NACIONALIDADE BRASILEIRA – NATUREZA JURÍDICA E EVOLUÇÃO LEGISLATIVA Rosa Maria Marciani1 Andréa Longhi Simões Almeida2 Daniela Ribeiro Coutinho Santos3 Laércio da Costa Veloso4 Maria Amélia Feracciú Pagotto 5 Resumo Não se pode deixar de reconhecer a relevância jurídica do tema nacionalidade, sendo certo que referido instituto trata de um assunto que condiciona o reconhecimento de vários direitos fundamentais do homem. Ao final do século passado, com o fenômeno da criação de blocos – políticos e principalmente econômicos – a nacionalidade parece, numa rápida observação, um instituto condenado à extinção. No entanto tal afirmação resulta de um enfoque superficial, pois ao se fazer uma análise mais criteriosa, verifica-se que o instituto da nacionalidade aparece no final do século XX revigorado com a onda crescente de nacionalismo, até porque para pertencer a determinados blocos, é necessário possuir a nacionalidade, deste ou daquele Estado. O mundo atual ainda necessita imperiosamente do instituto em questão, para viabilizar a vida em sociedade, estruturada em Estados. Palavras Chave: Nacionalidade. Natureza Jurídica. Evolução Legislativa 1. Introdução A questão da natureza jurídica é bastante controvertida, havendo incontáveis debates sobre o tema. 1 Professora de Direito do Trabalho e Estudos Jurídicos Dirigidos (CEUNSP), professora de Legislação Aplicada em Tecnologia da Informação (FATEC ITU). Mestre em Direito do Trabalho. Advogada militante. 2 Bacharel em Direito (UNESP); Especialista em Direito Contratual (CEU); Mestre em Direito das Obrigações Público e Privado (UNESP). Leciona Direito Civil e Direito Eletrônico no curso de Direito do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio (CEUNSP). Advogada militante. 3 Professora de Direito Civil e Mestre em Direito Constitucional. 4 Especialista em Direito Penal; Doutorando em Direito Penal (UBA). Coordenador do curso de Direito do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio, onde leciona Direito Processual Penal (CEUNSP). 5 Bacharel em Ciências Sociais (UNICAMP); Mestre em Sociologia do Trabalho (UNICAMP); Doutora em Ciências Sociais (UNICAMP). Leciona Sociologia e Antropologia no curso de Direito do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio (CEUNSP). Também é pesquisadora da linha de pesquisa Educação, Comunidade e Movimento Sociais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). Mesmo que se admita ser de Direito Público a natureza jurídica da nacionalidade, não há um consenso doutrinário no sentido de ser Direito Público Internacional ou Interno, e ainda, admitindo-se ser de Direito Público Interno, se seria de Direito Constitucional ou Administrativo ou se pertence a todos os ramos do Direito Público. Inúmeras vezes a natureza jurídica da nacionalidade foi definida como de Direito Internacional Privado. Nessa linha de raciocínio, “a nacionalidade seria um dos conteúdos do Direito Internacional Privado, assim como a condição jurídica do estrangeiro e o conflito de leis (BERNARDES, 1996, p. 76 ). Contra o sobredito entendimento, argumenta-se que jamais a nacionalidade deve ser enfocada como objeto de Direito Internacional Privado, sob pena de perder seu conteúdo e natureza, uma vez que esse ramo do Direito trata especificamente dos conflitos de leis e de questões de superdireito e de Direito Privado deles resultantes. Ainda segundo a mesma autora: O Direito Internacional privado deve ter como objeto as regras de superdireito, do conflito de leis no espaço e por isso a nacionalidade não é compatível com o objeto desse ramo do Direito, pois é matéria de direito substancial (BERNARDES, 1996, p. 77). Nesse sentido preciosa é a lição de Pontes de Miranda: Nem existe, no Direito Internacional privado, qualquer norma sobre as leis de nacionalidade, nem as leis de nacionalidade são, tampouco, de Direito Privado. Faltar-lhes-ia, portanto, qualquer dos dois caracteres das regras de direito internacional privado: serem regras sobre regras, leis sobre leis, direito sobre