UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS Unidade Universitária de Ciências Exatas e Tecnológicas Curso de Licenciatura em Matemática Números Primos: A Odisseia de Alguns Matemáticos em Busca de uma Fórmula Inimaginável Aymaás Dos Santos Tavares ANÁPOLIS 2015 2 Aymaás Dos Santos Tavares Números Primos: A Odisseia de Alguns Matemáticos em Busca de uma Fórmula Inimaginável Trabalho de Curso apresentado a Coordenação Adjunta de TC, como parte dos requisitos para obtenção do título de Graduado no Curso de Licenciatura em Matemática da Universidade Estadual de Goiás sob a orientação da professora Msc. Selma Marques de Paiva. ANÁPOLIS 2015 3 4 AGRADECIMENTOS Agradeço ao meu Deus, pelo auxílio que nunca faltou e a sua presença constante em todo o tempo, ao meu querido e amigo Espírito Santo, por ter me guiado até aqui. A minha família, ao meu pai José, a minha querida mãe Marta, por me ensinar a confiar no Senhor Jesus sempre e esperar nele a providência e a minha irmã Aynoã. Agradeço a minha professora orientadora Selma Marques de Paiva pela paciência. 5 “Os números primos são as pérolas que adornam a vastidão infinita do universo de número que os matemáticos exploraram ao longo dos séculos. Eles despertam a admiração dos matemáticos: 2, 3, 5, 7, 11, 13, 17, 19, 23... números eternos que existem em uma espécie de mundo independente de nossa realidade física. São um presente da natureza para a matemática.” Marcus du Sautoy 6 LISTA DE TABELA Tabela 1: Tabela de Criptografia................................................................................43 7 LISTA DE FIGURAS Figura 1: Euclides .................................................................................26 Figura 2: Eratóstenes ............................................................................27 Figura 3: Pierre de Fermat ....................................................................30 Figura 4: Leonhard Euler .......................................................................33 Figura 5: C. F. Gauss ............................................................................35 8 RESUMO O presente trabalho disserta sobre alguns fragmentos da história dos números primos agregando a essa história alguns matemáticos e suas contribuições para a teoria dos números primos. Abrange também, algumas questões específicas que é o caso dos testes de primalidade e o RSA que é uma aplicação dos números primos. A preferência por esse tema advém das incertezas que esses números proporcionam para os matemáticos e por se tratar de um problema presente por aproximadamente 2.000 anos, e ainda, o anseio de um dia, no final de alguma demonstração matemática poder admirar a fórmula precisa e exata dos números primos. Assim, esse trabalho tem como objetivo compreender e indicar os resultados mais relevantes em teoria dos números no que se refere ao avanço do conhecimento dos números primos, sendo uma pesquisa de caráter bibliográfico. O trabalho objetiva auxiliar e difundir um pouco sobre o conhecimento histórico e o enigma dos números primos. Palavras-chave: História; Matemática; Números Primos. 9 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO .................................................................................................... 10 CAPÍTULO 1 ............................................................................................................. 12 A Origem de Alguns Conjuntos Numéricos e dos Números Primos....................... 12 CAPÍTULO 2 ............................................................................................................. 19 Primícias Básicas da Aritmética ............................................................................. 19 2.1 Definições ..................................................................................................... 19 2.2 Teoremas...................................................................................................... 20 CAPÍTULO 3 ............................................................................................................. 24 A História de Alguns Matemáticos Pioneiros no Estudo dos Números Primos ...... 25 3.1 Euclides de Alexandria ................................................................................. 26 3.2 Eratóstenes, de Cirene ................................................................................. 27 3.3 Pierre de Fermat ........................................................................................... 30 3.4 Leonhard Euler ............................................................................................. 33 3.5 Carl Friedrich Gauss ..................................................................................... 35 CAPÍTULO 4 ............................................................................................................. 37 Testes de Primalidade ........................................................................................... 37 4.1 Testes Primitivos .......................................................................................... 38 4.2 Teste de Lucas ............................................................................................. 39 4.3 Teste de Pepin.............................................................................................. 40 CAPÍTULO 5 ............................................................................................................. 42 Uma Aplicação dos Números Primos: RSA ........................................................... 42 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 48 REFERÊNCIAS......................................................................................................... 50 10 APRESENTAÇÃO A matemática com seus enigmas têm desafiado ao longo dos séculos alguns dos mais renomados membros da comunidade científica matemática, especificamente o enigma dos números primos, que provocou em várias gerações de matemáticos como, por exemplo: Euclides, Pierre de Fermat, Leonhard Euler e Gauss o desejo de solucioná-lo. Esse enigma dos números primos tem recebido uma grande atenção por parte dos matemáticos, visto que ainda é um problema insolúvel, já que nenhum matemático foi capaz de abrir o “alfarrábio1 da matemática” e decifrar os códigos dos números primos e pronunciar tal fórmula, isto é, a peça fundamental da solução dos números primos, não foi posicionada no seu devido lugar. A importância desses números para a matemática é comprovada quando eles são entendidos como sendo os próprios “átomos da aritmética”, há ainda quem diga que os números primos são compreendidos por seres inteligentes de outros mundos, segundo Peruzzo: Por seu caráter básico na formação de todos os números, os números primos já foram usados, por exemplo, como código de contato com seres inteligentes de outros mundos. Nas sondas exploratórias Pioneer e Voyager, entre vozes de pessoas falando em diversas línguas, músicas, sons da natureza e imagens, foram colocados números primos. Há a esperança que algum ser inteligente poderá entender a sequência dos primeiros números primos contido no disco (PERUZZO, 2012, p.2). Quanto mais difícil e complexo a fórmula dos números primos se apresenta, mais admirável e sublime os matemáticos a veem. Segundo Piet Hein: “Um problema que vale a pena ser atacado prova seu valor contra-atacando”, os números primos contra-atacam os matemáticos, mantendo a sua fórmula inimaginável à mente humana. Este trabalho objetiva reunir alguns assuntos mais pertinentes a cerca da teoria dos números primos, com ênfase em alguns momentos da história e em algumas fórmulas que pressupomos ser fundamentais para a teoria dos mesmos. 1 Livro antigo e de leitura cansativa. 