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O FATO SOCIAL PATOLÓGICO NO MÉTODO DE ÉMILE DURKHEIM E
SUA RELAÇÃO COM O FENÔMENO JURÍDICO
Caio Lucio Monteiro Sales
1
RESUMO: O presente ensaio tem por objetivo demonstrar a aplicação do Método
Sociológico de Émile Durkheim, em particular no que toca à identificação do fato social
patológico, a alguns fenômenos próprios do mundo jurídico. Para tanto, com base na
obra As Regras do Método Sociológico, serão traçadas breves considerações acerca da
vida e obra de Durkheim, seguidas de uma exposição resumida do conceito de fato
social e das regras do Método Sociológico. Na continuação, o fato social patológico,
conforme identificado por meio da aplicação das regras propostas, será relacionado
com os fenômenos jurídicos da adequação social e da mutação constitucional. Por fim,
uma breve análise da relação entre o fato social patológico e a quebra do paradigma da
supremacia do interesse público na seara do Direito Administrativo.
ABSTRACT: This paper aims to demonstrate the application of Sociological Method by
Emile Durkheim, in particular regarding the identification of pathological social fact, to
some phenomena in the world Legal. To do so, based on the work The Rules of
Sociological Method, brief remarks will be drawn about the life and work of Durkheim,
followed by a brief exposition of the concept of social fact and the rules of sociological
method. In continuation, the pathological social fact, as identified through the
application of the proposed rules, will be related to the legal phenomena of the social
adequacy and the constitutional mutation. Finally, a brief analysis of the relationship
between the pathological social fact and the paradigm shift of the supremacy of public
interest on the likes of Administrative Law.
PALAVRAS-CHAVE: Método Sociológico – Émilie Durkheim – Fato Social
Patológico – Adequação Social – Mutação Constitucional – Paradigma – Supremacia do
Interesse Público
KEYWORDS: Sociological Method - Emilie Durkheim - Pathological Social Fact Social Adequacy – Constitutional Mutation - Paradigm - Supremacy of the Public
Interest
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. O Método Sociológico de
Durkheim: 2.1. Breves anotações sobre a vida e a obra de
Émile Durkheim; 2.2. O Fato Social; 2.3. Estudo Analítico do
Conceito de Fato Social; 2.4. As Regras do Método
Sociológico: 2.4.1. Regras relativas à observação dos fatos
sociais; 2.4.2. Regras relativas à distinção entre o normal e o
patológico; 2.4.3. Regras relativas à constituição dos tipos
sociais; 2.4.4. Regras relativas à explicação dos fatos sociais;
2.4.5. Regras relativas ao estabelecimento das provas – 3. O
Método de Durkheim e sua relação com alguns fenômenos do
mundo jurídico - 4. A Supremacia do Interesse Público – um
Fato Social Patológico? – 5. Considerações Finais Referências
1
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Mestrando em Direito Público
pela Universidade Federal da Bahia, Especialista em Direito do Estado pela Faculdade de Tecnologia e
Ciências de Salvador. E-mail: [email protected].
2
1 INTRODUÇÃO
Mundo.
Democracia.
Século
Constituição
XXI.
Cidadã.
Pós-modernidade.
Pluralismo
Globalização.
ideológico.
Brasil.
Convencimento
argumentativo. Um paradoxo gramatical: frases sem verbo para descrever uma época de
constante movimento e evolução, de desenvolvimento do pensamento humano, de
verdades que se substituem no tempo e no espaço, enfim o nosso mundo.
Em um cenário tão dinâmico, o desafio de regular as relações sociais,
papel tradicional e limitadamente atribuído à norma como gênero e à lei como espécie,
se torna cada vez mais algo muito próximo de uma verdadeira arte. A habilidade, a
sensibilidade, a inteligência, o senso moral e ético, todas essas e muitas outras
qualidades exigidas do intérprete e aplicador do Direito, acabam por aproximá-lo de um
verdadeiro artista.
Na produção e pesquisa do conhecimento, o homem pode e deve se valer
de diferentes métodos. E se há algo que o conhecimento humano tratou de produzir,
desde a Era Socrática, quando nasce o nosso modelo de pensamento ocidental, até os
dias atuais, foram os métodos. Método dedutivo, indutivo, progressivo-regressivo,
dialético, fenomenológico, enfim, um diversificado cardápio de que pode se servir o
pesquisador e o produtor do conhecimento. Também foram muitos os pensadores e
filósofos que se dedicaram à criação e estudo de tais metodologias. Dentre vários, Émile
Durkheim merece destaque em face de seu método sociológico com ênfase no que
chamou de fato social. Neste ponto um questionamento se faz inevitável: qual a
aplicação de um método escrito por um pensador do século passado, mais precisamente
em 1895, em uma época de pós-modernidade como a que vivemos?