direito; serem ainda tais leis, tal direito, direito privado (BERNARDES, 1996, p. 76). No Direito brasileiro em princípio defendeu-se a tese da natureza privada da nacionalidade. No campo do Direito Privado, lhe era atribuída a natureza de Direito Civil, considerando-se a nacionalidade como decorrente das leis civis. De se ressaltar que mesmo nos Estados, onde a nacionalidade é disciplinada em Códigos Civis, nem por isso perde sua característica de Direito Público. E, não perde sua substância pública, exatamente pelo fato de que sua inserção em legislação civil tem simples categoria de pressuposto. Verifica-se que a natureza jurídica da nacionalidade é essencialmente de Direito Público, pois neste ramo de direito encontramos disciplinadas as relações entre o Estado e o indivíduo. O que pode apresentar maior caráter público do que a organização e a formação do Estado, da qual a nacionalidade é parte integrante? Modernamente a doutrina tem-se pacificado no sentido de admitir a natureza pública da nacionalidade, o que se nota pela inclusão deste instituto nas Constituições de diversos Estados. Desse modo a doutrina elege a nacionalidade como assunto de Direito Público Constitucional. É o entendimento de Dardeau de Carvalho: A natureza das leis sobre a nacionalidade é de Direito Público, particularmente de Direito Constitucional, pois é a este ramo do Direito que cumpre dizer quais os indivíduos que pela ligação político-jurídico constituem a dimensão pessoal do Estado. Já que cabe ao Direito Constitucional determinar os fundamentos de organização e funcionamento do Estado, nada mais inerente ao seu conteúdo do que definir esse elemento básico da vida do Estado (BERNARDES, 1996, p. 81). É certo que há uma grande vantagem em se incluir a nacionalidade em uma Constituição rígida, qual seja a de atribuir uma maior segurança e estabilidade à matéria, devendo, portanto, ser incluída na Carta Magna do Estado, as regras básicas, bem como os princípios fundamentais sobre a aquisição e a perda da nacionalidade. Assim, nada impede que os princípios não fundamentais possam ser disciplinados por leis especiais. Analisando o assunto assim se posicionou José Afonso da Silva: Cada Estado diz livremente quais são os seus nacionais. Os fundamentos sobre a aquisição da nacionalidade é matéria constitucional, mesmo naqueles casos em que ela é considerada em textos de lei ordinária. É de tradição pátria inscrever nas constituições as regras sobre a nacionalidade, de sorte que entre nós o direito de nacionalidade é matéria formalmente constitucional (SILVA, p. 1998, p. 320). Desse modo, não resta a menor dúvida que a nacionalidade tem caráter preponderante de Direito Constitucional, devendo constar seus postulados principais na Constituição Federal. Ao se fazer uma análise das Constituições brasileiras percebe-se que o assunto nacionalidade sempre foi tratado em capítulo específico pelo legislador pátrio, já sendo disciplinado na Constituição Imperial. 2. Constituição de 1824 Título 2º DOS CIDADÃOS BRASILEIROS Art. 6º São cidadãos brasileiros: I- Os que no Brasil tiverem nascido, quer sejam ingênuos, ou libertos6, ainda que o pai seja estrangeiro, uma vez que este não resida por serviço de sua Nação. II – Os filhos de pai brasileiro, e os ilegítimos de mãe brasileira, nascidos em país estrangeiro, que vierem estabelecer domicílio no império. III – Os filhos de pai brasileiro, que estivesse em país estrangeiro em serviço do Império, embora eles não venham estabelecer domicílio no Brasil. IV – Todos os nascidos em Portugal, e suas Possessões, que sendo já residentes no Brasil na época, em que se proclamou a Independência nas Províncias, onde habitavam,aderiram a esta expressa, ou tacitamente pela continuação da sua residência. V – Os estrangeiros naturalizados, qualquer que seja a sua Religião. A lei determinará as qualidades precisas, para se obter Carta de Naturalização. Art. 7º Perde os direitos de cidadão brasileiro: I – O que se naturalizar em país estrangeiro. II – O