, Biologia e Geografia.
O autor destaca ainda a alfabetização científica como instrumento de inclusão
social, na medida em que os conhecimentos são utilizados na vida cotidiana, na
saúde, bem como evidenciando a relação entre Ciência e sociedade, assim como
para proporcionar mudanças positivas no ambiente em que se vive.
Durante todo o processo, é importante enfatizar que o conhecimento científico
não é a verdade absoluta, assim como os modelos estudados não são a cópia fiel da
realidade, mas aproximações que nos permitem estabelecer generalizações
(CHASSOT, 2003). Assim, o ensino de conceitos científicos não pode acontecer
como transmissão de conteúdos prontos, mas devem ser construídos a partir de
suas contextualizações tecnológicas e sociais (FELTRINI, 2006).
Ao promover a alfabetização científica, o professor não pode ignorar a
quantidade de informações que os alunos trazem para a sala de aula. Deve saber
utilizá-las de modo a estabelecer um fluxo de conhecimento, também no sentido da
comunidade para a escola. No caso dos Surdos, os conceitos espontâneos tem um
espaço muito importante no ambiente escolar devido a falta de comunicação em
casa.
Cabe ressaltar que ao selecionar os conteúdos a serem trabalhados, o
professor deve levar em consideração aqueles que sejam mais significativos para
seus alunos, quais irão proporcionar o desenvolvimento de habilidades para ação
transformadora de sua realidade (CHASSOT, 2003).
28
2.2.2 Competências a serem abordadas no ensino de Biologia
Os PCN+ trazem competências serem trabalhadas em Biologia como:
Expressão e Comunicação, Investigação e Compreensão e Contextualização SócioCultural. Dentro de cada uma, inserem-se uma série de habilidades a serem
desenvolvidas pelos alunos.
Em relação à competência Expressão e Comunicação, uma das habilidades
apresentadas é a de reconhecer símbolos e códigos específicos das Ciências
Biológicas em diferentes veículos midiáticos como revistas, jornais, outdoors,
internet, assim como em bulas, rótulos e embalagens de produtos, assim como
empregá-los corretamente na produção de textos escritos ou orais.
Ainda nessa competência, são propostas as habilidades de: articular dados,
símbolos e códigos de ciência e tecnologia; analisar e interpretar textos e outras
comunicações de ciência e tecnologia; elaborar comunicações utilizando linguagem
específica e discutir e argumentar temas de interesse de ciência e tecnologia como,
por exemplo, produção de transgênicos e clonagem (PCN+, p. 36).
Na competência Investigação e Compreensão, têm-se as seguintes
habilidades: formular estratégias para o enfrentamento de situações problema, a
partir de observações em experimentos; identificar interações, relações e
transformações para permitir generalizações; dominar medidas, grandezas e
escalas; utilizar modelos explicativos e representativos para determinados processo
biológicos e por fim, relacionar conhecimentos de Biologia com de outras disciplinas.
Na última habilidade proposta pelos PCN+, a Contextualização Sócio Cultural,
tem- se as competências de compreender o processo histórico da ciência e
tecnologia; reconhecer os conhecimentos biológicos na cultura contemporânea;
relacionar os avanços tecnológicos com a melhoria das condições de vida, e
reconhecer a importância de procedimentos éticos.
Considerando a importância do desenvolvimento das competências e
habilidades sugeridas pelos PCN+ no ensino de Biologia e da alfabetização
científica, para a participação efetiva do aluno em sua sociedade, de modo a permitir
29
com que o aluno saiba argumentar criticamente perante informações e usá-las em
prol do bem estar e da melhoria de vida, reconhece-se a necessidade do ensino de
termos e conceitos biológicos em LIBRAS ao aluno Surdo, para que este adquira o
conhecimento significativo em sua língua materna e utilizá-lo em seu dia a dia.
2.3 PERSPECTIVAS PARA A CRIAÇÃO DE NOVOS SINAIS EM LIBRAS PARA A
ÁREA DE BIOLOGIA
Segundo Feltrini (2009), a habilidade de reconhecer símbolos e códigos das
Ciências Biológicas nos diferentes meios midiáticos e em produtos contribui para o
letramento científico, desempenha uma função social, permitindo ao aluno a
compreender textos e expressar suas opiniões sobre certos conhecimentos,
podendo assim tomar decisões diante de problemas científicos da atualidade. No
entanto, segundo o dicionário online português- LIBRAS, não existem sinais para
termos como transgênicos, células- tronco e sustentabilidade. Sendo assim, a falta
de termos específicos na área científica em LIBRAS pode prejudicar a construção de
conceitos e a compreensão de produções que utilizem a linguagem científica, uma
vez que o aprendizado primeiramente em LIBRAS de certo termos é mais
significativo do que o aprendizado em português digitado por meio do alfabeto
manual.
Cabe lembrar que a escassez de sinais para termos científicos é decorrente
do histórico da educação de Surdos. Durante muitos anos a LIBRAS foi proibida, o
que dificultou a criação e documentação de sinais específicos. No entanto, observase que em algumas áreas como a de Linguística, bastante explorada no curso de
Letras-LIBRAS, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), já existem
sinais para vários conceitos específicos como morfologia, sintaxe, fonologia,
metáfora, dentre outros.
Sendo assim, destaca-se a necessidade da criação de novos sinais
específicos na área de Biologia e sua respectiva incorporação na Língua de Sinais.
No entanto, salienta-se que a criação do sinal deverá ocorrer após a atribuição de
significado por parte dos alunos Surdos a determinado conceito, quando a
30
comunidade Surda sentir a necessidade de incorporá-lo para utilizar em suas
discussões (FELTRINI, 2009). Para isso, a educação pode provocar a necessidade,
não só na modalidade formal, mas como também a educação não formal como
congressos, palestras, etc.
31
3 OBJETIVOS
O objetivo geral desta pesquisa é analisar a importância da LIBRAS no
processo de ensino- aprendizagem de Surdos, sobretudo no ensino de Biologia na
perspectiva Bilíngue. Para atingi-lo, foram estabelecidos objetivos específicos como
contextualizar sobre a História da educação de Surdos passando pelo Oralismo,
Comunicação Total e Bilinguismo, a fim de compreender os retrocessos e avanços
em relação à concepção de sujeito, ensino-aprendizagem e exposição à língua,
abordar a proposta Bilíngue de educação para Surdos e compreender como se dá o
ensino de Biologia nesta proposta. Outro objetivo traçado foi verificar as
necessidades da área em relação a novos sinais em LIBRAS para termos das
Ciências Biológicas.
32
4 METODOLOGIA
Neste capítulo será apresentada a metodologia escolhida para a pesquisa
realizada, assim como os procedimentos de levantamento bibliográfico, coleta de
dados, análise e a credibilidade da pesquisa.
4.1 METODOLOGIA DE PESQUISA ADOTADA
Foi realizada a análise de conteúdo de um caso, que segundo Gil (2002)
permite o conhecimento detalhado de um objeto, preservando seu caráter unitário,
ao invés de propor generalizações.
4.2 COLETA DE DADOS
O instrumento para levantamento de dados escolhido para essa pesquisa foi a
entrevista semi- estruturada. A escolha foi feita, pois segundo Ludke e André (2003),
a entrevista permite a interação entre pesquisador e pesquisado, principalmente
quando semi-estruturada, permitindo que esta seja flexibilizada ao decorrer do
processo, enquanto que outros tipos de obtenção de dados já estão prontos ao
serem aplicados. Além disso, a entrevista permite a percepção da comunicação não
verbal, ou seja, gestos, expressões, alterações de ritmo que podem confirmar ou
contradizer o que está sendo dito, enriquecendo a coleta dos dados desejados.
Deste modo, foi possível estimular um fluxo de informações entre o professor
entrevistado e a entrevistadora.