O presente artigo tem por escopo demonstrar a aplicação do método
sociológico de Durkheim no Direito Brasileiro, notadamente em face da análise do fato
social patológico, em sua relação com fenômenos jurídicos bastante atuais, como a
mutação constitucional e a aplicação do princípio da adequação social, bem como a
quebra do paradigma da supremacia do interesse público no Direito Administrativo. É o
que passaremos
a analisar doravante. Contudo, uma breve explanação acerca do
método de Émile Durkheim se faz imperiosa.
2 O MÉTODO SOCIOLÓGICO DE DURKHEIM
2.1 Breves anotações sobre a vida e a obra de Émile Durkheim
3
De descendência judia, Émile Durkheim nasceu em 15 de abril de 1858,
em Épinal, na Alsácia. Formado em Filosofia no ano de 1882 , iniciou seus estudos em
Paris, na Escola Normal Superior (École Normale Supérieure), entretanto, toda sua vida
intelectual foi dedicada à sociologia. Trabalhou como professor de pedagogia e ciência
social na Universidade de Burdeos. Foi quando se interessou pelo estudo da sociologia.
Durkheim, a despeito de ter sido criado no seio de uma família muito
religiosa, filho de um rabino, não defendia, pelo contrário, até mesmo contestava a
educação religiosa, defendendo a cientificidade para desenvolvimento do conhecimento
humano.
Como obras principais podemos citar: A Divisão do Trabalho Social
(1893), As Regras do Método Sociológico (1895) e O Suicídio (1897), dentre outras.
Em sua obra As Regras do Método Sociológico, Émile Durkheim tratou do fato social e
regras para observação e estudo dos mesmos, o que veremos adiante.
2.2 O Fato Social
Para o filósofo, ao nascer, o ser humano encontra um mundo com regras
e padrões de conduta já estabelecidos, ou seja, um mundo posto. A esse mundo posto, o
Homem se filia, uma vez que as regras e padrões pré-estabelecidos exercem uma certa
coerção sobre os individuos. Segundo Durkheim2, “[...] é hoje incontestável que a maior
parte das nossas idéias e tendências não são elaboradas por nós, mas antes nos vêm do
exterior, elas só podem penetrar em nós impondo-se [...]”.
Dessa forma, uma pressão social molda o comportamento das pessoas em
determinado grupo social. Em um clube recreativo, os associados se comportam de
acordo com as prescrições do estatuto social da entidade; na igreja, da mesma forma,
haja vista os dogmas religiosos. E não poderia ser diferente na sociedade de forma lata,
quando o padrão normal e moral de conduta é prescrito pelas normas, sejam morais,
sejam dispositivas, notadamente a Lei. Com amparo no pensamento de Durkheim, tais
exemplos são ilustrativos de fatos/fenômenos coercitivos e presentes onde existam
organizações definidas (instituições, igreja, Estado, etc).
Entretanto, existem também outros fatos ou fenômenos que exercem uma
pressão sobre o comportamento das pessoas, mesmo inexistindo uma organização
2
DURKHEIM, Émile. As Regras do Método Sociológico. Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo: Martin
Claret, 2011. p. 33.
4
estruturada e institucional. Seria o exemplo, para citarmos algo comum nos dias atuais,
das demonstrações de euforia e entusiasmo das torcidas de futebol. Em tais situações, o
torcedor, como indivíduo, se deixa levar pela força do grupo, vibra, grita, pula, profere
palavras de baixo calão contra árbitros e jogadores, tudo da mesma forma que os demais
na multidão o fazem. A pressão do grupo se faz sentir no momento em que um torcedor
qualquer resolve ir contra o grupo, manifestando simpatia ao time adversário, por
exemplo. Nesse caso, uma verdadeira tragédia pode vir a acontecer. Para Émile
Durkheim3, tal seria um exemplo de corrente social.
Dessa forma, fruto de uma construção humana, o fato social foi
conceituado pelo filósofo como “[...] toda a maneira de fazer, fixada ou não, suscetível
de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior: ou então, que é geral no âmbito de
uma dada sociedade tendo, ao mesmo tempo, uma existência própria, independente das
suas manifestações individuais”.4
Neste ponto, interessante se faz uma análise pormenorizada do conceito
apresentado por Durkheim em pleno século XIX.
2.3 Estudo Analítico do Conceito de Fato Social
De maneira similar ao método de dissecação utilizado pelos acadêmicos
de medicina em suas aulas de anatomia humana, podemos realizar um estudo analítico,
dissecando o conceito de fato social apresentado anteriormente.
Inicialmente, temos que o fato social é toda maneira de fazer, ou seja,
engloba todos os modos de agir, o comportamento dos membros de um determinado
grupo social. Imaginemos, a título de exemplos, o ato de se curvar diante de um rei ou
rainha, nos Estados Monárquicos, ou o costume do cumprimento com beijos no rosto
entre os homens muçulmanos. Estamos, em tais casos, diante de modos de fazer ou agir
entre os membros daquelas sociedades.
