INSTITUTO SUPERIOR TÉCNICO Mestrado em Engenharia e Gestão da Tecnologia Políticas de Desenvolvimento Industrial A Política Industrial e o Desenvolvimento da Economia Portuguesa desde os Anos 60: Breves Notas Rui Baptista Instituto Superior Técnico 2000 1. A Evolução da Economia Portuguesa desde os Anos 601 1.1. O Modelo de Desenvolvimento do Estado Novo Ao longo da década de 60 a política económica portuguesa inverteu o sentido predominantemente fechado ao exterior, definindo o que se poderiam considerar duas trajectórias simultâneas de internacionalização: i) o desenvolvimento das relações com as províncias ultramarinas, tendentes à eventual formação de um espaço económico que correspondesse ao que era então o espaço político português; ii) a participação directa nos movimentos de integração económica europeia, tornandose membro fundador da Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA). A primeira via era baseada num contexto político que, a médio prazo, se tornou insustentável. Para além disto, não foram ultrapassadas dificuldades operacionais ao nível das relações comerciais e do desenvolvimento da zona monetária do escudo. Em 1973, as províncias ultramarinas absorviam aproximadamente 15% das exportações do continente, e eram origem de cerca de 10% das importações. No início da década de 60, os valores homólogos eram, respectivamente, de 26% e 15%. As regulamentações existentes em alguns mercados de matérias-primas, destinadas a fomentar o desenvolvimento da produção ultramarina, funcionaram por vezes como restrição ao abastecimento de empresas metropolitanas. Neste aspecto, a via ultramarina condicionou também a realização de investimentos importantes: a viabilidade do projecto de Sines dependia do acesso privilegiado ao petróleo angolano. Ao longo do mesmo período, cresceu a integração da economia portuguesa nos espaços económicos europeus em termos de fluxos comerciais, de investimento estrangeiro e de integração nos mercados de trabalho, através da emigração. O peso dos países que então compunham a Comunidade Económica Europeia (CEE) e a EFTA nas exportações portuguesas aumentou de pouco mais de 40% (representando agora cerca de 65% do 1 Os vários capítulos destas notas baseiam-se extensamente em: Confraria, J. (1995), Desenvolvimento Económico e Política Industrial: a Economia Portuguesa no Processo de Integração Europeia, Lisboa: Universidade Católica Editora. Para aprofundamento das questões aqui focadas recomenda-se a consulta deste livro, assim como das respectivas referências bibliográficas. 1 total de exportações). Nas importações, o aumento foi superior a 50% (para cerca de 63% das importações totais). A abordagem geral de política económica do Estado Novo baseou-se no prosseguimento de objectivos de equilíbrio macroeconómico, nomeadamente ao nível da estabilidade cambial e do nível geral de preços, num contexto de controlo dos movimentos de capitais e de bens e serviços entre o país e o exterior, e de equilíbrio orçamental do sector público. Na sequência da abertura da economia ao exterior, não se terá mantido o rigor da política monetária, o que veio a conduzir, a partir de meio da década de 60, a crescentes pressões inflacionistas. Do ponto de vista microeconómico, desenvolveu-se desde os anos 30 um conjunto de mecanismos de regulação dos mercados, através dos quais se definia o quadro em que a iniciativa privada teria um papel nuclear no crescimento económico do país. Estes mecanismos regulatórios foram definidos com base numa atitude geral de desconfiança sobre as benefícios dos processos concorrenciais. A livre concorrência era entendida como uma forma de afectação de recursos que geraria profundas ineficiências, uma vez que implicaria processos de ajustamento longos e severos que poderiam gerar e custos sociais elevados. Neste contexto, integraram-se as políticas de protecção aduaneira e de limitações legais à entrada nos mercados (o condicionamento industrial) e a adopção de formas de organização corporativas que pretendiam controlar a evolução de preços e salários. A preocupação com a defesa dos excedentes detidos por produtores nacionais instalados e com o desenvolvimento destes levou também à imposição de diferentes restrições ao investimento estrangeiro. Durante os anos 60, como consequência da entrada na EFTA e de alterações na legislação reguladora (ocorridas, nomeadamente, em 1965), os projectos de investimento estrangeiro assumiram uma importância crescente. A existência de um mercado interno protegido terá sido importante, mas maior significado terá tido o nível baixo de custos de mão-de-obra, relativamente ao resto da Europa, que favorecia a instalação de projectos de exportação para esse espaço económico. Embora o condicionamento industrial favorecesse a entrada de candidatos que apresentassem projectos de substituição de importações, os investimentos verificaram-se tanto em áreas de actividade em que já existia uma capacidade de produção significativa (têxteis, vestuário e calçado, por exemplo) como 2 noutras que, por essa via, se desenvolveram rapidamente: máquinas e material eléctrico, alimentação e bebidas e químicas. Em termos práticos, em muitos mercados industriais a concorrência, efectiva ou potencial, encontrava-se legalmente bloqueada, mantendo-se restrições aos aumentos nos preços dos produtos agrícolas e o controlo dos salários. As políticas agrícola e laboral encontravam-se portanto, subordinadas ao objectivo de crescimento industrial, através da acumulação de capital por parte das empresas nacionais, beneficiando de investimento estrangeiro e da transferência de excedentes dos produtores agrícolas, do factor trabalho e dos consumidores. 1.2. Choques Exógenos e Rupturas de Política Económica No início da década de 70, a economia portuguesa enfrentava diferentes desafios. A progressiva liberalização das pautas aduaneiras com os países da EFTA e o acordo com a CEE (1972) acelerava e generalizava o processo de liberalização comercial externa, aumentando as pressões concorrenciais sobre a indústria e pondo em questão os mecanismos regulatórios existentes. As pressões inflacionistas acumuladas traduziam-se na redução dos salários reais. As mudanças institucionais ocorridas a nível interno entre 1974 e 1976 constituíram, em si mesmas, um choque exógeno fundamental, alterando completamente o quadro institucional da actividade económica. Através de um conjunto de nacionalizações, expropriações e intervenções na gestão das empresas, foi modificado o sistema de direitos de propriedade e a economia portuguesa entrou, de facto, num processo de transição para um sistema planificado de tipo socialista. Apesar do princípio socialista ter sido consagrado constitucionalmente em 1976, foi a partir daí que, em muitas áreas de actividade, se tornou pelo menos possível evitar o aprofundamento dessa lógica e garantir a permanência de direitos de propriedade privada, assim como um mínimo de racionalidade na gestão. Procurou-se reafirmar a trajectória de integração europeia através do pedido de adesão à CEE, apresentado formalmente em 1977. O período entre o início da década de 70 e o meio da década de 80 foi ainda profundamente marcado por outros choques exógenos cujo impacte foi agravado pela 3 inexistência de respostas adequadas em tempo oportuno. Os aumentos nos preços do petróleo e de outras matérias-primas ocorridos na sequência do primeiro choque petrolífero, ocorrido em 1973, provocaram uma deterioração nos termos de troca, aumentando as pressões inflacionistas e alterando a rendibilidade dos investimentos entretanto realizados. Um segundo choque petrolífero com efeitos semelhantes, embora de menor impacto, ocorreria no início dos anos 