Projetos de pesquisa,
fundamentos lógicos:
a dialética entre perguntas e respostas
Silvio Sánchez Gamboa
Silvio Sánchez Gamboa
Projetos de pesquisa,
fundamentos lógicos:
a dialética entre perguntas e respostas
Chapecó, 2013
Reitor
Odilon Luiz Poli
Vice-Reitora de Ensino, Pesquisa e Extensão
Maria Aparecida Lucca Caovilla
Vice-Reitor de Planejamento e Desenvolvimento
Claudio Alcides Jacoski
Vice-Reitor de Administração
Antônio Zanin
Diretora de Pesquisa e Pós-Graduação Stricto Sensu
Valéria Marcondes
Este livro ou parte dele não podem ser reproduzidos por qualquer
meio sem autorização escrita do Editor.
001.42
Sánchez Gamboa, Silvio
S211p Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos: a dialética
entre perguntas e respostas / Silvio Sánchez Gamboa
– Chapecó : Argos, 2013.
159 p. ; 23 cm – (Didáticos ; 6)
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-7897-116-8
1. Projetos de pesquisa. 2. Pesquisa – Metodologia.
I. Título. II. Série
CDD 001.42
Catalogação elaborada por Caroline Miotto CRB 14/1178
Biblioteca Central da Unochapecó
Todos os direitos reservados à Argos Editora da Unochapecó
Av. Atílio Fontana, 591-E – Bairro Efapi
Chapecó (SC) – 89809-000 – Caixa Postal 1141
(49) 3321 8218 – [email protected] – www.unochapeco.edu.br/argos
Coordenador
Dirceu Luiz Hermes
Conselho Editorial
Rosana Maria Badalotti (presidente), Carla Rosane Paz Arruda Teo (vice-presidente),
André Onghero, Lilian Beatriz Schwinn Rodrigues, Dirceu Luiz Hermes,
Maria Aparecida Lucca Caovilla, Murilo Cesar Costelli,
Tania Mara Zancanaro Pieczkowski, Valéria Marcondes
Para Marcita, nos seus sete meses de idade.
A filhinha que com sua presença recria
nossas vidas e estimula nossa curiosidade
e nossa capacidade de perguntar.
Maceió, 20 de março de 2013
Para o espírito científico qualquer conhecimento é
uma resposta a uma pergunta. Se não tem pergunta
não pode ter conhecimento científico.
Nada se dá, tudo se constrói.
(G. Bachelard)
Agradecimentos
Ao professor Josealdo Tonholo, pró-reitor de Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade Federal de Alagoas (ufal), pelo incentivo que deu origem às oficinas sobre
projetos de pesquisa, hoje transformadas nesta obra.
À Márcia Chaves-Gamboa, incentivadora permanente
na gestão desta publicação, acompanhando os registros,
transcrevendo as gravações e revisando as várias versões
que culminaram neste livro.
Ao grupo Paideia, da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que aceitou
nas suas programações a oferta das oficinas, na forma de
cursos de extensão durante e a partir de 2005. Oficinas
que até 2012 ofereceram 12 versões.
À Secretaria de eventos da FE/Unicamp, pela infraestrutura oferecida na realização das oficinas.
Ao setor de audiovisuais da FE/Unicamp, pela excelente gravação das várias versões que permitiram a
reprodução das oficinas, facilitando esta publicação, particularmente ao engenheiro mestre Gilberto Oliani, coordenador da sala de Videoconferência da FE. Com base nessas
gravações, localizadas na página do grupo Paideia, sob o
título de Seminário: Projeto de Pesquisa Científica: Fundamentos Lógicos, disponível em: <http://www.fe.unicamp.br/
videoconferencia/fe/paideia.html>, é possível acessar os principais conteúdos desta publicação, localizados nos seguintes
arquivos:
<http://cameraweb.ccuec.unicamp.br/video/76S67RG2A4NN/>;
<http://cameraweb.ccuec.unicamp.br/video/43NO45963YKR/>;
<http://cameraweb.ccuec.unicamp.br/video/NUYRNWK91BUK/>;
<http://cameraweb.ccuec.unicamp.br/video/O4HHN8H85XYH/>.
À professora Rosana Helena Nunes, pela revisão da
versão final e suas valiosas sugestões.
Ao professor Maurício Roberto da Silva, pelo incentivo para a publicação deste material e pelo prefácio altamente estimulador, tanto para o autor quanto para os
leitores.