O conceito apresentado nos traz ainda que tal maneira de fazer é fixada
ou não, dito de outra forma, os padrões de conduta podem ser escritos (fixados) ou não
escritos (não fixados), o que nos remete à distinção entre normas positivadas e normas
morais, sendo ambas pré-existentes e orientadoras do modo de agir das pessoas. A
bondade, o respeito aos pais, a honestidade, são sobretudo normas morais, enquanto a
3
4
Ibid., p.34.
Ibid., p.40.
5
proibição da conduta de matar alguém ou apropriar-se de um bem alheio são normas
escritas.
Continuando na análise conceitual, nos deparamos com o aspecto
coerção exterior, em outras palavras, as normas de conduta, escritas ou não, exercem
uma pressão exterior sobre as pessoas. Cabe destacar que no caso de coerção interna,
estaremos diante de um fenômeno ligado à psicologia, não mais à sociologia ou ao fato
social. O medo, o arrependimento, a tristeza, todos são sentimentos internos, portanto,
fora do escopo de estudo do fato social. Exemplos de coerção externa às pessoas seriam
a sanção penal ou civil, no caso das normas escritas, bem como do isolamento social, no
caso específico de normas não escritas de boa convivência social.
A generalidade no âmbito de um determinado grupo social é outro
aspecto intrínseco ao fato social. Com isso se quer dizer que as normas de conduta
atingem todos os membros de um determinado grupo de forma generalizada. Valendonos do exemplo já mencionado, em um clube recreativo as normas estatutárias regulam
o comportamento de todos os associados. Da mesma forma, as regras de trânsito são
aplicadas a todos os condutores de veículos automotores, e não somente aos de
automóveis, com exclusão dos de motocicletas.
Outro ponto do conceito a ser considerado diz respeito à existência do
fato social no âmbito de uma dada sociedade. Como já dito, o beijo no rosto entre os
muçulmanos do sexo masculino, bem como o ato de curvar-se diante de um monarca,
são normas de conduta no seio de cada grupo social específico, respectivamente a
sociedade muçulmana e as sociedades monárquicas.
Por fim, o fato social possui uma existência própria, independente das
suas manifestações individuais. Não importa a consciência individual, as normas de
conduta existem de forma externa e independente da vontade e maneira de pensar de
cada um. Para ilustrar com fato bastante atual: não importando o que cada pessoa pensa
sobre a união homoafetiva, recente decisão do Supremo Tribunal Federal representou
um fato social de aplicação a todos os membros da sociedade brasileira, qual seja, o
reconhecimento jurídico da existência da união estável entre pessoas do mesmo sexo.
Dissecado e brevemente analisado o conceito de fato social, podemos
concluir que não se consideram fatos sociais aqueles, como jé dito, ligados ao ramo da
psicologia, tais como os sentimentos (amor, ódio, arrependimento, etc), uma vez que
são interiores aos indivíduos, bem como aqueles fenômenos ligados à biologia, tais
como os fenômenos fisiológicos (comer, beber, dormir, etc).
6
Visto o conceito de fato social, resta-nos entender como se processaria o
estudo de tal fenômeno na visão de Durkheim. Para tal, o filósofo propôs uma série de
regras, cujo conjunto formou o Método Sociológico, que passaremos a analisar.
2.4 As Regras do Método Sociológico
Para fins de estudo do fato social, Durkheim porpôs uma série de regras
destinadas à sua observação, à distinção entre o normal e o patológico, o que
particularmente nos interessa neste ensaio,
à constituição dos tipos sociais, à sua
explicação e ao estabelecimento de provas.
2.4.1 Regras relativas à observação dos fatos sociais
A regra fundamental no que concerne à observação dos fatos sociais é a
de “considerar os fatos sociais como coisas”5, ou seja, o fenômeno social deve ser
analisado por um investigador isento de prenoções, valores pessoais ou considerações
filosóficas. Imaginemos o estudo da legislação que autorizou a adoção do sistema de
cotas nas Universidades Públicas. Uma análise isenta, como coisa, se restringe ao
estudo das normas escritas acerca do assunto, não interessando aspectos filosóficos,
ligados à justiça ou injustiça no tocante ao assunto.
Como corolários dessa regra fundamental, algumas subregras devem ser
atendidas: afastar as prenoções; tomar como objeto de investigação fenômenos com
características comuns e pré-definidas e, por fim, considerar os fatos sociais afastando
o subjetivismo.6
Quando se fala em afastamento de prenoções, se está a dizer que o
investigador deve examinar o fato social com isenção de ânimo
e despido de
preconceitos. Na visão de Durkheim, por exemplo, o estudo do fato social que diz
respeito à autorização ou não, pelo Judiciário Brasileiro, do aborto do feto anencefálico
deve se basear em aspectos objetivos, palpáveis no mundo dos fatos, como os aspectos
científicos e médicos, não se devendo levar em consideração a filosofia e a religião.
No tocante ao estabelecimento de objetos de investigação com
características comuns e pré-definidas, o pesquisador deve ter em mente o isolamento
de seu objeto de estudo em face de semelhanças, devendo-se desconsiderar os fatos
5
6
Ibid., p. 42.
