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NÚMEROS COMPLEXOS – UM POUCO DE HISTÓRIA
Profa. Maria Suzana Balparda, DFM, Cefet-MG
I. PRELIMINARES
Bhaskara (matemático brâmane, sec. XII) escreveu: “O quadrado de um
número (positivo ou negativo), é positivo ... não existe raiz quadrada de um
número negativo, pois um número negativo não é um quadrado”.
Até o século XVI, nenhum significado foi atribuído a
equações como x2 + 1 = 0 simplesmente NÃO tinham solução.
√−1 , portanto
A necessidade de se considerar raízes quadradas de números negativos não
surgiu em problemas envolvendo equações de segundo grau, mas sim de problemas
com equações de terceiro grau, no século XVI. E começou na Itália.
II. RESOLUÇÃO DE EQUAÇÕES POLINOMIAIS DE GRAU 3 OU 4
Aproximadamente em 1500, Scipione del Ferro (matemático italiano, 14651526) encontrou um algoritmo (ou fórmula) para solução (raízes) de algumas
equações de grau 3. Não publicou a fórmula, porém apresentava a resolução de
problemas que necessitavam dessas raízes.
Em 1535, independentemente (ou não?), Niccolo Tartaglia (italiano, 15001557) encontrou também uma fórmula para a resolução de equações de grau 3. Não
se sabe se esta fórmula coincidia ou não com a de Del Ferro. Entretanto, Tartaglia
também resolveu mantê-la em sigilo, para somente apresentar a solução de
problemas, como desafio, quase como um mágico. Ficou famoso com isso.
Tartaglia deu a Cardano (italiano, 1501-1576) o conhecimento de seu
método, possivelmente sob condição de sigilo.
Cardano passou o método a seu aluno Ludovico Ferrari (italiano, 15221565), que conseguiu a partir dele, ampliar um método para solução de equações de
quarto grau. Este método se baseia em escrever uma equação de quarto grau como
o produto de duas equações de segundo grau, que são, então, resolvidas pelo
método tradicional de Bhaskara. Entretanto, para se determinar os coeficientes
destas duas equações de grau dois, passa-se primeiro pela solução de uma equação
de terceiro grau.
Em 1545, Cardano publicou um livro “Ars Magna” em que apresenta toda a
álgebra da época. Para incluir o método de Ferrari, teve que incluir também a
fórmula da resolução da equação de terceiro grau, dando crédito a Tartaglia pelo
método. Tartaglia, entretanto, ficou furioso! Pelo fato de ter sido apresentada
primeiramente no livro de Cardano, esta fórmula passou a ser conhecida, e o é até
hoje, como fórmula de Cardano. Mais um motivo para a fúria de Tartaglia!
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Os problemas de grau 3 apresentados no livro de Cardano são sempre
colocados em uma das 3 formas: x3 + p x = q ou x3 = p x + q ou x3 + q = p x ,
porque na verdade até aquela época não se trabalhava com números negativos. Para
cada caso era apresentada uma fórmula diferente. Porém, admitindo-se números a e
b negativos, todas elas podem ser escritas como x3 + ax + b = 0 e uma de suas
raízes será igual a
x=
√ √
3
b
a 3 b2
− +
+
+
2
27
4
√ √
3
b
a3 b2
− −
+
2
27
4
Ferro, Tartaglia e Cardano eram capazes de resolver todas as equações deste
tipo, desde que tivessem apenas uma raiz (real), o que equivale à condição
3
2
a
b
+ >0 . Quando
27 4
3
2
a
b
+ =0 , a raiz dada pela fórmula acima é
27 4
que é uma raiz simples, e nesse caso, existe outra raiz ( =
Quando
a 3 b2
+ <0
27 4
√
3
b
2
3
= −√ 4b
) que é dupla.
, existirão três raízes (reais) e a fórmula de Cardano/Tartaglia
esbarra no problema de raiz de número negativo, apesar de que o valor final deve
ser um número real.
Já em 1545, Cardano apresentou o problema de encontrar x e y tais que x + y
= 10, com x.y = 40, o que equivale a resolver x2 – 10 x + 40 = 0, cujas raízes
“místicas” podem ser escritas como 5+√ −15 e 5− √−15 .
Cardano escreveu, a respeito dessas raízes, expressões como: “impossível”,
“existência simbólica”, “mística” e “imaginária”.
III. O NASCIMENTO DOS NÚMEROS COMPLEXOS
Em 1572, Bombelli (1526-1572), um engenheiro prático, sem estudos
superiores, autodidata em matemática, escreveu sua “Algebra”, em 3 volumes
publicados e mais 2 inacabados quando morreu. Nesses volumes, fez a primeira
apresentação de números complexos, como entidades matemáticas admissíveis para
resolução de problemas reais. Com isso, pôde desenvolver resolução de equações
nos casos em que Cardano considerava “impossíveis”.
É interessante notar que nos livros de Bombelli, aparecem pela primeira vez,
regras para operações com números negativos, como “Mais vezes mais faz mais;
menos vezes menos faz mais; mais vezes menos faz menos; ...”
Bombelli não criou um símbolo para as novas entidades complexas,
escrevendo R[0 m.4] para a “raiz de zero menos quatro”, ou seja, na notação atual
√−4 . O que hoje denotamos por i seria R[0 m.1]. Entretanto, conseguiu
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organizar esses “entes imaginários” e dar regras para as operações de soma,
subtração e multiplicação dos números (complexos) por ele criados.