A entrevista foi realizada no mês de Agosto de 2011, no período da manhã,
durante um intervalo de aula, em uma escola particular Bilíngue LIBRAS- português,
em São Paulo-SP, com a utilização de um gravador de voz e um roteiro com as
perguntas a serem feitas. Ludke e André (2003) afirmam que registro da entrevista
através de gravação, embora possua a desvantagem de não registrar as expressões
33
faciais, gestos e de sua transcrição consumir muito tempo, possui a vantagem de
captar todas as expressões orais do entrevistado, permitindo que este tenha toda
sua atenção voltada ao entrevistador.
A gravação foi posteriormente transcrita,
captando de maneira minuciosa todas as falas professor e da entrevistadora. Está
contida na íntegra nos anexos desse trabalho.
4.2.1 Escolha do entrevistado
Optou-se por entrevistar apenas um professor, pois na cidade de São Paulo
existem poucas escolas que atuam na perspectiva Bilíngue LIBRAS- português para
Surdos e que possuem Ensino Médio e assim ensino de Biologia. A instituição
escolhida é uma das escolas que atendem os dois pré-requisitos, já que um dos
objetivos deste trabalho é verificar como se dá o ensino de Biologia em LIBRAS.
Portanto, devido à melhor receptividade desta instituição escolheu-se aplicar a
entrevista ao professor de Biologia deste local. A entrevista foi marcada com a
diretora da escola, previamente agendado por e-mail, em que esta se encarregou de
comunicar o professor, e posteriormente notificou a entrevistadora quanto ao dia
ideal para o entrevistado.
4.2.2 Caracterização do entrevistado
A fim de preservar a identidade do entrevistado, seu nome não será revelado.
O professor é ouvinte, atua nessa escola particular Bilíngue para Surdos em São
Paulo há nove anos, dando aulas de Biologia e Física para o Ensino Médio e de
Ciências para o Ensino Fundamental. É graduado em Física pela OSEC e Biologia
na UNIB. Possui pós- graduação em Educação Especial, em uma instituição em que
não lembrava o nome.
34
4.3 LEVANTAMENTO BIBLIOGRÁFICO
Com a finalidade de produzir o referencial teórico para embasar a análise dos
dados coletados por meio da entrevista, alguns autores foram sugeridos pela
orientadora como, por exemplo, Goldfeld (2002), Gesser (2009) e Quadros (2006),
sendo estes, referências importantes na temática de estudos Surdos. Ao aprofundar
na questão sobre o histórico do ensino de Surdos, alguns artigos e dissertações
foram encontrados através do portal CAPES, utilizando palavras chave como ensino
de Surdos, ensino de Ciências para Surdos, educação de Surdos, alfabetização
científica, conceito científico. Por meio da leitura destes, foi possível encontrar outros
autores nas referencias bibliográficas, como por exemplo, SKLIAR (2011). Alguns
livros foram emprestados da Biblioteca George Alexander da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, enquanto outros foram encontrados disponibilizados online na internet no site da editora Arara Azul.
4.4 ANÁLISE DOS DADOS
Foram retirados excertos da entrevista transcrita a fim de relacioná-los com o
referencial teórico construído sobre o histórico da educação de Surdos e o Ensino de
Biologia, no contexto da educação Bilíngue. A análise foi apresentada abaixo de
cada excerto respectivo.
4.5 APROVAÇÃO PARA REALIZAÇÃO DA PESQUISA
Essa pesquisa teve seu projeto aprovado pela comissão interna de ética em
pesquisa do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade
Presbiteriana Mackenzie.
35
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Neste capítulo serão analisados excertos da fala do professor na entrevista
realizada, de modo a relacionar seu posicionamento frente a questões como a
importância da LIBRAS, como forma de comunicação efetiva entre Surdos e Surdos
e ouvintes, como base para o aprendizado de conceitos científicos; a defasagem no
processo de desenvolvimento do Surdo, devido a falta de exposição à sua língua
materna; a importância do conhecimento científico, para entender as notícias da
área das Ciências Biológicas e saber discuti-las e a possibilidade de criação de
novos sinais em LIBRAS na área de Biologia.
5.1 EXPOSIÇÃO À LÍNGUA
Excerto 1
“Nós aqui na escola, não só em Biologia, mas em todas as outras disciplinas
tentamos usar LIBRAS, nós entendemos que essa é a forma de comunicação para
Surdos...”
A partir deste excerto, o professor assume a postura Bilíngue na educação de
seus alunos, acreditando que a LIBRAS é o meio de comunicação efetiva entre
Surdos e Surdos e ouvintes, uma vez que esta é a sua língua materna, a qual irá
permitir o desenvolvimento cognitivo, conforme Lacerda (1998), sendo essa dotada
de significação (QUADROS, 2006), além de possibilitar o aluno atingir níveis de
abstração em diálogos contextualizados (TREVISAN, 2008).
A fala do professor ainda contrasta a ideia que se tinha no Oralismo, em que
segundo Silva (2006), a língua oral era o meio de comunicação responsável pelo
desenvolvimento cognitivo do aluno, e a Língua de Sinais era considerada
totalmente prejudicial para o aprendizado (GOLDFELD, 2002).
36
Ao citar que a LIBRAS é usada não somente nas aulas de Biologia, mas
também nas outras disciplinas, pode-se entender que provavelmente a escola
propicie a seus alunos ambientes em que estes possam se expressar e interagir por
meio da LIBRAS.
Excerto 2
“Eu tenho percebido isso que quanto antes você dá pra uma pessoa Surda a
comunicação, a comunicação mesmo, faz com que ele absorva o conhecimento,
ele vai desenvolver a linguagem o mais rápido possível em todas as áreas,
inclusive a científica.”
O excerto acima reforça a concepção da LIBRAS como comunicação e
também como base para o desenvolvimento de linguagens, como a científica.
No entanto, é necessário que o professor tenha em mente que a LIBRAS não
estabelece apenas a comunicação entre professor e aluno, mas também é base
para a atribuição de significados ao conteúdo, já que a compreensão de conceitos
científicos depende da comunicação efetiva, assim como destaca Feltrini (2009).
Exerto 3
“Eu acho que se o aluno aprende primeiro em LIBRAS ele vai conseguir
desenvolver o conceito e isso é muito mais fácil pra ele, o desenvolvimento da
linguagem dele. Ele vai conseguir desenvolver, entender o que é pra depois ele
fazer uma adaptação à situação que ele vive, na vida dele. Mas o principal é ele
aprender o conceito. A nossa experiência aqui é que em LIBRAS ele aprende mais
fácil do que você tentar oralizar, escrever. Se ele aprende em LIBRAS primeiro, ele
vai absorver muito mais fácil.”
37
Trevisan (2008) destaca que na educação Bilíngue, a Língua de Sinais é o
alicerce para o aprendizado de todos os conteúdos escolares. Isso se consolida,
pois, segundo Vygotsky (1999), é a partir da linguagem, a qual possui a palavra
significada como unidade de pensamento, que ocorre a construção do pensamento
e de novos conceitos. Sendo assim, é possível afirmar que o professor está de
acordo com tais premissas, pois o aluno irá atribuir significados em LIBRAS para só
depois traduzi- los para o português.
O professor afirma também que ao aprender em LIBRAS, o aluno Surdo
aprende mais fácil um conceito do que por meio da oralização. Essa afirmação vai
ao encontro com de Trevisan (2008), que destaca sobre a importância da língua
materna dos Surdos no desenvolvimento do pensamento abstrato, na proposição de
generalizações e na atribuição de significados, ferramentas fundamentais para a
construção de conceitos científicos, conforme enfatiza Vygotsky (1999).
Nesse contexto, cabe ressaltar que, diferente do que se pensava no Oralismo,
em que a oralização era considerada a única forma de linguagem capaz de permitir
o alcance a níveis complexos de abstração (GOLDFELD, 2002), a oralização não é
o método mais apropriado para o ensino de conceitos não por ser mais difícil, mas
sim, pois a mera repetição de sons não permite ao aluno atribuir significações,
ficando incapacitado de formar signos e propor generalizações (VYGOTSKY, 1999).