Ibid., p. 41-66.
7
sociais com características diferentes das do objeto estudado. Ilustrativamente, uma
investigação acerca do fato social casamento deve limitar o objeto de estudo aos
fenômenos sociais com características comuns. Assim, o estudo em questão não pode
abordar o casamento existente no Brasil e o casamento na Arábia Saudita. No entanto,
em cumprimento à dita subregra, o casamento brasileiro pode ser estudado juntamente
com o casamento norte-americano.
Uma investigação acerca do fato social afastada do subjetivismo tem
estreita relação com a primeira subregra, qual seja o desvencilhamento das prenoções.
Em outras palavras, os aspectos de foro íntimo, subjetivo, do pesquisador não devem ser
considerados na observação dos fatos sociais. Um análise acerca da legislação brasileira
que trata do aborto por um observador que se deixe influenciar por sua formação
espiritualista iria comprometer sobremaneira o estudo do objeto em questão.
Segundo Durkheim, ao seguir tais regras, o fato social estaria disponível
como uma coisa a ser estudada pelo investigador. Entretanto restaria perquirir acerca da
natureza do fenômeno social separado para estudo, se normal ou anormal (patológico).
2.4.2 Regras relativas à distinção entre o normal e o patológico
“Quando conduzida pelas regras precedentes, a observação, confunde
duas ordens de fatos bastante distintas sob alguns aspectos: aqueles que são tudo o que
devem ser e aqueles que deveriam ser diferentes daquilo que são, os fenômenos normais
e os fenômenos patológicos”7. Durkheim referiu-se, dessa forma, à existência dos dois
tipos de fatos sociais, haja vista sua normalidade.
O filósofo diz ainda que não se pode distinguir o normal do patológico
em razão da existência de sofrimento, dor ou doença. Cita exemplos como o da dor e do
sofrimento do parto, da fome, entretanto, sem uma dimensão patológica, mas simples
eventos naturais e fisiológicos. No caso da doença, ilustra com a vacina contra a
varíola. A inoculação da doença, ou seja, o vírus atenuado da varíola, nada mais seria
do que um ato destinado à preservação da saúde, da normalidade em termos de higidez
física.8
Para o filósofo, a normalidade teria estreita ligação com a generalidade,
sendo um fenômeno que seria encontrado em todas as sociedades ao longo dos tempos
ou em sociedades semelhantes. O crime seria um fenômeno encontrado em todas as
7
8
Ibid., p. 68.
Ibid., p. 70-72.
8
sociedades ao longo dos tempos, sendo a inexistência do crime um fenômeno
considerado anormal.9
Entretanto, a normalidade e a patologia deveria ser analisada em cada
momento da história. A grande regra para identificação do fato anormal foi assim
descrita por Durkheim:
[...] depois de ter estabelecido pela observação que o fato é geral, irá até às
condições que no passado determinaram esta generalidade e indagará em
seguida se estas condições ainda existem no presente ou se, pelo contrário, se
modificaram. No primeiro caso, terá o direito de considerar o fenômeno
como normal e, no segundo, de recusar-lhe este caráter.10
Imaginemos o índice de incidência da poliomielite no Brasil antes da
descoberta da vacina pelo cientista Albert Sabin. Àquela época, um alto índice seria
considerado normal, entretanto, hoje, com a doença já erradicada em nosso país, um
índice diferente de zero pode ser considerado um fato patológico.
Conhecida a divisão dos fatos sociais em normais e patológicos, mister
que identifiquemos a que espécie social pertence determinado fato social objeto de um
estudo, dito de outro modo, resta-nos identificar a constituição dos diversos tipos
sociais.
2.4.3 Regras relativas à constituição dos tipos sociais
A identificação e classificação dos tipos sociais, em função de sua
constituição, seria uma atribuição da área da sociologia denominada por Durkheim de
“Morfologia Social”11.
A regra básica para fins de classificação dos tipos sociais foi assim
enunciada:
[...] começar-se-á por classificar as sociedades segundo o grau de composição
que apresentam, tomando como base a sociedade perfeitamente simples ou de
segmento único; no interior destas classes distinguir-se-ão variedades
diferentes conforme se produz ou não uma coalescência completa dos
segmentos iniciais.12
Tal sociedade de segmento único Durkheim chamou de horda, a qual
poderia ser concebida “como uma realidade histórica ou como um postulado da
ciência”13. Imaginemos um estudo social da cidade do Rio de Janeiro. Em tal caso a
9
Ibid., p. 82-83.
Ibid., p. 79.
11
Ibid., p. 95.
12
Ibid., p. 99.
13
Ibid., p. 97.
10
9
horda, a nível de postulado por nós definido para efeito deste ensaio, seria o somatório
de todos os habitantes da cidade considerados como ocupantes do espaço territorial do
município. Dentro de tal horda, considerando-se a separação entre ricos e pobres,
teríamos, por semelhança interna, grupos sociais distintos: tipo social Classe A
(moradores dos condomínios da Barra) e tipo social Classe D (moradores das favelas
daquela cidade).
