A importância do Voto
(setembro de 2006)
T
empo de campanha, eleições à vista, candidatos de montão jorrando charme,
discursos eloqüentes etc. Promessas, compromissos, andanças, corpo-a-corpo,
sorrisos treinados, enfim, aí está, diante de nós, e mais uma vez, a famigerada
campanha eleitoral (ou vale-tudo eleitoral...). Muito bem, é assim aqui e algures,
ontem e hoje, ressalvadas as diferenças culturais entre os povos e as condições
econômicas e políticas de cada nação. Mas, seja lá como for a dança dos votos
tupiniquins, votar é bom, é a democracia funcionando, mesmo que eivada de crimes:
eleitorais, passionais, de fraude, de sangue etc. Não importa, democracia compensa, e
é com esse pensamento que o povo vai às urnas mais uma vez escolher novos
candidatos ou reiterar antigas escolhas.
Segundo a ótica de Aristóteles, para a política alcançar a felicidade é indispensável
existir a pólis. Mas, qual é a nossa “pólis”? São as favelas transformadas em cidadelas
por traficantes burgomestres desses locais? São as periferias distantes e
abandonadas? São os bairros aristocráticos?... Como prover politicamente um estado
de felicidade para todos num estamento marcado por tantos abismos sociais?...
No Brasil, voto é imposição astutamente eternizada por políticos autodenominados
democratas, mas que, na verdade, não passam de herdeiros bastardos de tempos
sombrios. Mas... teriam sido tão sombrios como os atuais tempos?... Ah, é difícil saber
qual tempo terá sido pior. De minha parte, creio que os militares, embora arrogantes
no exercício do poder, foram mais honestos e francos que esses “democratas” que vêm
ao longo das últimas décadas gerenciando o Brasil. Mas a mídia, em nome de uma
discutível liberdade (mais parece libertinagem), situa-se em postura “de esquerda”
defendendo os “democratas” e atacando seus contrários, quando deveria ser isenta ao
noticiar fatos para a sociedade, ou seja, sem interferir na mente das pessoas por meio
de matérias propagadoras de ambigüidades.
Afinal, um dos pressupostos da democracia, desde Péricles, é a irrestrita obediência
de todos às leis promulgadas por vontade popular. Antes, nascida na Ágora, a lei era
determinante dos comportamentos particulares e públicos. Deste modo, o Estado
deveria primeiramente acatá-la para depois cobrá-la dos cidadãos. Mas não é bem
assim na prática, porquanto o Estado é useiro e vezeiro em descumprir leis. É, na
verdade, um déspota a serviço de burocratas eventuais (eleitos pelo povo ou
comissionados em cargos públicos) e efetivos (burocratas eternizados por via de
concursos públicos). Ou ainda: é o Estado servindo-se dos burocratas e vice-versa
como se vida própria tivesse: eis o Leviatã. Na verdade, o Estado é o que Erich Fromm
há mais de três décadas atrás denominava como “megamáquina” a serviço da
destruição, sob o pretexto de formar um novo mundo usando a natureza como
“matéria-prima”...
Assim, desviados de rumo, chegamos aos poderes do Estado (Executivo, Legislativo
e Judiciário), estes que deveriam primar pela independência de suas relações tendo
como base os paradigmas legais, mas, em contrário, vivem em conluio e/ou conflitos
conforme seus interesses imediatos, colocando-se acima das leis e dos direitos dos
cidadãos. Com efeito, atropelam-se entre si e não atendem nem mesmo aos próprios
burocratas que dão vida às suas estruturas, e cuja “competência” é simbolizada por
uniformes e títulos associados a seus desmedidos poderes: a legalidade do “ter” em
contraposição à legitimidade do “ser”. Sim, é curioso ver o Estado, entidade virtual,
ganhar vida e impor-se aos burocratas que o integram, deturpando, por meio destes,
as leis que ele, Estado, deveria defender; ora, toda essa anomia culmina sempre e
invariavelmente em prejuízo de quem cumpre as leis: o povoléu.
Uma das formas mais aberrantes de descumprimento de leis é o que se conhece
como “embargo de gaveta”, ou seja, os burocratas, na impossibilidade de negar
direitos, evitam dá-los não despachando seus processos geradores. No âmbito
administrativo isto se tornou tragédia e vem causando transtornos vários à
democracia. São os próprios burocratas negando direitos a todos e até aos seus iguais,
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também burocratas, formando um círculo vicioso cujo efeito é a inércia dos atingidos
pela injustiça ou a revolta deles contra tudo e todos. Afinal, alguém deve pagar a
conta, segundo o ideário popular de que a corda sempre arrebenta do lado mais fraco.
E os fracos, exauridos, entregam-se ao conformismo, não tendo como nem em quem
descontar.
Eis apenas um exemplo de como a democracia e seus pilares ruem em virtude da
anomia conscientemente adotada (em ação ou omissão) por aqueles que deveriam
primar pelo fiel cumprimento da lei, cobrando dos cidadãos obediência a ela. Eis, sem
embargo, o mau exemplo brasileiro abrangendo os três níveis da administração pública
(União, Estados e Municípios), que não se respeitam entre si nem respeitam os
cidadãos. Sim, ninguém respeita nada e ninguém: é a anomia no seu máximo!
Tudo isso pode parecer bobagem, talvez lugar-comum ignorado de imediato pelos
que começaram a ler este texto, e, com desinteresse, interromperam a leitura. Mas, se
os que o leram até aqui bem refletirem, verão que são autores e/ou vítimas
voluntárias ou involuntárias desse processo tendente a piorar e vencer gerações, para
desalento nosso e dos que nem ainda nasceram. Na verdade, caminhamos a passos
largos para a catástrofe (natural e social)...
Será que vale a pena lutar contra isso? Ou tudo está bem?... Ah, que cada um
decida e traduza a sua decisão no momento do voto, lembrando, principalmente, se
apenas ouviu de longe os discursos dos candidatos ou se teve alguma chance de
pessoalmente questioná-los para inferir conclusões a justificar a qualidade de sua
escolha. Quanto a mim, vou insistir no voto refletido, mesmo que para me arrepender
mais uma vez. Tudo bem, um dia eu acerto, a democracia compensa, e o Estado e
seus burocratas hão de novamente tornar-se respeitadores das leis e fiéis servidores
do povo.
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