INVESTIGAÇÃO DE VÍNCULO GENÉTICO POR ANÁLISE DO DNA: OS DADOS SEMPRE OFERECEM SUPORTE AS CONCLUSÕES? Mary Christina Pitta Pinheiro de Souza Melgaço 1 , André Luís dos Santos Figueiredo 2, 3 , Eduardo Ribeiro Paradela 2, 3 1 Coordenação Geral de Investigação por Análise do DNA in vivo e post mortem da Defensoria Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro . 2 DNA Forense – Peritos Associados e Análises Laboratoriais LTDA. 3 Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) – Laboratório de Vínculo Genético (VINGENE). Resumo Os exames para a identificação humana por análise do DNA podem ser utilizados para economiz ar tempo e recursos do sistema judiciário. Contudo, a falta de padrões e procedime ntos de segurança na execução desta modalidade de exames afeta a credibilidade de muitos dos serviços oferecidos em território nacional. Uma das primeiras questões que um operador do direito deve indagar ao receber um laudo pericial de análise de DNA é se a evidência deve ou não sofrer nova análise. Um questiona me nt o chave neste ponto é: os dados oferecem suporte às conclusões? Neste artigo são apresenta das algumas das situações de erro verificadas pela Coordenação Geral de Investigação por Análise do DNA in vivo e post mortem da Defensoria Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro ao longo de seu tempo de atuação. Como os equívocos foram pronta me n te identificados através da rotineira conferência de laudos, evitou - se que injustiças fossem cometidas em virtude das falhas. Introdução Os exames para a identificação humana por DNA podem ser utilizados para rapidamen te estabelecer vínculo genético, eliminar falsas suspeitas ou associar criminosos a cenas de crime e estas entre si, acarretando significativa economia de tempo e dinheiro à Justiça. Contudo, ao contrário do que muitos imaginam, as técnicas envolvidas nas tipagens genéticas não são isentas de erros (PARADELA et al, 2006, MELGAÇO, 1998). Nestes exames, a validade dos resultados depen de de vários fatores, dentre os quais se destaca o cálculo das freqüências populacionais dos marcadores utilizados, uma vez que pode haver variações entre grupos populacionais (EVETT e WEIR, 1998; WEIR, 1996) . Para investigações de paternidade, por exemplo, o índice mínimo desejado para que se possa afirmar este grau de parentesco entre um indivíduo e seu suposto pai é de 99,99%. De acordo com o número e o tipo de marcadores genéticos empregado s, as variações populacionais podem interferir no índice de paternida de (MELENDEZ, 2001). A expressão estatística dos resultados deve também levar em consideração a presença ou não de misturas de material biológico, como é freqüente me nt e encontrado em casos de abuso sexual. Há casos em que os profissionais responsáveis não levam em consideração tais aspectos, fazen do 1 pairar dúvidas a cerca de seus resultados (PARADELA et al., 2006). Caso 1: Investigação de Paternidade por DNA com Suposto Pai falecido 1.1 - Histórico Um casal (investigantes) deseja saber se determinada pessoa (investigado) é seu neto, ainda que o Suposto Pai (SP) da mesma tenha falecido. Nestes casos, devese ressaltar que quanto maior o número de indivíduos aparenta dos analisados (encaminhados), mais informativo será o resultado do teste de vínculo genético propos to. 1.2 - Coleta de material Além da coleta de material biológico do indivíduo cuja paternidade se encontra sob investigação e de sua mãe biológica, na ausência do SP (falecido) coletou - se material biológico de três irmãos deste, identificados como (I1 SPF), (I2 SPF), (I3 SPF), como parâmetro genético de origem paterna do investigado. 