80. Na sequência da descolonização ocorrida em 1975-76 verificou-se, a par de uma redução drástica dos activos detidos por portugueses no estrangeiro, o regresso ao país de mais de meio milhão de “retornados”. Ao mesmo tempo, a emigração que, nos primeiros anos da década teria sido, em média anual, superior a 100 mil indivíduos, caiu drasticamente devido à crise económica na Europa motivada pelo choque petrolífero. A balança de transacções correntes com o exterior e o saldo orçamental passaram a ser fortemente deficitários em consequência dos choques exógenos e da política económica seguida. A partir de 1977, o reequilíbrio das contas com o exterior passou a ser o objectivo fundamental da política macroeconómica, ao qual foram subordinados o equilíbrio orçamental e a estabilidade dos preços, em virtude do primeiro acordo de estabilização com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Um segundo acordo viria a ser celebrado em 1983. A desvalorização sistemática do Escudo viria a ser um elemento persistente na economia portuguesa até finais da década de 80. As restrições ao comércio externo foram de novo reforçadas através de taxas e quotas aduaneiras. Do ponto de vista microeconómico, a nacionalização, em 1975, de muitas das principais empresas, deu ao estado controlo directo sobre quase 25% do valor acrescentado e 45% do investimento. Para além disso, vários sectores de actividade viram, em 1977, a entrada de qualquer empresa privada legalmente impedida (“sectores vedados”) sendo, inclusivamente, alguns deles reservados exclusivamente ao sector público. Nestes sectores incluem-se não apenas os chamados serviços de interesse público (transportes e comunicações e saneamento básico) mas também um conjunto de mercados de bens e serviços de natureza eminentemente privada, como é o caso das indústrias petroquímica, siderúrgica e de armamento, da cerveja, do tabaco, da refinação de petróleos, dos adubos, dos cimentos e ainda a banca e seguros. Os objectivos 4 fundamentais desta lei nada tinham a ver com uma lógica económica, mas apenas com uma limitação de posse de carácter político. Foi, assim, criado um conjunto de estruturas de mercado extremamente diverso e, em muitos casos, anómalo, incluindo não apenas os tradicionais monopólios públicos (transportes, água, electricidade, refinação e petroquímica de base), mas também duopólios públicos (cerveja), oligopólios públicos e oligopólios mistos, nos quais concorriam empresa públicas e privadas, em alguns casos estrangeiras (banca e seguros, tabaco, venda a retalho de gasolina e outro produtos petroquímicos). No entanto, parece ser consensual que não terá sido estabelecido um quadro de coordenação estratégica do estado nestes mercados. Não existiam critérios de selecção de gestores públicos e de avaliação do seu desempenho, tendo as empresas públicas sido utilizadas como instrumentos de uma política de controlo de preços e incentivadas ao endividamento junto de fontes externas a que o estado tinha dificuldade em aceder. O sector privado foi também fortemente afectado por um rígido sistema de controlo dos preços de bens e serviços e pelo crescimento da carga fiscal necessário para fazer face ao aumento da despesa pública. No mercado de trabalho, os despedimentos foram restringidos, tendo sido estabelecido um salário mínimo que, no início, abrangeu mais de 50% dos trabalhadores por conta de outrem com mais de 20 anos. O agravamento da carga fiscal e das contribuições sociais aumentou ainda mais os custos do factor trabalho. No sistema financeiro, à nacionalização das maiores instituições nacionais adicionaramse distorções resultantes do financiamento do déficit orçamental através de títulos da dívida pública (com a resultante redução do capital disponível para crédito ao investimento privado - efeito de crowding-out) e de uma curiosa regulação simultânea de preços e quantidades, através da fixação administrativa das taxas de juro e de limites quantitativos ao crédito. O aumento do peso do estado na economia evidenciou um problema de falta de coordenação de políticas económicas, de instrumentos de avaliação dessas políticas e de detecção e correcção de comportamentos ilegais, agravando as distorções. A dificuldade de responder, atempadamente e com medidas adequadas, aos choques exógenos conduziu a níveis duradouros de dívida pública e de inflação. 5 Viveu-se, portanto, um contexto de estagnação das estruturas de mercado e de falta de dinâmica e de eficiência das empresas públicas, a nível estratégico e de organização interna. Este contexto, associado à interrupção no processo de liberalização do comércio externo, adiou reestruturações industriais que seriam inevitáveis num contexto de progressiva integração com as restantes economias europeias. 1.3. A Adesão à Comunidade Económica Europeia e à União Europeia A partir de 1986 os problemas fundamentais de desequilíbrio externo encontravam-se controlados por via das medidas de política económica tomadas na sequência do segundo acordo de estabilização com o FMI, e de uma queda significativa do preço do petróleo, que constituiu um importante choque exógeno de sentido oposto aos verificados anteriormente, reduzindo os preços das importações. A entrada na CEE traduziu-se num aumento substancial do investimento estrangeiro, contribuindo também para reforçar as disponibilidades em divisas do Banco Central. Em consequência, a gestão dos desequilíbrios externos deixou de ser o objectivo fundamental da política macroeconómica que poderia, em princípio, concentrar-se nos objectivos de controlo da inflação (facilitado pela baixa dos preços das exportações) e do déficit orçamental para além, evidentemente, da promoção do crescimento económico. No entanto, a política orçamental permaneceu expansionista até ao início da década de 90, aumentando o peso na economia das despesas e receitas públicas. Nos domínios monetário e cambial, verificaram-se significativas alterações institucionais, relacionadas com a progressiva coordenação das políticas internas com as dos parceiros comunitários. Esta perda progressiva de autonomia de decisão contribuiu também para um quadro de maior estabilidade macroeconómica. A adesão à CEE traduziu-se numa abertura substancial dos mercados portugueses à concorrência comunitária e na adopção de uma pauta aduaneira comum para com países terceiros, representando esta também uma redução das taxas de protecção face a estes 6 países. A tendência para a liberalização representou uma ruptura completa com o passado, que se tem vindo a generalizar a todos os sectores da economia 2. A imposição das regras comunitárias de concorrência teve impacto imediato na política microeconómica. Um outro aspecto de grande importância tem sido a tentativa de reduzir as distorções acumuladas, por via da política tributária e do processo de privatizações. Um terceiro elemento fundamental é constituído pelo conjunto dos investimentos infraestruturais e dos sistemas de incentivos e de apoios parcialmente financiados pela Comunidade, que se tornaram instrumentos privilegiados de reestruturação em mercados agrícolas, industriais e de serviços. O financiamento por transferências comunitárias (fundos estruturais) terá resultado numa ideia geral de abundância de recursos na economia portuguesa que não será inteiramente exacta. No entanto, por via do fim do surto migratório, as transferências recebidas do exterior por remessas de emigrantes diminuíram acentuadamente. Os fundos estruturais constituíram, em larga medida, uma compensação para essa diminuição. Para que o montante total de transferências recebidas, em percentagem do Produto Interno Bruto (PIB), tivesse sido em 1990-93 idêntico ao de 1980, seria necessário que as ajudas comunitárias ao investimento tivessem atingido valores da ordem dos 3% a 4% do PIB. Terão sido um pouco inferiores, pelo que é razoável afirmar que o peso das transferências recebidas na economia portuguesa não aumentou entre 1980 e 1990. É de crer que o segundo Quadro Comunitário de Apoio (QCA) venha a desempenhar um papel semelhante. Deve no entanto referir-se que, enquanto as remessas de emigrantes se integravam na economia directamente através das decisões de consumo, investimento e poupança dos agentes, a integração dos fundos estruturais se processa por via administrativa, através de programas de execução financeira. A importância assumida pela celebração de contratos na actividade económica de um país com um sistema jurídico pouco expedito e com um estado de poder coercivo débil tem vindo a facilitar comportamentos oportunistas de que resultam distorções e ineficiências. 