Sumário
Prefácio
13
Maurício Roberto da Silva
Introdução
29
Capítulo 1. A necessidade histórica do
conhecimento científico: a importância da
lógica e do método geométrico
41
Capítulo 2. A construção das perguntas
87
Capítulo 3. A elaboração das respostas
113
Capítulo 4. A apresentação dos projetos de
pesquisa: a forma de exposição
129
Conclusões
151
Referências
155
Prefácio
Antes mesmo de apresentar este novo livro de Silvio
Sánchez Gamboa, intitulado Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos: a dialética entre perguntas e respostas,
gostaria de fazer algumas considerações sobre como o conheci, sua trajetória, sua obra e os impactos dela na minha
vida acadêmica.
Minha aproximação com as reflexões filosóficas de Silvio Sánchez Gamboa começou em 1994, a partir do convite formulado a ele para escrever o texto para a revista
Motrivivência sob a temática “Educação Física: Teoria e
Prática”1, cujo texto se denominou “Teoria e prática: uma
relação dinâmica e contraditória” (1995). Mais tarde, em
1997, tive a oportunidade de conhecê-lo, pessoalmente,
durante o “Encontro de História do Esporte, Lazer e Educação Física”, em Maceió. Naquela altura, já havia aproximado-me dos seus escritos sobre epistemologia, pesquisa
e educação. Foi então que o convidei para escrever mais
1 Motrivivência, ano 7, n. 8, dez. 1995.
um texto para a revista Motrivivência (1994)2, sobre a temática “Pesquisa em Educação Física”, e título: “Pesquisa
em Educação Física: as inter-relações necessárias”.
Deste então, tive a oportunidade de acompanhar um
pouco da trajetória da produção do Gamboa, principalmente a leitura de sua primeira publicação em espanhol:
Fundamentos para La investigación educativa: presupuestos epistemológicos que orientan al investigador. Também
tive a oportunidade de apreciar a segunda publicação,
também em espanhol, cujo teor foi Investigación e innovación educativa. Posteriormente, estes dois livros se fundem e se transformam em uma importantíssima referência
sobre as relações imbricadas entre pesquisa e epistemologia, a saber: o livro editado pela Argos, que teve como
título Pesquisa em Educação: métodos e epistemologias,
primeira edição datada de 2007. Em razão da grande citação do livro em trabalhos científicos, foi reeditado em
2012 (2. ed.). Esta obra tem como escopo problematizar
os métodos na pesquisa em educação, articulados com a
análise epistemológica. Nesse livro, o autor já havia trazido reflexões sobre a relação dialética entre a pergunta
e a resposta nos processos de investigação educacionais.
Aliado a essa produção, ele vem escrevendo e orientando
iniciantes na pesquisa, mestres e doutores, sobre a necessidade de se buscar as tendências da pesquisa em educação
à luz de um enfoque epistemológico.
Quando observo toda essa produção de Silvio Sánchez
Gamboa, lembro-me de que seus livros me fizeram repensar a chamada “metodologia da pesquisa”, até então compreendida por mim como métodos e técnicas reproduzidas
dos manuais de pesquisa. No contato com sua obra, fui,
2 Motrivivência, ano 5, n. 5, 6 e 7, dez. 1994.
14
Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos
paulatinamente, saindo da “zona de conforto” do conservadorismo positivista da metodologia da pesquisa e tentando não dissociar do labor investigativo as relações entre
ciência e filosofia, teoria e prática, teoria e empiria, método
e teoria, sujeito e objeto e outros pares dialéticos.
Portanto, apresentar uma nova obra de Silvio Sánchez
Gamboa é um desafio e um aprendizado, devido à densidade de suas reflexões e abordagens filosóficas forjadas
em referências analíticas relacionadas às teorias do conhecimento na confluência das ciências humanas e sociais.
Seus livros e textos, em geral, ancorados no materialismo
histórico-dialético, versam sobre as relações entre epistemologia e pesquisa, principalmente, no que se refere à sua
proposição de uma “matriz paradigmática”, com vistas
à realização de análises epistemológicas das pesquisas ou
“pesquisa das pesquisas”. Em seus aportes teórico-metodológicos, é notória a ideia de que todo método implica uma teoria da ciência, que, consequentemente, requer
uma teoria do conhecimento, envolvendo necessariamente
uma concepção do real, um fundamento ontológico.3
Após fazer essas considerações iniciais sobre a pertinência do livro, passo a falar sobre o escopo do livro, a
partir das palavras do próprio autor. Segundo ele,
[...] tem uma pretensão didática e um conteúdo básico
sobre os fundamentos lógicos da pesquisa científica e
elaboração de projetos, e está dirigido a alunos de iniciação científica e pesquisadores interessados em uma
perspectiva epistemológica dos elementos básicos do conhecimento e na apropriação das eficientes ferramentas
oferecidas pela lógica e pela filosofia. (p. 29, grifo nosso).