1.3 - Técnica utilizada Utilizou - se a comparação de marcadores STR (“short tandem repeats”) amplificados pela Reação em Cadeia da Polimerase (PCR). Foram analisados cromoss om o s autossômicos (resultados apresenta dos na Tabela 1) e o cromoss om o sexual masculino Y (resultados apresenta d os na Tabela 2). 1.4 - Resultados Os resulta dos foram apresenta d os na forma de tabelas. A Tabela 1 relaciona os alelos identificados na análise de loci STR presentes em cromosso m o s autossô micos e a Tabela 2 apresenta os alelos tipados na investigação de locais gênicos no cromoss om o sexual masculino (Y). 1.5 - Conclusões apresentada s no laudo Através do perfil genético de (I1 SP), (I2 SP), (I3 SP) foi reconstituído total ou parcialmente em cada locus autossô mico o padrão genético de seus progenitores, verificando se o investigado apresenta herança paterna compatível com a hipótese de ser neto biológico do casal de investigantes. O resultado das tipagens em loci STR possibilitou o cálculo de um índice 2 cumulativo de concordância igual a 1027,60, o que expressa uma possibilidade aproxima da de 99,9% a favor do investigado ser o neto biológico dos investigantes. Ainda assim, no locus DS21S11 foi excluída a possibilidade do investigado ser neto biológico dos investigantes. Todavia, a referida discordância pode ser decorrente de evento mutacional tanto materno quanto paterno. Acrescentand o - se o estudo das tipagens dos irmãos do (SP) em onze loci do cromoss om o sexual masculino (Y), verificou - se a ocorrência de uma única discordância, no locus DYS390, entre o haplótipo Y do investigado e aquele compar tilhado pelos três irmãos do (SP). Através da análise da Tabela 2 pode ser verificado que no locus DYS390 do cromossom o Y do investigado está presente o alelo 24, enquanto nos seus supostos tios está presente o alelo 25. Esta discordância pode dever - se a um evento mutacional que resultou na perda de uma unidade de repetição “in tanden” na trans missão do patrimônio genético do progenitor do (SP) para este ou deste para o seu suposto filho. Acrescenta - se que tendo em vista que na coleta de amostras biológicas das partes foi informa da a existência de outros irmãos do (SP), o laboratório respon sável pelo exame sugere a participação futura dos mesmos. Com isto, será possível uma reconstituição melhor dos genótipos dos progenitores do (SP), o que permitirá elevar a probabilidade de certeza do vínculo genético ou a não confirmação deste vínculo entre os irmãos do (SP) falecido e o investigado. Tabela 1: Regiões STR analisadas no caso 1 (cromosso m os autossô micos). Locus TPOX D2S1338 FGA CSF1PO D5S818 D7S820 D8S1179 THO1 Mãe do investiga do 8 8 17 23 22,2 23 Investiga do I1 SP I2 SP I3 SP f% 8 9* 20* 23 23 26* 9* 11 24 25 21 22 8 11 17 20* 22 22 9* 11 17 20* 21 22 13,3 4 13,5 7 10 11 12 12 10 11 11 14 6 6 10 12* 10* 12 8* 11 12* 14 6 9* 12* 12* 10* 11 10 10 14 15 8 9* 8 12* 10* 11 8* 10 14 14 8 9* 12 12* 11 12 10 10 14 14 9* 9,3 Índice de concordânc ia 2,12 1,84 0,25 ---33,8 3 5,32 16,9 9 1,73 4,95 1,72 0,25 ---15,5 4 1,86 3 vWA 16 16 12 12 9 11 12 14 13 14 28 31,2 X X 14* 16 9* 12 9 12* 14 15* 13 15* 28 30,2* X Y 14* 14* 14* 8,67 3,38 15 15 15 D13S317 13 8 8 6,9 3,62 14 9* 9* D16S539 9 11 9 24,9 1,25 12* 12* 11 D18S51 15* 12 15* 14,9 1,93 20 15* 20 D19S433 15* 14 14 15,0 3,57 15* 15* 15* 6 D21S11 28 28 28 ---Exclusão 29 31,2 28 Ameloge nin X X X N/A N/A a Y Y Y Índice cumulativo de concordância : 1027,60 * - alelo paterno obrigatório; f% - freqüência do alelo paterno obrigatório; N/A – não aplicável. Tabela 2: Regiões STR analisadas no