Excerto 4
“Eu não digo que nós vamos conseguir aqui, usar, desenvolver todo o conteúdo
que uma escola top vai conseguir usar, em que os alunos têm um aprofundamento
maior em Biologia, nós não vamos conseguir porque tem limitação sim, mesmo
porque a grande maioria dos alunos tem deficiências básicas da língua portuguesa,
por exemplo.”
38
Nesta fala, parece que o professor se contradiz, pois embora tenha afirmado,
anteriormente, que a LIBRAS é a base para o aprendizado de todos os conteúdos
escolares,
conforme
destaca
Trevisan
(2008),
relaciona
a
limitação
de
desenvolvimento de conteúdos de Biologia, com as deficiências básicas da Língua
Portuguesa, e não com a defasagem no domínio da Língua de Sinais. Quanto ao
desenvolvimento de conteúdos, o professor parte de uma premissa conteudista,
portanto é de se esperar que ele não irá alcançar o ritmo de escolas top.
Quadros (2006) destaca que o ensino de português deve acontecer nas
escolas Bilíngues, porém é necessário deixar claro quais são os papéis de cada
língua, sendo a LIBRAS como ferramenta para o desenvolvimento cognitivo, social e
emocional, enquanto o português deve servir para que o Surdo tenha domínio de
sua escrita e leitura.
A autora ainda afirma que a aprendizagem da segunda língua, no caso o
português, deve ocorrer a partir da Língua de Sinais, de maneira contextualizada a
realidade do aluno, de modo a despertar seu interesse. Desse modo, se o
aprendizado da língua materna não foi consolidado suficientemente, o aprendizado
da segunda língua também ficará prejudicado, o que explica as deficiências básicas
da Língua Portuguesa pelos alunos Surdos, citadas pelo professor.
Além disso, a limitação citada no quadro acima pode ser atribuída por mais
dois fatores: Ainda que se reconheça o esforço do professor, não se pode ignorar
que ele é ouvinte, e possui a LIBRAS como segunda língua e não como língua mãe,
e a falta de sinais específicos, o que faz com que o professor tenha que digitar
algumas palavras que nomeiam conceitos e termos científicos, o que não garante
que o aluno atribua significado a elas.
A fim de confirmar as concepções do professor sobre as limitações quanto ao
desenvolvimento de conteúdo em Biologia, foi perguntado se isso se relacionava
com o fato da defasagem em português, e obteve- se como resposta:
Excerto 5
Não só em Português, eu digo que alguns alunos também tem falta de
39
conhecimento básico, porque, eu acredito que a maioria deles, a falta de
comunicação que eles tiveram ao longo da vida, em algumas situações, televisão,
família, mídia e etc fez com que eles, faz com que eles, a maioria tenha uma
deficiência de conhecimentos quando a gente compara com a média dos ouvintes
por exemplo, ouvinte ele tem acesso a outras fontes, né, vídeo, TV, rádio, isso traz
informação básica e científica pra muitos alunos. No caso de muitos Surdos, não
todos, nós temos casos aqui de alunos que tem sim, uma boa base, a família
investiu quando ele era criança e etc, mas a falta de alguns conhecimentos básicos
faz com que a gente não consiga desenvolver da mesma forma que eu faria em
relação à sala dos ouvintes.
Nesse trecho, o professor atribui às limitações não só a defasagem em
relação ao conhecimento da Língua Portuguesa, mas também a falta de
conhecimento básico. A respeito disso, Lodi (2005) evidencia que essa lacuna de
conhecimentos é gerada devido ao fato de que muitas crianças Surdas filhas de
ouvintes não são expostas à língua materna, ou quando são, acontece tardiamente,
muitas vezes devido à falta de informação dos pais, o que acarreta na privação de
experiências e informações derivadas de conversas informais.
Deste modo, os Surdos tem a formação de seus conceitos espontâneos
prejudicada, os quais, segundo Vygotsky (1999), são aqueles formados pelas
crianças no dia a dia, sem que estes possuam a consciência que os possuem.
Uma vez que a construção de conceitos espontâneos é prejudicada, a
formação de conceitos científicos também é comprometida, já que a construção de
ambos está estritamente interligada. Assim, Trevisan (2008) destaca que aqueles
que tomam um primeiro contato com a LIBRAS tardiamente apresentarão
defasagem dos conhecimentos básicos, conforme citado pelo professor, devido a
dificuldade para atingir níveis complexos de abstração, por falta de uma língua
significativa consolidada.
Nesse sentido, caberia ao professor entender que, para que os alunos Surdos
apresentassem um desempenho similar aos alunos ouvintes, é necessário que a
40
escola forneça subsídios para que o pensamento do aluno Surdo esteja no mesmo
patamar dos ouvintes. Esses subsídios seriam a educação em LIBRAS (DORZIAT,
2009).
5.2 ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA DE SURDOS E ENSINO DE BIOLOGIA
Excerto 6
Olha, é difícil falar porque existe uma diferença entre alunos. Eu acredito que tem
alunos sim, que são alfabetizados cientificamente, não só pelo conhecimento que
eles têm aqui na escola, mas pelo conhecimento que eles têm em casa. Nós temos
alunos sim, que eles saem daqui com uma alfabetização científica acho que
satisfatória. Mas nós sabemos também que alguns que não, que tem deficiência de
conhecimento científico, mas eu acho que é pouco. Mas dentro desses, eu acredito
que sim. São situações, por exemplo, que eu encontro ex- alunos ou pessoas que
já passaram pelo Ensino Médio Surdas, que num bate papo ele consegue me
mostrar isso, que ele tem sim, algum conhecimento científico, por exemplo, quando
sai em especial algo na mídia, eu noto que ele tá discutindo aquele assunto, porque
ele já tinha aquele conhecimento prévio sobre aquilo.
Nesta fala, o professor salienta a importância não só dos conhecimentos
adquiridos na escola, mas também daqueles trazidos pelos alunos, derivados de
suas experiências anteriores, assim como Chassot (2003) afirma que ao promover a
alfabetização científica, o professor não deve ignorar as informações trazidas pelos
alunos, mas sim saber utilizá- las para proporcionar o desenvolvimento de
habilidades que possam promover transformações da realidade. Para que isso
aconteça, é necessário que o professor esteja disposto a receber o que seus alunos
tem de experiências para lhe contar.
41
A partir desse trecho da entrevista, nota-se que o professor atribui a não
alfabetização científica de alguns alunos devido à “deficiência de conhecimento
científico”, o que, assim como já discutido anteriormente, se deve pela defasagem
em relação à exposição a LIBRAS.
O professor diz ainda notar que alguns ex- alunos foram alfabetizados
cientificamente quando encontra com alguns deles e percebe que esses conseguem
discutir sobre alguns assuntos científicos veiculados na mídia. Desse modo, esses
alunos estariam aptos a realizar a leitura da linguagem científica assim como discutila, o que para Chassot (2003) é alfabetização científica.
Nesse contexto, foi perguntado ao professor se o aprendizado de Biologia
para os Surdos pode contribuir para sua verdadeira inclusão na sociedade, e se,
sim, de que forma. Obteve- se a seguinte resposta:
Excerto 7
Sim, com certeza, como eu acabei de falar, na mídia e nos meios de
comunicação, volta e meia a gente tem alguns assuntos ligados a Biologia
enfim, que requer um conhecimento prévio da pessoa pra que ela entenda
aquela situação que ela ta vivendo, que o mundo ta vivendo, com certeza
contribui.
Nesta fala, o professor concorda com Chassot (2003), o qual afirma que a
alfabetização científica é um instrumento de inclusão social, em que os
conhecimentos aprendidos são utilizados no cotidiano do aluno. Sendo assim, por
meio do ensino de Biologia se faz alfabetização científica, para que os alunos
possam compreender assuntos ligados a essa área, como no exemplo citado acima.