11 Acentuamos que não vamos nos estender aos números inteiros, limitaremos aos números naturais. No primeiro capítulo trazemos de uma forma sucinta a evolução dos conjuntos numéricos e o aparecimento do enigma dos números primos. No segundo capítulo apresentamos os principais teoremas e definições, que servirão para estruturar as próximas análises. No terceiro capítulo tecemos as histórias de alguns matemáticos que trabalharam com os números primos e que deixaram vários teoremas e conjecturas para enriquecer os conhecimentos dessa teoria. Os conhecimentos prosperaram, no entanto, sem a fórmula exata que os definiam, com isso, afirmar que um número natural era primo ou não se tornou uma façanha para poucos matemáticos persistentes. Assim era necessário um método que tivesse como objetivo classificar um número natural sendo primo ou composto; surgem, então, os testes de primalidade, apresentados no capítulo quatro deste trabalho. Por muito tempo achou-se que os números primos se isolavam na matemática pura, isto é, não havia uma aplicação real para esse conceito até surgir o algoritmo RSA, uma aplicação muito utilizada nos dias atuais, mencionada no capítulo cinco, seguida de um exemplo. Em linhas gerais, o trabalho apresenta um pouco da história dos números primos, mas não ocultando a virtude desses números, isto é, enfatizando que os números primos são impenetráveis até hoje, pois esses números são a própria glória da matemática. Por “capricho” dos números primos em não se exporem, o interesse em compreender suas bases elementares vêm aumentando, e se materializam em formas de perguntas: Quais foram os matemáticos que cooperaram para o avanço no conceito desses números primos? Quantos números primos existem? Quais foram as fórmulas e hipóteses desses matemáticos? Como saber se um número é de fato primo? Mesmo sem uma fórmula, os números primos tem aplicação? Neste trabalho apresentaremos algumas soluções possíveis para cada uma dessas questões, que tem por finalidade compreender melhor o universo dos números primos. 12 CAPÍTULO 1 A Origem de Alguns Conjuntos Numéricos e dos Números Primos Na maior parte das ciências, uma geração põe abaixo o que a outra construiu, e o que a outra estabeleceu a outra desfaz. Somente na Matemática é que cada geração constrói um novo andar sobre a antiga estrutura. Hermann Hankel A Matemática evoluiu juntamente com a sociedade. As concepções de números datam de tempos longínquos, com início na era paleolítica, onde os homens habitavam em cavernas. Esse período é chamado de pré-histórico e, todos os conhecimentos dessa época estão registrados exclusivamente em cavernas e, tais registros recebem o nome de figuras rupestres ou artes rupestres que eram desenhos de pessoas, animais e marcas parecidas com um bastão “|” um do lado do outro. Acredita-se que esses desenhos manifestam um pensamento quantitativo, por parte dos homens da pré-história. É desse modo, que o pensamento matemático surge, pela necessidade de se contar objetos em sua volta. O ato de pensar em “corresponder” um objeto, com um bastão “|” pode suscitar o pensamento abstrato no ser humano, pois o homem começa a interpretar o mundo em sua volta, não mais apenas com o que ele vê, mas através de um pensamento intuitivo. Diante desse conhecimento adquirido pelos homens da pré-história e a necessidade de contar objetos, surge o conceito de número natural, que em tempos atuais é representado pelo símbolo ℕ dado por {1, 2, 3 ,...n, n+1...} . Os números naturais ou conjunto dos números naturais é infinito, pois dado um número natural n sempre vai existir um número, também natural, n+1 . 13 Ao longo do desenvolvimento histórico dos números, o conjunto dos números naturais foi estudado com mais interesse pelos matemáticos, principalmente os pitagóricos e os chineses. No entanto, o interesse dos pitagóricos pelos números naturais era voltado pelas propriedades “místicas” dos números, pois a numerologia era uma ciência importante naquela época, na atualidade é classificada como pseudociência. Desses estudos surgiram vários números com propriedades instigantes, que é o caso dos números perfeitos: o número n é chamado de número perfeito, se a soma dos seus divisores próprios, exceto o próprio n, é igual a n. Os números amigos: os números a e b são chamados de números amigos se, cada um deles é igual à soma dos divisores do outro. Os números deficientes: o número d é chamado de número deficiente se a soma dos seus divisores, exceto ele mesmo, é menor do que d. O fascínio pelos números teve seu apogeu quando encontraram uma sequência numérica impermeável, contida no conjunto dos números naturais; um segredo que jamais foi revelado, do qual mente nenhuma até hoje foi capaz de alcançar tal grau de abstração e complexidade, necessário para enfrentar com ousadia esses números e colocar o ponto final nesse segredo matemático. Tais números são chamados de números primos e sua busca se torna uma odisseia para os matemáticos que os estudam, pois é o segredo muito bem protegido pelo universo matemático. A dificuldade imposta por esses números advém de sua definição: Um número natural p ≠ 1 é dito número primo se, e somente se, os únicos divisores não negativos são 1 e p. O matemático Euclides de Alexandria, provou que os números primos são infinitos, demonstração publicada, há cerca de 300 a. C. no livro “IX de Os Elementos”. Por decorrência de sua definição, os números primos acabam estando a esmo no conjunto dos números naturais, isto é, não há um padrão que possibilite definir uma fórmula precisa e exata, a qual satisfaça às peculiaridades dos números primos. Em trabalho recente, Peruzzo (2012) caracteriza os números primos como sendo os próprios átomos da aritmética, pois são os números indivisíveis. 14 O documento mais antigo sobre estes átomos da aritmética é entalhado em um osso, conhecido como Osso de Ishango que registra uma sequência de números primos, segundo Du Sautoy: O primeiro indício impreciso do momento em que a humanidade se deu conta das qualidades especiais dos números primos é um osso datado de 6500 a.C. , conhecido como Osso de Ishango que foi descoberto em 1960 nas montanhas da África Central Equatorial. Nele estão inscritas três colunas contendo quatro séries de entalhes. Em uma dessas colunas encontramos 11, 13, 17 e 19 entalhes, uma lista de todos os números primos entre 10 e 20 ( SAUTOY, 2007, p.30). Pela dificuldade que se têm de falar a respeito dos números primos, esses números ficaram entre os conceitos mais nobres na matemática, os matemáticos mais “importantes” tentaram exigir que a sequência dos números primos se revelasse, porém, todas as tentativas foram em vão. No entanto, desses estudos surgiram várias contribuições para a teoria dos números primos. No processo evolutivo humano e no aperfeiçoamento do conhecimento quantitativo é observada ainda uma carência no conjunto dos números naturais. Nesse conjunto não existia resposta para um cálculo, do tipo m - n, onde n > m, presente no cotidiano social, uma vez que os homens, já tinham emigrado das cavernas para as cidades primitivas. Do fato de existir um desequilíbrio intelectual no ser humano, visto que eram incapazes de dizer com exatidão a solução do cálculo, da forma m – n, com n > m, houve a necessidade de sanar essa lacuna, então surgem novos números: os “Números Negativos” e, ao acrescentar esses números aos números naturais, esse conjunto, então formado, recebe o nome de conjunto dos números inteiros, representado pelo símbolo ℤ advindo da palavra alemã Zahl, que significa número, dado por {...-2, -1, 0, 1, 2...