3 Severino, Antonio Joaquim. Prefácio. In: Sánchez Gamboa, Silvio. Pesquisa em
Educação: métodos e epistemologias. 2. ed. Chapecó: Argos, 2012.
Prefácio
15
Os projetos de pesquisa se caracterizam por organizarem os procedimentos necessários para a elaboração
do conhecimento científico sobre os objetos, fenômenos e problemas concretos, localizados no mundo da
necessidade humana. (p. 29, grifo nosso).
Em termos de contribuição para repensar os projetos de pesquisa e a construção de perguntas e respostas,
Gamboa espera “[...] que esta breve apresentação desses
fundamentos lógicos contribua para a compreensão da
especificidade do conhecimento científico e para o aprimoramento das fases iniciais do planejamento da investigação científica.” (p. 40, grifo nosso).
Na conclusão do livro, o autor, preocupado com a pesquisa como processo formativo e cognitivo, tem as seguintes
expectativas: “[...] espera-se que esta publicação incentive
novas práticas pedagógicas, visando a formação de futuros
pesquisadores, valorizando as pedagogias da pergunta, o
incentivo à curiosidade e o desenvolvimento da capacidade
de duvidar e perguntar sem precisar desprezar os saberes
acumulados e os conteúdos clássicos.” (p. 152-153, grifos
nossos). Mais adiante Gamboa acentua: “A formação básica para a pesquisa aqui pretendida não se limita apenas à
compreensão das estratégias de elaboração de projetos, destacando os fundamentos lógicos e metodológicos, mas deve
compreender também a própria preparação do pesquisador, começando pela mudança dos sistemas pedagógicos,
no sentido de privilegiar o desenvolvimento da capacidade
de problematizar e de perguntar.” (p. 153, grifos nossos).
Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos: a dialética
entre perguntas e respostas, segue a trilha dos livros anteriores e tem como objetivo refletir e desvendar os princípios, hipóteses e resultados das ciências com vistas a
compreender e problematizar a lógica, o alcance, o objeti16
Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos
vo e a relevância dos projetos de pesquisa, que estão subjacentes no processo de investigação. Primordialmente, o
foco está direcionado para recuperar a lógica essencial da
pesquisa científica, que tem como centralidade a relação
básica entre uma pergunta (P) e uma resposta (R), cujos
procedimentos podem ser realizados a partir de dois passos: 1) a construção da pergunta (mundo da necessidade,
problema, indagações múltiplas, quadro de questões) e 2)
a construção da resposta (níveis: técnico, metodológico,
teórico, epistemológico, gnosiológico, ontológico). Esse
processo investigativo e formativo deve ter como premissa as mudanças nos sistemas pedagógicos e o privilégio
do desenvolvimento da capacidade de problematizar e de
perguntar.
Como se pode perceber, com esta obra Gamboa alarga o conceito de projeto de pesquisa, tirando-o das amarras da lógica formal, sem, contudo, desdenhar dela, mas
a retomando à luz da lógica dialética4. Isto é importante reconhecer, pois, todos nós que orientamos pesquisas
com iniciantes ou iniciados, temos com frequência a sensação de que a ideia de “projeto” de pesquisa ainda está
impregnada dos pressupostos positivistas e cartesianos,
culminando em visão utilitária de ciência. Ao que parece,
o termo “projeto de pesquisa” justifica-se por si só, sem
levar em conta suas possibilidades de intervenção no real, desdobramentos, impactos e relevância social. Tanto é
verdade que, quando se fala em relevância social e acadêmica do projeto de pesquisa, no sentido das lacunas que
porventura os projetos possam cobrir, lacunas na produção do conhecimento existente, em termos das perguntas e
respostas que dele se originam, há quase sempre um mal4 Lefebvre, H. Lógica formal/lógica dialética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975.
Prefácio
17
-estar acadêmico. O questionamento sobre a atualidade
e pertinência das perguntas formuladas, na maioria das
vezes, é subestimado, pois o que importa é ir direto para as partes que compõem os conteúdos que compõem
as diversas etapas do projeto (referencial teórico, metodologia etc.). Assim, deixa-se pouco tempo para reflexão,
aprofundamento e delimitação da pergunta-síntese e das
questões de pesquisa.