caso 1 (cromosso m os sexuais). Locus Investigado I1 SP I2 SP I3 SP DYS392 13 13 13 13 DYS390 24 25 25 25 DYS385 12,14 12,14 12,14 12,14 DYS393 13 13 13 13 DYS389I 14 14 14 14 DYS391 10 10 10 10 DYS389II 32 32 32 32 DYS19 14 14 14 14 DYS439 13 13 13 13 DYS438 12 12 12 12 DYS437 14 14 14 14 Comentários sobre o caso 1 Neste caso, o laboratório procedeu a coleta das amostras dos irmãos do (SP) e a sua posterior análise embora surgissem dúvidas (relatadas nas conclusões do laudo) a cerca da necessidade de investigação dos outros irmãos do (SP). De fato, em uma situação desta deve- se coletar material do maior número possível de parentes próximos, visto que mais informações contribue m para a obtenção de 4 um índice cumulativo de concordância maior em caso de inclusão. Contu do, o laboratório somente deveria ter procedido a análise de DNA quando todas as amostras estivessem reunidas a fim de não compro mete r suas afirmações consubstanciadas no laudo, confor me ocorreu ao ser mencionado que a presença de mais parentes poderia “elevar a probabilidade de certeza do vínculo genético ou a não confirmação deste vínculo entre os irmãos do (SP) e o investigado ”. Note- se que o mesmo laudo que afirma haver o vínculo genético agora infere que a presença de mais irmãos do (SP) poderia excluir tal certeza. Isto, por si só, já seria o suficiente para gerar dúvidas sobre as conclusões finais da perícia por DNA em questão. Adicionalmente, os resultados apresenta d os no laudo indicam um índice cumulativo de concordâ ncia de aproximada m e nte 99,9%, o que remete a uma chance de erro em cada mil análises. Vale ressaltar que este é considerado um valor baixo para muitas análises, confor me discutido a seguir. A exclusão verificada nas tipagens relativas ao locus D21S11 foi explicada como fruto de “eventos mutacionais”. Entretanto, quando não ocorrer coincidência em no mínimo dois loci, outros marcadores devem ser analisados para ser certificada a exclusão ou confirmada a ocorrência de mutação, até que se obtenha um índice de concordância suficientemen te aceitável. Em caso de não coincidência, deverão ser estudados e incluídos no laudo tanto as ocorrências das exclusões (inexistência de perfil coincidente para “n” loci) como as possibilidades de ocorrência de mutação (se disponível, é desejável a inclusão de informações associadas à taxa de mutação publicada para a situação). As mutações e taxas em que ocorrem deverão ser consideradas nos cálculos estatísticos de probabilidades de coincidências (BAN, 2000; AABB, 1999; BRINKMANN et al., 1999; WEIR, 1996). Para os casos de aplicação criminal ou reconstituição de perfil genético onde for considerada a ocorrência de mutação, o Índice de Paternidade parcial do locus onde foi detectado o evento mutacional será calculado a partir de fórmula matemá tica que inclua a taxa de mutação do locus (µ) e o poder médio de exclusão do mesmo (Ă) (AABB, 1999; AITKEN, 1995) . A exclusão anotada para o locus DYS390 (cromosso m o Y) também recebeu explicação como “evento mutacional”. Quando da utilização de marcadores uniparen tais (cromosso m o Y e DNA mitocondrial) para os propósitos de investigação de vínculo genético, devem ser seguidas as seguintes normas: se houver no mínimo duas diferenças de nucleotídeos entre as amostras questionada s e de referência, as amostras podem ser excluídas como sendo originadas da mesma fonte ou linhagem; se houver somente uma diferença de polimorfismos entre as amostras questionada s e referência, o resultado será dado como inconclusivo; duas ou mais exclusões são consideradas definitivas para excluir o vínculo (KAYSER e SAJANTILA, 2001) . Caso amostras do casal de supos tos avós fossem utilizadas poder - se- ia reconstituir o perfil genético do suposto pai com menor gasto de tempo e recurso s e sem gerar as dúvidas observadas neste caso. Além disto, a genética forense mostra que não é tão incomu m a ocorrência de filhos fruto de relações 5 fora do casamento (PARADELA e FIGUEIREDO, 2007; FONSECA, 2005). Um suposto tio que não fosse filho do mesmo pai poderia complicar sobremaneira as análises se esta informação não estivesse disponível (MELGAÇO, 2000; 1998; 1997). Vale ressaltar que a Coordenação Geral de Investigação por Análise do DNA in vivo e post mortem da Defensoria Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro citou esta possibilidade no decorrer do processo. Deve- se notar pelos dados apresenta do s nas Tabelas 1 e 2 que os alelos paternos obrigatórios não foram detectados nas amostras de referência paterna (tios) em alguns dos marcadores empregados. No locus FGA, onde o alelo paterno obrigatório é o número 26, as referências paternas possuem somente os alelos 21 e 22. De acordo com as combinações possíveis, os dois avós apresenta m o alelo 22, sendo que ao menos um no casal possui o alelo 21, o qual poderia estar presente em ambos. Deste modo, os supostos avós apresenta m as seguintes possibilidades para o local gênico FGA: 22, 22; 21, 22 ou 22, (?), onde (?) represen ta um alelo desconhecido que pode coincidir ou não com o alelo paterno obrigatório (26). Para o locus D8S1179 verifica - se situação semelhante. O alelo paterno obrigatório (12) não está presente nas tipagens das referências paternas, mas não se exclui a possibilidade deste ser encontra do na carga genética de algum dos supostos avós, os quais podem apresentar: 14, 14, já que ambos necessariamente possue m o alelo 14; 14, 15, visto que ao menos um apresenta o alelo 15; ou 14, (?), podendo ou não (?) ser igual ao alelo paterno obrigatório (12). Note- se ainda que na maioria nos locais gênicos avaliados (TPOX, D2S1338, D3S1358, CSF1PO, D7S820, THO1, D16S539, D18S51 e D19S433) a freqüência do alelo paterno obrigatório é superior a 10%, ou seja, este pode ser encontra d o em mais de 10 pessoas em cada grupo de 100 na população utilizada como referencial. O correto seria aumenta r o número de marcadores genéticos utilizados para atingir melhor índice de concordância ou afastar definitivamente as possibilidades de existência de vínculo genético entre as pessoas avaliadas. Portanto, as análises relatadas neste caso não deveriam ser aceitas na forma em que foram apresentada s por terem sido insuficientes e, sobretudo, inconclusivas. Caso 2: Dois exames, dois resultados. Investigação Envolven do o Trio: Mãe, Criança e Suposto Pai. de Paternidade 2.1- Histórico A mãe da criança cuja paternida de está sob investigação conviveu com um home m (H1) e deste relaciona ment o nasceu uma criança que não foi registrada por ele, pois antes do parto o relacionamen to havia terminado e o mesmo desaparecido. Cerca de cinco anos depois, a supracitada mãe casou - se com outro home m (H2). Este senhor veio a registrar a criança (menina) já com cinco anos de idade. Ao reparar no comporta me n t o anormal de sua filha, a mãe investigou e descobriu que (H2) abusava sexualmente da mesma. Houve necessidade de investigação de paternidade por análise de DNA para provar que (H2) não era o 6 pai biológico da criança em questão (investigada) para acelerar o divórcio e enqua dr á - lo na lei pelo crime que cometera. A realização do exame indicou que (H2) poderia ser incluído como pai da menina (resultados na Tabela 3), o que levou a sua mãe ao desespero. Tal fato acarretou a realização de um segund o exame de DNA, relatando - se exclusão da possibilidade de paternida de (resultados apresenta do s na Tabela 4). 