que sem licença do Imperador aceitar emprego, pensão, ou condecoração de qualquer governo estrangeiro. III – O que for banido por sentença. A Constituição Imperial tratou do tema nacionalidade em seu título II, onde fazia a “classificação” dos cidadãos brasileiros. Nota-se que o sistema adotado para a atribuição da nacionalidade foi o do “jus soli”, o que evidenciava a realidade da época, uma vez que o Estado brasileiro estava praticamente se formando e, havia um enorme interesse de que seus habitantes – na maioria imigrantes- fossem considerados brasileiros. E, isso só seria possível adotando-se o sistema do “jus soli”. A adoção desse sistema era absolutamente indispensável, para se conseguir o povoamento de um país de vasta extensão territorial e que necessitava ser constituído quase totalmente. 6 Livres eram as pessoas que possuiam o estado de liberdade (status libertatis), que não estavam em injusta sujeição, ou no domínio de outra, como escravos. As pessoas livres eram “ingênuos” (ingenui) e “ libertos” (liberti). Chamavam-se “ingênuos” não só as pessoas que nasciam de pai e mãe livres, ou só de mãe livre, ainda que o pai fosse escravo. Mas também os que nascessem de mãe escrava, se esta era livre ao tempo da concepção, ou do parto, ou se foi em alguma parte do tempo da gestação, ainda que momentaneamente” (Elementos de Direito Romano, Bento de Faria, p. 236, apud Miguel Jeronymo Ferrante – Nacionalidade –brasileiros natos e naturalizados, p. 47) Liberto era aquele que sendo escravo, foi manumitido, ou restituído à liberdade natural”(Ribas, direito Civil Brasileiro, v.2, 49 p., apud Miguel Jeronymo Ferrante, op.cit. 47 p.) A Constituição de 1824 faz uma exceção ao critério do “jus soli” no final do inciso I, ao admitir que não será brasileiro o nascido no Brasil de pai estrangeiro que esteja a serviço de sua nação. Pela leitura do art. 6º percebe-se claramente a desigualdade de tratamento entre homem e mulher, fato que se explica pela diferente condição jurídica existente entre homem e mulher na época imperial. Outro critério adotado e que predomina até hoje em nosso direito é o do “jus sanguinis”. De acordo com esse critério são brasileiros os filhos de pai brasileiro, nascidos no estrangeiro desde que esteja a serviço do Brasil, ainda que aqui não estabeleçam domicílio (art. 6º-III) e, o filho de pai brasileiro e o ilegítimo de mãe brasileira, nascidos em país estrangeiro desde que venham a estabelecer domicílio no Império (art. 6º-II). De se destacar que não há uma concessão total e irrestrita ao critério do “ jus sanguinis”, porque está ligado ou ao “jus laboris” – pai brasileiro à serviço do Brasil – ou ao “ jus domicilii” – venha a estabelecer domicílio no Brasil. Outro ponto relevante que merece destaque no estudo da Constituição Imperial diz respeito a aceitação tácita da nacionalidade, também conhecida como a “grande naturalização”. O inciso IV do art. 6º estabelece que serão brasileiros “todos os nascidos em Portugal e suas Possessões, que sendo já residentes no Brasil na época, em que se proclamou a Independência nas Províncias, onde habitavam, aderiram a esta expressa ou tacitamente pela continuação de sua residência”. No tocante à naturalização expressa, prevista no inciso V, é a legislação ordinária competente para fixar os pressupostos e o processo para se obter a carta de naturalização.O artigo seguinte da Constituição Imperial dispõe sobre a perda da nacionalidade brasileira em três incisos. O inciso I, é ainda hoje, salvo algumas exceções causa que enseja a perda da nacionalidade brasileira. 