2 A agricultura terá sido das áreas de actividade que, de forma mais imediata, sentiu o choque da adesão, por via da queda dos preços e das modificações subsequentes à Política Agrícola Comum (PAC). 7 1.4. Conclusão: o Crescimento Económico Português De 1960 a 1975 a economia portuguesa apresentou taxas de crescimento elevadas, com uma média anual de crescimento do PIB próxima dos 6% até 1966, e pouco inferior a 8% entre 1967 e 1973. Este período representou o ciclo de crescimento mais elevado da história da economia portuguesa. No período 1974-86, a taxa de crescimento média do PIB foi pouco superior a 2%, subindo depois para valores médios um pouco superiores aos 3%.Parece, portanto, claro que, desde 1974, as economia se deslocou para uma trajectória de crescimento bastante abaixo da anterior, não tendo a adesão à CEE proporcionado uma recuperação considerável. Esta evolução não poderá ser considerada exclusivamente consequência dos choques petrolíferos ou de transformações tecnológicas, uma vez que outros países em situação semelhante no início da década de 60 conseguiram, nos trinta anos seguintes, manter taxas médias de crescimento bem superiores. Por exemplo: a Coreia (8.8%), Taiwan (8.9%) e Singapura (8.2%). É difícil não concluir que, em termos de política económica e de organização institucional, as opções tomadas em 1974-76 e não inteiramente corrigidas na década seguinte, não solucionaram as dificuldades do anterior modelo de crescimento tendo, pelo contrário, contribuído para criar novas distorções. Não se trata de um problema de baixo nível de poupança e investimento (com valores historicamente elevados), mas sim um de enquadramento institucional e de afectação dos investimentos (em prejuízo do capital humano), de ineficiente intermediação financeira e de má política de investimento público, resultando num fraco crescimento da produtividade. Portugal encontra-se inserido numa área geo-económica de crescimento lento, pelo menos em termos relativos, o que poderá explicar parte do problema. Até 1973-74, a taxa de crescimento do PIB foi maior do que a média europeia, mas a aproximação verificada atenuou-se na década seguinte. Desde então, o crescimento voltou a ser superior ao da média europeia, em proporção semelhante à verificada na década de 60, mas as diferenças ao nível do PIB e da produtividade dos factores permanece muito elevada. O crescimento da produtividade do trabalho fez com que o salário mínimo deixasse de ser uma restrição activa e a flexibilização do mercado de trabalho permitiram uma redução da taxa de desemprego. No entanto, a ausência de restruturação em alguns sectores 8 poderá ocultar ineficiências na afectação dos recursos que, uma vez corrigidas, poderão levar a um aumento do nível de desemprego. 2. A Industrialização Portuguesa Pode-se definir industrialização como o aumento do peso da indústria transformadora no valor acrescentado da economia. A industrialização foi considerada, pelo menos a partir de finais da década de 40, como condição necessária para o desenvolvimento económico do país. Esta ideia não foi, no entanto, pacificamente aceite. Os problemas com o arranque do processo de industrialização português residiram sobretudo na falta de definição de um quadro institucional que favorecesse o desenvolvimento dos diferentes mercados industriais, quer em termos de regras de funcionamento dos diferentes mercados, quer no que diz respeito ao investimento em infra-estruturas. Parece razoável argumentar que a transferência de recursos do sector primário para a indústria e serviços, através do qual se esperaria um aumento do produto per capita, se concretizaria naturalmente pela acção do sector privado. No entanto, a acção da administração pública e as linhas gerais de política económica nem sempre facilitaram o processo, manipulando a distribuição de rendimentos de forma a proteger os produtores de bens de consumo final (em particular os agrícolas) em detrimento dos produtores de bens de equipamento e de consumos intermédios. A insistência do estado em apoiar, em diferentes épocas, projectos de investimento individuais de dimensão significativa, de que são exemplo a siderurgia e as empresas produtoras de fibras sintéticas nos anos 60 e a linhas de montagem de veículos automóveis nos anos 70 e 80, reflectem uma política de aplicação de recursos públicos escassos para sustentar intervenções de carácter horizontal, favorecendo sectores específicos. O papel representado pelas indústrias transformadoras no desenvolvimento económico das nações está associado à tecnologia e à evolução da procura. Caso a procura dos vários bens e serviços evolua de maneira diferente à medida que o rendimento per capita aumenta (isto é, diferentes bens apresentem elasticidades procura-rendimento diferentes), a economia crescerá mais rapidamente se dirigir a sua produção para os bens cuja procura mais cresce. A evidência disponível para os anos 50 e 60 sugere valores para a 9 elasticidade procura-rendimento dos bens industriais significativamente superiores à dos bens agrícolas e dos serviços, na grande maioria dos países. Do lado da tecnologia, pode argumentar-se que o crescimento dos sectores de actividade que utilizam, por unidade produzida, maior volume de consumos intermédios (como é o caso das indústrias transformadoras) exerce um maior impacte sobre o crescimento da economia no seu todo, uma vez que a procura de bens intermédios produzidos por outros sectores aumenta. Por outro lado, as diferenças tecnológicas entre os sectores deveriam também reflectir-se ao nível da produtividade dos factores. Sectores apresentando maior produtividade do trabalho tenderiam a atrair um maior volume de trabalhadores, libertados pelos sectores de menor produtividade. Dados para 1959 para o valor acrescentado por trabalhador (um indicador aproximado da produtividade) reflectem a diferença entre agricultura (apenas 56% do valor médio para a economia portuguesa) e a indústria (140% do valor médio) e serviços (135% do valor médio). Pode-se dizer portanto que, nos anos 50 e 60, a tecnologia instalada nos mercados industriais permitia um maior valor acrescentado por trabalhador e dinamizava as actividades a montante, apresentando um potencial de crescimento superior. Esperava-se assim do sector industrial o reforço do crescimento do PIB, em absoluto e per capita, assim como uma absorção dos excedentes de mão-de-obra libertos pela agricultura. No que se refere ao peso do sector industrial no valor acrescentado, a evidência disponível sugere a existência de um processo de industrialização até finais da década de 70 em Portugal. Desde então, a indústria transformadora tem, em média, crescido a taxas semelhantes às do conjunto da economia. Este aumento de peso da indústria transformadora na economia