2.2 - Conclusões apresenta das nos laudos Conclusão do primeiro exame: Com base na análise da trans missão dos alelos paternos obtidos pelos marcadores moleculares do tipo STR em nove locais gênicos independen tes, o suposto pai (H2) não pode ser excluído como pai biológico da menor analisada. O índice cumulativo de inclusão de 349 mostra a probabilidade de 99,7% de (H2) ser o pai da criança. Conclusão do segundo exame: Com base na análise da trans missão dos alelos paternos obtidos pelos marcadores moleculares em seis locais gênicos independe ntes e quatro locais gênicos do cromosso m o X (marcadores moleculares do tipo VNTR – vide nota explicativa), o SP não compar tilha alelos em nove regiões, o que exclui a possibilidade de (H2) ser o pai da investigada. Tabela 3: Resultados apresenta d os para as tipagens no primeiro exame (caso 2). Locus Suposto Pai (H2) Investigada Mãe IP TPOX 8 11 8 8 8 8 1,04 CSF1PO 10 12 11 12 11 12 1 D7S820 11 11 11 11 8 11 4 LPL 10 12 11 12 11 11 2,38 D8S1179 11 14 13 14 13 15 1,79 THO1 7 8 8 8 7 8 3,57 vWA 16 17 16 17 16 16 1,85 D13S317 11 12 11 11 11 11 1,61 7 Locus Suposto Pai (H2) Investigada Mãe IP D16S539 11 12 12 12 11 12 1,85 Tabela 4: Resultados apresenta dos para as tipagens no segundo exame (caso 2). Locus / Sonda Suposto Pai (H2) Investigada Mãe IP D1S7 MS1 7410 4630 6390 4480 4480 1720 Exclusão D2S44 YNH24 2660 1500 6360 2830 6360 6360 Exclusão D5S110 LH1 4000 2440 6150 3600 4090 3600 Exclusão D7S467 AC415 3950 1960 3290 3030 3030 1720 Exclusão D10S28 TBQ7 3040 2890 2270 1400 3650 1400 Exclusão D17S26 EDF52 3950 2130 1720 1400 3650 1400 Exclusão HPRTB 13 ---- 15 12 15 12 Exclusão DXS101 26 ---- 23 18 26 18 Exclusão DXS6803 10 ---- 12 11 12,3 11 Exclusão DXS9895 14 ---- 15 14 15 14 ---- Comentários sobre o caso 2 No primeiro exame, a aceitação de um índice cumulativo de paternidad e de apenas 349 (probabilidade aproximada de 99,7% de haver o vínculo genético investigado) deveria ter chama do a atenção do perito respons ável. O fato de suposto pai (H2) possuir o alelo paterno obrigatório nas nove regiões STR estudadas não confirma por si só que ele é o pai biológico da investigada. Tal sentença somente poderia ser assumida após a análise estatística dos resultad os. Os alelos em comum entre as partes avaliadas são comuns na população, razão pela qual o referido índice foi inferior ao aceitável. 8 Na prática, o índice cumulativo de paternidade de 349 representa que um homem a cada 349 na população compartilha com o suposto pai a combinação de alelos paternos obrigatórios encontra da. Em uma partida de futebol de grande apelo popular hipotética em que 60.000 homens fossem ao estádio, mais de 170 destes iriam ter em comum com H2 tais alelos. Além disso, a probabilidade de 99,7% de haver o vínculo genético investigado é considerada insuficiente por muitos, visto que representa margem de erro de mais de um em cada grupo de mil exames realizados (EVETT e WEIR, 1998; WEIR, 1996) . Na situação apresentada, se não houvesse resistência na aceitação do primeiro resultado por parte da mãe da menina analisada, a falta de critérios do perito respon sável poderia ter criado sérios problemas familiares e dificultado uma avaliação criminal de abuso sexual contra menor. Deve- se notar que embora no segun do exame tenha sido empregado o mesmo número de marcadores genéticos, escolheu - se um grupo mais polimórfico que foi capaz de facilmente excluir a existência de vínculo genético. Tanto marcadores STR quanto VNTR podem ser empregados sem receios para as tipagens por análise de DNA. Contu do, cabe ao perito avaliar a melhor técnica e o melhor grupo de marcadores para cada caso. Em estudo de locais gênicos representa dos por STR, o FBI recomen da o uso mínimo de 13 loci (AABB, 1999). Caso 3: Um caso, dois exames e dois resultados. 