3. Constituição de 1891 Título IV DOS CIDADÃOS BRASILEIROS Seção I DAS QUALIDADES DO CIDADÃO BRASILEIRO Art. 69. São cidadãos brasileiros: 1º) Os nascidos no Brasil, ainda que de pai estrangeiro, não residindo este a serviço de sua nação; 2º) Os filhos de pai brasileiro e os ilegítimos de mãe brasileira, nascidos em país estrangeiro, se estabelecerem domicílio na República; 3º) Os filhos de pai brasileiro, que estiver noutro país a serviço da República, embora nela não venham domiciliar-se; 4º) Os estrangeiros que, achando-se no Brasil aos 15.11.1889, não declararem, dentro em seis meses depois de entrar em vigor a Constituição, o ânimo de conservar a nacionalidade de origem; 5º) Os estrangeiros, que possuírem bens imóveis no Brasil, e forem casados com brasileiros ou tiverem filhos brasileiros contanto que residam no Brasil, salvo se manifestarem a intenção de não mudar de nacionalidade. 6º) Os estrangeiros por outro modo naturalizados. Art. 71. Os direitos de cidadão brasileiro só se suspendem, ou perdem nos casos aqui particularizados. §1º Suspendem-se: a) por incapacidade física, ou moral; b) por condenação criminal, enquanto durarem os seus efeitos. §2º Perdem-se: a) por naturalização em pais estrangeiro; b) por aceitação de emprego ou pensão de governo estrangeiro, sem licença do Poder Executivo Federal. §3º Uma lei federal determinará as condições de reaquisição dos direitos de cidadão brasileiro. Sem inovação a Constituição de 1891 consagra a adoção do critério do “jus soli” com concessão ao “jus sanguinis”, “ que será temperado ou com um elemento funcional (a serviço do país) ou com o jus domicilii (fixação do domicílio na República).”.(BERNARDES, 1996, p. 128-129). Igualmente a Constituição anterior também previa a naturalização tácita, porém não mais restringia a aceitação tácita da nacionalidade aos portugueses. Com efeito, a Constituição republicana apresentava duas formas de naturalização tácita: a dos estrangeiros que encontram-se no Brasil em 15.11.1889 e não declarassem em 6 meses sua intenção de conservar a nacionalidade de origem (art. 69, 4º) e, a dos estrangeiros que possuíssem bens imóveis no Brasil, e fossem casados com brasileiros ou tivessem filhos brasileiros, contanto que residissem no Brasil e não manifestassem ânimo de conservar a nacionalidade de origem (art. 69, 5º). Da mesma forma, ainda, a Constituição de 1891 manteve, no tocante à naturalização expressa, o disposto na Constituição Imperial, ou seja, as condições para sua aquisição eram de competência da legislação ordinária. Quanto às hipóteses de perda da nacionalidade a inovação ficou por conta da retirada da hipótese de banimento. Desse modo, de acordo com o texto constitucional de 1891, perde a nacionalidade brasileira, o brasileiro que se naturalizar em país estrangeiro ou aquele que sem licença do Imperador aceitar emprego, pensão, ou condecoração de qualquer governo. Mencione-se por oportuno que a naturalização tácita prevista no art. 69-4º atingia inclusive o menor estrangeiro residente no país, ao tempo da proclamação da República, desde que continuasse a residir no Brasil, após a maioridade e não houvesse, no prazo de 6 meses, declarado sua vontade de conservar a nacionalidade anterior. 4. Constituição de 1934 Título III DA DACLARAÇÃO DE DIREITOS Capítulo I DOS DIREITOS POLÍTICOS Art. 106. São brasileiros: a) os nascidos no Brasil, ainda que de pai estrangeiro, não residindo este a serviço do governo do seu país; b) os filhos de brasileiro, ou brasileira, nascidos em país estrangeiro, estando os seus pais a serviço público e, fora deste caso, se, ao atingirem a maioridade, optarem pela nacionalidade brasileira; c) os que já adquiriram a nacionalidade brasileira, em virtude do art. 69, nº 4 e 5 da Constituição de 24.02.1891; d) os estrangeiros por outro modo naturalizados. Art. 107. Perde a nacionalidade o brasileiro: a) que, por naturalização voluntária, adquirir outra nacionalidade; b) que aceitar pensão, emprego ou comissão remunerados de governo estrangeiro, sem licença do Presidente da República; c) que tiver cancelada a sua naturalização, por exercer atividade social ou política nociva ao interesse nacional, provado o fato por via judiciária, com todas as garantias de defesa. A Constituição de 1934 trata da nacionalidade no Título III, Capítulo I denominado “Dos Direitos Políticos”. Essa constituição começa a diferenciar nacionalidade de cidadania, mantém o sistema do “jus soli” como