} a primeira vez que os números negativos apareceram em uma obra, foi no ano 628 d.C. na obra do indiano Brahmagupta. O ser humano continua sua evolução social e intelectual e, conjuntamente, surgem novas dificuldades e perguntas que precisam ser respondidas. São estudados outros números com características em comum, como é o caso dos números racionais ou conjunto dos números racionais, que são escritos da 15 forma m com n ≠ 0 , onde m e n são números inteiros, essa representação é n conhecida como fração, embora não fossem vistas como um número pelos primeiros matemáticos, pois não era uma numeração bem constituída, agregando ainda à dificuldade e o pouco conhecimento que se tinha de trabalhar com as frações utilizando as regras dos números inteiros. As frações só tiveram destaque quando se observou que as regras dos números inteiros eram utilizadas na sua resolução. A necessidade dos números racionais, representado pelo símbolo ℚ , surgiu da necessidade de se medir e de comparar. Mesmo com a infinitude de números já descobertos, havia ainda questões não resolvidas, como era o caso da diagonal de um quadrado de lado 1, isto é, qual era o valor dessa diagonal ? Qual é o valor de 2 ? Não havia nenhuma resposta entre os números naturais, números inteiros e números racionais que satisfizesse o problema. Assim, era necessário outro conjunto de números, conhecido hoje, como números irracionais ou conjunto dos números irracionais. A introdução dos números irracionais representada pelo símbolo Ι no universo matemático ficou oculta por algum tempo, somente um seleto número de matemáticos sabiam da existência desses números “desordenados”. Esses matemáticos eram conhecidos por seguir a doutrina do matemático Pitágoras (aprox. 500 – 300 a.C.). Os pitagóricos defendiam a ideia de perfeição, e a introdução desses números poderiam desestruturar a doutrina pitagórica, e arruinar a imagem de excelência da matemática como ciência perfeita. O segredo dos números irracionais foi sendo descoberto por outros matemáticos, que se interessaram pelos números. Não havia como ocultar tais números, até que a formalização desses números foi estabelecida como sendo os números não racionais, cujos algarismos após a vírgula são infinitos e nunca se reproduzem na mesma ordem. Diante da existência dos conjuntos numéricos, observou-se que não havia um conjunto que contivesse todos os demais conjuntos, pois de um lado isolado ficava o conjunto dos números irracionais e, do outro, o conjunto dos números racionais , isto é, os números naturais estão contidos no conjunto dos números inteiros, que estão 16 contidos no conjunto dos números racionais. Assim, a união de todos os conjuntos é chamada de conjunto dos números reais, representado pelo símbolo ℜ . As descobertas numéricas foram aparecendo ao passo que as necessidades surgiram e hoje temos inúmeras teorias a respeito dessa infinitude numérica. 17 CAPÍTULO 2 Primícias Básicas da Aritmética O grande arquiteto do Universo começa a parecer-nos um puro matemático. James Jeans Neste capítulo apresentaremos os principais teoremas e definições da Teoria dos Números, que servirão para estruturar as próximas análises, baseando nos livros: Números: Construção e Propriedades de Valdir V. Silva; Introdução à Teoria dos Números de Olimpio R. Gomes e Jhone C. Silva; Fundamentos da Aritmética de Hygino H. Domingues e Primos de Mersenne ( e outros primos muito grande) de Carlos G. Moreira e Nicolau Saldanha. Segundo Filho (2009), definição e teorema na percepção matemática se caracterizam, sendo: Definir matematicamente um objeto é dar-lhe um nome mediante determinadas propriedades que o caracterizem e o identifiquem plenamente. Um teorema é uma afirmação matemática condicional ou implicativa que precisa de uma demonstração para garantir sua validade. Um teorema constitui-se de duas partes: as hipóteses, que fazem parte das premissas, admitidas como verdadeiras [...] e a tese, que é a conclusão do teorema. (FILHO 2009, p. 65 e p. 75) _______________________________________________________Definições 2.1 Definição 2.1.1 Número: 1. A unidade é aquela que em virtude do qual cada uma das coisas que existe é chamado um; 18 2. Um número é composto por uma multiplicidade de unidade. Essa definição de Número foi dada por Euclides de Alexandria e publicada em sua obra “Os Elementos”. Definição 2.1.2 Divisibilidade: Dados dois números inteiros m e n com m ≠ 0, dizemos que m divide n se, existir um número q Notação: m | n, então um q, tal que n = m q; m n, então um q, tal que n = m q. tal que n = m q. Definição 2.1.3 Algoritmo de Euclides: Se a e b são números inteiros, com b ≠ 0, então existem e são únicos os números r e q que satisfazem às seguintes condições: a = bq + r e 0 ≤ r < b . Definição 2.1.4 Máximo Divisor Comum: Sejam a e b , com a e b diferentes de zero. O máximo divisor comum de a e b é o número natural d que satisfaz as seguintes condições: (i) d | a e d | b; (ii) Se existe um d1 tal que d1 a e d1 |b , então d1 | d . Notação: mdc (a, b) = d Definição 2.1.5 Mínimo Múltiplo Comum: Sejam a e b , com a e b diferente de zero. O mínimo múltiplo comum de a e b é o número natural s que satisfaz as seguintes condições: (i) a | s e b | s; 19 (ii) Se existe um s1 tal que a | s1 e b| s1 , então s | s1 . Notação: mmc(a, b) = s Definição 2.1.6 Número Primo: o número natural p ≠ 1 é classificado como número primo se, e somente se, os únicos divisores não negativos de p são 1 e p. No VII e IX livros da obra “Os Elementos”, o matemático e professor da famosa biblioteca de Alexandria, Euclides, dedicou a estabelecer as bases fundamentais da aritmética e definiu número primo sendo. Definição 2.1.7 Número Composto: Número composto é um número natural que não é um número primo, diferente de 1 e 0. Euclides definiu o número composto, sendo: um número composto é aquele que é medido por algum número. Definição 2.1.8 Números Primos entre si: Dois números m e n diferentes de zero são chamados de primos entre si, se mdc (a, b)= 1. Definição 2.1.9 Pseudoprimos de Fermat: Números compostos que satisfazem o pequeno teorema de Fermat, (teorema 2.2.2, p.20). n Definição 2.1.10 Números de Fermat: Todos os números da forma 22 +1 com n Definição 2.1.11 Números de Mersenne: Todo número da forma 2 p -1 , com p sendo um número primo. Definição 2.1.12 Congruência Módulo m: Sejam a e b números inteiros e m um número inteiro maior que 1. Dizemos que a é congruente a b módulo m se m divide a diferença a – b. 20 Notação: a ≡ b (mod m). ________________________________________________Teoremas 2.2 Teorema 2.2.1 Teorema Fundamental da Aritmética: Se n ∈ ℤ e n > 1 , então existem e são únicos os números primos p1 ≤ p2 ≤ p3 ... ≤ pk tais que n = p1 ⋅ p2 ⋅ p3 ...pk . Para demonstrar esse teorema é necessário enunciar o segundo princípio de indução e um lema. Segundo Princípio de Indução: Seja p(n) uma função proposicional cujo domínio é o conjunto dos números inteiros maiores que, ou iguais, a um inteiro dado a. Suponhamos que: (i) p (a) é verdadeiro; (ii) Se r é um número inteiro maior que a (r > a) e p(s) é verdadeiro para todo s satisfazendo a ≤ s < r , então p(r) é verdadeiro. Então temos que p(n) é verdadeiro para todo n ≥ a . Lema: Sejam p,q1 ,q2 ,...qn números primos e suponhamos que p divide o produto q1 ⋅ q2 ⋅ ...⋅ qn . Então p = q j para algum j ∈{1,2,3...n} . Demonstração do Teorema Fundamental da Aritmética: 1ª etapa: provar a existência. Para isso será utilizado o método do segundo princípio de indução. Base de Indução: Devemos mostrar que p(2) é verdadeiro. Como o número 2 é primo, então p (2) é verdadeiro. 21 Hipótese de Indução: Suponhamos que p (k) é verdadeiro para todo 2 ≤ s < k , essa suposição nos leva a validar a existência de números primos p1 ≤ p2 ≤ p3 ... ≤ pr tais que s = p1 ⋅ p2 ⋅ p3 ...pr . Precisamos mostrar a afirmação para k, ou seja, que p(k) é verdadeiro. É necessário provar que existem números primos p1 ≤ p2 ≤ p3 ... ≤ pr tais que k = p1 ⋅ p2 ⋅ p3 ...pr . Se k for um número primo então k = p1 , mas se k for um número composto, então k é o produto de dois números, isto é, k = v ⋅ u com 1 ≤ u < k e 1 ≤ v < k , pela Hipótese de indução existem primos wi e t y , i, y ∈{1,2,3,...n} tais que: n n i =1 y =1 u = ∏ wi e v = ∏ t y . . Assim k = wi ⋅ t y , então k pode ser escrito como um produto de primos, logo p(k) é verdadeiro. 