Considerando a relevância do livro, uma pergunta que
urge é: o que suscita o livro? O debate sobre “projetos
de pesquisa, fundamentos lógicos e a dialética entre perguntas e respostas” traz subjacente a ideia de “método
científico”, normalmente concebido como sinônimo de
“metodologia da pesquisa”. Todavia, quando se fala de
método científico, poder-se-ia agregar outras dimensões
do exercício da pesquisa, compreendendo a pesquisa “como um fazer além das técnicas”.5 Trata-se de buscar as
articulações entre os elementos propriamente epistêmicos,
técnicos, metodológicos, ontológicos e gnosiológicos. Tudo conspira para a necessidade da articulação dessas diversas dimensões do método científico e suas articulações
eficazes na produção do conhecimento dentro de um determinado campo real6.
A ideia de método e metodologia sob o ponto de vista das ciências humanas e sociais pode ser compreendida
como o caminho do pensamento, uma prática teórica que
se faz com segurança, intencionalidade, teorias, críticas e
técnicas no âmbito da abordagem da realidade. O objeto da metodologia é estudar as possibilidades explicativas
5 Oliveira, Paulo Sales de (Org.). Metodologia das Ciências Humanas. São Paulo:
Unesp; Hucitec, 1996.
6 Severino, Antonio Joaquim. Prefácio. In: Sánchez Gamboa, Silvio. Pesquisa em
Educação: métodos e epistemologias. 2. ed. Chapecó: Argos, 2012.
18
Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos
dos diferentes fenômenos sociais e os diferentes modos de
abordar a realidade, e a “pesquisa” como a atividade básica da ciência na sua indagação e construção da realidade.7
Isto implica na realização de uma prática teórico-metodológica capaz de elaborar conhecimentos que não sejam
apenas capazes de dar explicações consistentes sobre determinadas questões sociais, mas que possam, sobretudo,
ser aplicados para interferir nos processos de mudanças
sociais. Tais processos devem ser mediados pela “pesquisa como estratégia de inovação educativa”, pela pesquisa
como estratégia de reflexão-ação, a partir da relação dialética entre pergunta e resposta.
Nas páginas do livro, outra questão ganha destaque: a noção de “problema” e “pergunta problemática”
na elaboração do projeto de pesquisa. Neste sentido, a
construção da pergunta deve originar-se de um “problema concreto”, situado e ativo. O problema é traduzido,
reduzido ou racionalmente “aprendido” em forma de
indagações e de questões (pergunta-síntese e questões de
pesquisa), que ganham clareza e possibilidade de serem
respondidas quando elaboradas em forma de perguntas
claras e específicas. Isto significa que, uma vez formuladas
as indagações que orientam o processo de pesquisa (momento do projeto), são produzidas as respostas (momento
da realização da pesquisa). Após o processo de conclusão
do relatório de pesquisa (monografia de iniciação científica, dissertação de mestrado ou tese de doutorado), pode-se
realizar então uma análise epistemológica para além de um
mero “estado da arte” ou “estado do conhecimento”. Assim, para se realizar uma análise epistemológica, torna-se
7 Minayo, Maria Cecília Souza. O desafio do Conhecimento: pesquisa qualitativa
em saúde. São Paulo: Hucitec, 2010.
Prefácio
19
fundamental recuperar a estrutura lógica da investigação
realizada e, a partir daí, desenvolver a lógica entre a pergunta que sintetiza as indagações e questões sobre o problema abordado e as respostas.
Essas reflexões apontam para a necessidade da imersão no processo de construção do projeto de pesquisa, com
ênfase na relação dialética entre pergunta e resposta. Como se sabe, o ponto de partida de uma pesquisa ou investigação é uma “questão”, que se coloca como “problema”
a resolver. Elaborar uma pergunta norteadora (pergunta-síntese, pergunta-problema) significa o mesmo que construir o problema da pesquisa em toda a sua complexidade,
delimitação e abrangência do recorte do objeto. A pergunta deve conter uma tensão interna, ser “problemática” e
estar calcada no mundo das necessidades humanas, contradições, concreticidade e possibilidades de mudanças,
tanto na academia quanto na vida cotidiana.