Em seu livro, Bombelli apresentava a solução de equações de grau 3, com a
possibilidade de três raízes. Ele escreveu a raiz dada pela fórmula de Cardano como
soma/diferença de números complexos. Em um exemplo apresentado, a equação
x 3 =15 x+4 , (cujas raízes reais são 4 , −2+ √ 3 e −2−√ 3 ) tem “raiz de
Cardano” igual a
√3 2+ √−121 + 3√ 2−√−121 , cujo valor corresponde à raiz 4.
O método de Bombelli envolve escrever as raízes da equação cúbica como
p+√ −q e p−√ −q . No exemplo acima, Bombelli obteve 2+√−1 e 2−√−1 .
O próprio Bombelli escreveu: “Era um pensamento louco, segundo o
julgamento de muitos; e por muito tempo eu também fui da mesma opinião. Tudo
parecia apoiar-se mais na sofisticação do que na verdade. Entretanto, procurei
por muito tempo, até que realmente provei ser este o caso.”
Apesar desse sucesso, esses números continuaram a ser considerados
“quantidades imaginárias”, úteis em uma álgebra puramente formal. E foram
usadas deste modo por bastante tempo.
IV. DESENVOLVIMENTO
Leibniz (alemão, 1646-1716) escreveu; “...o Espírito Divino encontrou um
escape sublime naquela maravilha da análise, aquele portento do mundo ideal,
aquele anfíbio entre ser e não-ser, que chamamos de raiz imaginária da unidade
negativa.”
Em 1639, Descartes (francês, 1596-1650) introduziu o conceito de
coordenadas e a representação do plano (álgebra x geometria), que hoje
denominamos representação cartesiana em sua homenagem.
Apesar de ser de Descartes o mérito do uso dessas coordenadas, em 1629,
Fermat (francês, 1601-1665) já usava o conceito de duas grandezas descreverem
um lugar geométrico, se representadas em eixos perpendiculares, ou seja, uma idéia
“cartesiana” da geometria.
Em 1770, Euler (alemão, 1707-1783) apresentou grande número de
aplicações envolvendo grandezas complexas, e escreveu: “Todas as expressões
como √−1 e √ −2 , etc., são conseqüentemente impossíveis, ou números
imaginários, já que representam raízes de quantidades negativas; e sobre tais
números podemos afirmar com certeza que não são zero, nem maiores que zero,
nem menores que zero, o que necessariamente os torna imaginários ou
impossíveis.”
De Moivre (francês, 1667-1754) estabeleceu conexão entre números
complexos e trigonometria com sua conhecida fórmula. Euler ampliou esta fórmula
acrescentando o conceito de exponencial de número complexo, escrevendo
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e iθ =cos θ +i. sen θ
. Fazendo-se θ=π , obtém-se e iπ +1=0 , uma das mais
lindas fórmulas da matemática, por relacionar os números inteiros 0 e 1, os
números irracionais transcendentes e e π, e a unidade imaginária i .
Em 1797, Gauss (alemão, 1777-1855), aos 20 anos, usou, implicitamente, em
sua tese de doutorado - que versava sobre o teorema fundamental da álgebra - uma
representação geométrica do domínio complexo; e, simultaneamente, Wessel
(dinamarquês/norueguês, 1745-1818) apresentou à Academia Dinamarquesa de
Ciências um trabalho sobre a interpretação geométrica das grandezas complexas.
Este trabalho de Wessel não foi divulgado e só 100 anos depois foi conhecido.
Em 1806, Jean-Robert Argand (1768-1822), livreiro parisiense e matemático
amador, de origem suíça, publicou, às suas próprias custas, um livro com um ensaio
sobre a interpretação geométrica dos números complexos. Esse trabalho foi
desconhecido pelo mundo matemático até ser re-publicado, 10 anos depois, em um
jornal matemático.
Em 1831, Gauss formulou com precisão a “equivalência matemática da
Geometria cartesiana plana ao domínio do número complexo”, numa formulação
que é essencialmente a de Argand e de Wessel. Essa interpretação geométrica
concreta retirou o “imaginário” dos entes fantásticos de Bombelli, dando-lhes uma
interpretação geométrica. Gauss escreveu: “... A realidade dos números negativos é
suficientemente justificada, já que em muitos outros casos eles encontram uma
interpretação adequada. Há muito admite-se isso, mas as quantidades imaginárias
– antigamente, e agora ocasionalmente, chamadas impropriamente de impossíveis,
por opostas às quantidades reais – são antes toleradas que inteiramente aceitas;
parecem mais um brinquedo inconsequente com os símbolos, ao qual se nega um
substrato sem hesitações, um substrato concebível, até mesmo por aqueles que não
menosprezariam a rica contribuição que este brinquedo com os símbolos prestou
ao tesouro das relações entre quantidades reais ....” “uma existência objetiva pode
ser atribuída a esses entes imaginários.”
Bibliografia:
Dantzig, Tobias “Número: a Linguagem da Ciência”
Dedron, P. & Itard, J., “Mathematics and Mathematicians”
As biografias e algo sobre os trabalhos dos matemáticos citados podem ser
encontradas também em sites virtuais, como :
• Wikipedia (em inglês ou português)
• do livro do Thomas : (www.aw.com/thomas_br) ou
• http://cwx.prenhall.com/bookbind/pubbooks/thomas_br/chapter1/medialib/custom3/bios.htm
• MacTutor History of Mathematics archive: www-history.mcs.st-and.ac.uk/ (em inglês)
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Números Complexos – um pouco de história - CEFET