Educação para além das evidências, dos resultados: em busca das soluções
Neide Martins Arrias1
A definição da temática nos termos aqui referidos no título do artigo tem como
motivação uma trajetória de 35 anos de docência e uma vontade de anunciar o que podemos
fazer e não o que nos é impedido de fazer.
Já em 2005 esboçava minha indignação escrevendo que os números poderiam falar por
si sós, pois não era possível ver o Brasil, oitava economia mundial, ocupando o 72º lugar –
num ranking de 127 nações – quando o assunto é fornecer boa educação aos cidadãos
(UNESCO, 2004); ter 77% dos brasileiros que têm entre 15 e 64 anos analfabetos funcionais
(IBOPE, 2004); ter 59,7% das crianças que cursaram a 4ª série do Ensino Fundamental no
estágio crítico/muito crítico de aprendizagem em português; 56% em matemática e apenas
2,8% no estágio considerado adequado em português e 3,7% em matemática (SAEB, 2004);
ocupar o último lugar (40ª) em Matemática, o 37ª em Leitura e 39ª em Ciências na avaliação
do Pisa (INEP, 2003) sem que se soassem alarmes.
Já nesta época, frente a este quadro, se fazia necessário pensar em algumas soluções,
pois não basta realizar a denúncia era preciso promover anúncios. Por que retomo esses
anúncios? Simplesmente porque pouca coisa foi, concretamente, realizada para alterar esses
resultados.
Fazendo um recorte nas inúmeras possibilidades de indicadores quantitativos que
temos hoje, pegarei o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e, dentro dele,
ver nosso Estado de Santa Catarina nos últimos anos em relação aos anos iniciais do Ensino
Fundamental aos anos finais do Ensino Fundamental e o Ensino Médio:
Vejamos os dados:
Anos iniciais do Ensino Fundamental
Ideb Observado
Metas Projetadas
Estado 2005 2007 2009 2011 2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019 2021
Santa
Catarina
4.4
4.9
5.2
5.8
4.5
4.8
5.2
5.5
5.8
6.0
6.3
6.5
Anos Finais do Ensino Fundamental
Estado 2005 2007 2009 2011 2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019 2021
Santa
Catarina
4.3
4.3
4.5
Ensino Médio
Ideb Observado
2005 2007 2009 2011
3.8
4.0
4.1
4.3
1
4.9
2007
3.8
4.3
4.5
4.7
5.1
5.5
5.7
2009
3.9
2011
4.1
Metas Projetadas
2013 2015 2017
4.4
4.7
5.2
6.0
2019
5.4
6.2
2021
5.6
Palestra de encerramento do XXV Simpósio Catarinense de Administração da Educação, em Blumenau/SC, de
4 a 6 de novembro de 2013.
Analisando os resultados, vemos que obtivemos alguns avanços, mas que os mesmos
não brilham aos olhos, muito menos entusiasmam para continuar. Ao contrário, muitas vezes,
ver esses resultados pode provocar certo desânimo. Um desânimo coletivo na sociedade:
professores, diretores, pais, alunos. Por que esses números revelam que estamos fazendo
muito pouco pela educação e fazer pouco pela educação significa fazer pouco pela nação
brasileira, pela nossa juventude? Devíamos, a partir desses resultados, fazer as seguintes
perguntas:
Por que esperar até 2021 para atingir 6,0? O que está sendo feito, em relação aos dados
coletados no Ensino Médio? Quais políticas foram traçadas para de fato reverter e enfrentar os
resultados obtidos nos últimos dez anos, principalmente no Ensino Médio, que tem se
mostrado, nesse período, a maior fragilidade? Ou vamos comemorar que em seis anos saímos
de uma pontuação de 3,8 para 4,3?
O propósito neste simpósio com tema tão sugestivo – Gestão escolar: compromisso
com os resultados – abre a possibilidade de exercitar não apenas as “denúncias”, mas de
propor alguns “anúncios”. Nada de coisas inatingíveis, ao contrário, partirei de coisas
relativamente simples que poderiam ser realizadas em qualquer escola.
A primeira delas seria a necessidade de uma reorganização dos conteúdos, através do
planejamento pedagógico dos professores realizado junto aos coordenadores pedagógicos das
escolas, buscando identificar o que é realmente significativo aprenderem, ou seja, dizer não à
quantidade e priorizar a qualidade do que se ensina.