não foi, no entanto, reflectido em termos de emprego, com excepção da primeira metade da década de 60 e do final da década de 80. Desde meados dos anos 70, os serviços têm sido a principal origem dos empregos criados. Ao longo da década de 60, a principal origem dos empregos industriais criados foi a indústria siderúrgica. Posteriormente, as indústrias têxteis, de vestuário e calçado desempenharam esse papel, tendo-se verificado um regresso ao padrão de especialização tradicional da indústria portuguesa, existente desde o final do século passado. No sector dos serviços, salienta-se a criação de empregos por parte da administração pública, em particular nas áreas da educação e da saúde. A partir de 1974 10 e, sobretudo, nos anos 80, as actividades de comércio e hotelaria, os serviços financeiros e os transportes e comunicações assumiram também um papel relevante. Afigura-se plausível que o crescimento da importância dos serviços possa ser explicado em parte por um fenómeno de especialização e desintegração vertical. Actividades tradicionalmente realizadas dentro das empresas industriais ter-se-ão autonomizado e constituído em empresas que geraram uma transferência de emprego e valor acrescentado da indústria para os serviços. A maior especialização terá também permitido uma maior eficiência (através do aproveitamento de economias de escala) e qualidade, favorecendo o aumento da procura. O aumento do peso do estado no período que se seguiu a 1976 em áreas como a previdência social, saúde e educação reflectiu não apenas aumentos na procura dessas actividades, mas também o prosseguimento de objectivos políticos independentes da provisão de bens e serviços com características públicas. A um nível mais agregado, pode discutir-se também se as restrições de carácter macroeconómico enfrentadas pela economia portuguesa não terão contribuído para o desenvolvimento dos serviços em detrimento da indústria transformadora. Até 1974, o equilíbrio das contas com o exterior foi sempre conseguido com base nas remessas de emigrantes e nos rendimentos de capital obtidos nas províncias ultramarinas. A indústria, beneficiando de medidas proteccionistas e de barreiras legais à entrada, não sofreu, assim, pressões para competir no mercado externo. Estas limitações levaram a que parte dos recursos fosse desviada para os sectores de serviços. Posteriormente, as desvalorizações cambiais e, mais tarde, as transferências de fundos comunitários, poderão ter tido um efeito semelhante, nomeadamente levando a que os preços relativos industriais crescessem menos que os dos serviços, tornando o investimento na indústria menos interessante. O menor aumento dos preços de bens industriais relativamente aos serviços reflecte também a maior exposição da indústria à concorrência internacional no período posterior a 1986, dada a natureza menos transaccionável dos serviços. 3. A Política Industrial Portuguesa 11 Deve, pelo menos em termos teóricos, admitir-se que o objectivo da política microeconómica deve ser a melhoria da afectação de recursos nos mercados industriais. As medidas de política a tomar poderão não incidir directamente numa determinada indústria, mas em mercados a montante ou a jusante (por exemplo: factores, matériasprimas, distribuição, comercialização, investigação e desenvolvimento, educação ou serviços financeiros). Neste sentido, a política industrial englobaria o conjunto de medidas que afectassem significativamente os mercados industriais, daqui resultando um conjunto bastante complexo de inter-relações e de efeitos a que a organização do governo e da administração pública não é alheia. Os problemas de coordenação entre diferentes ministérios, direcções-gerais e institutos públicos são substanciais e comuns a todas as economias. Os problemas de coordenação em Portugal são antigos e não será descabido sugerir que tiveram consequências muito negativas para o desenvolvimento industrial do país. A adopção de políticas comunitárias comuns a diversos níveis desde 1986 veio resolver parcialmente estes problemas, mas a gestão dos diferentes fundos estruturais veio criar algumas novas dificuldades a nível organizativo. Independentemente dos problemas de coordenação, o estudo da política industrial pressupõe uma análise das suas origens, dos conceitos de interesse público a cada momento prosseguidos e das suas consequências. Historicamente, as políticas de regulação e controlo da mobilidade têm constituído o núcleo da política industrial portuguesa. Neste âmbito, merecem relevância o condicionamento industrial (no período até 1974) e a aplicação dos fundos estruturais comunitários, nomeadamente através dos sistemas de incentivos contidos na medida 3 do Pedip - Programa Estratégico de Dinamização e Modernização da Indústria Portuguesa (depois de 1986). Conforme foi referido anteriormente, não parece ter existido um quadro coerente de políticas microeconómicas no período 1974-86. A política económica em geral, e a política industrial em particular, desenvolvem-se num espaço geográfico e histórico bem definido, em função de determinada sociedade e, por isso, com objectivos e condições de operacionalidade diferenciadas. A integração de 12 Portugal no espaço económico da União Europeia (UE) multiplicou a complexidade dos processos e critérios de decisão (os interesses públicos de diferentes estados-membro poderão ser diferentes). As capacidades de intervenção das administrações públicas divergem substancialmente segundo os países, assim como o poder de pressão de grupos privados. Assim, sendo de esperar uma maior coordenação e coerência na aplicação de políticas, a definição destas e a formação de um conceito de interesse público comunitário serão objecto de uma multiplicidade de coligações e jogos mais ou menos cooperativos. As sub-secções seguintes focam então os processos de regulação de mobilidade que caracterizaram as duas mais importantes iniciativas de política industrial aplicadas em Portugal: o condicionamento industrial e a medida 3 do Pedip. 3.1. O Condicionamento Industrial e a Protecção Aduaneira 3.1.1. Falhas de Mercado e Protecção Aduaneira Por ocasião da adesão de Portugal à EFTA, as desvantagens da indústria portuguesa ao nível tecnológico - equipamentos e produtividade do trabalho - era compensada pelos baixos custos da mão-de-obra. As condições especiais de adesão permitiram a Portugal manter protecções aduaneiras aos produtores internos. Numa parte importante das indústrias, as estruturas de mercado não eram concorrenciais. Assim, se por um lado a abertura à concorrência externa conduziria necessariamente a um aumento da eficiência de mercado (excedentes totais), por via da redução do preço e do aumento da quantidade transaccionada, parte desses excedentes pertenceria a empresas estrangeiras. Numa perspectiva de equilíbrio parcial, levando em conta apenas a variação nos excedentes nacionais e, sobretudo, atribuindo um maior peso ao excedente do produtor, a manutenção de protecções aduaneiras era tida como justificada. Na figura seguinte, a procura interna é dada por D e os custos médios dos produtores nacionais (ACi) são superiores aos da produção estrangeira importada (AC e), reflectindo ambos rendimentos constantes (custos médios iguais aos custos marginais). O preço interno é fixado em Pi, tendo como base uma taxa aduaneira que permite aos produtores nacionais obter lucros anormais. Nestas circunstâncias, o excedente do consumidor é dado 13 pela área limitada pelos pontos Pi, A e B, sendo o excedente do produtor dado pela área delimitada por Pi, C, D e B. A abertura sem restrições ao comércio internacional levaria, por hipótese, à saída dos produtores nacionais, menos eficientes. Se o mercado