Ao ser perguntado se é possível que o aluno Surdo possa interpretar os
códigos da linguagem científica e desenvolver postura crítica por meio da LIBRAS,
do mesmo modo que a criança ouvinte em português, o professor respondeu:
42
Excerto 8
Olha, é como eu falei isso é muito diferente, como você falou, é heterogêneo, é
bastante heterogêneo pros Surdos isso. Eu acredito que alguns podem sim, eles
vão conseguir isso, e tem alguns que não, que infelizmente tem um conhecimento
muito pouco, muito superficial que às vezes não vão ter esse acesso. E eu acredito,
nesses dez anos que eu estou aqui, que isso vem mudando bastante, eu acho que
antigamente eram poucos alunos que conseguiam isso, hoje muitos já conseguem
isso.
Ao dizer que alguns podem enquanto outros não, o professor assume a
diversidade em sala de aula, quanto ao nível de conhecimento dos alunos, devido
aos diferentes estímulos que receberam ao longo de seu desenvolvimento, desde
criança.
Conforme já dito anteriormente, na perspectiva Bilíngue de educação, a
aquisição da LIBRAS pelo Surdo é essencial para seu desenvolvimento cognitivo
(LODI, 2005), e, consequentemente fundamental para o aprendizado de códigos da
linguagem científica e de conceitos científicos, assim como reconhece Trevisan
(2008). Desse modo, uma vez que o aluno domina a linguagem científica, este
poderá utilizar esse conhecimento para adotar uma postura crítica frente a situações
do cotidiano, conforme as habilidades e competências propostas pelos PCN+.
Contudo, sabe-se que nem todos os alunos Surdos tiveram as mesmas
oportunidades de exposição à língua materna durante seu desenvolvimento, o que
gera diferenças em seu aprendizado. Aqueles que são apresentados a LIBRAS
tardiamente apresentarão uma defasagem em relação a ouvintes e também em
relação a Surdos que possuam o domínio da Língua de Sinais desde cedo,
conforme afirma Lodi (2005).
Em relação à mudança que o professor diz estar acompanhando nos últimos
dez anos, pode- se relacioná- la com a recente consolidação da educação Bilíngue
para os Surdos no Brasil, tendo início na década de noventa conforme dados da
43
FENEIS. A instauração da lei 10.436/2002, a qual legitimou a LIBRAS como língua
oficial e o decreto 5626/2005 o qual assegura a educação Bilíngue a todos os
Surdos nos Brasil contribuíram nessa última década para o fortalecimento do ensino
Bilíngue, sendo fatores importantes no aumento de número de Surdos que dominam
a LIBRAS.
Uma das competências propostas pelos PCN+ é a de reconhecer em
diferentes tipos de textos como jornais revistas, rótulos de produtos, os símbolos e
códigos das Ciências Biológicas, assim como empregá- los corretamente em
produções escritas e orais. A partir dessas propostas, foi perguntado ao professor
como essas competências eram trabalhadas pelos Surdos:
Excerto 9
O que eu vejo de dificuldade nesse tipo de comunicação é quando é uma frase
muito grande. Geralmente os nossos alunos aqui eles tem dificuldade de fazer
interpretação de frases muito compridas por causa até da estrutura da língua, da
LIBRAS e português ser outra estrutura gramatical, e eles acabam tendo muita
dificuldade quando é um texto extenso, quando é alguma coisa mais complexa e
que tem muitas palavras no meio, ai, que eles não conhecem. Mas geralmente
quando é uma palavra só, três, assim que chama que destaca no texto, eles
conseguem identificar sim, mas eu noto que muitos deles não, eles não vão ter
esse conhecimento não. No caso de um jornal, etc... É comum aluno me trazer
jornal também com assunto ligado a ciência que tem uma foto grandona, ele traz.
Isso é uma coisa que é alguma daquelas palavras.
Ao dizer que seus alunos possuem dificuldade para interpretar frases muito
grandes, só conseguem interpretar até três palavras juntas, ele assume
implicitamente que seus alunos não possuem total domínio do português, já que
ficam incapazes de ler um texto inteiro e interpretá- lo. Isso ocorre, pois muitas
vezes o ensino de português para Surdos é realizado de forma descontextualizada,
sem estimular o interesse ou a curiosidade destes, conforme afirma Quadros (2006).
44
Desta forma, o Surdo não consegue assimilar a gramática do português que é
diferente da Língua de Sinais.
Jokien (2009) ressalta que o aprendizado da segunda língua deve ocorrer de
maneira significativa, como no exemplo citado pelo autor, em que as crianças
Surdas na Suécia aprenderam a língua oral por meio de histórias infantis, partindo
da Língua de Sinais.
Segundo Moura (2008), a tradução do português para a LIBRAS não pode
ocorrer de forma literal, mas sim por meio da negociação de sentidos. Para isso, o
professor através de sua ação mediadora deve estimular discussões sobre a
atribuição de significados na tradução, tendo em vista o letramento científico. É
importante que fique claro que as duas línguas possuem características distintas que
devem ser respeitadas. Desse modo incentiva- se a leitura autônoma de textos em
português, e a partir dela os Surdos serão capazes de se emanciparem socialmente
e participar de modo ativo na sociedade.
Considerando todos os fatores citados anteriormente relacionados com a
aquisição da segunda língua, é importante que o Surdo tenha a LIBRAS como língua
materna, e, a partir desta aprenda a língua oral na forma escrita como segunda
língua, conforme (LODI, 2005), de maneira significativa. Só assim os alunos terão
subsídios linguísticos para poder ler e interpretar textos em linguagem científica,
escritos em português.
Excerto 10
Olha já peguei textos de Surdos fazendo mestrado, por exemplo, com a estrutura
gramatical errada, isso é o português errado, mas enfim a gente acaba entendendo
pelo contexto. Mas a estrutura errada, porque ele tá acostumado com a estrutura
da LIBRAS e é diferente.
45
O aprendizado contextualizado e significativo de português para Surdos traz
benefícios, não só na leitura como também na escrita nesse idioma. O trecho da fala
do professor citado acima revela que muitos Surdos, apesar de ingressarem na
carreira acadêmica, ainda situam-se no estágio de interlíngua, no qual, segundo
Quadros (2006), o Surdo utiliza a estrutura gramatical de sua língua materna para
produzir textos em português. Assim, suas produções apresentam o aspecto do
“português errado”, já que não obedecem as normas cultas dessa língua.
O estágio de interlíngua é uma etapa natural do processo de aquisição da
segunda língua, no entanto, ele deve ser superado ao longo do tempo, para que o
Surdo atinja o pleno domínio do português.
5.3 CRIAÇÃO DE SINAIS EM LIBRAS NA ÁREA DE BIOLOGIA
Segundo o dicionário online português-LIBRAS não existem muitos sinais
específicos em LIBRAS para a área das Ciências Biológicas, como, por exemplo,
termos como transgênicos, células-tronco, clonagem, termos que são propostos
pelos PCN+. É importante lembrar que a escassez de sinais específicos é
decorrente do histórico da educação de Surdos, em que durante muitos anos a
LIBRAS foi proibida.
Ao longo a entrevista, o professor confirmou a falta desse sinais, como no
excerto a seguir:
Excerto 11
Os sinais específicos pra isso é muito raro, em algumas situações eles já sabem do
sinal porque eles já conversaram na Comunidade Surda, e eles acabaram vendo lá
esse sinal, e me trazem.
46
Nesta fala, percebe- se que o professor assume a Surdez como identidade ao
mencionar a “Comunidade Surda”, na qual o Surdo é um ser cultural integrante,
conforme afirma Goldfeld (2002).
Durante a entrevista, o professor assume sentir falta de sinais específicos
para determinados termos.
No entanto, ao abordar assuntos que não possuem
sinais específicos, ele e seus alunos adotam a seguinte medida, conforme o excerto
a seguir:
Excerto 12
Aqui na escola, eu e os alunos, nós já conseguimos inventar ou criar alguns sinais.
Eu explico pra eles o conceito e a gente consegue desenvolver um sinal pra não ter
que toda vez ta soletrando, digitando aquela palavra. E a gente acaba criando
alguns sinais.