A dialética entre pergunta e resposta tem como premissa a ideia de que sem uma pergunta qualificada (pergunta-síntese), uma pergunta-problemática, historicamente
situada na concreticidade dos problemas educacionais,
não há problema “problemático”. Sendo assim, perguntas “requentadas” tendem a resultar em respostas repetitivas que pouco acrescentam para o avanço científico para
a área da educação. Esses comentários foram suscitados
a partir da própria epígrafe de Bachelard que inaugura o
livro: “Para o espírito científico qualquer conhecimento é
uma resposta. Se não tem pergunta não pode ter conhecimento científico. Nada se dá, tudo se constrói.” Contudo,
não se trata de qualquer pergunta, pois perguntas abstratas poderão engendrar respostas metafísicas, mantenedoras do status quo e reprodutoras da lógica do capital.
20
Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos
Quando se está em pauta o debate sobre fundamentos
lógicos da relação entre pergunta e resposta no processo
de construção do conhecimento, a noção de problema está
sempre norteando os caminhos científicos. Nesse limiar,
existem diferentes concepções da palavra “problema”,
que podem ser compreendidas a partir da lógica formal e
da lógica dialética. Na lógica formal, o problema tem um
caráter subjetivo e pseudoconcreto. No mundo da pseudoconcreticidade,
[...] o complexo dos fenômenos que povoam o ambiente cotidiano e a atmosfera comum da vida humana, que, com a regularidade, imediatismo e evidência,
adentram na consciência dos indivíduos agentes, assumindo um aspecto independente e natural.8
Na lógica formal,
[...] os termos contraditórios mutuamente se excluem
(princípio da não contradição), inevitavelmente entram
em crise, postulando a sua substituição pela lógica dialética. Nesta, os termos contraditórios mutuamente se incluem (princípio da contradição, ou lei dos contrários).9
O debate sobre a dialética na construção da pergunta
e da resposta no processo investigativo sugere a necessidade de se recuperar a “problematicidade do problema”,
buscando captar a verdadeira essência do fenômeno, para
além dos “pseudoproblemas” da lógica formal. Na lógica dialética, a essência e a nota definitória e fundamental
8 Kosik, Karol. Dialética do Concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
9 Saviani, Dermeval. Educação: do Senso Comum à Consciência Filosófica.
Campinas: Autores Associados, 2002. p. 16.
Prefácio
21
do problema são a “necessidade”. Nesta linha de raciocínio, o problema é, nesse caso, o problema de investigação,
pensado na perspectiva da relevância social e acadêmica,
“[...] possui um sentido profundamente vital e altamente
dramático para a existência humana, pois indica uma ‘situação de impasse’.”10
Na esteira da questão da noção de problema de pesquisa, inclui-se a necessidade de se pensar a relação imbricada entre problemas filosóficos e problemas científicos. Essa
relação exige uma noção de problema filosófico-científico
que tenha como leitmotiv a concepção de problema de investigação, podendo constituir-se em uma reflexão “rigorosa, radical e de conjunto sobre os problemas sociais que
a realidade apresenta”. Nesses termos, a Filosofia da Educação não seria outra coisa senão uma reflexão (radical,
rigorosa e de conjunto) sobre os problemas que a realidade
educacional apresenta.11
Pensar a construção do problema de investigação à
luz da dialética entre pergunta e resposta carece que evoquemos o papel da criatividade, da inovação e do rigor da
ciência, que se soma ao compromisso político do pesquisador com o “mundo da necessidade” e com as “situações
de impasse” que surgem no real-social. Contudo, não se
trata de uma criatividade abstrata, mas sim da “imaginação sociológica”, que segundo Wright Mills é
[...] a qualidade intelectual de natureza crítica que prevê
a sintonia do cientista social com os problemas individuais ligados às realidades mais amplas e aos problemas
de relevância pública.
10Saviani, Dermeval. Educação: do Senso Comum à Consciência Filosófica.
Campinas: Autores Associados, 2002. p. 16.
11 Idem.
22
Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos
Ela prevê, ainda,
[...] a sensibilidade para captar a necessidade da fusão
da nossa vida individual com os problemas do tempo
conturbado em que vivemos [...] e, eu diria, sob a vigência do processo de destruição da coletividade, trabalho,
meio ambiente, enfim, das relações sociais engendradas
pelo capital.12
De acordo com Mills, a tarefa intelectual e política do
cientista social é deixar claros os elementos de inquietação
e indiferença, frente aos problemas sociais que assolam a
humanidade no mundo contemporâneo13. Além do mais,
[...] a tarefa dos intelectuais (educadores-investigadores) deveria ser promover a liberdade humana e o
conhecimento, além de ‘questionar’ o nacionalismo
patriótico, o pensamento corporativo e um sentido de
privilégio de classe, raça ou sexo.14
No ponto de vista de uma “educação crítica”, deveriam aprender as lições gramscianas do “intelectual orgânico”, apoiando e participando dos movimentos sociais,
reconhecendo o conhecimento destes e ao mesmo tempo
socializando o conhecimento especializado das universidades “[...] com esses movimentos que se voltam às lutas
por uma política de redistribuição e por uma política de
reconhecimento.”15
A ideia de “problema concreto” pode ser compreendida à luz da reflexão sobre a natureza do labor investigati-