Seguindo o que afirma Rubens Alves, todo professor deveria se perguntar: “Isso que
estou ensinando é ferramenta para quê? De que forma pode ser usada? Em que aumenta a
competência dos meus alunos para cada viver sua vida?” Essas questões encaminham para um
“fazer” para uma “aplicabilidade” daquilo que se ensina como sendo uma tendência mundial
nos dias atuais.
Precisamos aprender a defender a escola de forças adversas, de hostilidades. Aprender
a imaginar como gostaríamos de ocupar esse espaço e protegê-lo. Um espaço que resguarde
nossas frustrações, decepções e acolha nossos sucessos com a mesma medida. Aprender a
habitar um espaço que se quer fazer feliz, por vezes começa quando coletivamente pensamos
a escola como um lugar de aprendizagem. Precisamos poder dizer como habitamos nosso
espaço vital considerando todas as dialéticas da vida, como nos enraizamos em um espaço
comprometido com tantos outros sujeitos que aguardam oportunidades para aprender. Como
estará sendo construída a memória de escola dos estudantes brasileiros? Qual é a nossa
lembrança de escola? Temos na lembrança apenas indicadores de fracasso? Como enfrentar
este inventário cultural para que outro tome lugar?
Nesses termos as universidades também precisam repensar suas práticas e políticas de
formação de professores. O início talvez aconteça com uma ressignificação de conteúdos. O
que ensinar, também deveria passar por uma discussão maior nos currículos dos cursos de
Licenciatura oferecidos pelas universidades. Nesses cursos deveriam ser privilegiadas a
importância e a necessidade de cada disciplina para a formação profissional docente e cidadã,
evitando que elas sejam pensadas e distribuídas apenas por critérios corporativistas, que visem
a contemplar esta ou aquela carga horária, empregar este ou aquele professor.
Nesta perspectiva, o processo de ensino/aprendizagem deve cuidar para ampliar as
dimensões dos conteúdos específicos dos diversos componentes curriculares,
incluindo ações que possibilitem o desenvolvimento e a valorização de todas as
competências intelectuais. (SMOLE, 2000).
Confirmando isso, José Pacheco, diretor da reconhecida Escola da Ponte, em Portugal,
alerta: “os conteúdos aprendidos no ensino fundamental e médio logo mais serão esquecidos e
se tornarão desnecessários. Mas quem aprende a estudar, pesquisar, pensar e quem se sente
desafiado a aprender carrega este patrimônio até o fim da vida.” Portanto, é fundamental
resgatar nos nossos alunos a paixão pelo conhecimento. Penso que isso só é possível, através
de uma reformulação didático-metodológica da sala de aula onde se busque outra lógica entre
o ensinar e o aprender. Nesta outra lógica o prazer em aprender seria mais valorizado que a
obrigação do ensinar, entretanto, esta nova visão teria que imaginar outra avaliação de
aprendizagem.
Quero afirmar que esta “proposta” de mudança não se trata de uma invenção, um
desejo pessoal ou um simples posicionamento ideológico, pelo contrário, ela se encontra
embasada em alguns documentos que sustentam os PCNS, entre eles os Pilares da Educação
para o século XXI, em que o meio e a finalidade da educação seriam:
Meio: porque se pretende que cada um aprenda a compreender o mundo que o
rodeia, pelo menos na medida em que isso lhe é necessário para viver dignamente,
para desenvolver as suas capacidades profissionais, para comunicar. Finalidade:
porque seu fundamento é o prazer de compreender, de conhecer, de descobrir.
(DELORS, 1996, p. 90-91).
Esta forma de pensar a educação nos levaria a uma segunda sugestão, que está
implícita na primeira, que seria privilegiar a formação plena dos nossos alunos nos Pilares
da Educação para o século XXI, propostos pela UNESCO: Conhecer, Fazer, Viver juntos e
Ser. Neste desenvolvimento pleno haveria um equilíbrio entre a formação cognitiva
(intelectual) e afetiva (atitudes e valores), o que certamente traria muitos benefícios para a
sociedade.
Desta forma, eles serviram para a formação de uma concepção própria de
aprendizagem abrangente, unificadora e totalizadora do que é aprender, o que culminou em
uma visão crítica e de indissociabilidade entre teoria e prática, assim o aluno passaria a ser
visto em todos os seus aspectos: cognitivo, afetivo e psicomotor. Portanto, esta visão de
desenvolvimento pleno do aluno não admitiria uma avaliação que privilegiasse um ou outro
aspecto, pois uma das funções sociais que se atribui à educação é a formação integral do
indivíduo.
Ou fazemos isso ou rasgamos a Constituição Federal de 1988, pois, em seu art. 205, a
educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Além da Constituição temos ainda a LDB, que traz no capítulo que trata dos Princípios
e Fins da Educação Nacional, art. 2º, que a educação, dever da família e do Estado, inspirada
nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho.
A este respeito, Zabala (1998, p. 28) apresenta a seguinte questão:
Até hoje, o papel atribuído ao ensino tem priorizado as capacidades cognitivas, mas
nem todas, e sim aquelas que se têm considerado mais relevantes e que, como
sabemos, correspondem à aprendizagem das disciplinas ou materiais tradicionais.
Na atualidade, devemos considerar que a escola também deve se ocupar das demais
capacidades ou esta tarefa corresponde exclusivamente à família ou outras
instâncias? Por acaso é dever da sociedade e do sistema educacional atender todas as
capacidades da pessoa?
Para ele, se a resposta for afirmativa, se acharmos que a escola pode promover a
formação integral dos alunos, teremos que identificar instrumentos rigorosos de
acompanhamento desta formação e, consequentemente, de seu crescimento como um todo, e
avaliar se a nossa intervenção é coerente; nisto é que estaria nossa função social como
educadores.
Entretanto, sabemos que para esta reformulação didático-metodológica muitas coisas
seriam necessárias, uma delas, insisto, e a principal, seria o modo de realizar a avaliação de
aprendizagem, pois deveria assumir uma função de apoio da aprendizagem, ou seja, deveria
subsidiar e acompanhar o processo de aprendizagem do aluno, isto é, assumir seu caráter
formativo significa abrir espaço para questionar, investigar, ler as hipóteses do educando,
refletir sobre a ação pedagógica a fim de replanejá-la. Não basta tomar a avaliação como
provas, exames, memorização de dados, como muitas vezes vem sendo utilizada, trata-se de
uma ferramenta para compreender a aprendizagem do aluno ou então as dificuldades para
alcançá-la. Ela passaria a ser realmente um processo construído e vivenciado, por alunos e
pelo professor, para acompanhamento da aprendizagem.
Para isso teríamos novamente o amparo da LDB/1996, em seu art. 24: “V – a
verificação do rendimento escolar observará os seguintes critérios: a) avaliação contínua e
cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os
quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais”.
Teríamos também apoio de várias teorias, entre elas a de Zabala (1998, p. 103), ao
afirmar que
a avaliação só tem sentido para a aprendizagem quando os resultados permitem ao
aluno continuar progredindo. E isto só será possível quando a avaliação dos
resultados que se transmite ao aluno for feita com relação a suas capacidades e ao
esforço realizado. Este é provavelmente o único conhecimento que é preciso saber
com justiça, já que é o que permite promover a autoestima e a motivação para
continuar.
Tudo isso seguido bem de perto pelos programas de autoavaliação previstos em todos
os Projetos Político-Pedagógicos das escolas, onde, através dos mesmos, poder-se-iam
traçar indicadores internos precisos da qualidade de cada uma das escolas e, a partir dos
mesmos, definir prioridades e as converter em metas educativas concretas para o poder
público investir corretamente os recursos. Tudo isso dentro de um processo democrático que
envolveria todos os sujeitos das escolas: alunos, professores, gestores, servidores e pais
construindo uma verdadeira participação na escola.
É claro que isso não aconteceria no curto prazo ou com medidas eleitoreiras. Para
ocupar hoje os primeiros lugares nos rankings avaliativos mundiais a Finlândia precisou de
quase quinze anos de trabalho duro e sério voltado para uma educação de qualidade. Na nossa
realidade isso não seria diferente, talvez um bom começo fosse investir na formação inicial e
continuada de professores, usando também este equilíbrio entre teoria (conhecer) e prática
(fazer), preparando os professores para o exercício da docência de fato, algo que nem sempre
vem acontecendo.