Nesta fala, é interessante notar que professor destaca a criação dos sinais em
conjunto com seus alunos, e não simplesmente a imposição de sinais por sua parte.
Essa postura do professor, de explicar o conceito para os alunos, para que
eles criem juntos um sinal que simboliza determinado conceito, vai ao encontro com
o que destaca Feltrini (2009), em que a criação do sinal deverá ocorrer somente
após a atribuição de significado pelos alunos, a partir do momento em que a
comunidade Surda sentir necessidade de incorporá-lo em suas discussões.
Feltrini (2009) também enfatiza a importância da criação de sinais para certos
conhecimentos da área das Ciências Biológicas como termos e conceitos
específicos uma vez que, considerando tudo o que já foi dito anteriormente a
respeito da importância da LIBRAS para o desenvolvimento cognitivo e para a
abstração, o aprendizado de termos específicos da área científica em LIBRAS será
muito mais significativo para o aluno Surdo do que o aprendizado de certas palavras
em português digitalizado, assim como confirma a fala do professor no excerto
acima.
47
Ainda dentro desse assunto, foi pedido que o professor mostrasse um
exemplo de um sinal criado por ele e seus alunos:
Excerto 13
Por exemplo, célula é “c”, quando a gente quer falar núcleo a gente põe o “n” (o
professor faz o sinal em LIBRAS da letra “c” e da letra “n”).
Visto que a criação de sinais ocorre em sala de aula, é importante que estes
sejam socializados entre a comunidade Surda e também entre ouvintes, por meio de
dicionários e publicações, como por exemplo, a criação de um dicionário português
LIBRAS para sinais específicos de Biologia.
Excerto 14
Já peguei alguns fazendo sinais que eles acabaram vendo na comunidade Surda
que tá errado, que o conceito tá errado. Eu me lembro de uma situação, por
exemplo, de falar do clone que eles fazem isso daqui (mãos configuradas em V
fazendo a dupla hélice do DNA) e isso aqui é a fita do DNA, e eles acabaram, sabe,
conceituando isso justamente por causa da novela (O Clone) que teve que a
abertura da novela era a fita de DNA, e eles acabaram me trazendo isso. Aí eu falei
que não, que é diferente. Mas normalmente eles têm o sinal da Comunidade Surda
que eles acabam desenvolvendo...
Nesse trecho, nota-se a importância da criação de sinais em conjunto entre
professor e comunidade Surda, pois, o erro conceitual citado acima é decorrente de
uma atribuição de sinal errada para a palavra clone por um ouvinte que o transmitiu
para os Surdos. Sendo assim, não basta a comunidade Surda criar sinais sozinha ou
o professor impor- los a seus alunos, mas sim que haja um trabalho em grupo entre
eles para que os sinais sejam corretos e dotados de significação.
48
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O aluno Surdo deve receber uma educação Bilíngue, pois, comparando com
as outras abordagens (Oralismo e Comunicação Total), só essa assegura o
aprendizado da Língua de Sinais como língua mãe e o português escrito como
segunda língua, em que ambas devem ser utilizadas em momentos distintos, com
papéis diferentes entre si. A LIBRAS é a primeira língua do Surdo, é a ferramenta
para o desenvolvimento cognitivo, social e emocional, enquanto o português irá
fornecer subsídios para o domínio de textos escritos.
O Bilinguismo também supera o aspecto da deficiência atribuído à Surdez no
Oralismo e Comunicação Total, revelando o Surdo como ser cultural que compartilha
características próprias entre os componentes da comunidade Surda, como a língua
de sinais, principal meio de transmissão cultural e de valores.
O aprendizado da LIBRAS é a base para qualquer disciplina escolar, como a
Biologia, uma vez que é por meio dessa língua que o aluno Surdo desenvolve sua
cognição, atinge níveis de abstração, propõe generalizações e atribui significado à
conteúdos. A mera repetição de palavras orais não permite a significação uma vez
que os Surdos não possuem o canal receptor para a linguagem oral, assim como
demonstra o fracasso do Oralismo e da Comunicação Total em relação a educação
de Surdos.
O ensino do português deve acontecer a partir da LIBRAS, de maneira
contextualizada de modo a despertar o interesse do aluno, evidenciando as
diferenças entre as duas línguas. Ao aprender o português escrito após o pleno
domínio da língua de sinais, o aluno Surdo estará apto a ler, compreender e produzir
textos na linguagem científica.
A defasagem de conhecimento de muitos alunos Surdos é muitas vezes
consequência da exposição tardia a LIBRAS, devido o fato da maioria destes ser
filhos de ouvintes, que não possuem informações e acabam privando seus filhos de
experiências
cotidianas
importantes para
o
desenvolvimento
de
conceitos
espontâneos (VIGOTSKI, 1999), que são imprescindíveis na formação de conceitos
científicos.
49
Para que os alunos Surdos possam promover mudanças para a melhoria da
qualidade de vida por meio da alfabetização científica, é necessário que eles
possuam o pleno domínio da linguagem científica em LIBRAS, para que eles
possam atribuir significado a seu aprendizado. O aprendizado de termos e conceitos
digitados com o alfabeto manual em português não garante essa significação.
Portanto, é necessário que somente após o aprendizado na Língua de Sinais o
aluno aprenda essas palavras em português.
Ao pesquisar sobre sinais em LIBRAS, específicos na área de Ciências
Biológicas, depara- se com uma escassez, no entanto, a LIBRAS tem perfeitas
condições de proporcionar a criação desses sinais, uma vez que possui todas as
características de uma língua, com estrutura gramatical própria. Essa defasagem
deve ser atribuída ao longo período de tempo em que a Língua de Sinais foi
proibida, impedindo de se desenvolver pesquisas nessa área.
Desse modo, durante o trabalho foi evidenciada a importância da criação de
novos sinais para a área das Ciências Biológicas, para que os alunos aprendam o
nome de conceitos científicos primeiramente em LIBRAS, e só depois de adotarem
significados a eles, traduzirem para o português. A criação deve ocorrer em conjunto
entre professores, alunos e Comunidade Surda, para que os sinais sejam coerentes
com seus significados. A socialização destes sinais entre Surdos e ouvintes deve ser
feita, para que não só aqueles que criaram os sinais possam utilizá-los, mas toda
comunidade Surda, de modo a incentivar a alfabetização científica. Para isso, é
necessário um trabalho de pesquisa em escolas bilíngues para Surdos e na
comunidade surda a fim de verificar quais sinais já estão sendo utilizados e quais
necessitam ser criados, para que se comece o processo de documentação destes,
pois só assim pode se assegurar que todos utilizarão o mesmo sinal para
determinado termo científico.
Tendo em vista as considerações levantadas anteriormente, conclui- se que o
presente trabalho conseguiu atingir seus objetivos, uma vez que contextualizou o
leitor em relação ao histórico da educação de Surdos, explicitando as consequências
de
cada
abordagem
(Oralismo,
Comunicação
Total
e
Bilinguismo)
no
desenvolvimento cognitivo e da identidade do Surdo. Atendeu também ao objetivo
50
de demonstrar como o ensino de Biologia para Surdos na perspectiva Bilíngue
ocorre atualmente em um estudo de caso, e os desafios a serem enfrentados, as
necessidades a serem supridas, como a criação e documentação de novos sinais
em LIBRAS na área das Ciências Biológicas.
O trabalho realizado abre margens para continuidade para novas pesquisas, a
serem realizadas em outras escolas Bilíngues, para que se possa futuramente iniciar
estudos para a criação de novos sinais em LIBRAS para a área de Biologia, e
documentá-los, para que um número maior de Surdos tenha acesso a estes, e
consigam de fato obter uma alfabetização científica, de modo a poder transformar
sua realidade com base em seus conhecimentos científicos, e também como
possibilidade de uma formação acadêmica na área para os que se interessarem.