passar a funcionar em condições próximas das de concorrência, ou seja, com um preço internacional igual ao custo médio/marginal da produção importada, o ganho de eficiência seria inteiramente absorvido pelos consumidores nacionais, pelo que nenhuma protecção aduaneira seria justificada. Porém, se a estrutura do mercado internacional for oligopolista, a redução do preço será menor. Suponhamos que o preço internacional que passa a vigorar no mercado é Pe. Neste caso, a baixa do preço resulta num acréscimo no excedente dos consumidores nacionais correspondente à área delimitada por Pi, Pe, E, B. No entanto, o excedente do produtor, que é agora dado pela área delimitada por Pe, H, G, E, é totalmente apropriado por empresas estrangeiras. P A B Pi E Pe F CMi C D I CMe H J G Qi D Qe Q Assim, embora o nível de eficiência do mercado tenha claramente aumentado (os excedentes totais aumentaram nas áreas delimitadas por B, E, Qe, Qi, e por C, D, H, J), houve uma transferência de excedentes para o exterior correspondente ao anterior excedente dos produtores nacionais (área delimitada por Pi, C, D e B). Se esta perda for 14 superior ao ganho obtido pelos consumidores nacionais (área delimitada por Pi, Pe, E, B), pode-se argumentar que a abertura ao comércio internacional se traduziu numa perda líquida de excedentes nacionais, pelo que não permite aumentar a eficiência do mercado interno. O argumento ilustrado acima, baseado numa perspectiva de equilíbrio parcial, só prevalece se a organização do mercado internacional for fortemente anti-concorrencial. Se a eficiência interna dos produtores nacionais (ao nível dos custos) for próxima da dos produtores externos, então estes poderão sobreviver à abertura do mercado ao comércio internacional, e a promoção da concorrência levará a um ganho de eficiência para o mercado, sendo a parcela apropriada pelos produtores estrangeiros mais reduzida (dependendo da quota de mercado que estes possam atingir). No entanto, é necessário referir que a esta análise se juntam considerações de carácter social relacionadas com o desemprego. O custo social de produção das empresas externas num mercado em que as empresas nacionais desapareçam levará em conta os custos do desemprego criado, ou de uma eventual redução na produtividade marginal dos trabalhadores transferidos para actividades alternativas. O argumento fundamental utilizado pelos opositores à liberalização comercial rápida de alguns sectores com grande peso na economia era o de que este processo implicaria custos de ajustamento substanciais, socialmente incomportáveis e geradores de perdas de eficiência. Assim, a definição da política comercial externa durante os anos 50 e 60, mesmo depois da abertura de alguns mercados ao comércio externo, nunca foi um problema de escolha entre liberalização e protecção, mas sim de seleccionar as formas de protecção mais adequadas. Nomeadamente, importava escolher entre uma estrutura de taxas aduaneiras tendencialmente uniforme ou diferenciada entre indústrias e, neste último caso, estabelecer os diferentes níveis de protecção a praticar. Conforme foi referido, a entrada na EFTA, embora conduzindo à redução de algumas taxas aduaneiras, foi feita dentro de um regime excepcional em que se privilegiou a protecção a indústrias com grande peso no emprego. Apesar da redução forçada de algumas restrições, procurou-se sempre que a pauta aduaneira constituísse também uma fonte de receitas públicas estável, dentro do objectivo de equilíbrio orçamental. Assim, ao mesmo tempo que se valorizavam os excedentes dos produtores, o estado apropriava-se 15 de parte dos excedentes do mercado, agravando assim a ineficiência na afectação dos recursos. 3.1.2. Falhas de Mercado e Condicionamento Industrial A política de regulação da mobilidade nos mercados que se veio a designar como condicionamento industrial foi iniciada no final dos anos 30. Na sua origem, está um problema de excesso de entrada, relativamente frequente em mercados de pequena dimensão e fortemente protegidos da concorrência externa. Este tipo de falha de mercado surge quando, em equilíbrio, o número de empresas instaladas é superior ao que é tecnologicamente eficiente, dada uma estrutura de custos apresentando economias de escala. A convergência para um equilíbrio deste tipo é possível se as empresas instaladas adoptarem comportamentos de adaptação à entrada de concorrentes, em vez de optarem por bloquear essa entrada. Como resultado, as escalas instaladas são ineficientes (instalam uma capacidade de produção inferior à escala óptima mínima permitida pela dimensão do mercado) e/ou não há lugar ao aproveitamento de todas as economias de utilização de capacidade permitidas pela escala instalada. A figura abaixo exemplifica uma situação deste tipo. Considere-se uma indústria que, dada a dimensão da procura do mercado interno (D), representa um monopólio natural, sendo o nível de protecção aduaneira suficientemente elevado para que o produtor nacional possa fixar um preço que lhe maximize o lucro. A tecnologia é descrita pela curva de custos médios de longo prazo AC LR e o produtor nacional tem instalada uma escala (AC SR) inferior à escala óptima mínima para a dimensão do mercado (MES) e produz uma quantidade que corresponde a uma utilização sub-óptima da capacidade instalada. Dada a existência de lucros anormais, há incentivo à entrada de concorrentes. Se a empresa instalada optar por uma estratégia de bloqueio de entrada (por exemplo: aumentando a sua produção e cobrando o preço-limite), verificar-se-á uma redução dos seus custos médios de curto prazo e, possivelmente, a instalação de uma escala de produção mais próxima da escala eficiente. Se, pelo contrário, a empresa instalada não reage, irão coexistir no mercado duas ou mais empresas, não obstante se tratar de um monopólio natural, e sem que seja evidente que se venha a desencadear um processo concorrencial que leve à eliminação de alguma(s) delas. Nesse caso, cada empresa 16 instalará uma escala ineficiente e, dada essa escala, poderá produzir uma quantidade subóptima. Existe assim uma falha de mercado motivada pela ineficiência interna das empresas na escolha das suas estruturas de custos, que conduz a uma ineficiência na afectação de recursos no mercado. É evidente que a situação inicial era, já de si, uma situação ineficiente em termos internos à empresa instalada e em termos de afectação de recursos no mercado. No entanto, a promoção da eficiência não passa pela autorização da entrada de concorrentes se não existirem garantias de que a empresa instalada reagirá à ameaça de entrada. P ACSR Pm ACLR D Qm MES Q O objectivo básico das administrações públicas era, assim, o de impedir a emergência de problemas de excesso de entrada. Sendo este um objectivo que é possível identificar com uma perspectiva de interesse público, isso não significa que desta regulação não beneficiassem interesses privados, nomeadamente as empresas instaladas, que mantinham assim o seu poder de mercado. Verificavam-se, aliás, pressões por parte destas empresas para que a regulação se mantivesse, nomeadamente através da apresentação de projectos de aumento de capacidade produtiva que não eram depois concretizados, mas que serviam 17 para “convencer” a administração pública de que a autorização de entrada a novos concorrentes era desnecessária. Tal como no caso das protecções aduaneiras, não é aqui possível identificar os objectivos da administração pública com a maximização da eficiência de mercado, ou seja, dos excedentes totais. Para além disso, associando a política comercial (pautas aduaneiras) à política industrial (condicionamento) o estado continuava a regular efectivamente o acesso de investidores