3.1 - Histórico No primeiro exame foram analisadas as seguintes pessoas para verificar paternida de com Suposto Pai (SP) falecido: Investigada (I); sua Mãe (M); Uma filha registrada do (SP) (FRSP) e a Mãe da (FRSP) (MRFSP). Na segunda análise foi incluída a Mãe do Suposto Pai (MSP). 3.2 - Conclusões do primeiro laudo: a Investigada (I) e a sua suposta irmã (FRSP) não apresenta m parentesco (resultados apresenta do s na Tabela 5). 3.3 - Conclusões do segundo laudo: Neste processo, verificou - se a possibilidade de parentesco indicada com um Índice Cumulativo de Concordância de 44.075, expressa ndo isto uma possibilidade superior a 99,99% a favor de (I) ser relacionada através de seu (SP) com (MSP). A pessoa (FSP), embora registrada legalmente, não era filha biológica de (SP) (resultados na Tabela 6). 9 Tabela 5: Resultados apresenta dos para as tipagens no primeiro exame (caso 3). Locus / Sonda M I FRSP MFSP D1S7 MS1 4500 3216 7940* 4500 7940* 6200 6200 2375 D2S44 YNH24 1480 1300 1626* 1480 2310* 1650 1740 1650 D5S110 LH1 3160 3100 3160 1700* 3100 2650* 5120 3100 D4S139 PH30 8143 7140 8143 2840* 7890 5610* 7890 7890 D6S132 SLI1090 3180 3180 3180 3390* 7690* 1190 2760 1190 D8S358 CEB42 3600 2820 4600* 2820 2470 1290* 3100 2470 D10S28 7050 TBQ7 2240 * alelo paterno obrigatório 2240 1050* 3550* 2000 3320 2000 10 Tabela 5: Resultados apresenta dos para as tipagens no segundo exame (caso 3). Locus / Sonda M I MSP Índice de Concordância D1S7 MS1 4400 3170 7730 * 4400 2180 7730 17,63 D2S44 YNH24 1480 1320 1610* 1480 2300 1540 NI D5S110 LH1 3232 3100 3232 1760* 5570 2740 NI D4S139 PH30 6800 6170 6800 2575* 4990 3440 NI D6S132 SLI1090 3397 3100 3100 3320 * 3320 3320 4,00 D7S467 AC415 2410 1390 3000 * 1390 3000 1620 25,00 D10S28 TBQ7 6960 2140 2140 1030* 3450 1090 NI D16S85 SLI779 2270 1150 1940 * 2270 1940 2320 25,00 Índice cumulativo de concordância : 44.075 * alelo paterno obrigatório Comentários sobre o caso 3 É preciso ter em mente que nem todos os filhos registrados, nascidos dentro ou não do casamento, são obrigatoriamente biológicos (MELGAÇO, 2000; 1998). O fato de se entender um (a) filho (a) registrado (a) como obrigatoriamente sendo um (a) filho (a) biológico (a) pode comprome te r a realização de Justiça, como haveria ocorrido neste caso não fosse o bom senso empregado pela Coordenação Geral de Investigação por Análise do DNA in vivo e post mortem da Defensoria Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro neste caso. De fato, ao se comparar (FRSP) e a (MSP) pode - se notar que as mesmas não possue m vínculo biológico do tipo avó- neta. Tais circunstâncias poderiam ter levado a errônea interpretação de que a Investigada não é filha biológica de seu Suposto Pai. Ao se utilizar um 11 número maior de referências, foi possível verificar quais relações de parentesco biológico eram efetivamente verdadeiras. Em situações como esta, não é aceitável optar sempre pelo caminho mais rápido e fácil, sendo por vezes importan te se proceder a análise dos restos mortais do (SP), procedimento feito pela Coordenação Geral de Investigação por Análise do DNA in vivo e post morte m da Defensoria Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro . Consideraçõe s finais A