Em suma, dois tipos sociais constituídos e estudados de forma
apartada.
Capazes de identificar e classificar os tipos sociais conforme sua
constituição, resta-nos entender a razão da existência de detrminado fato social, em
outras palavras, encontrar uma explicação para os fenômenos sociais.
2.4.4 Regras relativas à explicação dos fatos sociais
A existência e ocorrência dos fenômenos sociais não podem ser
explicadas por sua utilidade, afinal, existem fenômenos ou fatos sociais,
independentemente de sua utilidade. Algo pode ter perdido sua utilidade , mas continuar
existindo.14 Imaginemos um discurso em homenagem a uma turma de formandos em
um curso superior qualquer. O discurso tem uma enorme utilidade no momento da
solenidade de colação de grau, quando é lido diante de formandos, professores e
convidados, entretanto, terminada a cerimônia, sua utilidade como homenagem inédita
deixa de existir. Contudo, o discurso escrito ainda existe, seja em uma folha de papel ou
em mídia eletrônica, a despeito de não mais ser útil para aquela solenidade específica e
que já ocorreu.
Das regras propostas por Durkheim para explicar os fatos sociais, duas se
destacam. A uma, deve-se investigar de forma separada a causa eficiente produtora do
fato social e a função por ele desempenhada.15 A duas, deve-se procurar a origem de
um fenômeno social na constituição do meio social interno, composto por coisas e
pessoas.16
No tocante à primeira regra, há que se estabelecer uma distinção entre
causa eficiente e função do fato social. A causa eficiente diz respeito aos motivos que
desencadearam ocorrência do fato social, já a função tem uma relação com a causa
eficiente e demonstra a utilidade do fato social em relação à sua força geradora.
14
Ibid., p. 105-106.
Ibid., p. 109.
16
Ibid., p. 122.
15
10
Durkheim exemplifica com a pena, que tem como causa eficiente a reação social ao ato
ilegal praticado (crime) e que possui função repressiva, no sentido de evitar novas
infrações.17
Analisando a segunda regra, temos que, para Durkheim, o meio social
interno é composto por coisas e pessoas, sendo que a força motriz geradora dos fatos
sociais é o
elemento humano. Imaginemos como meio social interno o Poder
Legislativo. Aí, o elemento não-humano são as leis, já o elemento humano se constitui
das pessoas que compõem o Congresso Nacional, no caso do Brasil. Logo, a origem do
fato social legislação brasileira tem sua origem no elemento humano referido.
Após a explicação dos fatos sociais, Durkheim propõe uma última regra
no que toca ao aspecto relativo ao estabelecimento das provas dos referidos fatos.
2.4.5 Regras relativas ao estabelecimento das provas
Para Durkheim, “[...] a vida social é uma sucessão ininterrupta de
transformações, paralelas a outras transformações nas condições da existência coletiva
[...]”18. Logo, há tantos fatos sociais distintos quantos forem as diferenças entre as
causas e efeitos. Quando a um mesmo efeito corresponder uma mesma causa, teremos
um fato social único, pronto para estudo.
Tomemos por exemplo a Educação para o Trânsito e a Educação Formal
Superior. A causa da primeira é a circulação de veículos e seu efeito a diminuição dos
acidentes. Já no caso da segunda, a causa é a necessidade de desenvolvimento
profissional e o efeito a melhoria da qualidade dos serviços e produtos oferecidos em
uma dada sociedade. Estamos diante de dois fatos sociais distintos. Por outro lado,
imaginemos a pena (sanção penal). Seja qual for o tipo de pena (reclusão, detenção,
prisão simples, multa, dentre outras) a causa é sempre a mesma, qual seja a reação
social a um ilícito cometido, bem como também é único o efeito, a prevenção de novas
infrações.
Resumidamente, foram essas a regras do método sociológico propostas
por Émile Durkheim para estudo do fato social. Mas como o pensamento exposto pode
ter alguma aplicação no Direito Contemporâneo?
17
18
Ibid., p. 109.
Ibid., p. 141.
11
3 O MÉTODO DE DURKHEIM E SUA RELAÇÃO COM ALGUNS
FENÔMENOS DO MUNDO JURÍDICO
É inegável que a sociedade humana está em permanente evolução.
Situações hoje rotineiras e até mesmo essenciais eram inimagináveis a poucas décadas
atrás. A internet, os celulares, a robótica, a pesquisa com células tronco, para ficarmos
com somente alguns exemplos, eram coisas de ficção científica no início do século XX.
Com o Direito não é diferente. Normas editadas pelo legislador de 1940, para citar o
exemplo do Código Penal, já não se coadunam em sua totalidade com a realidade social
do século XXI. No campo do Direito Constitucional, normas do Constituinte de 1988
precisam ser lidas de acordo com a realidade que se mostra fora das quatro paredes do
Congresso Nacional.