principal atribuidor da nacionalidade, fazendo algumas concessões ao “jus sanguinis”. As modificações ficaram por conta do suprimento da naturalização tácita, da permissão da aquisição da nacionalidade brasileira ao filho legítimo de mãe brasileira nascido no exterior, não mais contemplando somente o ilegítimo e, possibilitou a opção para os filhos de brasileiro ou brasileira nascidos no estrangeiro, não estando os seus pais a serviço do Brasil. De se frisar que foi a Constituição de 34 que pela primeira vez previu o instituto da opção, o qual vem sendo repetido em todas as demais. A naturalização expressa continuou sendo de competência da lei ordinária. Em relação as hipóteses de perda da nacionalidade houve duas inovações. A primeira prevista no art. 107 “c” estabelece a perda da nacionalidade brasileira aquele que tiver cancelada a sua naturalização por exercer atividade social ou política nociva ao interesse nacional, provado tal fato por via judiciária com todas as garantias de defesa. A Segunda elencada na alínea “a” previa a perda por aquele brasileiro que por naturalização voluntária adquirisse outra nacionalidade. Note-se que a inovação aqui fica por conta da expressão “naturalização voluntária”, posto que as constituições anteriores declaravam a perda da nacionalidade brasileira havendo qualquer naturalização em outro país. Salta aos olhos a preocupação do legislador constituinte em não punir o brasileiro que é obrigado a se naturalizar em outro país para que possa continuar residindo nesse território, possa se casar, ou para que possa exercer direitos civis entre outras causas. O que o texto constitucional de 1934 visou foi decretar a perda da nacionalidade pelo indivíduo que voluntariamente adquirisse outra nacionalidade. 5. Constituição de 1937 DA NACIONALIDADE E DA CIDADANIA Art. 115. São brasileiros: a) os nascidos no Brasil, ainda que de pai estrangeiro, não residindo este a serviço do governo do seu país; b) os filhos de brasileiro ou brasileira, nascidos em país estrangeiro, estando os pais ao serviço do Brasil e, fora deste caso, se, atingida a maioridade, optarem pela nacionalidade brasileira; c) os que adquiriram a nacionalidade brasileira nos termos do art. 69 nº 4 e 5, da Constituição de 24.02.1891; d) os estrangeiros por outro modo naturalizados. Art. 116. Perde a nacionalidade o brasileiro: a) que por naturalização voluntária adquirir outra nacionalidade; b) que, sem licença do Presidente da República, aceitar de governo estrangeiro comissão ou emprego remunerado; c) que, mediante processo adequado, tiver revogada a sua naturalização por exercer atividade política ou social nociva ao interesse nacional. A Constituição de 1937, decretada em 10 de novembro de 1937 não trouxe quase nenhuma alteração em relação à de 1934. Modificação que deve ser mencionada, diz respeito à perda da nacionalidade pelo exercício de atividade nociva ao interesse nacional, mediante processo adequado, sendo certo que a Constituição de 34 fazia menção de que o fato fosse provado em processo judicial. Com efeito, a ausência de previsão de processo judicial possibilitou que tal fato fosse apurado até mesmo por processo administrativo, o que significa um retrocesso em relação a constituição anterior. 6. Constituição de 1946 Título IV DA DECLARAÇÃO DE DIREITOS Capítulo I DA NACIONALIDADE E DA CIDADANIA Art. 129. São brasileiros: I- os nascidos no Brasil, ainda que de pais estrangeiros, não residindo estes a serviço do seu país; II – os filhos de brasileiro ou brasileira, nascidos no estrangeiro, se os pais estiverem a serviço do Brasil, ou, não o estando, se vierem residir no país. Neste caso, atingida a maioridade deverão, para conservar a nacionalidade brasileira, optar por ela, dentro em quatro anos; III – os que adquiriram a nacionalidade brasileira nos termos do art. 69, nº IV e V, da Constituição de 24.02.1891; IV – os naturalizados pela forma que a lei estabelecer, exigidas aos portugueses apenas a residência no país por um ano ininterrupto, idoneidade