evolução da ciência possibilitou o emprego de novas ferrament as à Justiça. A criminalística faz uso de profissionais com diversas formações na busca da interpretação científica de evidências. Para demons tra r - se apto a auxiliar o juiz ou o júri na busca da verdade, o perito deve comprovar formação acadêmica, conhecimento e experiência em sua área de atuação. Para a aceitação de um trabalho pericial, dois componen te s devem ser considerados: a acurácia (validade) e a consistência (reprodutibilidade) das análises. Em análises de DNA, é preciso informar honesta me nte as limitações dos testes, quando estas existirem. Qualquer falha entre a coleta de amostras e a divulgação dos resultado s pode levar a conclusões equivocadas em exames por DNA. Por isso, é necessário adotar critérios rigorosos para a liberação de laudos técnicos. Todos os cuidados devem ser tomados para evitar situações como as verificadas em casos que ficaram famosos por problemas no curso da investigação genética, como McCarty versus State (Oklahoma City) e New York State versus Castro , ambos nos Estados Unidos da América. No primeiro processo citado, erros do laboratório levaram aos advogados membros da National Association of Criminal Defense Lawyers daquele país a requerer com sucesso a reabertur a de todos os casos envolvendo condenações baseadas nos testes de DNA executados pelo laboratório em questão. No segundo caso, onde pela primeira vez no continente americano a “prova” de DNA não foi aceita em juízo, houve emprego de procedimen to s impróp rios para a interpretação dos resultados. O fato de duas amostras possuirem o mesmo perfil para um grupo de marcadores genéticos em especial não significa obrigatoria mente que a sua origem seja a mesma. A interpretação dos testes depende das freqüências populacionais para cada marcador genético utilizado. Quando a tipagem genética de duas amostras é igual, torna - se necessário expressar numericame n te a significância deste evento. O número de marcadores empregados, a presença de subestr ut ur a s na composição da população e mistura de amostras podem interferir nos resulta dos. Todas as etapas empreendidas para a tipagem do DNA, desde a coleta até a interpretação do significado estatístico dos dados obtidos, serão consubstanciadas em uma peça pericial escrita que servirá aos interesses de seus leitores. Em exames de vínculo genético, a expressão estatística dos achados laboratoriais indica a margem de erro prevista para os exames, sendo desejável a 12 obtenção de resultados superiores a 99,9999%, já que 99% indica 99 acertos em 100 inclusões ou um erro em 100; 99,99% representa 9.999 acertos em 10.000 inclusões ou um erro em 10.000; 99,9999% reflete 999.999 acertos em 1 milhão de inclusões ou um erro em 1 milhão e 99,999999%, 99.999.999 acertos em 100 milhões de inclusões. Em instância final, o laudo poderá ainda servir como elemento de convicção para os operadores do direito nas ações judiciais. São recomendações básicas de quesitos para a elaboração do laudo pericial de análise de DNA: identificação do número do inquérito policial ou processo judicial; identificação das partes envolvidas e amostras; informação da etnia (raça) dos envolvidos, quand o possível e relevante; citação da metodologia empregada na coleta e armazena m en t o de materiais e, se necessário, esclarecimento dos cuidados empreendidos para manutenção da cadeia de custó dia destes materiais. Em adição, o laudo deve conter informações bibliográficas a cerca das metodologias utilizadas para a extração, quantificação e amplificação do DNA; forma de identificação dos alelos obtidos nos testes e funda me nt os empregados para os cálculos estatísticos (CHANNELL, 2000). As freqüências estatísticas utilizadas como base para os cálculos também devem ser mencionadas (US CONGRESS, 1990). Referências bibliográficas AABB. Apparent Mutations Observed at the 13 CODIS STR Loci in the Course of Paternity Testing. 