Em face dessa evolução, dessa dinâmica das relações sociais, fácil é a
identificação do pensamento de Durkheim, notadamente da regra de distinção entre fato
social normal e o patológico, em algumas situações afetas ao Direito Pátrio. Revisando,
temos que, para Durkheim, um fato pode ser considerado patológico quando, após
identificado, nos reportemos à época de sua origem e verifiquemos as condições
embasadoras de sua criação. Examinando a época atual, se persistirem as mesmas
condições, o fato é tido como normal, entretanto, constatada a modificação das
condições, estaremos diante de um fato social patológico.
Na seara do Direito, considerando o fato social como uma construção
humana capaz de exercer coerção sobre as pessoas, moldando seu comportamento,
poderemos destacar a Lei, como um fato social por excelência. Mas como relacionar a
Lei com a identificação do fato social patológico proposta por Durkheim? Basta
examinarmos o contexto social em que se encontra determinada disposição legislativa e
verificar sua aplicabilidade, diagnosticando-a ou não como doente, dito de outra forma,
um fato social patológico ou normal. Nesse sentido, busquemos apoio exemplificativo
no Direito Penal, mais precisamente em face do princípio da adequação social, e no
Direito Constitucional, mormente em razão do fenômeno da Mutação Constitucional.
No campo do Direito Penal, Rogério Greco nos ensina:
O princípio da adequação social, na verdade, possui uma dupla função. Uma
delas, já destacada acima, é a de restringir o âmbito de abrangência do tipo
penal, limitando a sua interpretação, e dele excluindo as condutas
consideradas socialmente adequadas e aceitas pela sociedade. A sua segunda
função é dirigida ao legislador em duas vertentes. A primeira delas orienta o
legislador quando da seleção das condutas que deseja proibir ou impor, com a
finalidade de proteger os bens considerados mais importantes. Se a conduta
que está na mira do legislador for considerada socialmente adequada, não
12
poderá ele reprimí-la valendo-se do Direito Penal. Tal princípio serve-lhe,
portanto, como norte. A segunda vertente destina-se a fazer com que o
legislador repense os tipos penais e retire do ordenamento jurídico a proteção
sobre aqueles bens cujas condutas já se adaptaram perfeitamente à evolução
da sociedade. Assim, da mesma forma que o princípio da intervenção
mínima, o princípio da adequação social, nesta última função, destina-se
precipuamente ao legislador, orientando-o na escolha de condutas a serem
proibidas ou impostas, bem como na revogação de tipos penais. 19
Como podemos perceber, a aplicação do princípio da adequação social, a
nível de Direito Penal, nada mais é do que um remédio ministrado a um fato social
doente, patológico, uma vez que, com a evolução social e a aceitação por parte da
sociedade de determinadas condutas, faz-se conveniente e justa a descriminalização das
mesmas. Foi o que aconteceu com a destipificação relativa ao crime de adultério.
Examinemos o exemplo do crime de adultério à luz do
pensamento de Durkheim. À época de aprovação do Código Penal Brasileiro (1940), a
sociedade se caracterizava por ser extremamente patrimonialista e a proteção do
casamento como única instituição capaz de originar uma família justificava a punição
penal da traição representada pelo adultério. A proteção da instituição casamento era de
enorme importância naquele tempo, a importância das coisas era maior do que a das
pessoas. Pela regra proposta por Durkheim, se tais circunstâncias perdurassem nos dias
atuais, o fato social representado pelo art. 240 do Código Penal 20 (tipo penal do
adultério) seria considerado normal. Ocorre que nos dias atuais, Pós-Constituição
Cidadã, a família passou a ser constituida de outras formas, que não somente o
casamento, o qual também deixou de ser tratado como instituição para ser elevado ao
patamar de um local reservado ao desenvolvimento da pessoa humana. As relações
patrimoniais perderam em importância para as relações afetivas, o ser humano passou a
importar mais do que as coisas. Como se vê, aquelas circunstâncias existentes em 1940
deixaram de existir. Assim, o crime de adultério passou a representar um fato social
patológico e que mereceu a intervenção do legislador ordinário que, aplicando o
remédio baseado no princípio da adequação social, retirou o referido tipo penal do
ordenamento jurídico brasileiro.
Continuemos nosso tour, agora no terreno do Direito Constitucional.
Neste ponto realçamos o fenômeno da mutação constitucional. Assim preleciona Dirley
da Cunha Júnior21:
19
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 5. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2005. p. 59.
Revogado pela Lei nº 11.106, de 28 de março de 2005, o art. 240 do Código Penal previa o crime de
adultério, com pena de detenção, de quinze dias a seis meses.
21
JÚNIOR, Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. Salvador: Jus Podium, 2009. p. 257.