Apesar das contribuições para os Estudos Surdos deixadas pelo trabalho,
penso que este poderia ter sido mais rico se em sua metodologia constasse o
acompanhamento de algumas aulas do professor, a fim de verificar o uso de sinais e
a criação de específicos como, por exemplo, o sinal para célula, citado durante a
entrevista. No entanto, devido ao curto período de tempo em que o trabalho foi
realizado, esse acompanhamento não pode ser feito, o que não impede que isso
possa ser feito em trabalhos futuros.
51
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Sinais - LIBRAS e dá outras providências. Brasília, DF, 2002.
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54
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55
APÊNDICE A- ENTREVISTA COM PROFESSOR DE BIOLOGIA DE UMA
ESCOLA BILÍNGUE PARA SURDOS
Pesquisadora: Sabe-se que a educação de Surdos tem enfrentado muitas
mudanças no decorrer dos anos. Desse modo, muitas abordagens de
exposição à língua foram utilizadas. Qual é a abordagem utilizada na escola
Oralismo, Comunicação total ou Bilinguismo? É possível explicar em linhas
gerais como esta abordagem se consolida no ensino de Biologia para Surdos?
Professor: Nós aqui na escola, não só em Biologia, mas em todas as outras
disciplinas tentamos usar LIBRAS, nós entendemos que essa é a forma de
comunicação para Surdos, qualquer outra forma de comunicação que possa
contribuir para minha aula eu uso, mas o objetivo principal que eu busco é usar
LIBRAS, só LIBRAS. Em algumas vezes ou outras, a gente pode até tentar, sabe,
fazer um oralismo em alguma situação, pra alguns alunos, mas de regra geral é
LIBRAS.
Pesquisadora: De modo geral só LIBRAS na escola?
Professor: Só LIBRAS.
Pesquisadora: E chega a usar Português em algumas situações?
Professor: Muito raro pra alguns alunos que tem um pouquinho de oralização, mas
muito raro. Não é comum porque a maioria da sala não usa esse método então,
sabe a gente acaba usando só LIBRAS.
Pesquisadora: E aí, por exemplo, o material didático, vocês usam?
Professor: Sim, eu uso em Biologia, por exemplo, um material que é do ensino
regular, e algumas coisas a gente tenta aí adaptar pra Surdo, alguma coisa, por
56
exemplo, adaptado a sons a gente não usa óbvio, isso não faz sentido, dá ênfase
mais a comunicação visual, usa muita imagem, vídeo.
Pesquisadora: Entendi.
Pesquisadora: É possível trabalhar os mesmos conceitos de Biologia com
Surdos e ouvintes? Existem limitações no ensino de Biologia para Surdos?
Professor: É possível usar os mesmo conceitos sim, mas de forma adaptada. Eu não
digo que nós vamos conseguir aqui, usar, desenvolver todo o conteúdo que uma
escola “TOP” vai conseguir usar, em que os alunos tem um aprofundamento maior
em Biologia, nós não vamos conseguir porque tem limitação sim, mesmo porque a
grande maioria dos alunos tem deficiências básicas da língua portuguesa por
exemplo. Daí o fato de ele ser Surdo, ter dificuldade devido à linguagem e etc. Mas
dá pra desenvolver os mesmos conteúdos, não digo no mesmo aprofundamento que
eu faria, por exemplo, numa escola de ouvintes, numa escola em que se desenvolve
um conteúdo mais profundo.
Pesquisadora: Mas isso então é devido ao fato da defasagem em Português?
Professor: Não só em Português, eu digo que alguns alunos também tem falta de
conhecimento básico, porque, eu acredito que a maioria deles, a falta de
comunicação que eles tiveram ao longo da vida, em algumas situações, televisão,
família, mídia e etc... Fez com que eles, faz com que eles, a maioria tenha uma
deficiência de conhecimentos quando a gente compara com a média dos ouvintes
por exemplo, ouvinte ele tem acesso a outras fontes, né, vídeo, TV, rádio, isso traz
informação básica e científica pra muitos alunos. No caso de muitos Surdos, não
todos, nós temos casos aqui de alunos que tem sim, uma boa base, a família
investiu quando ele era criança e etc, mas a falta de alguns conhecimentos básicos
faz com que a gente não consiga desenvolver da mesma forma que eu faria em
relação à sala dos ouvintes. Eu acho que isso ta mudando sim, vai melhorar com o
tempo, mas nós temos ainda muitos alunos que vêm de família, de situação que
existe a deficiência do conhecimento, consequentemente a deficiência do
conhecimento científico.
57
Pesquisadora: Existem sinais para todos os conceitos?
Professor: Não.
Pesquisadora: Como é feito quando não há um sinal correspondente?
Professor: Aqui na escola, eu e os alunos, nós já conseguimos inventar ou criar
alguns sinais. Eu explico pra eles o conceito, e a gente consegue desenvolver um
sinal pra não ter que toda vez ta soletrando, digitando aquela palavra. E a gente
acaba criando alguns sinais.
Pesquisadora: Você tem algum exemplo?
Professor: Por exemplo, célula é “c”, quando a gente quer falar núcleo a gente
põe o “n” (o professor faz o sinal em LIBRAS da letra “c” e da letra “n”).
Pesquisadora: Olha, que legal.
Professor: Aí, engraçado, isso foi criado aqui, pelos alunos daqui, logo que eu
comecei aqui, e eu venho fazendo isso até hoje.
Pesqusadora: E é uma coisa daqui mesmo?
Professor: Sim, não sei se em algum outro lugar eles usam, já vi em outros lugares
as pessoas fazendo célula com outro sinal, e a gente acaba até pegando pelo
contexto, a gente sabe que é célula. Por exemplo, átomo, a gente faz isso, o elétron
que anda, e alguns outros (o professor faz movimentos com a mão direita em volta
da mão esquerda fechada).
Pesquisadora: Aí você sente falta de registro de algum sinal específico?
Professor: Sim, com certeza, eu já algum tempo eu tentei até falar alguma coisa a
respeito com uma outra professora de Surdos que nós tínhamos aqui, mas acabou
não tendo tempo, não tendo oportunidade, mas sim, faz falta. Aliás não só em
Biologia né.
58
Pesquisadora: Qual a importância de se aprender conceitos primeiramente em
LIBRAS para só depois então, aprenderem em português?
Professor: Eu acho que se o aluno aprende primeiro em LIBRAS ele vai conseguir
desenvolver o conceito e isso é muito mais fácil pra ele, o desenvolvimento da
linguagem dele. Ele vai conseguir desenvolver, entender o que é pra depois ele
fazer uma adaptação à situação que ele vive, na vida dele. Mas o principal é ele
aprender o conceito. A nossa experiência aqui é que em LIBRAS ele aprende mais
fácil do que você tentar oralizar, escrever. Se ele aprende em LIBRAS primeiro, ele
vai absorver muito mais fácil.
Pesquisadora: Vai aprender de fato, não aquela coisa decorada...
Professor: Exatamente, ele vai conceituar bem.
Pesquisadora: Em sua opinião, os alunos ao saírem do Ensino Médio, estão
alfabetizados cientificamente? Se não, o que faltaria para que isso ocorresse?
Professor: Olha, é difícil falar porque existe uma diferença entre alunos. Eu acredito
que tem alunos sim, que são alfabetizados cientificamente, não só pelo
conhecimento que eles tem aqui na escola, mas pelo conhecimento que eles tem em
casa. Nós temos alunos sim, que eles saem daqui com uma alfabetização científica
acho que satisfatória. Mas nós sabemos também que alguns que não, que tem
deficiência de conhecimento científico, mas eu acho que é pouco. Mas dentro
desses eu acredito que sim. São situações, por exemplo, que eu encontro ex alunos
ou pessoas que já passaram pelo ensino médio Surdas, que num bate papo ele
consegue me mostrar isso, que ele tem sim, algum conhecimento científico, por
exemplo, quando sai em especial algo na mídia, eu noto que ele ta discutindo aquele
assunto, porque ele já tinha aquele conhecimento prévio sobre aquilo. Mas eu digo
que tem, que é muito variável isso, tem alguns que sim, outros que a gente comenta,
isso Surdos adultos que já passaram por um Ensino Médio e que eu tenho contato, a
59
gente fala de algum assunto que ta na mídia, etc, e ele tem idéia do que está se
falando.