1999. [Internet] Disponível em http: / / w ww.cstl.nist.gov/ div831 / s t r ba s e / m u t a tion.ht m. Acesso em 10/04 / 2 0 0 7. Aitken CGG. Statistics and the evaluation of evidence for forensic scientists. New York, Wiley. 1995. Ban JD. Interpreta tion of STR profiles - commu nity guidelines. Presentation in the 3 rd annual fluorescent STR megaplex technology workshop. SC, USA, 2000. Brinkmann B, Klintschar M, Neuhuber F, Huhne J, Rolf B. Mutation rate in human microsatellites: influence of the structure and length of the tandem repeat. Am J Hum Genet. 1999. May; 64(5):1473 - 4. Channell K. Writing a complicated STR report. Presentation in the 3 rd annual fluorescent STR megaplex technology workshop. SC, USA, 2000. Evett, IW & Weir, BS. Interpreting DNA Evidence: Statistical Genetics for Forensic Scientists. Sinauer Associates Ed, Sunderland, MA, US, 1998. Fonseca C. Paternidade brasileira na era do DNA: a certeza que pariu a dúvida. Cuad. Antropol. Soc. n o .22, p.27- 51. 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Herança de cromosso mo Y - A espécie humana possui dois cromosso m o s sexuais, chamados de X e Y. Os homens são XY e as mulheres são XX. O cromoss om o Y é responsável pelas características masculinas e contém genes 14 para a formação dos testículos e para a produção de espermat oz óides. O cromoss om o Y tem herança de pai para filho. Marcadores STR (“short tande m repeats”) - seqüências que apresenta m repetições com unidade básica de 2- 7 pares de base e o polimorfismo, assim como nos loci VNTR, também está baseado no número de repetições. Devido ao pequeno tamanho, geralmente menor que 350 pares de base, alelos STR podem ser analisados após amplificação pela técnica PCR. Marcadores VNTR (“Varoable Number of Tandem Repeats”) - Em alguns cromoss om o s huma nos existem certas regiões em que uma pequena seqüência de DNA é repetida várias vezes. Essas regiões foram inicialmente empregad as para fins de identificação humana na década de 1980 por Alec Jeffreys. Elas se constitue m em diferentes marcadores genéticos e possue m segregação mendeliana. Esses marcadores apresenta m deter minadas seqüências que se repetem até centenas de vezes e são denominados “Variable Number of Tandem Repeats” ou VNTR. Habitualmente, essas regiões estão localizadas entre sítios de corte de enzimas de restrição, sendo, pois, possível "cortar" essa seqüência para análise. Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) - A PCR é um método in vitro que sintetiza seqüências específicas de DNA. Esta reação utiliza um DNA que é usado como "molde" (template em inglês) e primers , que são oligonucleotídeos (pequenas seqüências que complementa m o DNA), que hibridam com o molde de DNA para que a molécula seja copiada. A copia do molde é catalisada pela enzima Taq polimerase . Uma série de ciclos repetitivos faz com que o molde seja separado em suas hemi - hélices, os primers hibridem com o molde, a polimerase catalise a ligação de nucleotídeos para formar uma nova cópia da região de interesse do DNA. Como cada cópia produ zida em um ciclo pode servir de molde no próximo ciclo, a cópia do DNA ocorre de forma exponencial. Em aproxima da me n te 20 ciclos, a concentração de DNA aumenta aproximada m en te um milhão de vezes. 15