O sujeito na instituição – desejo, amor e sofrimento: uma análise da utilização e da transposição de conceitos psicanalíticos Elaine Cristina Schmitt Ragnini Teorizar sobre a relação sujeito e instituição requer a definição de campos teóricos e uma análise da posição da qual se fala sobre essa relação, bem como seus propósitos. O que instiga a reflexão sobre esses temas é a constatação do crescente número de casos de sujeitos (e) trabalhadores que sofrem e adoecem em suas instituições de trabalho e a demanda por uma intervenção sobre esta situação. Os registros institucionais (relatórios gerenciais, dados médicos e análises epidemiológicas, entre outros) e públicos (especialmente os registrados no Ministério do Trabalho e Emprego), assim como a ocorrência de notícias na mídia e as queixas levadas aos consultórios revelam que o mal-estar vivido pelos sujeitos inseridos em relações de trabalho tem tomado proporções que se torna caso de saúde pública. A situação instaurada remete inicialmente ao questionamento sobre a relação entre o adoecimento e/ou sofrimento e as relações de trabalho, ou institucionais. E num segundo momento sobre o que deve e o que pode ser feito com isso. Encontramos atualmente na literatura um conjunto de autores psicanalistas que buscam analisar e refletir sobre as relações do sujeito com o social. Freud (1930/1988, p.65), em o Mal-Estar na Civilização, já apontava para a condição de infelicidade e sofrimento vivida pelo sujeito ao passo que este se insere na cultura, já que existe um “antagonismo irremediável entre as exigências do instinto e as restrições da civilização”. É considerando a relação do sujeito com a cultura, com as instituições e com o trabalho que se delineiam as reflexões aqui apresentadas. Com o desenvolvimento da ciência e a necessidade humana de incremento de instrumentos para operar sobre a realidade e obter dela resultados pré-determinados, muitas teorias e intervenções tem se estruturado, seja no campo das ciências humanas ou sociais. Comumente, no campo da psicologia denominado Psicologia e Trabalho, desenvolvem-se teorias e técnicas para lidar com o sofrimento e o adoecimento humano, seja pela intervenção em instituições de trabalho ou no campo das políticas públicas. Também não é incomum observarmos pesquisadores de diversas áreas que buscam os conhecimentos da psicanálise para compreender o que se passa no plano das interações sociais, comumente motivados pela insuficiência de suas teorias para a explicação daquilo que ocorre no âmbito das organizações e da cultura. Neste sentido, os conceitos de inconsciente, pulsão, desejo, transferência, narcisismo, repressão, entre outros, sofrem constantemente uma migração do campo da psicanálise para o das outras áreas do conhecimento. No entanto, esses dois feitos, a saber, a construção de técnicas e intervenções e a transposição de conceitos, pretendem, ao seu modo, a realização de uma mudança no contexto e nas relações ali instituídas. O que se observa é que o primeiro feito pretende uma ação sobre o indivíduo, o grupo ou a organização na qual este está inserido, e o segundo feito pretende vislumbrar um sujeito inserido em relações sociais. Os efeitos disso podem tanto remeter a transformações no contexto e nos indivíduos ali inseridos, como à manutenção do status quo. Assim, remete-se à possibilidade de uma outra leitura e de uma outra intervenção sobre o contexto e a problemática apresentada, conferidas pela psicanálise e na sua interface com as instituições, como assinala Altoé (2005, p. 79-80): “penso que o lugar da psicanálise e do analista no trabalho institucional se caracteriza por ter na sua prática a marca do método criado por Freud: privilégio dado à expressão própria do sujeito, à sua palavra e à sua história; possibilidade do trabalho ser instaurado no cotidiano institucional com atividades que convoquem o sujeito, podendo ele se dar conta e assumir a responsabilidade de seus atos”. Na atualidade, o trabalho humano, em sua grande maioria, é realizado em contextos organizacionais, pré-determinado e com exigências de que seja efetivado com eficiência e eficácia. A possibilidade de realização criativa pelo trabalho e de estabelecimento de relações satisfatórias para a realização do mesmo e convívio com o social tem-se demonstrado cada vez mais remota. Alicerçadas pelo discurso capitalista, “que impõe a recusa à castração e implica na presentificação de gozo superegóico” (Rosa, 2004), supondo a inexistência do Outro, as relações instituídas impõem considerados limites à realização do sujeito pela via do trabalho e das relações ali