2ª etapa: unicidade, para isso será utilizado o lema já enunciado. Para provar a unicidade o método mais eficaz é supor a existência dupla e mostrar que, são iguais. Assim, suponhamos que k tenha duas decomposições: k = p1 ⋅ p2 ⋅ p3 ...pi e k = p1 ⋅ p2 ⋅ p3 ...p j . Sem perder a generalidade, suponhamos que j ≥ i , assim p1 | q j , isto é p1 = qn para algum n ∈{1, 2 ,3 ,...j} . (Lema) Vamos supor que p1 = q j , assim temos que: p1 ⋅ p2 ⋅ p3 ...pi = p1 ⋅ q2 ⋅ q3 ...q j logo p2 ⋅ p3 ...pi = q2 ⋅ q3 ...q j se repetíssemos esse processo í vezes teremos pn = qn para todo n ∈{1, 2 ,3 ,...j} , assim podemos afirmar que i = j , do contrário i > j teríamos p1 ⋅ p2 ...pi = p1 ⋅ p2 ...pi ⋅ qi+1 ...q j o que levaria a 1= qi+1 ...q j , isto é, q j seria um divisor de 1 o que é impossível. Logo pn = qn para todo n ∈{1, 2 ,3 ,...j} e i = j , o que prova que a decomposição é única. 22 Teorema 2.2.2 Pequeno Teorema de Fermat: Seja p um número primo e a um inteiro, então a p ≡ a(mod p) . Demonstração: Se a não é múltiplo de p e considerando a sequência de números a,2a,3a,...,(p -1)a , e sendo 1 ≤ i < j ≤ p -1 , como ja - ia = (j - i)a , logo p (j - i)a implica p (ja - ia) que por sua vez p ja , j = 1, 2, 3, ...(p -1) , sendo assim o resto da divisão euclidiana dos números a, 2a,3a,...,(p -1)a por p, formam uma permutação dos números 1 ⋅ 2 ⋅ 3...(p -1) , temos que: a ⋅ 2a ⋅ 3a...(p -1)a ≡ 1⋅ 2 ⋅ 3...(p -1) ( mod p ) que é equivalente ( p -1) !a p-1 ≡ ( p -1) ! ( mod p ) , mas o mdc ( p -1, p ) = 1 , logo a p-1 ≡ 1 ( mod p ) , multiplicando a nos dois lados da congruência, temos: a p ≡ a ( mod p ) . Se a for múltiplo de p, então a ≡ 0(mod p) e a p ≡ 0 p (mod p) que é o mesmo que a p ≡ 0(mod p) por transitividade concluímos que a p ≡ a ( mod p ) . Teorema 2.2.3 Teorema de Euler: Todo inteiro m >1 , a ∈ Z primo com m vale a congruência: a φ( m ) ≡ 1 ( mod m ) Para demonstrar o teorema de Euler necessário enunciar uma função, conhecida como função Definição: A função de Euler: ϕ : ℕ* ⇒ ℕ* que associa a cada m∈ℕ* o número de elemento do conjunto {k ∈ N * |1 ≤ k ≤ m, mdc(k,m)= 1} é chamada de função Notação: φ(m) de Euler. 23 Demonstração: Sejam s1 ,s2 ,s3 ...sk inteiros de 1 a m , inclusive os extremos, que são primos com m (k = φ(m)) , dividamos cada asi por m: asi = mqi +ri (0 ≤ ri < m) Se existisse um primo p tal que p | m e p | ri então p | asi , mas então p | a ou p | si o que é impossível, visto que mdc(a,m)= 1 ∀ i 1 ≤ i ≤ k . Observemos a sequência de restos, r1 ,r2 ,r3 ...rk . Nesta sequência não existem elementos que se repetem, de fato, ri = rj (1 ≤ i, j ≤ k; i ≠ j ) , então se asi - mqi = as j - mq j , portanto a(si - s j )= m(qi - q j ) , levando em consideração que mdc(a,m)= 1 então m|(si - s j ) com 1 ≤ si , s j ≤ m então teríamos que ter si = s j o que é impossível uma vez que i ≠ j . Assim {s1 ,s2 ,s3 ...sk }= {r1 ,r2 ,r3 ...rk } se multiplicarmos as congruências asi ≡ r(mod m) decorrente asi = mqi +ri (0 ≤ i < m ) . i a k s1 , s2 , s3 ...sk ≡ ( as1 ) ⋅ ( as2 ) ⋅ ( as3 ) ...( ask ) ≡ r1 , r2 , r3 ...rk ( mod m ) os produtos s1 ⋅ s2 ⋅ s3 ⋅ ... ⋅ sk e r1 ⋅ r2 ⋅ r3 ⋅ ... ⋅ rk são iguais, o produto r1 ⋅ r2 ⋅ r3 ...rk pode ser cancelado, pois m é primo com cada ri ou si , na última congruência o que resulta em, a k ≡ 1(mod m) , como k = φ(m) : a φ(m) ≡ 1(mod m) . Teorema 2.2.4 Teorema da Infinitude dos Números Primos: O conjunto formado pelos números primos é infinito. Demonstração: 24 Suponhamos que o conjunto dos números primos seja finito, listamos todos os números desse conjunto finito: P = { p1 , p2 , p3 ...pn } . Agora construímos um número, de tal forma que esse número, seja o produto de todos os números primos do conjunto P mais 1: N = p1 ⋅ p2 ⋅ p3 ...pn +1 . Temos duas condições: (i) Se N for um número primo, então existe um número primo que não pertence ao conjunto P , logo não podemos afirmar que o conjunto dos números primos é finito, concluímos que existem infinitos números primos. (ii) Se N for um número composto, então existe pi tal que pi | N , i = 1,2,3...n . Que é o mesmo: pi | p1 ⋅ p2 ⋅ p3 ...pn +1 . Seja outro número: M = p1 ⋅ p2 ⋅ p3 ...pn , então pi | M . Logo, pi |(N - M) pi |(p1 ⋅ p2 ⋅ p3 ...pn +1)-(p1 ⋅ p2 ⋅ p3 ...pn ) pi |1 mas, se pi |1 , temos que 1 = pi ⋅ q absurdo, logo o conjunto P não pode ser finito, Concluímos que o conjunto P , dos números primos, é infinito. 25 CAPÍTULO 3 A História de Alguns Matemáticos Pioneiros no Estudo dos Números Primos Os matemáticos não suportam admitir a possibilidade de que talvez, não exista, uma explicação para o modo como a natureza, escolheu os primos. Marcus du Sautoy Um enigma matemático insolúvel, até então, tem instigado grandes matemáticos, mentes brilhantes se rendem a tamanha complexidade que o envolvem, esse enigma se chama números primos. As incertezas que os números primos proporcionam, desafiam os matemáticos. Um problema que se arrasta há tempos e ainda ninguém foi capaz de por um ponto final nesse enigma, isto é, nenhuma mente humana conseguiu alcançar tal grau de abstração e complexidade necessária para decifrá-lo. Diante desse impasse sobre a existência de uma fórmula exata e precisa dos números primos, exímios matemáticos passaram grande parte de suas vidas dedicando-se ao estudo dessa fórmula inimaginável. Ao longo de 2.000 anos os números primos são conhecidos e estudados e, até no início do século XXI, não se sabe uma fórmula com tamanha precisão que possa gerar somente números primos e possibilite aos matemáticos saber qual é a sua localização na sequência do conjunto dos números naturais. O matemático inglês G. H. Hardy (1877 – 1947) disse que “qualquer tolo pode fazer perguntas sobre os números primos que o mais sábio dos homens não consegue responder”, essa frase de Hardy revela o pouco conhecimento que temos sobre tais números. A busca pela fórmula dos números primos mobilizou vários matemáticos, alguns deles contribuíram de forma significativa para o avanço nessa teoria. No 26 entanto, esses significativos progressos ainda não permitiam que um matemático pudesse responder uma pergunta, simples: existe uma fórmula para os números primos? Considerados como os átomos da aritmética, “os números primos constituem a parte irredutível do sistema numérico, sendo a base de todos os números” (PERUZZO, 2012, p.2). A dificuldade dos matemáticos para encontrar essa fórmula geradora dos números primos advém da forma como os números primos estão localizados, não há um padrão. O matemático Leonhard Euler afirma que: Alguns mistérios sempre escapam ao espírito humano. Para nos convencermos, é suficiente olhar uma tabela de números primos e veremos que não existe nenhuma ordem, nenhuma regra entre eles. (1675, apud SAUTOY, 2007, p.13) Euler falava sobre como os números primos são dispostos em sua sequência. Mesmo com tamanha complexidade que há em volta da fórmula dos números primos, muitos matemáticos enfrentaram o universo desconhecido da matemática em prol de desvendar os enigmáticos números. Alguns personagens mais renomados na matemática estudaram os números, indecifráveis, e desses estudos surgiram definições, teoremas e conjecturas, que é o conhecimento mais próximo da teoria enigmática dos números primos, isto é, norteiam a teoria. A seguir, alguns matemáticos que trabalharam para decifrar os números primos. _____________________________________________Euclides de Alexandria 3.1 Não se sabe muito a respeito da vida de Euclides, antes de ser professor e diretor do setor de matemática na Biblioteca de Alexandria; só que o mesmo era um matemático grego e acredita-se que foi aluno do grande filósofo Platão; onde e quando nasceu ou morreu são 27 informações que se perderam na história. O que realçou na vida de Euclides, não foi o próprio Euclides, mas sua matemática