12 Mills, Wright. A imaginação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.
13Said, Edward W. Representações do Intelectual: as conferências Reith de
1993. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
14Idem.
15 Apple, Michael W.; Wayne, A. U.; Gandin, Luis Armando (Orgs.). Educação
Crítica: Análise Internacional. Porto Alegre: Artmed, 2011.
Prefácio
23
vo na universidade. A pesquisa na universidade tem como
centralidade o trabalho teórico e o uso dos conceitos16; a
universidade é o lócus privilegiado para, criticamente, a
partir de uma linguagem filosófica desdobrada em “conceitos”, realizar as mediações relevantes e necessárias com
a realidade objetiva e seus problemas macro e microssociais. Essa tarefa implica em um comprometimento político-pedagógico do pesquisador com os “problemas de
relevância pública”, isto é, dos “problemas da realidade”
ou, de acordo com Marx (1987, p. 49), do “real pensado”
ou “concreto pensado”. De acordo com o autor,
[...] o concreto é concreto porque é síntese de múltiplas
determinações, isto é, unidade do diverso. Por isso o concreto aparece no pensamento como o processo de síntese, como resultado, não como ponto de partida, ainda
que seja o ponto de partida efetivo e, portanto, o ponto
de partida também da intuição e da representação.17
Um ponto digno de destaque na escrita deste livro é a
preocupação do autor para a formação de professores-investigadores, cujos processos formativos carecem de mais
reflexão e maior aprofundamento sobre as relações entre
práticas de formação e questões teórico-metodológicas no
campo da investigação. Nessa dimensão, a obra se destina
tanto aos “iniciantes” quanto aos “iniciados” na pesquisa.
Para os iniciantes de cursos de formação inicial, destina-se
aos que estão começando na pesquisa, principalmente, aos
estudantes de graduação envolvidos nos projetos de pes-
16 Jantsch, Ari Paulo. Os conceitos no ato teórico-metodológico do labor científico. In: Bianchetti, Lucídio; Meksenas, Paulo. A trama do conhecimento:
teoria, método e escrita em ciência e pesquisa. Campinas: Papirus, 2008.
17 Marx, K. Para a Crítica da Economia Política. São Paulo: Nova Cultural,
1991. p. 49. (Os pensadores, v. I).
24
Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos
quisa de conclusão de curso (TCC), projetos de iniciação
científica, estudantes que estão desenvolvendo projetos de
pós-graduação latu sensu (especialização) e professores que
estão em processo de formação continuada. Neste sentido,
o livro veicula conteúdos que podem ser de grande valia
para os iniciados na pesquisa: mestres e doutores, pois são
frutos da trajetória acadêmica do autor no âmbito da graduação e pós-graduação em ciências humanas e sociais na
perspectiva da produção de pesquisas, bancas, livros, artigos em periódicos, orientações, participação em intercâmbios acadêmicos nacionais e internacionais, participação
em entidades científicas e comitês científicos.
O livro traz experiências concretas desenvolvidas na
formação de professores-pesquisadores em convênios do
Grupo de Pesquisa Paideia (Faculdade de Educação/Unicamp) com universidades de São Paulo, do Brasil e outras
instituições internacionais. O debate instaurado poderá
constituir-se em um convite para se repensar a relevância
das pesquisas.