Pesquisadora: Eu acredito que assim também como os ouvintes né, uma
hetereogenidade.
Pesquisadora: Existe algum conteúdo mais difícil de ser ensinado devido
à falta de sinais?
Professor: (Pausa) Não, eu não lembro de nenhum agora. Geralmente são
conteúdos que, não é muito conhecido, que não é muito comum. Assuntos que são
comuns, que às vezes falando na TV todos os dias, são mais fáceis. Eles tem já
uma imagem na mente, alguma coisa assim que já ajuda bastante. Mas assuntos
que são pouco divulgados, etc... Eu acho que é mais complicado porque a gente
precisa desenvolver antes pra depois entrar em um conteúdo específico.
Pesquisadora: O aprendizado de Biologia para os Surdos pode contribuir para
sua verdadeira inclusão na sociedade? De que forma?
Professor: Sim, com certeza, como eu acabei de falar, na mídia e nos meios de
comunicação, volta e meia a gente tem alguns assuntos ligados a Biologia enfim,
que requer um conhecimento prévio da pessoa pra que ela entenda aquela situação
que ela ta vivendo, que o mundo ta vivendo, com certeza contribui.
Pesquisadora: Segundo o PCN das Ciências da Natureza, o aluno deve
desenvolver “o reconhecimento, a utilização e a interpretação de seus
códigos, símbolos e formas de representação; a análise e a síntese da
linguagem científica presente nos diferentes meios de comunicação e
expressão; a elaboração de textos; a argumentação e o posicionamento crítico
perante temas de ciência e tecnologia.” É possível que o aluno Surdo possa
interpretar os códigos da linguagem científica e desenvolver postura crítica
por meio da LIBRAS do mesmo modo que a criança ouvinte em Língua
Portuguesa? Como isso ocorre?
60
Professor: Olha, é como eu falei isso é muito diferente, como você falou, é
heterogêneo, é bastante heterogêneo pros Surdos isso. Eu acredito que alguns
podem sim, eles vão conseguir isso, e tem alguns que não, que infelizmente tem um
conhecimento muito pouco, muito superficial que às vezes não vão ter esse acesso.
E eu acredito, nesses dez anos que eu estou aqui, que isso vem mudando bastante,
eu acho que antigamente eram poucos alunos que conseguiam isso, hoje muitos já
conseguem isso.
Pesquisadora: E você acha que isso é devido ao fato de eles começarem a vir
pra cá mais cedo, desde pequeno, de perder essa defasagem que tinha antes?
Professor: Aqui na verdade, nossos alunos vem pra cá já depois da fase de
alfabetização, nós temos aqui a partir do sexto ano, mas eu acredito que uma das
contribuições importantes é o reconhecimento da sociedade com os Surdos e outras
necessidades. A gente vê na TV hoje que tem muito mais quadrinhos, né, sabe com
aquelas pessoas fazendo LIBRAS, do que há uns dez anos. Então acho que isso
contribui e isso tem ajudado bastante e também o fato sim, do reconhecimento de
algumas famílias que... E acredito muito também que familias de Surdos, pais,
mães, não tem o conhecimento básico, pra saber, pra ter a consciência que precisa
por o filho na escola o quanto antes. Me parece que nos últimos tempos isso tem
acontecido com mais freqüência, eles tem tido mais consciência, eles tem tido
acesso a comunicação, a informação. Eu tenho percebido isso que quanto antes
você dá pra uma pessoa Surda a comunicação, a comunicação mesmo, faz com que
ele absorva o conhecimento, ele vai desenvolver a linguagem o mais rápido possível
em todas as áreas, inclusive a científica.
Pesquisadora: A biologia está presente diariamente em veículos midiáticos em
temas
polêmicos
como
transgênicos,
células-tronco,
clonagem,
sustentabilidade, etc. No entanto, segundo o dicionário Português LIBRAS,
não existem sinais para esses conceitos. Estes sinais existem na prática
pedagógica desta escola? Você aborda esses temas em sala de aula? Como?
Professor: Na maioria das vezes quando algum assunto desse sai do veículo
midiático por aí, geralmente eles perguntam, se eles não perguntam a gente busca
61
mostrar sim, informações na internet, vídeo, fotos, etc que é pra tentar deixá- los
mais a par do que está acontecendo no mundo pra que eles não fiquem tão
isolados, e na maioria das vezes sim, eu busco sim passar pra ele o que está se
fazendo, o que está acontecendo no mundo. Os sinais específicos pra isso é muito
raro, em algumas situações eles já sabem do sinal porque eles já conversaram na
comunidade Surda, e eles acabaram vendo lá esse sinal, e me trazem.
Pesquisadora: eles acabam trazendo o sinal pra cá...
Professor: De alguma situação que ta ocorrendo. Já peguei alguns fazendo sinais
que eles acabaram vendo na comunidade Surda que tá errado, que o conceito ta
errado. Eu lembro de situação por exemplo, de falar do clone que eles fazem isso
daqui ( mãos configuradas em V fazendo a dupla hélice do DNA) e isso aqui é a fita
do DNA, e eles acabaram, sabe, conceituando isso justamente por causa da novela
( O Clone) que teve que a abertura da novela era a fita de DNA, e eles acabaram me
trazendo isso. Aí eu falei que não, que é diferente. Mas normalmente eles tem o
sinal da comunidade Surda que eles acabam desenvolvendo, isso o que são
maiores. Os que são menores a gente traz vídeo, foto, etc pra tentar mostrar isso
pra eles.
Pesquisadora: E ai eles acabam também perguntando quando eles vêem
alguma coisa?
Professor: Sim, é muito comum aluno perguntar pra mim alguma coisa que passou
ontem na TV e que eles não entenderam. Não sei se tem recurso na casa dele pra
ter legenda, ou alguma coisa assim. Ele percebe que é Ciência pela imagem, vê que
tem um animal, vê que tem alguma coisa ligada à água etc... Vem no dia seguinte e
me pergunta. Fico muito chateado e frustrado quando eles vem e falam ontem
passou isso isso na TV, e eu não vi porque fica mais complicado, eu não sei do que
ele ta falando. Mas geralmente quando é alguma coisa que todo mundo ficou
sabendo tal, eles perguntam, e a gente tenta divulgar sim.
62
Pesquisadora: Ainda no PCN das Ciências da Natureza, nos deparamos com a
seguinte competência a ser dominada por um aluno de Ensino Médio:
Reconhecer em diferentes tipos de texto – jornais, revistas, livros, outdoors,
embalagens e rótulos de produtos, bulas de remédio – e mesmo na mídia
eletrônica os termos, os símbolos e os códigos próprios das Ciências
Biológicas e empregá-los corretamente ao produzir textos escritos ou orais.
Considerando os alunos Surdos, como isso é realizado?
Professor: Fica difícil quando se fala assim né, produzir textos escritos ou orais.
Pesquisadora: É isso me chamou bastante atenção quando eu li.
Professor: Então, se é escrito, geralmente isso aparece numa palavra só. O que eu
vejo de dificuldade nesse tipo de comunicação é quando é uma frase muito grande.
Geralmente os nossos alunos aqui eles tem dificuldade de fazer interpretação de
frases muito compridas por causa até da estrutura da língua, da LIBRAS e português
ser outra estrutura gramatical, e eles acabam tendo muita dificuldade quando é um
texto extenso, quando é alguma coisa mais complexa e que tem muitas palavras no
meio, ai, que eles não conhecem. Mas geralmente quando é uma palavra só, três,
assim que chama que destaca no texto, eles conseguem identificar sim, mas eu noto
que muitos deles não, eles não vão ter esse conhecimento não. No caso de um
jornal, etc...é comum aluno me trazer jornal também com assunto ligado a ciência
que tem uma foto grandona, ele traz. Isso é uma coisa que é alguma daquelas
palavras.