estabelecidas. Para garantir o controle destes sujeitos (e) trabalhadores, a organização lhes promete um lugar, a circunscrição de um espaço para proteção contra as agruras do mundo e suas angústias, a possibilidade de conquistas, de satisfação e realização, de pertencer a um grupo e delimitar sua identidade. Assim, a dimensão institucional convida o sujeito a uma relação plena e satisfatória, por via da sedução, para a realização de seus objetivos. E o sujeito, iludido pela possibilidade dessa conquista, amarra-se à malha institucional e se coloca num engodo. A não efetivação do esperado, a repetição do modus operandi da instituição e a quase nula aparição do sujeito neste contexto causam sofrimento e por vezes adoecimento. Essa dinâmica institucional é perpassada pelo discurso capitalista e pela forma de realização possível ao sujeito na atualidade. Como sofre e por vezes adoece, tanto a instituição quanto o sujeito buscam formas de enfrentamento dessa situação, agindo sobre os sintomas que se revelam. Não é incomum, nos casos de sofrimento e adoecimento atribuídos à relação do sujeito com o trabalho, encontrarmos a saída pela busca de tratamentos medicamentosos e por vezes paliativos, e de reabilitação. O objetivo é colocar o trabalhador novamente em condição de realização de seu trabalho. O amor atribuído à organização, por vezes também vivenciado em seu contrário, o ódio, mobilizam o sujeito ao restabelecimento dessa relação possível, ou seja, de uma relação que não permite a emergência desse sujeito, já que, como assinala Freud, (1930/1988, p. 75), “no auge do sentimento de amor, a fronteira entre ego e objeto ameaça desaparecer”. Frente a essa condição e analisando a implicação do próprio sujeito nisso, Khel (2002, p.9) sugere que “O homem contemporâneo não quer ser despojado apenas da angústia de viver, mas também da responsabilidade de arcar com ela; quer delegar à competência médica e às intervenções químicas e questão fundamental dos destinos das pulsões; quer, enfim, eliminar a inquietação que o habita em vez de indagar seu sentido. Mas não percebe que é por isso mesmo que a vida lhe parece cada vez mais vazia, mais insignificante”. Partindo dessa premissa, a análise que se faz é que, ao buscar uma direção de tratamento que possibilite não a emergência do sujeito, mas simplesmente o restabelecimento de uma força produtiva para o trabalho, entra-se num ciclo vicioso e abre-se mais uma vez espaço para a repetição e o adoecimento. Aqui é que as intervenções propostas, seja pela Medicina, pela Sociologia ou pela Psicologia do Trabalho, encontram suas limitações. Mas como pensar então uma via de reencontro com esse sujeito e de uma práxis que possa ser transformadora dessa realidade? Entende-se que inicialmente é preciso uma leitura coerente, sob o ponto de vista do sujeito, dessas relações. Conforme assinala Guirado (1986), uma leitura institucional pressupõe que a vida institucional é matriz de toda subjetividade, portanto, não pode ser negada. E, num segundo momento, delimitar a possibilidade de uma intervenção que, segundo a ética da psicanálise, esteja comprometida com esse sujeito, a ponto de fazê-lo emergir e situar-se nessas relações conforme seu desejo. Retoma-se aqui as premissas da psicanálise em intensão e da psicanálise em extensão, como formulado por Lacan, e que se constituem, conforme Souza (1991, p.78), “como dois círculos articulados em continuidade pela ética da psicanálise”. Assim, pensar o sujeito, as instituições e a psicanálise, evoca um retorno ao sujeito e ao mesmo uma ampliação dos efeitos desta prática, que se dá, em alguns casos, pela extensão da psicanálise. Neste sentido, Rosa (2004) sugere que “o que está em debate são as estratégias de intervenção frente às atuais manifestações sintomáticas, assim como as modalidades de sua extensão na prática psicanalítica extramuros”. REFERÊNCIAS ALTOÉ, S. Sobre o termo instituição e as práticas institucionais. In: ALTOÉ, S.; LIMA, M. M. Psicanálise, Clínica e Instituição. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos, 2005, p. 72-86. FREUD, S. (1930/29). Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. O mal estar na civilização. Rio de Janeiro: Imago, 1988. 21v. ROSA, M. D. A psicanálise e as instituições: um enlace ético-político. Em: COLOQUIO DO LEPSI IP/FE-USP, An. 5, 2004, São Paulo. KHEL, M. R. Sobre ética e psicanálise. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. Guirado (1986), SOUZA, O. Reflexões sobre a extensão dos conceitos e da prática. In: ARAGÃO, L. T. de ET all. Clínica do Social – Ensaios. São Paulo: Escuta, 1991, p.75-92.