Outra contribuição do livro é a de atentar para uma
mudança na concepção “metodologia” compreendida como labor meramente instrumental nos manuais de metodologia da pesquisa, que desprivilegiam um processo mais
lento e indagativo sobre a pertinência das perguntas e, consequentemente, das respostas. Os manuais terminam por
não permitir que “o pesquisador possa ser o seu próprio
teórico e o seu próprio metodólogo”18. Os manuais ainda
são a bíblia de muitos pesquisadores, talvez porque eles signifiquem, no dizer irônico e crítico de Corazza, um “Manual infame... mas útil, para escrever uma boa proposta de
18 Mills, Wright. A imaginação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.
Prefácio
25
tese ou dissertação.”19 Esses manuais prescritivos e técnico-instrumentais, sob a designação de “metodologia” ou
“manuais de métodos e técnicas”, terminam por inculcar
uma cultura da pesquisa descontextualizada de um fazer
teórico-metodológico em sua integralidade e complexidade, articulada com os problemas objetivos da realidade investigada. É na contramão dos manuais e dessa tendência à
instrumentalização da metodologia da pesquisa que se insurge este livro. Ele se apresenta como alternativa ao conservadorismo metodológico, como uma profunda reflexão
filosófica à luz das análises epistemológicas.
A obra é relevante porque sinaliza para a prática da
pesquisa, compreendida como princípio educativo, formativo e cognitivo na docência.20 Além de problematizar o conhecimento no processo, com vistas a proceder a
mediação entre o significado do saber no mundo atual e
aqueles dos contextos em que foram produzidos.
Diante de tudo que aprendemos com Gamboa, fica subentendido o desafio, no sentido da necessidade de que
os pesquisadores formulem perguntas à realidade, tomando como eixo ontológico, epistemológico e gnosiológico
a imaginação sociológica. Essa postura coloca mais um
desafio: “transformar problemas sociais em problemas
sociológicos”.21 Isso implica, por sua vez, transformar
problemas sociais em problemas de investigação, com base no concreto pensado, cujas pesquisas possam abarcar
problemas concretos da educação formal (escolas), não
19 Corazza, Sandra. Manual infame... mas útil para escrever uma boa proposta
de tese ou dissertação. In: Bianchetti, Lucídio; Machado, Ana Maria Netto. A
Bússola do Escrever. Florianópolis: UFSC; São Paulo: Cortez, 2006.
20 Severino, Antonio Joaquim. Prefácio. In: Sánchez Gamboa, Silvio. Pesquisa
em Educação: métodos e epistemologias. 2. ed. Chapecó: Argos, 2012.
21 Pais, José Machado. Vida Cotidiana: Enigma e Revelações. São Paulo: Cortez,
2003.
26
Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos
formal (movimentos sociais) e informal (grupos não organizados e espontâneos); que possam abarcar os problemas
sociais universais e específicos, macro e microssociais da
vida cotidiana das instituições escolares e não escolares.
Em síntese, o livro que temos nas mãos nos faz perspectivar uma outra lógica na reflexão de problemas de pesquisa
e a relação dialética entre pergunta e resposta nos projetos
de pesquisa. Faz-nos refletir criticamente sobre o processo investigativo em termos dos pseudoproblemas. Faz-nos
pensar na enorme quantidade de pesquisas, produzidas com
perguntas óbvias e respostas repetitivas e sem impacto na
vida acadêmica e social. Pesquisas, muitas vezes, cujas perguntas já trazem em seu bojo respostas a priori, indicando,
assim, os chamados “resultados esperados”.
Desejo uma boa leitura de mais um livro do mestre
Silvio Sánchez Gamboa e a reflexão da música “A seta e o
alvo”, de Paulinho Moska:
Então me diz qual é a graça
De já saber o fim da estrada,
Quando se parte rumo ao nada?
Sempre a meta de uma seta no alvo,
Mas o alvo, na certa, não te espera.
Então me diz qual é a graça
De já saber o fim da estrada,
Quando se parte rumo ao nada?
Florianópolis, outono/abril de 2013
Maurício Roberto da Silva
Professor do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Educação (Mestrado) da Unochapecó.
Prefácio
27
Sobre o autor
SILVIO SÁNCHEZ GAMBOA: Licenciado em Filosofia (Universidad San Buenaventura, Colômbia), especializado em Orientação escolar (Universidad Pedagógica y
tecnológica de Colômbia), mestre em Educação (UnB),
doutor em Filosofia e História da Educação (Unicamp),
livre-docente e titular em Filosofia da Educação (Unicamp). Professor de Filosofia da Educação, Epistemologia
da pesquisa educacional e Teorias do Conhecimento, na
Faculdade de Educação da Unicamp. Professor visitante
nas Universidades Católica de Chile (UCC), Estadual de
Maringá (UEM), Federal de Santa Maria (UFSM), Federal
de Alagoas (UFAL), Federal da Bahia (UFBA), Facultad
Latino-americana de Ciências Sociais (FLACSO), Nacional de Córdoba (Argentina) e Universidade de Ca- çador
(UNC). Coordenador do curso de Pedagogia da Unicamp
(1990-1992), coordenador do Mestrado em Edu- cação
da PUC-Campinas (1994-1997). Líder do grupo de pesquisa Paideia (FE/Unicamp).