20
13
[...] a mutação constitucional é um processo informal de alteração de
sentidos, significados e alcance dos enunciados normativos contidos no texto
constitucional através de uma interpretação constitucional que se destina a
adaptar, atualizar e manter a Constituição em contínua interação com sua
realidade social. Com a mutação constitucional não se muda o texto, mas lhe
altera o sentido à luz e por necessidade do contexto. É um fenômeno que vem
se revelando necessário para a respiração das Constituições, cujos enunciados
muitas vezes ficam asfixiados à espera de revisões formais que nunca vêm ou
que, vindo, não atendem as demandas do texto e dos fatos.
Como se vê, assim como a adequação social no campo penal, a mutação
constitucional acaba por se constituir em mais um remédio para tratamento de fatos
sociais que se revelem patológicos em face de sua desatualização frente à realidade
social. Para mencionar recentíssimo exemplo, citamos a decisão do Supremo Tribunal
Federal (STF)22 no tocante ao reconhecimento da união homoafetiva como uma
entidade familiar.
Analisemos o exemplo sob o manto das regras do método sociológico de
Durkheim. A realidade social na qual estava inserido o constituinte de 1988 era, no
tocante às relações homoafetivas, bastante diferente da vivenciada nos dias atuais. O
país, ainda muito influenciado pelo tradicionalismo cultural, notadamente em relação à
família, ainda destilava muito preconceito em relação ao tema opção sexual das pessoas.
Não nos esqueçamos que àquela época, com o surgimento da AIDS e sua vinculação
preconceituosa aos homosexuais, o ambiente de não-aceitação das uniões homoafetivas
era bastante significativo. Tal estado de coisas, sob uma análise objetiva, justificava
social e culturalmente a permanência do fato social representado pelo artigo 226, § 3º,
da Constituição Federal23, ou seja o reconhecimento da entidade familiar somente entre
pessoas de sexos diferentes.
Mais uma vez a sociedade evoluiu, o preconceito, apesar de não ter
desaparecido, tambem sofreu decréscimo, ou seja, hoje, as circunstâncias já não são as
mesmas de 1988. Para adaptar o texto da Carta Maior à nova realidade social, a
Suprema Corte Brasileira acabou por reconhecer, em 5 de maio de 2011, a união
estável entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Foi a mutação
constitucional como a cura do fato social patológico representado pela anterior leitura
do art. 226 da Carta da República.
22
Sobre o tema ver a decisão do STF no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)
4277/DF e a da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132/RJ.
23
Art. 226 [...]
§3º. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre homem e mulher como
entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
14
Neste ponto, poderíamos citar outros exemplos que ilustram a aplicação
do pensamento de Durkheim no Direito Brasileiro, entretanto, cabe destacar um
movimento doutrinário, encampado por alguns juristas nacionais, e que se reveste de
importância capital – a quebra do paradigma representado pela princípio da supremacia
do interesse público no Direito Administrativo. Quando falamos em paradigma estamos
a nos referir a uma grande transformação, pois conforme os ensinamentos de Thomas
Kuhn24 “a transição para um novo paradigma é uma revolução científica [...]”. Mas
como poderíamos relacionar a quebra do paradigma da supremacia do interesse público
com o fato social patológico de Durkheim?
4. A SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO – UM FATO SOCIAL
PATOLÓGICO?
O Direito Administrativo sempre foi um ramo marcado pela enorme
prevalência do princípio da legalidade e pela presença marcante de um outro princípio,
quase um postulado normativo, para usarmos as lições de Humberto Ávila25,
a
supremacia do interesse público sobre o particular. Tal princípio sempre esteve na base
das
justificativas
para
existência
das
cláusulas
exorbitantes
nos
Contratos
Administrativos, na auto-executoriedade das decisões administrativas, na presunção de
legitimidade dos atos administrativos, enfim, o Estado sempre esteve num patamar de
superioridade em relação ao particular. Mas será que tal conceito de Estado com superpoderes, necessidade de uma burguesia que assume o poder no final do século XVIII
(Revolução Francesa), ainda se mantém em pleno século XXI, quando a pessoa humana
passou a ser a razão da existência do próprio Estado? Sobre o assunto, assim se
posiciona Daniel Sarmento26, um dos
integrantes de uma
nova geração de
doutrinadores oriundos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ):
[...] o dogma vigente entre os publicistas brasileiros, da supremacia do
interesse público sobre o particular, parece ignorar nosso sistema
constitucional, que tem como uma de suas principais características a
relevância atribuída aos direitos fundamentais. O discurso da supremacia
encerra um grave risco para a tutela de tais direitos, cuja preservação passa a
depender de valorações altamente subjetivas feitas pelos aplicadores do
direito em cada caso.
24
KUHN, Thomas S. A Estrutura das Revoluções Científicas. Tradução de Beatriz Vianna Boeira e Nelson
Boeira. 9. ed. São Paulo: Perspectiva, 2006. p.122.
25
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12ª ed. São
Paulo: Malheiros, 2011. p. 145 et seq.
26
SARMENTO, Daniel. Interesses Públicos versus Interesses Privados na Perspectiva da Teoria e da
Filosofia Constitucional. In: SARMENTO, Daniel (Org.). Interesses Públicos versus Interesses Privados:
Desconstruindo o Princípio da Supremacia do Interesse Público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 89.
15
Seria possível aplicar o pensamento de Durkheim, como fizemos até
agora no que se relaciona à identificação do fato social patológico, à aplicação do
princípio da supremacia do interesse público no Direito Administrativo? Certamente
que sim. Vejamos quando surge o Estado com super-poderes justificados pela
supremacia do interesse público sobre o particular: no final do século XVIII, em plena
Revolução Francesa. A burguesia toma o poder, entretanto necessita de, como Estado,
ser obedecida tal qual o monarca se fazia obedecer. Este, em face de uma ordem divina;
aquela, em razão do poder econômico. Em prol da coletividade o Estado Burguês passa
a contar com poderes supremos em detrimento de liberdades individuais. Cabe destacar
que à época, o pensamento era extremamente patrimonialista, as coisas eram tratadas
com prioridade em relação às pessoas.
Na atualidade, não só no Brasil, mas na ordem jurídica mundial, à
exceção dos regimes de exceção ainda existentes, o destaque está no ser humano e seus
direitos fundamentais. Ora, se aplicarmos a regra de Durkheim, facilmente chegaremos
à conclusão de que não persistem as mesmas circunstâncias sociais que justificavam a
supremacia do interesse público de outrora.
Diante de tal patologia em relação ao referido princípio, não seria a hora
de uma revisão e quebra desse paradigma em benefício de um Direito Administrativo
mais voltado ao desenvolvimento da pessoa humana e menos envolvido com a proteção
excessiva do Estado? É nesse sentido que reforçam a posição de Daniel Sarmento vozes
como as de Gustavo Binenbjom27, Humberto Ávila28, dentre outros. É certo que novos
rumos do Direito Administrativo se mostram diante de nossos olhos.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A despeito de se tratar de um método essencialmente sociológico e
pensado no século XIX, restou demonstrado no corpo deste trabalho a aplicação de
parte do pensamento de Émile Durkheim no Direito Brasileiro, mormente em face da
regra de distinção entre o fato social normal e o patológico.
27
BINENBJOM, Gustavo. Uma Teoria do Direito Administrativo: direitos fundamentais, democracia e
constitucionalização. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
28
ÁVILA, Humberto. Repensando o Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Particular. In:
SARMENTO, Daniel (Org.). Interesses Públicos versus Interesses Privados: Desconstruindo o Princípio da
Supremacia do Interesse Público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
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Na seara do Direito Penal, os fatos sociais patológicos, a exemplo da
tipificação do crime de adultério, são identificados e, em face do princípio da adequação
social, são extirpados do ordenamento jurídico pela atuação do legislador ordinário.
A nível constitucional, a patologia dos fatos sociais dissonantes da
realidade do mundo contemporâneo provocam um releitura de normas presentes na
Carta Maior, o que se denomina juridicamente de fenômeno da mutação constitucional.
O reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar é exemplo
extremamente atual sobre a questão.
Por último, em sede de Direito Administrativo, a identificação da
patologia do fato social, representado pelo princípio da supremacia do interesse público
sobre o particular, tem levado alguns juristas pátrios a enfrentar o tema referente à
quebra de paradigma representado pelo princípio em questão.
Enfim, em um mundo extremamente dinâmico e de relações
globalizadas, a regra da identificação do fato social patológico é de grande valia aos
intérpretes e legisladores que, provavelmente, mesmo de forma inconsciente, se valem
dos ensinamentos de Émile Durkheim, filósofo e sociólogo do século XIX, mas de uma
atualidade concretamente demonstrada.
REREFÊNCIAS
ÁVILA, Humberto. Repensando o Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o
Particular. In: SARMENTO, Daniel (Org.). Interesses Públicos versus Interesses
Privados: Desconstruindo o Princípio da Supremacia do Interesse Público. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2005.
______________. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios
jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.
BINENBJOM, Gustavo. Uma Teoria do Direito Administrativo: direitos fundamentais,
democracia e constitucionalização. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
DURKHEIM, Émile. As Regras do Método Sociológico. Tradução de Pietro Nassetti.
São Paulo: Martin Claret, 2011.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 5. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2005.
17
JÚNIOR, Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. Salvador: Jus
Podium, 2009.
KUHN, Thomas S. A Estrutura das Revoluções Científicas. Tradução de Beatriz Vianna
Boeira e Nelson Boeira. 9. ed. São Paulo: Perspectiva, 2006.
SARMENTO, Daniel. Interesses Públicos versus Interesses Privados na Perspectiva da
Teoria e da Filosofia Constitucional. In: SARMENTO, Daniel (Org.). Interesses
Públicos versus Interesses Privados: Desconstruindo o Princípio da Supremacia do
Interesse Público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
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O FATO SOCIAL PATOLÓGICO NO MÉTODO DE ÉMILE