rigorosa. Reconhecido como um grande pensador da geometria, Euclides não se limitou a estudar apenas a geometria, mas estudou e fez grandes contribuições para Teoria dos Números, especificamente para Teoria dos Números Primos. Nos primeiros anos trabalhando na biblioteca, exercia a função de professor, conta-se que: Um aluno que começara a tomar lição com ele, perguntou: afinal, que vantagem poderia obter com aqueles conhecimentos. Em resposta, Euclides chamou seu escravo e disse: “Dê-lhe uma moeda, porque ele precisa ganhar com aquilo que aprendeu”. (GARBI, 2010, p.58) O clímax da sua história ocorreu quando reuniram alguns conhecimentos matemáticos em 13 livros, conhecidos como Os Elementos. Trata-se de uma formalização dos conceitos matemáticos, uma grande parte dos Elementos é dedicada à geometria, no entanto, nos livros VII e IX, Euclides estabelece os conceitos fundamentais de Teoria dos Números. Especificamente no livro IX Euclides demonstra com rigor, mas entrelaçado de uma elegância singular, que os números primos são infinitos. Essa contribuição para a Teoria dos Números Primos foi um convite para os futuros matemáticos se aventurarem nesse universo desconhecido. Mesmo que Euclides tenha tentado provar uma fórmula que define os números primos, todas as suas tentativas foram frustradas, no entanto, uma peça do quebra-cabeça dos números primos foi colocada no lugar certo, era necessário esperar aproximadamente 70 anos até que se ouvisse falar outra vez da pedra angular da matemática, os números primos. ____________________________________________Eratóstenes, de Cirene 3.2 Após a demonstração da infinitude dos números primos, houve-se um esquecimento desses números por parte dos matemáticos, o problema era complexo e fugia dos conhecimentos matemáticos daquela época, uma vez que esses 28 números não respeitam um padrão matemático. Só foi pronunciada outra vez a definição de números primos nos corredores da grande Biblioteca de Alexandria, na voz do matemático Eratóstenes, há cerca de 240 a.C. quando se tornou diretor da Biblioteca. Nascido por volta de 274 a.C. na cidade de Cirene, Eratóstenes ousou responder aquilo que não havia resposta, isto é, decidiu enfrentar e exigir respostas da sequência dos números primos. O Beta da matemática, assim que era visto por alguns, pois em toda área do conhecimento que atuava sempre existia um nome mais importante que o seu, embora fosse visto como um ilustre sábio da época, levou por toda sua vida a posição de segundo lugar. Ficou famoso por ter calculado o tamanho aproximado da Terra; seus conhecimentos norteiam a História, Geografia, Astronomia e Matemática. Na matemática, estudou Teoria dos Números, e embarcou em uma viagem pelos números primos, à procura da resposta: qual é a fórmula dos números primos? Uma viagem que não chegou ao seu destino; no entanto, se não podia dizer qual é a fórmula dos números primos, poderia dizer quais são os números primos. Nessa perspectiva, Eratóstenes forjou um método para obter essa resposta. Não se pode afirmar com precisão, Eratóstenes tinha em mãos a certeza da infinitude dos números primos e um olhar cauteloso para à definição de números primos, com isso nasce o método mais simples e intrigante, de trazer conhecido, os números primos de 2 até N, esse método ficou conhecido como Crivo de Eratóstenes. Basicamente Eratóstenes, engenhosamente listou a sequência de 2 até N com N . Para fazer o exemplo a seguir suponhamos que N seja 25: 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14,15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25. Excluindo dessa sequência todos os números múltiplos de dois, exceto o próprio 2, pois esses não poderiam ser primos, uma vez que contraria a definição de números primos para o conjunto dos números naturais, isto é, um número múltiplo 29 de dois é da forma 2K, e o conjunto dos divisores de 2K é {1,2,k,2k} . Ficando apenas os números: 2, 3, 5, 7, 9, 11, 13,15, 17, 19, 21, 23, 25 Nessa fase do Crivo de Eratóstenes, retira-se todos os múltiplos de 3, exceto o próprio 3, Pois, os números múltiplos de 3 são da forma 3K cuja os divisores de 3K são {1,3,k,3k} , o que contraria a definição de números primos, logo todos os múltiplos de 3 não são primos. Ficando apenas os números: 2, 3, 5, 7, 11, 13, 17, 19, 23, 25. Novamente retiramos todos os múltiplos de 5, exceto o próprio 5, os números múltiplos de 5 são da forma 5K, cuja seus divisores são {1,5,k,5k} o que contraria a definição de números primos, logo a sequência de múltiplos de 5, não são primos. Ficando apenas: 2, 3, 5, 7, 11, 13, 17, 19, 23. (1) Observe que nessa última sequência não tem números múltiplos de 7 excluindo o próprio 7, não tem de 11, nem de 13, 17, 19 e 23. Quando chegamos a esse resultado, de não ter múltiplos de K tal que, 2 < k < N , segundo o Crivo de Eratóstenes podemos afirmar que a sequência (1) é uma sequência de números primos. Ao analisarmos o método de Eratóstenes para encontrar uma sequência finita de números primos, podemos dizer que quanto maior for o N, mais trabalhoso o Crivo de Eratóstenes se apresenta, isto é, se N for um número com 6 algarismos o crivo se torna inviável. Segundo afirma Ávila (1991, p. 20): Com o crivo de Eratóstenes podem-se determinar, sem auxílio de máquinas, todos os números primos até 200, 400 ou 500, por exemplo. Com o auxílio de computadores, o crivo de Eratóstenes, convenientemente adaptado, permite determinar os números primos até limites bem altos. Eratóstenes tem um fim triste aos 80 anos, já cego, privou-se da alimentação e morreu em 194 a. C. 30 Mais um degrau no edifício dos números primos é alcançado; uma contribuição significativa que Eratóstenes proporcionou, mas ainda bem distante da fórmula dos números primos. __________________________________________________Pierre de Fermat 3.3 Nascido em 1601 na frança, filho de um próspero comerciante de pele, Pierre de Fermat não conhecia as ciências exatas, pois era um jurista por formação, que futuramente seria um magistrado. A paixão pelos números ocorreu quando restaurava, em 1629, uma obra antiga de Diofanto; isso era comum na época, para ser específico o livro “Aritmética”. Ao restaurar tal livro, nasce um célebre matemático amador, que estudava apenas nas horas vagas, mas o suficiente para se constituir como um dos matemáticos mais respeitados até hoje, pela sua grande colaboração para os vastos conceitos da matemática. Com uma timidez ousada, Fermat o príncipe dos amadores, reaparece com conceitos antigos, esquecidos pelo tempo: Fundador da moderna Teoria dos Números, Fermat tinha particular interesse por esse assunto, parado desde que a biblioteca de Alexandria foi incendiada. (CONTADOR, 2006, p.188) Tinha o poder de despertar em seus amigos cientistas, o interesse pela Teoria dos Números, através de trocas de cartas, mas sempre sem demonstrar nenhum teorema que enunciava. Nessas cartas, Fermat propunha desafios aos colegas, como dizia Contador: Fermat tinha o costume de fazer anotações às margens dos livros que lia, e normalmente essas anotações traziam teoremas sem sua dedução. Era comum Fermat enviar cartas a seus colegas com esses teoremas, depois desafiava seus contemporâneos a encontrarem a dedução. Ele mesmo nunca relatava suas deduções. ( CONTADOR, 2006, p.184) Exemplos de alguns dos teoremas de Fermat: 31 Teorema I: Sejam dois números m e n primos entre si, onde, n é primo: m n −1 é divisível por n. Teorema II: Um número primo da forma 4n+1 pode ser representado como a soma de dois quadrados. Coube ao matemático Leonhard Euler (1707-1783) demonstrar, esses teoremas. O fascínio pela Teoria dos Números levou Fermat a estudar os números primos, desse estudo “nasce” um teorema. Fermat escreve uma carta ao seu amigo, Bernard Frénicle de Bessy (1612-1675) em 1640, enunciando o teorema, como de praxe, não seguia uma demonstração. Fermat afirmou que se p é um número primo e a é um inteiro, então a p congruência se verifica: a ≡ a(mod p ) . (teorema 2.2.2. p.20) Essa congruência pode ser vista como um subsídio para verificar se p é um número primo, isto é, suponha que queremos testar se 47 é um número primo, tendo 47 a = 3, se 3 deixar resto 3 no módulo 47, então o número 47 é primo, isto foi o que Fermat queria dizer com a congruência. Verificando se 47 realmente é um número primo: 310 ≡ 17(mod 47) (3 ) 10 4 ≡ 17 4 (mod 47) 17 4 ≡ 2(mod 47) Por transitividade, isto é, a ≡ b (mod m ) e b ≡ c (mod m ) , então a ≡ c (mod m ) , temos que: 340 ≡ 2(mod 47) 340 ⋅ 37 ≡ 2 ⋅ 37 (mod 47) 2 ⋅ 37 ≡ 3(mod 47) 347 ≡ 3(mod 47) . 