Pesquisadora: Entendi, mas é mais pelo visual não por ele ter lido, conseguido
ler o texto?
Professor: Então, isso é relativo, eu tenho uma aluna aqui, por exemplo, do terceiro
do Ensino Médio, que é muito comum ela me trazer algumas palavras toda semana,
não uma ou duas, algumas palavras toda semana que ela pega isolada em algum
texto. Em algumas situações ela me trouxe palavra que era relativa, dependendo do
texto ela tinha um significado ou outro. E ela traz sempre essas palavras. E eu já
pedi pra ela o texto de onde ela tirou que é pra eu saber qual é o sentido naquele
contexto. E volta e meia ela traz jornal que tenha algum texto, que ela viu, que ela
63
tava lendo o texto e ela parou em alguma palavra como diz lá, no texto em jornal.
Você tem esse exemplo, que ela me traz, e tem alguns outros exemplos que às
vezes eles chegam falam comigo, comentam e acabam não me perguntando direto
como ela. No caso dos orais, é complicado, sabe, as pessoas, você bate papo com
seu colega né, mesmo que não ta, que não conhece muito da Biologia, fez Biologia
só na escola ou até menos, ele sabe, conhece, ouve a palavra uma duas vezes e
acaba, absorvendo aquele conhecimento, já pros Surdos as vezes é mais
complicado. Já escrevi palavras que tinha pensado “ah, todos eles sabem!”, fui ver,
eles não sabiam o que era.
Pesquisadora: Me chamou muita atenção essa frase quando eu tava lendo o PCN
que eles colocam aqui produzir textos escritos ou orais, mas no caso dos Surdos
teria que talvez adaptar essa questão...
Professor: Exatamente, eu acredito até que tem alguns alunos que são oralizados
que tem um pouquinho de audição, eles acabam ouvindo e acabam passando isso
pra comunidade, mas eu não sei como ele vai levar isso, se ele ouviu bem, se ele
entendeu, e se ele passou bem ainda pros outros. As vezes a família também tenta
de alguma forma passar isso daí, mas esse oral aí, é complicado.
Pesquisadora: E a produção de texto escrito também...
Professor: Eu acho que é mais complicado. Eu comparo isso quando eu fui aprender
outras línguas, por exemplo, que não é LIBRAS. A leitura é fácil... Não é fácil, mas é
mais fácil do que você escrever, do que você produzir o texto, então eu acho que é
uma situação semelhante, assim, acho que produzir um texto é complicado.
Pesquisadora: Justamente por causa da estrutura eu acho...
Professor: Da estrutura, exato... Olha já peguei textos de Surdos fazendo mestrado,
por exemplo, com a estrutura gramatical errada, isso é o português errado, mas
enfim a gente acaba entendendo pelo contexto. Mas a estrutura errada, porque ele
ta acostumado com a estrutura da LIBRAS e é diferente.
64
ANEXO A- CARTA DE INFORMAÇÃO À INSTITUIÇÃO
Esta pesquisa tem como intuito conhecer os métodos empregados pelos
professores de Biologia em suas aulas, como lidam com a falta de sinais específicos
para determinados conceitos, e demonstrar a importância de se criar novos sinais
em LIBRAS para o ensino de Biologia para surdos.
Para tanto, realizaremos entrevistas semi- estruturadas com professor de
Biologia em horários a combinar, com o objetivo de conhecer as opiniões deste
sobre os métodos atuais empregados no ensino dessas disciplinas, se existe alguma
dificuldade ao elaborar as aulas, e quais seriam as contribuições para o aprendizado
dos alunos se novos sinais em LIBRAS fossem criados nessa área. Para tal
solicitamos a autorização desta instituição para a triagem de colaboradores, e para a
aplicação de nossos instrumentos de coleta de dados; o material e o contato
interpessoal oferecerão riscos mínimos aos colaboradores e à instituição. As
pessoas não serão obrigadas a participar da pesquisa, podendo desistir a qualquer
momento.
Todos os assuntos abordados serão utilizados sem a identificação dos
colaboradores e instituições envolvidas. Quaisquer dúvidas que existirem agora ou a
qualquer momento poderão ser esclarecidas, bastando entrar em contato pelo
telefone abaixo mencionado. De acordo com estes termos, favor assinar abaixo.
Uma cópia deste documento ficará com a instituição e outra com os pesquisadores.
Obrigado.
Fernanda Maurer Corrêa Geissler Prince
.....................................................
Nome e assinatura do pesquisador
Telefone para contato: (11) 7373-3579
65
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Pelo presente instrumento que atende às exigências legais, o(a) senhor (a)
____________________________________, representante da instituição, após a
leitura da Carta de Informação à Instituição, ciente dos procedimentos propostos,
não restando quaisquer dúvidas a respeito do lido e do explicado, firma seu
CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO de concordância quanto à realização
da pesquisa. Fica claro que a instituição, através de seu representante legal, pode, a
qualquer momento, retirar seu CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO e
deixar de participar do estudo alvo da pesquisa e fica ciente que todo trabalho
realizado torna-se informação confidencial, guardada por força do sigilo profissional.
São Paulo,....... de ..............................de..................
_________________________________________
Assinatura do representante da instituição
66
ANEXO B- CARTA DE INFORMAÇÃO AO SUJEITO
Esta pesquisa tem como intuito conhecer os métodos empregados pelos
professores de Biologia em suas aulas, como lidam com a falta de sinais específicos
para determinados conceitos, e demonstrar a importância de se criar novos sinais
em LIBRAS para o ensino de Biologia para surdos.Para tanto, realizaremos
entrevistas semi- estruturadas com professor de Biologia em horários a combinar,
com o objetivo de conhecer as opiniões deste sobre os métodos atuais empregados
no ensino dessas disciplinas, se existe alguma dificuldade ao elaborar as aulas, e
quais seriam as contribuições para o aprendizado dos alunos se novos sinais em
LIBRAS fossem criados nessa área. Para tal solicitamos sua autorização para a
realização dos procedimentos previstos. O contato interpessoal e a realização dos
procedimentos oferecem riscos físicos e/ou psicológicos mínimos aos participantes.
As pessoas não serão obrigadas a participar da pesquisa, podendo desistir a
qualquer momento. Em eventual situação de desconforto, os participantes poderão
cessar sua colaboração sem conseqüências negativas. Todos os assuntos
abordados serão utilizados sem a identificação dos participantes e instituições
envolvidas. Quaisquer dúvidas que existirem agora ou a qualquer momento poderão
ser esclarecidas, bastando entrar em contato pelo telefone abaixo mencionado.
Ressaltamos que se trata de pesquisa com finalidade acadêmica, referida à
disciplina de TCC, que os resultados da mesma serão divulgados em trabalho
acadêmico obedecendo ao sigilo, sendo alterados quaisquer dados que possibilitem
a identificação de participantes, instituições ou locais que permitam identificação. De
acordo com estes termos, favor assinar abaixo. Uma cópia deste documento ficará
com o participante da pesquisa e outra com o(s) pesquisador (es).
Obrigado.
Fernanda Maurer Corrêa Geissler Prince
......................................................................
.............................................................
Nome e assinatura do pesquisador
Nome e assinatura do orientador
Instituição
Telefone para contato: (11) 7373-3579
67
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Pelo presente instrumento que atende às exigências legais, o(a) senhor (a)
____________________________________, representante da instituição, após a
leitura da Carta de Informação à Instituição, ciente dos procedimentos propostos,
não restando quaisquer dúvidas a respeito do lido e do explicado, firma seu
CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO de concordância quanto à realização
da pesquisa.
Autorizo a entrevista gravada
□ sim
□ não
Fica claro que a instituição, através de seu representante legal, pode, a qualquer
momento, retirar seu CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO e deixar de
participar do estudo alvo da pesquisa e fica ciente que todo trabalho realizado tornase informação confidencial, guardada por força do sigilo profissional.
São Paulo,....... de ..............................de..................
_________________________________________
Assinatura do sujeito
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