estrangeiros aos excedentes nos mercados portugueses. Daqui resultou um reforço do poder negocial das empresas portuguesas nas suas associações com parceiros estrangeiros, na medida em que a entrada de um investidor estrangeiro só podia fazer-se em projectos comuns com investidores nacionais. A política industrial portuguesa, ao valorizar excessivamente o problema do excesso de entrada em mercados não concorrenciais, reagindo de forma imperfeita e desproporcionada, ignorou o papel decisivo que a entrada de novos concorrentes poderia ter em termos de reestruturação industrial e aumento da produtividade e eficiência interna das empresas. Esta perspectiva, que optava por modelos de reestruturação de mercado baseados na mobilidade das empresas existentes, baseava-se na própria história dos mercados industriais portugueses em que, durante muitas décadas, as empresas se acomodaram a movimentos de entrada, e partia de uma avaliação muito crítica dos interesses e das próprias capacidades financeiras, tecnológicas e empresariais dos candidatos à entrada. Em alguns casos como, por exemplo, o da indústria têxtil procurou-se sempre restringir os movimentos de entrada ou de expansão de empresas de pequena dimensão. Esta perspectiva baseava-se numa ideia exagerada da importância das economias de escala e num conceito de reestruturação de mercados que associava a eficiência à dimensão. 3.1.3. A Promoção de Exportações Embora o condicionamento industrial e a política aduaneira sejam vistos como instrumentos de protecção à produção interna e às empresas instaladas face à concorrência potencial interna e externa, é importante salientar o papel que assumiram como políticas de desenvolvimento do potencial exportador. Este efeito verificou-se de duas formas. 18 Por um lado, a protecção aduaneira, ao permitir preços mais elevados no mercado interno, poderia permitir às empresas instaladas remunerar totalmente o capital utilizado somente com base nas vendas internas, podendo exportar com um preço igual ou pouco superior ao custo marginal. Mesmo empresas nacionais ineficientes do ponto de vista da escala instalada, e registando lucro nulo no mercado interno, poderiam obter ganhos no mercado externo desde que o preço internacional não seja inferior ao custo marginal. Este argumento é ilustrado na figura abaixo. Para cada uma de N empresas nacionais instaladas, a escala de produção corresponde aos custos médios AC SRi e aos custos marginais MCi. P MC i ACSRi Pi P* Qi Q* Q Sendo a procura interna dada por Di, a escala de produção instalada é ineficiente (a empresa obteria um custo médio por unidade mais baixo se instalasse uma escala maior, assumindo que os custos médios de longo prazo são decrescentes). No mercado interno, a empresa pode apenas cobrar o preço P = AC SRi, produzindo Qi e obtendo um lucro nulo. Porém, uma vez que a sua sobrevivência não é posta em risco pela entrada de concorrentes externos, a empresa pode obter rendas adicionais utilizando a capacidade de produção que lhe resta para vender no mercado internacional a um preço P*, fazendo P* = MC i. A quantidade vendida no mercado internacional será Q*-Qi. Por outro lado, a regulação de entrada de acordo com o condicionamento industrial, associada a níveis elevados de protecção aduaneira, poderá ter tido um efeito positivo na 19 competitividade internacional das empresas nacionais. Supondo que, por efeito do excesso de entrada, as empresas nacionais têm instaladas escalas de produção de tal modo ineficientes que os seus custos médio e marginal de curto prazo são superiores ao preço internacional, a regulação de entrada poderá permitir o investimento necessário à instalação de escalas mais eficientes, permitindo ás empresas competir no mercado externo. Na figura abaixo, admitindo uma empresa nacional com uma escala de produção ineficiente numa indústria cuja tecnologia é de monopólio natural, a empresa produz Qi, correspondente aos custos marginais MC 1 e aos custos médios AC SR1. A possibilidade de cobrar um preço de monopólio Pi no mercado interno poderá permitir à empresa recuperar neste mercado os custos de capital necessários à instalação de uma escala de produção (correspondente a MC 2 e AC SR2) que lhe permita competir no mercado externo com P* = MC i2. A empresa nacional, beneficiando do poder de monopólio que lhe é atribuído pela regulação de entrada no mercado interno, pode instalar uma capacidade de produção correspondente a um nível de custos competitivo no mercado internacional, podendo assim utilizar a sua capacidade excedentária para exportar. O condicionamento industrial, associado à protecção aduaneira, pode ter assim funcionado indirectamente como política de promoção de exportações, facilitando o planeamento da capacidade produtiva e permitindo o financiamento dos custos de entrada no mercado internacional através dos lucros anormais obtidos no mercado interno. No entanto, esta política resulta, pelo menos temporariamente, numa transferência de excedentes dos consumidores nacionais para os produtores nacionais. P Pi ACSR2 ACSR1 MC i1 MC i2 P* 20 Di Qi Q 3.1.4. Política Industrial e Eficiência Interna Em mercados não regulados, as empresas enfrentam dois tipos de incentivos para minimizar os seus custos e funcionar de forma eficiente. Em primeiro lugar, os lucros anormais que podem obter caso consigam produzir com custos mais baixos do que a concorrência; em segundo, a penalização que sofrem em termos de quota de mercado e lucros para os concorrentes instalados e para os candidatos à entrada caso acumulem ineficiências. Estes incentivos serão tanto maiores quanto mais intensa for a concorrência. O condicionamento industrial e a protecção aduaneira, não como políticas microeconómicas autónomas, mas porque acompanhadas de uma acção das entidades reguladoras que nem sempre funcionou estritamente dentro do interesse público, conduziram a sérias limitações da concorrência nos mercados internos e, consequentemente, a um desincentivo à eficiência interna (minimização de custos) das empresas. As deficiências de uma organização corporativa e a inexistência de legislação que punisse coligações em termos de preços levaram a que o sistema criado, garantindo às empresas instaladas um vasto conjunto de oportunidades de crescimento, carecesse de penalizações para quem as não aproveitasse. Este tipo de políticas, aplicado de um modo mais ou menos informal e de forma selectiva, esteve presente em países como o Japão, a Coreia do Sul ou Taiwan, através de autorizações e licenças de importação e do controlo do crédito. O aspecto fundamental a salientar é o facto das administrações destes países terem entendido, ao contrário das autoridades portugueses, que a protecção não era suficiente para gerar um crescimento económico rápido. No caso do Japão, medidas proteccionistas foram acompanhadas de outras tendentes a definir estruturas concorrenciais em mercados internos que eram suficientemente grandes 21 para sustentar o aproveitamento de economias de escala. Em países como a Coreia do Sul e Taiwan, com mercados internos mais pequenos, as ineficiências e o poder de monopólio foram limitados por pressões fortes ao desenvolvimentos das exportações, por ameaças credíveis de reduções nas pautas aduaneiras, e ainda pela capacidade de pressão detida pelo estado através do controlo do crédito. É portanto de admitir que, sem o carácter bloqueador associado ao conjunto de instrumentos de política industrial definidos, a economia portuguesa poderia ter crescido a taxas médias anuais bem superiores às verificadas. As restrições regulatórias impostas exigiam, na sua prática corrente, a resolução de problemas razoavelmente complicados. Estes problemas punham-se ao nível da obtenção e análise da informação relacionada com as indústrias e empresas controladas, e da compreensão do funcionamento dos mercados e dos comportamentos das empresas instaladas. A ausência de legislação e de orientações claras e de aplicação geral reflecte a existência de evidentes falhas do estado que influenciaram claramente as estruturas de mercado e o comportamento das empresas. Tem sido sugerido por vários economistas que a organização do estado e a competência administrativa dos governos se encontram entre as variáveis fundamentais para a explicação das assimetrias no crescimento económico de diferentes países. A experiência de política económica do Estado Novo deverá constituir fonte de reflexões importantes nesta área, podendo daí retirar-se lições de aplicação útil na política económica corrente. 