Autor de vinte livros e mais de quarenta artigos científicos
e capítulos de livros nas áreas da Pesquisa Educacional,
Filosofia da Educação e Epistemologia da Educação Física. Dentre eles destacam-se:
- Dialética na Pesquisa em Educação: elementos de Contexto (São Paulo: Cortez, 2010, p. 91-115);
- Epistemologia da pesquisa em educação (Campinas: Práxis, 1996);
- Pesquisa Educacional: Quantidade – Qualidade (São
Paulo: Cortez, 2013);
- Epistemologia da Educação Física: as inter-relações necessárias (Maceió: edUFAL, 2011);
- Pesquisa em educação: métodos e epistemologias (Chapecó: Argos, 2012).
- Coautoria com: CHAVES, M.; TAFFAREL, C. (Orgs.).
Prática pedagógica e produção do conhecimento na Educação Física & Esporte e Lazer (Maceió: edUFAL, 2003);
- CHAVES, M.; TAFFAREL, C. Prática de Ensino: formação profissional e emancipação (Maceió: edUFAL, 2003);
- CHAVES, M.; SÁ, K. Lazer e Recreação no currículo de
Educação Física (Maceió: edUFAL, 2003);
- Retomando o debate sobre a pedagogia do movimento
(Maceió: edUFAL, 2004).
Título: Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos:
a dialética entre perguntas e respostas
Autor: Silvio Sánchez Gamboa
Coleção: Didáticos, n. 6
Coordenador: Dirceu Luiz Hermes
Secretaria: Leonardo Favero
Vendas e distribuição: Neli Ferrari, Andressa Cazalli
Projeto gráfico e capa da coleção: Alexsandro Stumpf
Capa desta edição: Alexsandro Stumpf
Diagramação: Caroline Kirschner
Preparação dos originais: Marina Gabriela Fávero
Revisão: Carlos Pace Dori, Marina Gabriela Fávero,
Rodrigo Junior Ludwig
Formato: 16 x 23 cm
Tipografia: Sabon LT
Papel do miolo: offset 90g
Papel da capa: supremo 300g
Número de páginas: 159
Tiragem: 1000
Impressão e acabamento: Gráfica e Editora Pallotti
Santa Maria (RS)
Argos Editora da Unochapecó
Av. Atílio Fontana, 591-E – Bairro Efapi
Chapecó (SC) – 89809-000 – Caixa Postal 1141
Telefone: (49) 3321-8218 – e-mail: [email protected]
Site: www.unochapeco.edu.br/argos
Este livro está à venda:
www.travessa.com.br
www.livrariacultura.com.br
ISBN 978-85-7897-116-8
Este livro tem uma pretensão didática e um conteúdo básico sobre os fundamentos lógicos da pesquisa científica e da elaboração de projetos. Está dirigido a
alunos de iniciação científica, a orientadores e a pesquisadores em nível de pós-graduação, interessados na compreensão dos elementos básicos do conhecimento
e na apropriação das eficientes ferramentas oferecidas pela lógica e pela filosofia.
Os conteúdos sobre os fundamentos lógicos da pesquisa científica e, em particular, das fases iniciais do planejamento da investigação científica buscam desmitificar, sem reduzir e sem empobrecer a diversidade e complexidade dos procedimentos necessários para a elaboração do conhecimento científico. Repensar os
projetos de pesquisa, sob a ótica da lógica dialética que revela a dinâmica entre
perguntas e respostas, poderá trazer novas perspectivas de compreensão da
pesquisa e tornar simples, eficientes e criativos os complexos processos de
produzir respostas para as necessidades e os problemas históricos da sociedade.
Espera-se que esta publicação incentive novas práticas pedagógicas, visando à
formação de futuros pesquisadores, valorizando a pedagogia da pergunta, o
incentivo à curiosidade e o desenvolvimento da capacidade de duvidar e perguntar, que precedem às tentativas da produção do conhecimento, entendido este
como a resposta a uma pergunta. Nesse sentido, o resgate da relação dialética
entre as duas dimensões da produção do conhecimento – a construção de
perguntas e a produção de respostas – poderá sinalizar significativas mudanças
na preparação do pesquisador, começando pela mudança dos sistemas pedagógicos, visando ao desenvolvimento da capacidade de problematizar e de perguntar.
Download

Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos: