ESTUDO DE CASO leiomioma de esôfago tratado por via endoscópica em mulher de 41 anos etários wendel dos santos Furtado, diego Antonio Calixto de Pina Gomes Mello, Vitorino Modesto dos santos, wilian Pires de Oliveira Júnior e walter ludwig Armin schroff rEsUMO Leiomioma é a neoplasia benigna mais comum do esôfago. Entretanto, esse tumor é considerado raro e persistem controvérsias quanto à melhor opção para seu tratamento cirúrgico. Relata-se o caso de paciente com 41 anos de idade, com epigastralgia e disfagia de longa duração. A endoscopia digestiva revelou lesão esofágica, mas sucessivas biopsias foram inconclusivas. O tumor foi extirpado com sucesso por ressecção endoscópica, utilizando-se alça de polipectomia. O estudo microscópico da peça cirúrgica estabeleceu o diagnóstico de leiomioma esofágico. Enfatizam-se dificuldades de diagnóstico e para a obtenção de amostras teciduais adequadas dessa rara entidade. Palavras-chave. Leiomioma; esôfago; tratamento; neoplasia de esôfago; esofagoscopia ABSTRACT wendel dos santos Furtado – médico, titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, Hospital das Forças Armadas, Brasília-DF, Brasil diego Antonio Calixto de Pina Gomes Mello – médico-residente de Cirurgia Geral, Hospital das Forças Armadas, Brasília-DF, Brasil Vitorino Modesto dos santos – médico, doutor, professor, Universidade Católica de Brasília, Hospital das Forças Armadas, Brasília-DF, Brasil wilian Pires de Oliveira Júnior – médico-residente de Cirurgia Geral, Hospital das Forças Armadas, Brasília-DF, Brasil walter ludwig Armin schroff – médico-residente de Cirurgia Geral, Hospital das Forças Armadas, Brasília-DF, Brasil Correspondência. Vitorino Modesto dos Santos. Hospital das Forças Armadas, Estrada do Contorno do Bosque s/n, Cruzeiro Novo, CEP 70.658-900, Brasília-DF. Telefone: 61 39662103. Fax: 61 32331599. internet: [email protected] Recebido em 31-8-2012. Aceito em 10-10-2012. Os autores declaram não haver potencial conflito de interesses. Esophageal leiomyoma treated by endoscopy in a 41-year-old woman Leiomyoma is the most common benign neoplasm of the esophagus; however, this tumor is considered a rare condition, and the best option for surgical treatment is still controversial. The case of a 41-year-old woman presenting with longstanding epigastric pain and dysphagia is reported. Digestive endoscopy showed the esophageal lesion, but repeated biopsies were inconclusive. The tumor was successfully excised by endoscopic resection performed with a loop for polypectomy. Microscopic study of the surgical specimen led to the diagnosis of esophageal leiomyoma. Difficulties in establishing a correct diagnosis and obtaining adequate tissue samples of this rare entity are emphasized. 284 • Brasília Med 2012;49(4):284-288 Key words. Leiomyoma; esophagus; treatment; esophageal neoplasms; esophagoscopy. iNTrOdUÇÃO O leiomioma representa 0,4% a 10% das neoplasias do esôfago.1-3 Sua frequência varia de três casos em 10.000 necropsias até 51 casos em 1.000 necropsias.4,5 Dentre os tumores esofagianos benignos, é o mais comum – 60% a 80% dos casos.1,2,6 Geralmente acomete indivíduos com mais de 40 anos de idade, Wendel dos Santos Furtado e cols. • Leiomioma de esôfago mas é descrito em pacientes com idade de 20 a 60 anos, com predomínio entre os homens.2,4-6 Localiza-se nos terços médio (30%) e distal (60%) do esôfago, sendo incomum na porção proximal (10%) do órgão.1-7 Foram descritas lesões de 1 cm a 29 cm de diâmetro, mas usualmente é menor que 6 cm.5,6 Na maioria dos casos, a lesão é única, mas pode acometer difusamente o esôfago – a leiomiomatose.3,5,7-9 Essa condição se associa com a síndrome de Alport e o volvo gástrico e ocorrem leiomiomas genitais, retais e no trato respiratório.3,5,7-9 Na leiomiomatose, o espessamento de até 4 cm é difuso e afeta a muscular própria, usualmente no terço inferior do órgão, simulando acalasia.3,9 Na maioria dos casos, o leiomioma esofágico é assintomático, mas disfagia e dor torácica são as queixas mais comuns.1,2,4,5 O aspecto clássico do leiomioma consiste de feixes de células musculares lisas com citoplasma eosinofílico e fibrilar, podendo apresentar calcificações.1 Relata-se o caso de uma mulher de meia idade com história de epigastralgia e disfagia de longa duração. A alteração esofágica foi observada na endoscopia, mas repetidas biopsias tiveram resultados inconclusivos. O diagnóstico de leiomioma submucoso foi estabelecido por estudo do espécime cirúrgico obtido durante endoscopia digestiva com utilização de alça de polipectomia para a ressecção do tumor. Dificuldades diagnósticas relacionadas com o resultado de biopsias realizadas no pré-operatório são enfatizadas no presente relato, mas o objetivo é divulgar o estudo de caso de uma entidade rara que foi tratada com sucesso com uso de uma técnica de ressecção não convencional. rElATO dO CAsO Mulher branca de 41 anos etários apresentou episódios de epigastralgia em queimação havia um ano e, nos últimos quatro meses, passou a sentir disfagia ao ingerir alimentos sólidos. Procurou atendimento no Hospital das Forças Armadas e tanto o exame físico como os exames laboratoriais não evidenciaram alterações. A tomografia computadorizada de tórax, na mesma ocasião, mostrou espessamento parietal assimétrico no terço médio do esôfago com densidade de partes moles, um achado compatível com leiomioma. A endoscopia digestiva alta em D1 revelou lesão esofagiana arredondada de 2 cm, coberta por mucosa normal e distante 30 cm da arcada dentária superior, além de pangastrite (figura 1A). O exame histopatológico de amostra da biopsia não evidenciou alterações, fato que exigiu a repetição de endoscopia e a realização de “biopsia sobre biopsia” em D40, para obter tecido da submucosa (figura 1B). O exame anatomopatológico da nova amostra também não revelou anormalidades, e a causa da massa permaneceu indefinida em virtude da insuficiência de dados histopatológicos. O diagnóstico definitivo de leiomioma (figura 2) resultou da terceira endoscopia digestiva alta (figura 1C) realizada em D75, quando a alça de polipectomia foi utilizada para a retirada da lesão. Nove meses após a cirurgia, a endoscopia digestiva alta de controle não revelou alterações (figura 1D). Assintomática, a paciente permanece em seguimento ambulatorial. Figura 1. A – primeira endoscopia digestiva alta mostra lesão submucosa no esôfago (setas), distante 30 cm da arcada dentária superior. B – segunda endoscopia digestiva alta mostra o local da “biópsia sobre biópsia” (setas). C – terceira endoscopia digestiva alta destaca onde seria retirada a lesão (setas) com uso da alça de polipectomia. D – endoscopia digestiva alta de controle evolutivo tardio, sem evidência de resíduo da lesão. Brasília Med 2012;49(4):284-288 • 285 ESTUDO DE CASO Figura 2. Fotomicrografias com ampliações, de amostra da biópsia do tumor. Numerosos feixes uniformes entrelaçados de células musculares lisas, com citoplasma eosinofílico e fibrilar, núcleos alongados e ausência de mitoses (HE, com aumento original de 40x). disCUssÃO A doente tinha 41 anos na ocasião do diagnóstico, em concordância com a literatura, já que esse tumor esofágico é mais comum entre os 20 e 50 anos.2 No entanto, a ocorrência desse tumor é menos comum entre as mulheres e a frequência relativa dos casos descritos é de 2:1 a 5:1.2,5 Geralmente, o leiomioma esofagiano é assintomático e constitui achado incidental. A paciente sentia epigastralgia, fato que levou à realização de endoscopia digestiva alta, que revelou gastrite como causa provável da dor. Também foi observada lesão esofagiana arredondada com cerca de 2 cm de diâmetro, bem delimitada e sem ulceração mucosa, localizada a 30 cm da arcada dentária superior (figura 1A). Com a evolução do quadro, a paciente apresentou disfagia, outro sintoma comum do leiomioma, que deve ser diferenciado de outros tumores benignos, inclusos fibroma, lipoma, neurilemoma, hemangioma, linfangioma, papiloma escamoso, pólipo fibrovascular e mioblastoma de células granulares; além de malignidades, como carcinomas e tumores do estroma gastrointestinal.1,2 Dificuldades diagnósticas iniciais se devem primeiro aos sintomas inespecíficos, frequentemente relatados por pacientes com leiomioma esofágico. Além disso, não se considera conclusiva a especificidade de achados dos exames de imagem, embora esses recursos sejam muito úteis. Na radiografia de tórax, pode apresentar-se como massa mediastinal, mas em geral causa discreto abaulamento submucoso ou redução do lúmen nos exames baritados.9 A tomografia 286 • Brasília Med 2012;49(4):284-288 computadorizada pode mostrar lesão homogênea de tecido mole, intramural ou excêntrica que, raramente, é circunferencial.1,5 A mucosa frequentemente está normal e a ressonância nuclear magnética pode revelar imagens em T2 com captação sem anormalidades.5,7 A ecoendoscopia é usada para definir os limites do tumor1,4,10 e mostra cinco camadas do esôfago: 1) hiperecogênica, mucosa superficial; 2) hipoecogênica, mucosa e muscular da mucosa; 3) hiperecogênica, submucosa; 4) hipoecogênica, muscular própria; 5) hiperecogênica, adventícia.9 O diagnóstico definitivo exige análise histopatológica do tecido neoplásico que se obtém por biopsia pré-operatória ou da peça resultante de ato cirúrgico. Entretanto, devem ser evitadas as biopsias o quanto possível; podem ser inconclusivas por escassez de material da submucosa ou originar reação inflamatória que interfere na operação.1,2,4,5,7,10-13 As dificuldades em relação ao exame anatomopatológico estão exemplificadas no presente caso, pois a biopsia realizada na primeira endoscopia digestiva alta não forneceu material suficiente para esclarecer a natureza histológica da lesão, fato que determinou a repetição do procedimento endoscópico. Na segunda endoscopia digestiva alta, a lesão se mostrou inalterada e foi realizada outra biopsia no mesmo local. Novamente, porém, não se obteve amostra de tecido neoplásico. Realizou-se a terceira endoscopia digestiva alta, e o tumor foi removido com o auxílio de alça para polipectomia. O exame histopatológico estabeleceu o diagnóstico de leiomioma esofagiano. A literatura é controversa quanto ao tratamento de preferência para esse tipo de tumor do esôfago, e Wendel dos Santos Furtado e cols. • Leiomioma de esôfago não se estabeleceram diretrizes que determinem quando o tratamento deve ser cirúrgico ou expectante. Levam-se em conta a localização e o volume da lesão, a presença de sintomas, as alterações da mucosa, a taxa de crescimento do tumor, o estado clínico geral e as comorbidades.1,5,6 A conduta é de expectativa vigilante para os tumores assintomáticos e menores que 5 cm.2,6 Em geral, preconiza-se conduta cirúrgica quanto aos tumores com grande volume ou sintomáticos.1,2 Embora a ocorrência de transformação maligna no leiomioma seja muito rara (0,2%),11 alguns autores indicam a ressecção do tumor em todos os portadores, considerando-se essa possibilidade.1,4,6,7,12 Digno de nota é que imagens de F-fluorodesoxiglicose PET/TC podem simular malignidade.8 A toracotomia para enucleação do tumor tem sido substituída por técnicas menos invasivas, como toracoscopia, laparoscopia e endoscopia, porém ainda é o tratamento mais largamente utilizado e tem baixa morbimortalidade.1,2,4 A videotoracoscopia é o tratamento de eleição nos casos de leiomioma esofagiano situado no terço inferior;2 mas a laparoscopia realizada com assistência manual também pode representar uma eficaz alternativa.13 A ecoendoscopia tem importância na ressecção de tumores situados na muscular da mucosa, o que define qual a melhor opção – ressecção endoscópica da mucosa ou dissecção endoscópica da submucosa.6,14,15 A endoscopia digestiva é indicada para a retirada de tumores da mucosa ou da muscular da mucosa com até quatro centímetros,10-12 ou de tumores malignos sem metástase linfonodal e passíveis de ressecção por essa via.15 No presente caso, a lesão estava no terço médio do esôfago torácico, cerca de 27 a 32 cm da arcada dentária superior. A ressecção endoscópica que, comprovadamente, é eficaz para tratar tumores de 2 cm a 4 cm, foi realizada com sucesso, e a evolução pós-operatória transcorre sem complicações. Não recorreram sintomas durante o acompanhamento ambulatorial, e a endoscopia digestiva alta de controle não evidenciou recidiva da neoplasia esofágica nove meses depois de sua total remoção. No presente caso, a indicação da retirada por via endoscópica baseou-se em ser uma lesão sintomática pequena e sem diagnóstico definido, localizada no esôfago médio. A remoção endoscópica teve propósitos diagnósticos,16 e não terapêuticos. Tratando-se de lesão de crescimento exofítico, apesar de séssil, sua retirada foi possível por meio do uso de alça de polipectomia, após sua elevação por infiltração de cloreto de sódio 0,9% em sua base.17 A revisão da literatura realizada a propósito do presente relato não teve a intenção de buscar casos de resolução cirúrgica endoscópica para o leiomioma esofagiano. Todavia, este estudo de caso pode contribuir como exemplo de que é possível a remoção endoscópica dessa neoplasia de esôfago conforme previamente descrito em casos de lesões pediculadas ou pequenas.5,16,18-20 Os relatos de caso podem contribuir para aumentar o índice de suspeita e o conhecimento a respeito de condições pouco descritas, incluindo-se desafios para o diagnóstico e diferentes opções de manuseio. rEFErÊNCiAs 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. Asteriou C, Konstantinou D, Lalountas M, Kleontas A, Setziz K, Zafiriou G, et al. Nine years experience in surgical approach of leiomyomatosis of esophagus. World J Surg Oncol. 2009;7:102. Luh SP, Hou SM, Fang CC, Chen CY. Video-thoracoscopic enucleation of esophageal leiomyoma. World J Surg Oncol. 2012;10:52. Obeidat FW, Lang RA, Löhe F, Graeb C, Rist C, Jauch KW, et al. Esophageal leiomyomatosis combined with intrathoracic stomach and gastric volvulus. JSLS. 2009;13(3):425-9. Azevedo JLMC, Boulez J, Blanchet MC, Azevedo O. 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