Os indicadores acima listados não devem nos desanimar, ao contrário, devem nos
possibilitar abrir os olhos para os verdadeiros problemas educacionais. Desse modo, seremos
convocados a pensar sobre a pertinência ou não de políticas públicas, publicizar os
indicadores para definir metas e buscar outra qualidade para escola sempre que isso se fizer
necessário. Não podemos ficar imobilizados diante dos dados, procurando desculpas, mas
enfrentando o que nos cabe e chamando a atenção para o que é da responsabilidade de outros
e assim nos motivarmos à busca de soluções concretas. Ou seja, eles servem para nos orientar
nas escolhas de políticas públicas que visem à qualidade; oferecem pistas certeiras de como se
melhorar os cursos de formação inicial e continuada dos professores; torna transparente,
democrático à sociedade a gravidade destes números e como ela vem sendo a principal
prejudicada neste processo possa exigir mudanças, pois não é nada fácil manter um filho na
escola por tantos anos e depois colher números tão inexpressivos como os apontados
anteriormente.
Para isso se faz necessário uma terceira e última sugestão: que os Projetos PolíticoPedagógicos dos cursos de Licenciatura defendam uma formação docente forte e inovadora
por meio de estágios bem realizados e de responsabilidade de acompanhamento das
universidades. É claro que para isso estes indicadores avaliativos devem ser amplamente
divulgados e discutidos por esta sociedade. A mídia vem fazendo sua parte nesse
esclarecimento, mas acredito que ainda pode ser melhorado, como, por exemplo, promover
fóruns de discussões com a comunidade aproximando-a mais destes resultados, pois
assim estaria contribuindo para que ela ocupe seu devido lugar na reivindicação de um ensino
de maior qualidade para seus filhos, o qual tem direito.
Talvez assim fosse possível devolver a alegria ao processo de ensino-aprendizagem,
pois como professora há três décadas com experiência em todos os graus de ensino, ouso
afirmar que conheço muito bem o espaço pedagógico e seus principais autores: alunos e
professores.
Deste modo, posso dizer que para os alunos, com toda certeza, a alegria em aprender
traria um novo ânimo e faria com que a aprendizagem de fato ocorresse. Aos professores
tornaria o processo mais leve, o que poderiam reverter os resultados tão perversos apontados
no início deste artigo, também seria uma forma de resgatar sua dignidade e ver seu trabalho
reconhecido, coisas que quase não vêm ocorrendo nos dias atuais.
Acredito, ainda que da nossa capacidade, da nossa experiência como educadores
podemos gerar formação e transformação. Para isso precisamos de tempo, vivência, de
administrar perigos, atravessar fronteiras, menos informação e mais estudo, repensar nossos
entendimentos sobre o trabalho, seus excessos e suas simplificações, menos opinião e mais
silêncio pedagógico para construir conceitos, não aqueles mesmos, mas aqueles que falam de
nossas salas de aula reais e não imaginárias.
É chegada a hora que possamos viver nessa condição: criaturas que habitam espaços
concretos e materiais, mas que não desistam de sonhar, de desejar habitar também os
espaços futuros, mais leves, arejados e dignos onde educadores de fato redescubram o valor
de sua profissão e a necessária interlocução com toda a comunidade escolar. Concluiria
dizendo que só isso faria com que educação não fosse asfixiada por seus problemas, mas sim
repensada para suas soluções.
Referências
BITTENCOURT, Neide Arrias. Avaliação de aprendizagem no ensino superior: um
processo construído e vivenciado. Tese (Doutorado), FEUSP, 2001.
BRASIL. Congresso Nacional. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília:
DOU, 1988.
______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Brasília: DOU, 1996.
DELORS, Jaques et al. Educação um tesouro a descobrir. Relatório para UNESCO da
Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI. Portugal: Edições ASA, 1996.
INEP. Institucional. Disponível em: <http://inep.gov.br/web/portal-ideb> Acesso em: abril
2014.
INEP. Institucional. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/web/saeb/aneb-e-anresc>
Acesso em: abril 2014.
SMOLE, Kátia C. Stocco. Aprendizagem significativa: o lugar do conhecimento e da
inteligência. Revista aprendiz/aprenderonline, 01/08/2000.
ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.
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