3.2. Os Fundos Estruturais e a Reorganização dos Mercados Industriais A medida 3 do Pedip, iniciada em 1987-88, definiu um processo de intervenção pública nos mercados industriais através de um sistema de incentivos à mobilidade das empresas. Como movimentos relevantes para a concessão de apoios foram considerados os relacionados com a entrada de novas empresas e com o crescimento interno (aumento de capacidade), tendo sido também contemplados investimentos em áreas paralelas como a investigação e desenvolvimento e a vertente ambiental, com efeitos mais desfasados no tempo. Os critérios de elegibilidade baseavam-se em aspectos referentes à empresa candidata e à natureza do projecto apresentado. Por um lado, atendia-se à estrutura financeira das 22 empresas, exigindo-se níveis mínimos de capitais próprios; por outro, considerava-se desejável que o projecto se integrasse num conjunto de objectivos relacionado com a introdução de avanços tecnológicos, melhorias na qualidade de gestão e dos produtos/serviços, e efeitos nas indústrias a montante, nomeadamente as relacionadas com o aproveitamento dos recursos naturais 3. De forma geral não é óbvio que, através de um sistema de incentivos como o referido, se responda sobretudo a falhas de mercado, pelo menos no sentido económico da expressão. O argumento poderá talvez ser utilizado no que se refere a apoios a determinados investimentos ambientais e em investigação e desenvolvimento, mas dificilmente pode ser concebido para os casos de apoio a investimentos nas áreas de produção. Por outro lado, dados os critérios de elegibilidade de empresas e projectos, não é evidente que o objectivo principal tenha sido promover a eficiência interna das empresas ou sequer minimizar custos de ajustamento em indústrias em crise. Aparentemente, o objectivo fundamental da medida 3 do Pedip era simplesmente o de alargar o conjunto de oportunidades das empresas que viessem a ser apoiadas, permitindo-lhes realizar investimentos que, de outro modo, não seriam viáveis. Seria, nomeadamente, o caso dos investimentos potencialmente lucrativos, mas que violassem as restrições de ordem financeira enfrentadas pelas empresas, podendo apenas ser realizados com a comparticipação pública. Casos diferentes são os de investimentos de ordem marginal, ou seja, os de investimentos cuja rentabilidade esperada apenas é positiva dado que uma parte substancial é suportada pelo estado a fundo perdido, ou ainda de investimentos que seriam feitos de qualquer modo, permitindo os fundos públicos reduzir o seu impacte sobre a estrutura financeira das empresas promotoras4. A concessão de subsídios a empresas é uma forma viável de proteger a produção interna e de incentivar a mobilidade quando, como no caso da UE, não há restrições aos movimentos de bens e capitais. Deles não resultam aumentos do preço interno dos bens, pelo que os seus efeitos são diferentes da protecção aduaneira. Os apoios concedidos vão determinar reduções de custos para as empresas internas num contexto de selecção, 3 Veja-se: Pedip - Programa Estratégico de Dinamização e Modernização da Indústria Portuguesa, Ministério da Indústria e Energia, 1992, 1994. 23 dentro dos mecanismos concorrenciais do mercado internacional (ou, pelo menos, comunitário) em que vigora um preço internacional. Um sistema de incentivos como o da medida 3 do Pedip promove a competitividade das empresas internas combinando elementos de protecção com elementos de regulação de mobilidade. Neste processo, a decisão administrativa sobre as empresas beneficiadas tem um papel essencial. Neste sentido, o Pedip pode ter influenciado a reestruturação dos mercados, no sentido das posições relativas das empresas (com efeitos nas respectivas dimensões e quotas de mercado) e da própria alteração estrutural da indústria, no sentido das posições relativas dos diferentes sectores no PIB. 3.2.1. Tipos de Investimento Considerados Face ao exposto acima, parece conveniente discutir as opções das empresas e da administração pública no que diz respeito à escolha entre investimentos em capital físico e investimentos em investigação e desenvolvimento, nas gestão de qualidade e no meio ambiente. Uma das principais preocupações assumidas pela reforma da política industrial resultante da adesão à CEE/UE foi a definição de um conceito de empresa mais elaborado que o assumido anteriormente. O condicionamento industrial baseava-se numa concepção de empresa como unidade de produção com uma estrutura de custos definida, de modo determinístico, pela tecnologia disponível internacionalmente e da qual dependeria, necessariamente, a competitividade das empresas. No âmbito da medida 3 do Pedip, o problema foi abordado de uma forma mais geral e integrada, estabelecendo-se incentivos ao investimento em capital físico (medidas 3.1.2 e 3.1.4), gestão de qualidade e meio ambiente (medida 3.1.3) e investigação e desenvolvimento (medida 3.1.1). A taxa de aceitação de projectos de investigação e desenvolvimento foi, na generalidade das indústrias, perto de 100%5. A taxa de aceitação dos projectos em gestão da qualidade e protecção do ambiente foi, em geral, inferior (normalmente entre os 70% e os 80%), mas geralmente superior às taxas de aceitação nos outros dois sub-programas. A 4 Evidentemente, estas considerações são feitas tendo em conta o valor esperado do investimento para um dado comportamento face ao risco, ressalvando-se as circunstâncias em que investimentos dados como potencialmente rentáveis venham a dar prejuízo. 5 Todos os dados estatísticos apresentados referem-se à execução da medida 3 do Pedip até 1991. 24 parcela dos incentivos no total do investimento feito (investimento privado mais comparticipação pública) foi normalmente mais alta para os projectos de investigação e desenvolvimento, chegando a ultrapassar os 60% do investimento total em alguns sectores, nomeadamente os produtores de bens de equipamento. As maiores taxas de aceitação nos projectos relacionados com a investigação e desenvolvimento corresponderam a um número reduzido de projectos. Somente nas indústrias produtoras de bens de equipamento pode o número de projectos nestas áreas considerar-se significativo. Os projectos em gestão de qualidade e meio ambiente tiveram expressão relevante em maior número de indústrias, nomeadamente nas têxteis e nos derivados da madeira, para além das produtoras de bens de equipamento. Refira-se ainda que, em termos de valores totais dos incentivos concedidos, os projectos em investigação e desenvolvimento e em gestão de qualidade e ambiente representam menores valores que os projectos de instalação de capital físico apesar de, proporcionalmente, receberem mais incentivos. A instalação de equipamento produtivo concentrou, em todas as indústrias, entre 55% e 90% dos apoios totais concedidos. É razoável concluír que esta concentração dos investimentos em projectos de instalação de equipamento produtivo traduz sobretudo as preferências das empresas, e não as da administração pública. A maioria dos projectos apresentados, mesmo ao nível de entrada de novas empresas, revelaram preocupações fundamentais com o capital físico, subalternizando a investigação, a gestão e o ambiente. Esta característica dos primeiros investimentos realizados no âmbito do Pedip reflecte as necessidades de modernização sentidas em 1988, na sequência da crise económica da primeira metade da década, e foi também determinada pelas capacidades empresariais disponíveis, mais orientadas para a modernização dos equipamentos do que para uma análise mais complexa da tecnologia na sua dimensão estratégica face à evolução dos mercados. 3.2.2. Dimensão das Empresas Promotoras A dinâmica estrutural dos mercados industriais resulta não apenas dos tipos de investimento realizados, mas também dos seus montantes e da relação destes com a dimensão das empresas promotoras. Neste sentido, é oportuno analisar duas questões. Em 25 primeiro lugar, é importante saber se, através da medida 3 do Pedip, foi apoiado um número significativo de empresas ou se, pelo contrário, os apoios concedidos se concentraram em poucas empresas; em segundo lugar, é importante analisara relação entre o valor dos investimentos apoiados e a dimensão das empresas promotoras, como forma de estabelecer qual o tipo de reestruturação dos mercados incentivado pela política industrial adoptada. A análise das empresas apoiadas nas diferentes indústrias revela que, em geral, a percentagem das empresas com mais de 50 trabalhadores no total das empresas apoiadas é superior à percentagem que estas empresas representam no total da indústria em que se inserem6. Isto significa que foram sobretudo apoiados projectos de crescimento interno em empresas que, mesmo sendo relativamente pequenas (sobretudo face à dimensão do mercado comum europeu), eram maiores que a maior parte das empresas instaladas nos mercados respectivos (e, portanto, maiores do que a média da indústria). Apesar disso, as empresas com menos de 50 trabalhadores representavam, em 1991, entre 70% a 90% do total das empresas apoiadas. O número de empresas apoiadas foi pequeno, relativamente ao total de cada indústria. Os sectores que apresentaram maior percentagem de empresas apoiadas no total da indústria foram o têxtil (11%) e diferentes indústrias produtoras de bens de equipamento (entre 6% nas comunicações e 14% nas máquinas não eléctricas para metais e madeiras). Contudo, a proporção de empresas apoiadas no total cresce conforme se consideram classes de dimensão maiores. Em algumas indústrias, a percentagem de empresas apoiadas ultrapassa os 50% para as classes de dimensão maiores, como é o caso dos têxteis, calçado e das várias indústrias de bens de equipamento. Se os valores dos investimentos se encontram positivamente relacionados com a dimensão das empresas promotoras, o efeito da política industrial sobre a estrutura dos mercados terá sido no sentido de um aumento da concentração, com as empresas de maior dimensão a crescer mais rapidamente do que as empresas mais pequenas. A análise dos dados sugere a existência de uma relação fraca (estatisticamente significativa, mas de pequena magnitude) entre a dimensão das empresas e o valor dos projectos de 6 Em algumas indústrias em que a dimensão média das empresas é relativamente reduzida (por exemplo: calçado, serração e madeiras, mobiliário, cutelaria, ferragens e ferramentas manuais), este resultado também se verifica para as empresas com um número de trabalhadores entre 10 e 50. 26 investimento apoiados, embora haja diferenças significativas entre indústrias. Enquanto para as indústrias têxteis, de derivados da madeira e de alguns bens de equipamento é de excluír a hipótese de não haver correlação entre as duas variáveis, noutras indústrias produtoras de bens de equipamento essa correlação existe mas não é significativa. Tendo em conta esta análise, parece claro que, regra geral, a variação da dimensão das empresas não tem grande peso explicativo nas variações do investimento. Pode, portanto, argumentar-se que, pelo menos até 1991, a aplicação da medida 3 do Pedip não influenciou significativamente a estrutura dos mercados industriais. Não se procedeu ao apoio sistemático de grandes investimentos de acordo com a dimensão das empresas, tendo-se também apoiado projectos relativamente grandes com origem em pequenas e médias empresas. A intervenção pública na mobilidade estrutural dos mercados implica sempre uma selecção administrativa dos movimentos das empresas. No caso da medida 3 do Pedip esta questão põe-se ao nível da afectação de recursos financeiros por via administrativa, e não pelos mecanismos associados ao sistema bancário e ao mercado de capitais. Se, por um lado, não é evidente que o sistema financeiro português tenha provado ser particularmente eficiente nesse domínio, a verdade é que processo de modernização e expansão do sistema bancário, na sequência da sua liberalização foi quase contemporâneo da primeira aplicação da medida 3 do Pedip. A atitude tomada pela administração pública neste âmbito sugere a existência de uma preocupação no sentido do fomento do desenvolvimento do sistema financeiro, e do recurso a este como entidade avaliadora. Os projectos de investimento em equipamentos (os de maior dimensão e, admite-se, os de mais rápido e visível retorno) foram, em princípio, apoiados apenas até 20% do seu valor, exigindo por norma o recurso a capitais alheios, isto é, a aprovação do sistema financeiro. Uma vez que a dimensão das empresas não parece explicar uma parte substancial da variabilidade no montante dos investimentos, apesar de as empresas de dimensão média ou grande terem um maior peso no número de empresas apoiadas, o estudo do padrão de investimentos ao nível de cada sector torna-se particularmente interessante. Esta questão torna-se ainda mais significativa quanto é reconhecido que a medida 3 do Pedip tem tido um impacte importante em termos da reestruturação dos vários mercados industriais. 27 4. Nota Final As considerações feitas nas secções anteriores (em particular na sub-secção 3.2.2) beneficiarão necessariamente da actualização que poderá ser proporcionada por dados referentes à segunda fase de aplicação da medida 3 (Pedip II), ocorrida desde 1992. Pela análise desses dados passa também a necessária revisão da política industrial, tornada ainda mais indispensável face à entrada de Portugal no grupo de países a adoptar a moeda única europeia. O sucesso de uma união monetária depende necessariamente da existência de mobilidade de trabalho entre os estados-membro (uma vez que a mobilidade do factor capital parece assegurada). Parece claro que a estrutura inter-industrial dos países da Europa do Sul não tem convergido para um padrão semelhante ao das indústrias dos países que constituirão necessariamente o núcleo do Euro (Alemanha, França e países do Benelux) assistindo-se, pelo contrário, a um processo de especialização inter-industrial. Não é claro que desse processo resultem padrões de investimento que beneficiem particularmente os países da Europa do Sul. Quer se trate de investimentos estrangeiros ou de empresas portuguesas, a questão fundamental para a economia portuguesa é a de conseguir, face à progressiva redução dos fundos de coesão estrutural, afirmar-se como área de atracção de investimentos significativos, que garantam condições para o desenvolvimento tecnológico e para o crescimento da produtividade do trabalho, de forma a facilitar a convergência a nível de produtos e rendimentos per capita, sem o risco de desertificação do espaço geo-económico nacional. 28