32 Portanto, pelo Teorema de Fermat o número 47 é um número primo; este teorema é conhecido como o Pequeno Teorema de Fermat, demonstrado por Euler em 1736. O teste para verificar se um número é primo ou composto, pelo Pequeno Teorema de Fermat falha, por exemplo: queremos testar se 561 é um número primo, utilizando o pequeno Teorema de Fermat, com a = 2. 240 ≡ 1(mod 561) (2 ) 40 10 ≡ 110 (mod 561) 2 400 ≡ 1(mod 561) 2400 ⋅ 2100 ≡ 1 ⋅ 2100 (mod 561) 2100 ≡ 67(mod 561) 2500 ≡ 67(mod 561) 2500 ⋅ 260 ≡ 67 ⋅ 260 (mod 561) 67 ⋅ 260 ≡ 1(mod 561) 2560 ≡ 1(mod 561) 2560 ⋅ 2 ≡ 1 ⋅ 2(mod 561) 2561 ≡ 2(mod 561) Pelo Pequeno Teorema de Fermat o número 561 é um número primo, o que é uma inverdade, visto que, a decomposição de 561 em fatores primos é 561 = 3 ⋅11 ⋅17 , portanto 561 é um número composto. O teorema indica que 561 é um número primo, para esses números compostos que possuem propriedades que se esperam apenas para números primos, chamamos de pseudoprimo. O número 561 é um pseudoprimo de Fermat, esses números são escassos, no Pequeno Teorema de Fermat conjectura-se que os pseudoprimo de Fermat são infinitos. Em uma carta enviada para um matemático, Fermat afirmava ter solucionado o problema matemático, que desafiou Euclides e Eratóstenes e outros matemáticos. 33 Na carta, Fermat dizia que tinha encontrado a chave que abriria o segredo mais oculto da matemática, tinha encontrado uma fórmula precisa e exata dos números 22 + 1 , n ∈ ℕ . n primos, expressa pela seguinte forma: Para n ≤ 4 a fórmula é verdadeira, Fermat acreditou que era para todos os números naturais, talvez pela dificuldade de fazer os cálculos para o próximo n, isto é, para n = 5, à afirmação de Fermat é falsa, pois: 5 22 + 1 = 232 + 1 = 4294967297 = 641 ⋅ 6700417 Não há nenhum estudo que mostre que existam mais números primos de Fermat, além dos primeiros cinco encontrados pelo próprio. Em 1665 Fermat morre, no entanto, é lembrado não por ter sido um magistrado, mas pela contribuição para a matemática e seus inúmeros teoremas sem demonstração. Para a Teoria dos Números Primos, Fermat é responsável por “trazer de novo a aritmética”, perdida nos escombros da antiga biblioteca de Alexandria. ___________________________________________________Leonhard Euler 3.4 Leonhard Euler nasceu em 1707 na cidade de Basileia, aprendeu com o pai o gosto pela matemática, no entanto, o pai de Euler desejava que seu filho fosse clérigo, mas a vocação de Euler não era ser membro da igreja, mas ser acadêmico na Academia de Ciências de São Petersburgo. Em 1726, Euler parte para a Academia de Ciências de São Petersburgo, onde adquiriu um respeito de todos os matemáticos da Europa, principalmente da corte representada por Catarina, a Grande. Euler é visto como águia matemática, por sua grande contribuição para matemática e, porque, se reunirmos todas as suas obras, teríamos aproximadamente entre 60 a 80 volumes. Euler foi tão engenhoso nos conceitos matemáticos, que após 50 anos de sua morte, que ocorreu em 1783, a Academia de São Petersburgo publicava seus trabalhos. O matemático francês, Pierre Simon 34 Marquis de Laplace (1749 – 1827) dizia que Euler era o mestre de todos nós: “Leiam Euler, leiam Euler, ele é o mestre de todos nós”. Euler foi atraído pela Teoria dos Números, influenciado pelo matemático e amigo Christian Goldbach, em troca de cartas. Goldbach conjecturou em 1742 para Euler que todo número par poderia ser expresso pela soma de dois números primos, esse diálogo escrito com Goldbach, abriu caminhos para Euler, que já estudava as conjecturas de Fermat, exibir suas descobertas e demonstrações. Euler foi responsável por demonstrar o Pequeno Teorema de Fermat. Não satisfeito, generalizou o teorema ao introduzir a função como função , que hoje é conhecida de Euler, função essa que gera a quantidade de números primos com um determinado n, contido nos naturais. A função de Euler, são todos os números da sequência: 1, 2, 3, 4,..,n-1, n. Que são primos com n, isto é, se o máximo divisor comum de n com um número m, tal que 1 m n resultar em 1. Então Euler afirmou que, todo inteiro m > 1 , a ∈ ℤ , primo com m vale a congruência: aϕ ( m ) ≡ 1( mod m ) . Ao estudar as obras de Fermat, Euler se depara com problemas sem respostas, um deles é sobre os números primos que Euler investe tempo e estudo para solucionar; tentou ultrapassar as barreiras estabelecidas pelos números primos, pois queria encontrar uma fórmula simples, que fosse a resposta que tanto Euclides desejava encontrar. Nos estudos de Euler, a procura da fórmula dos números primos, se vê frente a uma fórmula quadrática n² + n + 41, onde ele observou que para n entre 0 e 39 essa fórmula quadrática gera números primos, no entanto para n = 40 a fórmula resulta em um número composto, Euler ficou intrigado com essa observação. Todos os matemáticos de Euclides até Euler insistiam para que a matemática abrisse caminhos, que levasse ao segredo dos números primos, mas o caminho era 35 árduo e labiríntico; era primordial que outra pergunta fosse proferida no universo matemático, que pudesse alcançar o mais profundo e complexo conceito para decifrar os números primos. _______________________________________________Carl Friedrich Gauss 3.5 A pergunta que tanto era essencial para desatar os nós dos números primos foi ouvida na voz “do mais notável dos matemáticos”, filho de jardineiro e de mãe analfabeta. Carl Friedrich Gauss se revelou um grande pensador da matemática com três anos, pois nessa idade já corrigia os erros de aritmética de seu pai, aos 15 anos ganhou um livro de logaritmos e se encantou. Mas foi com 17 anos que Gauss decidiu dedicar-se à matemática. O respeito entre os cientistas da época veio quando Gauss tinha 24 anos, ele anunciou que sabia onde os astrônomos deveriam encontrar um corpo celeste perdido, o pequeno planeta Ceres, que foi descoberto pelo astrônomo Giuseppe Piazzi, mas ao passar próximo do sol o planeta desapareceu. O príncipe da matemática, assim é identificado Gauss, quando menino ganhou uma tábua de números primos e sempre se dedicou ao estudo da matemática pura, especificamente a Teoria dos Números; teve um apego pelos números primos, diz-se que todos os dias Gauss contava certa quantidade de números primos. Sua contribuição se deu em quase todos os campos matemáticos. Tinha certa cautela em revelar suas descobertas, que ele reproduzia todas em um diário, com uma escrita que só ele entendia, até hoje não se sabe o significado de muitas palavras contidas nesse diário, como por exemplo, não se sabe o que Gauss quis dizer com “VicimusGEGAN”. Mas o olhar de gênio foi quando Gauss observou e questionou quantos primos tem entre 2 até 1000, entre 2 até 100000 e assim sucessivamente. Ao passo que relacionou números primos com logaritmos, até então, ninguém pensou nessa perspectiva, mas Gauss sim. Então Gauss podia estimar aproximadamente, quantos números primos tinha entre 2 e n pela expressão: 36 n . log n Também inseriu na Teoria dos Números a função de contagem dos números primos representada pela fórmula: 1 dt , n ∈ ℕ. 2 ln t n π ( n) ≅ ∫ A função π ( n ) conta a quantidade de números primos da sequência de 2 a n, devemos salientar que neste caso, π nada tem a ver com o número 3,1415..., se trata apenas de um símbolo para representar a função de contagem dos números primos. A demonstração da aproximação da função π ( n ) dada pela integral definida, e a maneira com que Gauss foi induzido a formalizar foi omitida, uma vez que não cabe a sua demonstração por se tratar de conceitos de nível superior ao nosso trabalho. 