moral e sanidade física. Art. 130. Perde a nacionalidade o brasileiro: I – que, por naturalização voluntária, adquirir outra nacionalidade; II que, sem licença do Presidente da República, aceitar de governo estrangeiro comissão, emprego ou pensão; III – que, por sentença judiciária, em processo que a lei estabelecer, tiver cancelada a sua naturalização, por exercer atividade nociva ao interesse nacional. Art. 137. A lei estabelecerá as condições de reaquisição dos direitos políticos da nacionalidade. Os incisos I e II da Constituição Federal de 1946 tratam das hipóteses de aquisição da nacionalidade originária, enquanto os incisos III e IV cuidam da nacionalidade secundária. O inciso I dispõem sobre a forma principal de atribuição da nacionalidade brasileira que é a hipótese de nascimento em território brasileiro. O art. 129-II possibilita a opção pela nacionalidade brasileira e, portanto cuida da naturalização. È o caso de filho de brasileiro ou brasileira que nasce em país estrangeiro, não estando seus pais a serviço do Brasil. Sobredita opção – que deveria ser feita no prazo de 4 anos após atingida a maioridade – é uma inovação da Constituição Federal de 1946, já que as demais constituições não a previam. Segundo Cavalcante, As Constituições anteriores não previam a segunda hipótese, criação, portanto, da Constituição vigente. Veio, assim, suprir uma lacuna, resolvendo numerosos casos em que ocasionalmente, o nascimento se verificava no estrangeiro, quando a passeio ou em vilegiaturas mais ou menos prolongadas (1952, p. 7). Mencione-se por oportuno que as hipóteses de opção de nacionalidade têm como pressuposto a incapacidade anterior para adquirir a nacionalidade em razão da menoridade que impossibilita ao pretendente fazer a sua opção. E, somente quando se adquire essa capacidade é que se torna viável o requerimento de naturalização. Com efeito, referida opção é um mero ato confirmatório, uma vez que o inciso II do art. 129 pressupõe uma nacionalidade brasileira anterior – “filhos de brasileiro ou brasileira”. Entretanto, para que obtivessem a nacionalidade não bastava que as pessoas atingidas por este inciso fizessem sua opção, deviam ainda, virem residir no país. A expressão “atingida a maioridade” suscitou várias polêmicas. Indagava-se quem era considerado maior para a Constituição. Concordamos com a posição que entende tratar-se da maioridade civil, pois no silêncio do texto constitucional deve-se recorrer ao Código Civil que regula a capacidade civil e a aquisição da maioridade. Dessa forma o “dies ad quem” do direito de optar seria 25 anos de idade. O inciso III trata da aquisição da nacionalidade em virtude do exposto no artigo 69 da Constituição Federal de 1891, ou seja, daqueles que adquiriram a nacionalidade brasileira pelo casamento, nascimento de filho brasileiro ou por possuírem bens imóveis no Brasil. O último inciso diz respeito á naturalização. Tal instituto, no Direito brasileiro é regulado pela Lei nº 818 de 18.09.49, que prevê os requisitos necessários para que se pretenda naturalizar-se brasileiro. Essa constituição trouxe algumas exceções para a naturalização dos portugueses. Ao contrário dos demais estrangeiros, os portugueses para se naturalizarem brasileiros, deveriam preencher requisitos mínimos tais como residência no país por um ano ininterrupto, idoneidade moral e sanidade física. O art. 130 prevê 3 causas de perda da nacionalidade que são as mesmas das constituições anteriores. Elemento que merece destaque é a volta da exigência de processo judicial na hipótese do inciso III que já era prevista na Constituição Federal de 1934. Entretanto como a Constituição de 37 apenas falava em “processo adequado” possibilitou-se a apuração da atitude nociva ao interesse nacional em processo administrativo, como já afirmado anteriormente. Assim, pela Constituição de 46 a apuração de tal fato deve ser feita por processo judicial com todas as suas garantias, havendo inclusive previsão de sentença judiciária. 7. Constituição de 1967 com a Emenda Constitucional nº 1 de 17.10.1969 Título II DA DECLARAÇÃO DE DIREITOS Capítulo I DA NACIONALIDADE Art. 145. São brasileiros: I – natos: a) os nascidos em território brasileiro, embora de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país; b) os nascidos fora do território nacional, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço do Brasil; e c) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, embora não estejam estes a serviço do Brasil, desde que registrado em repartição brasileira competente no exterior ou, não registrados, venham a residir no território nacional antes de atingir a maioridade; neste caso, alcançada esta, deverão, dentro de quatro anos, optar pela nacionalidade brasileira; II – naturalizados: a) os que adquiriram a nacionalidade brasileira, nos termos do art. 69, itens IV e V, da Constituição de 24.02.1891; b) pela forma que a lei estabelecer; 1) os nascidos no estrangeiro, que hajam sido admitidos no Brasil durante os primeiros cinco anos de vida, estabelecidos definitivamente no território nacional. Para preservar a nacionalidade brasileira, deverão manifestar-se por ela, inequivocamente, sté dois anos após atingir a maioridade; 2) os nascidos no estrangeiro que, vindo residir no país antes de atingida a maioridade, façam curso superior em estabelecimento nacional e requeiram a nacionalidade até um ano depois da formatura; 3) os que, por outro modo, adquirirem a nacionalidade brasileira, exigida aos portugueses apenas residência por um ano ininterrupto, idoneidade moral e sanidade física. Parágrafo único. São privativos de brasileiros natos os cargos de presidente e Vice-Presidente da República, Ministro de Estado, Ministro do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal Militar, do Tribunal Superior Eleitoral, do Tribunal do Trabalho, do Tribunal Federal de Recursos, do Tribunal de Constas da União, Procurador Geral da República, Senador, Deputado Federal, Governador do Distrito Federal, Governador e Vice Governador de Estado e de Território e seus substitutos, os de Embaixador e os das carreiras de Diplomata, de Oficial da Marinha, do exército e da Aeronáutica. Art. 146. Perderá a nacionalidade o brasileiro que: I – por naturalização voluntária, adquirir outra nacionalidade; II –sem licença do Presidente da República, aceitar comissão, emprego ou pensão de governo estrangeiro; ou III – em virtude de sentença judicial, tiver cancelada a naturalização por exercer atividade contrária ao interesse nacional. Parágrafo único. Será anulada por decreto do Presidente da República a aquisição de nacionalidade obtida em fraude contra a lei. Embora a Constituição Federal de 1967 tenha sido sensivelmente alterada pela EC nº 1 de 17.10.1969, os postulados básicos da nacionalidade não foram modificados. O principal sistema atribuidor da nacionalidade continuava sendo o “jus soli” com concessões ao “jus sanguinis”. Uma das inovações ficou por conta da possibilidade de filhos de brasileiros nascidos no estrangeiro serem registrados em repartição brasileira competente e, ostentarem a qualidade de brasileiros natos. Como bem observou José Afonso da Silva, eram dispensados quaisquer outros requisitos. Aqui só se exigem dois requisitos para aquisição da nacionalidade originária: ser filho de pai ou mãe brasileira (natos ou naturalizados à época do nascimento), e seu registro na repartição brasileira competente. SILVA, apud BERNARDES, 1996, p. 143). Já para os filhos de brasileiro ou brasileira nascidos no estrangeiro e não tivessem sido registrados em repartição competente deveriam fixar residência no Brasil e fazerem a opção para que pudessem adquirir a nacionalidade brasileira. A residência deveria ser fixada antes dos 21 anos, ou seja, antes de atingida a maioridade civil e, a opção deveria ser feita no prazo de 4 anos, contados a partir da maioridade civil. Outra inovação desta Constituição diz respeito a previsão de duas hipóteses de naturalização: a dos nascidos no estrangeiro, mas que tenham sido admitidos no Brasil durante os primeiros cinco anos de vida e que no prazo de dois anos, após atingida a maioridade fizessem a opção pela nacionalidade brasileira e, a outra, que prevê a hipótese de estrangeiro, que viesse a residir no Brasil antes da maioridade e colassem grau em curso superior em estabelecimento nacional e fizessem sua opção até um ano após a formatura. Por derradeiro, referida Constituição também traz como novidade um rol de cargos privativos de brasileiros natos. No tocante a perda da nacionalidade brasileira não houve qualquer alteração em relação a Constituição de 1946, as hipóteses de perda continuavam sendo as mesmas previstas na Constituição anterior. 8. Constituição Federal de 1988 com a Emenda Constitucional nº 54 de 20.09.2007 Título II DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS Capítulo III DA NACIONALIDADE Art. 12 São brasileiros: I – natos: a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país; b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil; c) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira; II – naturalizados: a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por 1 (um) ano ininterrupto e idoneidade moral; b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira. §1º Aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta Constituição. §2º A lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados, salvo nos casos previstos nesta Constituição. §3º São privativos de brasileiro nato os cargos: I – de Presidente e Vice-Presidente da República; II – de Presidente da Câmara dos Deputados; III – de Presidente do Senado Federal; IV- de Ministro do Supremo Tribunal Federal; V – da carreira diplomática VI – de oficial das Forças Armadas; VII de Ministro de Estado da Defesa. §4º Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que: I – tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional; II – adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos: a) de reconhecimento de nacionalidade originária por lei estrangeira; b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em Estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis. A nacionalidade prevista na Constituição Federal de 1988, sofreu uma importante modificação com a EC nº 54 de 2007 . Sob a égide da Constituição anterior, o art. 145, “c”, previa a aquisição da nacionalidade aos nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, embora não a serviço do país, e não fossem registrados, que viessem a residir no território nacional antes de atingir a maioridade e, desde que alcançada esta, fizessem no prazo de quatro anos a opção pela nacionalidade brasileira. O legislador constituinte de 88 modificou um dos requisitos, não mais fixando prazo para a opção. Posteriormente, com EC nº 3, referida hipótese de aquisição foi novamente modificada, não se exigindo prazo para a fixação de residência no Brasil. Por fim, a EC nº 54 fixou o termo inicial para a realização da opção atingida a maioridade civil. De se acrescentar que sobredita Emenda restaurou a regra anterior ao estabelecer a possibilidade de aquisição da nacionalidade brasileira originária pelo simples registro em repartição brasileira competente. 9. Bibliografia BASTOS, Celso Ribeiro e Martins, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil, 1ª ed. São Paulo, Saraiva, 1989, v.2 BERNARDES, Wilba Lúcia Maia. Da Nacionalidade - Brasileiros Natos e Naturalizados, 1ª ed., Belo Horizonte, Livraria Del Rey, 1996. CRETELLA JUNIOR, José. Comentários à Constituição de 1988, 3ª ed., Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1994. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado, 14ª ed., São Paulo, Saraiva, 1989. ESPÍNOLA, Eduardo. Da Nacionalidade Brasileira, vol.V, Rio de Janeiro, Livraria Editora Freita Bastos, 1940. Pág. 350/351. FERRANTE, Miguel Jeronymo. Nacionalidade - Brasileiros Natos e Naturalizados, Brasília, Senado Federal, 1993 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. 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