37 CAPÍTULO 4 Testes de Primalidade Quanto mais o homem se preocupa com os números, mais os números torturam o homem. Renato Sousa Lopes O insucesso nas tentativas para deduzir uma fórmula precisa e exata dos números primos levou os matemáticos a não afrontar a matemática desses números, visto que diversos matemáticos tinham perdido a batalha intelectual com a rainha das ciências, pois essa, não permitiu que nenhum matemático contemplasse tal fórmula. Quanto mais se estudava sobre os números primos, mais números primos eram encontrados, até o momento em que dizer se um número é primo ou composto, tornou-se uma façanha difícil para os matemáticos. Nesse episódio dos números primos, o interesse em sua totalidade não era deduzir uma fórmula para os primos, mas “simplesmente” afirmar se um número é primo. Observou-se que não havia na teoria dos números primos, um método simples e rápido que verificasse se determinado número é primo, então era necessário criar uma técnica matemática embasada na definição de números primos, que sanasse esse problema, que surgiu no decorrer do estudo dos números primos. O matemático Gauss em 1798 afirmou que: O problema de distinguir os números primos dos números compostos e de exprimir estes últimos à custa de seus fatores primos deve ser considerado como um dos mais importantes e dos mais úteis em Aritmética... A própria dignidade da ciência requer que todos os meios possíveis sejam explorados para a resolução de um problema tão elegante e tão famoso. (1798, apud Ribenboim, 2001, p.11) 38 O crivo de Eratóstenes era uma técnica matemática, para conhecer um número primo, mas trabalhosa para alguns casos, no entanto, era uma técnica matemática, que a partir desse procedimento, levou os matemáticos a pensar em outros métodos para conhecer as propriedades dos números, isto é, se um número é primo ou composto. Os matemáticos sempre buscam construir seus pensamentos em cima dos pilares elementares, o pensamento indutivo do crivo de Eratóstenes, proporcionou isto aos matemáticos. Como é impossível dizer, qual é o próximo número primo em sua sequência ou ver uma fórmula que gerasse somente números primos, poderíamos dizer se um número é primo ou não. Então foi introduzido na Teoria dos Números Primos o Teste de Primalidade que objetiva responder tal pergunta: n ∈ ℕ é um número primo? __________________________________________________Testes Primitivos 4.1 O primeiro modo de dizer se n ∈ ℕ é um número primo, é decompondo n em fatores de números primos, se n tiver apenas um fator primo, isto é, a única forma de fatorar n é o próprio n, então classificamos n, sendo um número primo, do contrário, se n possui em sua α decomposição mais de um fator primo, isto é, α α n = p1 1 ⋅ p2 2 ... pn n , então n, neste caso será um número composto. O crivo de Eratóstenes é considerado um teste de primalidade, pois o crivo permite dizer se p tal que, 2 ≤ p ≤ n é primo ou não. (Capitulo 3, item 3.2) Outro método é pela radiciação, conhecido como Teste da Raiz, este teste é simples, mas executável apenas para um n ∈ ℕ “pequeno”, pois se n for um número com 6 algarismos, por exemplo, o teste se torna exaustivo. Para verificar se n∈ℕ é um número primo, utilizando o Teste da Raiz, basta dividir o número n por todos os primos menor ou igual à n , se nenhum desses números primos menor que a n dividir n, então pelo Teste de Raiz podemos afirmar que n é primo, caso exista um número primo composto. p menor que a n , de forma que esse p | n , então n é um número 39 O Pequeno Teorema de Fermat, também permite saber se um determinado número é primo, como foi visto no capítulo 3, o Teorema, conjecturado pelo matemático Fermat, não leva o nome de Teste de Primalidade, mesmo possuindo a característica necessária para ser classificado como tal, o motivo é que o teorema apresenta pseudoprimos. ___________________________________________________Teste de Lucas 4.2 Considere n um número natural ímpar, e f um número também natural, que satisfaça 2 ≤ f ≤ n − 1 , temos às seguintes condições: i. Se f n −1 ≡ 1(mod n) ; n −1 ii. Se f piαi ≡/ 1(mod n) , onde p são os fatores primos de n − 1 , isto é, n − 1 = p1 1 ⋅ p2 2 ⋅ p3 3 ... pi i , i ∈ℕ . α α α α Se essas condições forem asseguradas, então n é um número primo pelo Teste de Lucas. A demonstração da veracidade do Teste de Lucas será omitida. Exemplo 1: utilizando o Teste de Lucas para verificar se 7 é um número primo: informações para desenvolver o Teste de Lucas, n = 7; n-1 = 6 e f = 5 tal que, 2 ≤ 5 ≤ 6 . O primeiro requisito é verificar se f n −1 ≡ 1(mod n ) , isto é, 56 ≡ 1(mod 7) : 54 ≡ 2(mod 7) 54 ⋅ 52 ≡ 2 ⋅ 52 (mod 7) 56 ≡ 2 ⋅ 52 (mod 7) 2 ⋅ 52 ≡ 1(mod 7) 56 ≡ 1(mod 7) 40 Logo 56 é côngruo a 1 no módulo 7. A segunda condição é trabalhar na congruência os fatores de números primos de n-1, que são 6 = 2 ⋅ 3 . n −1 Na congruência f α pi i ≡/ 1(mod n) , devemos mostrar, para p = 2 que 53 não é côngruo a 1 no módulo 7 o que é verdade, visto que 53 ≡ 6(mod 7) , portanto, 53 ≡/ 1(mod 7) . Para p = 3 devemos mostrar que 5 2 não é côngruo a 1 no módulo 7, o que também é verdade, pois 52 ≡ 4(mod 7) . Logo, pelo Teste de Lucas o número 7 é primo, pois satisfez as duas condições do Teste. ____________________________________________________Teste de Pepin 4.3 A base fundamental do Teste de Pepin se alicerça no número de Fermat, já apresentado no capítulo 3 item 2.1.10, no entanto, escreveremos uma notação 2 2 + 1 , onde n ∈ ℕ . Essa notação n diferente para os números gerados pela fórmula objetiva simplificar os cálculos do Teste de Pepin, tal notação escrita da forma Fn = 22 + 1 . n O b Fn −1 2 número de Fn = 2 2 + 1 n Fermat é primo para n >1, quando, ≡ − 1(mod Fn ) , onde b = 5. Exemplo 1: Testando se F3 é primo. É necessário verificar se a congruência é verdadeira, isto é, se 5 F3 −1 2 ≡ −1(mod F3 ) . F3 = 22 + 1 = 257 ; 3 F3 − 1 = 128 2 Assim sendo, temos que mostrar que 5128 ≡ −1(mod 257) : 510 ≡ 139(mod 257) (5 ) 10 10 ≡ 13910 ( mod 257 ) 5100 ≡ 13910 ( mod 257 ) 41 13910 ≡ 465 ( mod 257 ) 465 ≡ 96 ( mod 257 ) 5100 ≡ 96 ( mod 257 ) 5100 ⋅ 520 ≡ 96 ⋅ 520 (mod 257) 96 ⋅ 520 ≡ 120(mod 257) 5120 ≡ 120(mod 257) 5120 ⋅ 58 ≡ 120 ⋅ 58 (mod 257) 120 ⋅ 58 ≡ −1(mod 257) 5128 ≡ −1(mod 257) . 128 Como mostramos que 5 ≡ −1(mod 257) , podemos afirmar pelo Teste de Pepin que F3 é um número primo. Nos limitamos neste trabalho, a apresentar apenas estes testes de primalidade que nos ajuda a perceber a primalidade dos números 42 CAPÍTULO 5 Uma Aplicação dos Números Primos: RSA Não há ramo da matemática, por abstrato que seja que não possa um dia vir a ser aplicado aos fenômenos do mundo real. Lobachevsky A matemática dos números primos mostrou-se impenetrável, qualquer tentativa para decifrar seus códigos é inútil, no entanto, surge dessa dificuldade um algoritmo. Este algoritmo de criptografia é o RSA que deve o seu nome aos três professores que o criaram: Ronald Rivest, Adi Shamir e Leonard Adleman. O algoritmo tem as suas bases fundamentais alicerçadas no conceito intransitável da matemática: os números primos, isto é, o RSA se mantém indecifrável, uma vez que se une aos números primos. O RSA é um sistema utilizado principalmente em transações bancárias, e agências de segurança, mas também em mensagens de e-mail e compras online, nos dizeres de Sautoy o autor afirma que: A segurança de RSA se baseia na nossa incapacidade de responder questões básicas sobre os números primos. Nosso conhecimento sobre eles é suficiente para gerar esses códigos para a internet, mas não para decifrá-los. Entendemos uma metade da equação, mas não a outra. ( SAUTOY, 2007, p. 21) O algoritmo do RSA utiliza-se de duas chaves, uma pública e a outra privada, onde a chave privada é formada por um par de números (n, d), e a chave pública é formada também por um par de números (n, c). Deve-se escolher adequadamente os números n, d e c, pois eles compõem as chaves do algoritmo. O algoritmo RSA geram as chaves da seguinte forma: 43 i. São escolhidos dois números primos p e q, da ordem de 10100 no mínimo; ii. Faça o produto de p e q, p ⋅ q = n este n é o número presente em ambas às chaves; iii. Escolha c < n, tal que c e (p -1) ⋅ (q -1) sejam primos entre si; iv. Escolha d tal que (c ⋅ d) ≡ 1mod ( p -1) ⋅ ( q -1) . Para converter uma mensagem A (texto-original), onde 0 < A < n em uma mensagem cifrada C (texto-cifrado), devemos utilizar a chave pública (n, c) e aplicar o seguinte algoritmo, que objetiva cifrar a mensagem A. A c ≡ C ( mod n ) assim temos a mensagem cifrada C, pelo algoritmo do RSA. Para decifrar a mensagem C, é necessário utilizar a outra chave, a chave privada (n, d), e aplicar o seguinte algoritmo: Cd ≡ A ( mod n ) assim, temos novamente a mensagem original A. Na prática o algoritmo do RSA funciona assim: vamos relacionar cada letra do alfabeto a um número, isto é: 44 A partir da tabela criptografamos a palavra Número, vamos chamar de m a mensagem simples e de A a mensagem criptografada. m = Número A = 341079719491 Gerando as chaves do algoritmo RSA: São escolhidos dois números primos p e q da ordem de 10100 no mínimo, para exemplificar tomaremos dois números primos p e q “pequenos” de maneira que sejam possíveis os cálculos sem ter a necessidade de usar programa computacional. p = 13 e q = 11. Fazer o produto de p e q ( p ⋅ q = n ) onde n é o número presente em ambas as chaves. n = 13 ⋅ 11 n = 143 Escolher c < n, tal que c e ( p − 1) ⋅ ( q − 1) sejam primos entre si, isto é, mdc c, ( q -1) ⋅ ( p -1) =1. c = 71 (13 -1) ⋅ (11-1) = 120 mdc ( 71,120 ) = 1 Calcular um número d tal que (c ⋅ d) ≡ 1mod ( p -1) ⋅ ( q -1) . 71⋅ d ≡ 1( mod 120 ) d = 191. Assim obtivemos que: n =143 , c = 71 e d = 191, a partir desses dados, temos: Chave Pública (c, n) = (71, 143) Chave Privada (d, n) = (191, 143) 45 Já conhecidas as chaves do RSA é necessário dividir a mensagem A, que é a mensagem criptografada em blocos, no entanto existem duas condições: i. Cada bloco deve ser menor que n = 143; ii. Não se pode iniciar um bloco com o algarismo zero. Assim, temos que: A = 341079719491 A = 34 – 10 – 79 – 71 – 94 – 91 Com a Chave Pública (c, n) = (71, 143) ciframos cada bloco de A com o algoritmo do RSA, utilizando a congruência: A c ≡ C ( mod n ) onde C é a mensagem cifrada, fazendo os cálculos, temos: 3471 ≡ 122 ( mod143 ) 1071 ≡ 43 ( mod143 ) 7971 ≡ 79 ( mod143 ) 7171 ≡ 115 ( mod143 ) 9471 ≡ 61( mod143 ) 9171 ≡ 91( mod143 ) portanto C = 122 – 43 – 79 – 115 – 61 – 91 , isto é, C = 12243791156191. Para decifrar a mensagem C, temos que utilizar a Chave Privada (d, n) = (191, 143), juntamente com a congruência específica e dividir a mensagem em blocos com as mesmas condições: i. Cada bloco deve ser menor que n = 143; ii. Não se pode iniciar um bloco com o algarismo zero. 46 Assim temos que: C = 12243791156191 C = 122 – 43 – 79 – 115 – 61 – 91. utilizando a congruência Cd ≡ A ( mod n ) em cada bloco, para decifrar a mensagem, onde A é a mensagem inicial criptografada através da tabela 1. 122191 ≡ 34 ( mod143 ) 43191 ≡ 10 ( mod143 ) 79191 ≡ 79 ( mod143 ) 115191 ≡ 71( mod143 ) 61191 ≡ 94 ( mod143 ) 91191 ≡ 91( mod143 ) Assim temos que: A = 34 – 10 – 79 – 71 – 94 – 91, voltando à tabela 1, e decodificando a mensagem A, temos: A=N–ú–m–e–r–o A = Número Uma das Maneiras de quebrar o algoritmo RSA seria conhecer os números primos p e q que são fundamentais na construção do algoritmo, levando em consideração que tanto p como q são números primos da ordem de 10100 no mínimo, Lemos afirma que: Caso por engano, jogássemos fora os primos p e q, e mantivermos apenas o seu produto n, as maneiras mais promissoras para recuperar p e q seriam procurar no lixão ou usar técnicas de hipnose, o que parece ser uma derrota da matemática. ( LEMOS, 2005, p. 78) 47 Como vimos, o algoritmo RSA é um algoritmo seguro e um exemplo de aplicação dos números primos que parece ser eficaz, já que o mesmo é utilizado nos dias atuais, mesmo com toda tecnologia que temos. 48 CONSIDERAÇÕES FINAIS A temporada à procura da fórmula dos números primos inicia-se através do matemático Euclides de Alexandria provando a infinitude dos números primos e até hoje essa busca continua, “seria necessário Prometeu roubar a fórmula divina e dar aos mortais?”. (lembrando que Prometeu furtou o fogo divino, com o qual presenteou a Humanidade) Qual a fórmula exata e precisa dos números primos? Diante dessa pergunta toda a comunidade científica matemática silencia-se, ainda não há um matemático que consiga romper com esse silêncio. Enquanto não temos a fórmula dos números primos para analisar e entender seus mistérios, devemos nos embasar nos caminhos encontrados pelos matemáticos rumo a essa fórmula, caminhos esses que formam os teoremas e definições que cada vez mais nos aproximam de compreender de fato um pouco mais sobre os números primos. O presente trabalho aborda este caminho, iniciando nos conceitos primordiais da matemática que são os números naturais até chegar ao objeto de estudo que são os números primos. Segundo o escritor Rubens Alves (1995): "A coisa não está nem na partida e nem na chegada, mas na travessia" e, é essa travessia que valorizamos, isto é, apresentamos de forma sucinta um pouco da história dos números primos desde os tempos de Euclides aos pensamentos revolucionários de Gauss até o algoritmo do RSA, tudo com o objetivo de reunir alguns conhecimentos e alguns matemáticos mais significativos para a teoria dos números primos, e assim adquirir conhecimentos necessários para dialogar com o universo desses números. Ao reunir tais conhecimentos podemos, de forma implícita, margear a tão sonhada fórmula dos números primos, pois compreendemos que a matemática não despreza os conhecimentos anteriores, mas são esses os alicerces fundamentais da teoria, neste caso, a teoria dos números primos. Nessa perspectiva trabalhamos a história desses números, de acordo com os PCNs (1998, p. 43) que acentua a importância da história da matemática, afirmando que: 49 Em muitas situações, o recurso à história da matemática pode esclarecer ideias matemáticas que estão sendo construídas [...], especialmente para dar respostas a alguns “porquês” e, desse modo, contribuir para a constituição de um olhar mais crítico sobre os objetos de conhecimento. Em suma, o trabalho aprecia a importância da história da matemática para entender de fato os conceitos matemáticos, sendo nessa vertente que relacionamos a “matemática abstrata” com a “história da matemática”, de modo que o trabalho possa contribuir tanto para quem compreende a matemática, quanto para aqueles que não são integrados aos seus conceitos. 50 REFERÊNCIAS ALVES, Rubens. Estórias de quem gosta de ensinar: O fim dos Vestibulares.11. editora. Campinas, SP:Papirus, 2007. Ávila, Geraldo. A Distribuição dos Números Primos. 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MOREIRA, Carlos G.; SALDANHA Nicolau. Primos de Mersenne (e outros primos muito grandes). 3. ed. Rio de Janeiro: IMPA, 2008. PERUZZO, Jucimar. O Fascínio dos Números Primos. Santa Catarina: Irani. 2012. RIBENBOIM, Paulo. Números Primos: Velhos Mistérios e Novos Recordes. Rio de Janeiro: IMPA, 2001. SAUTOY, Marcus du. A Música dos Números Primos: A História de um Problema não Resolvido na Matemática. Tradução: Diego Alfaro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2007. SILVA, Valdir. V. Números: Construção e Propriedades. Goiânia: UFG, 2005.