ACTUALIDADE
Tempos de incertez
Um grupo de militares revoltosos
número dois conseguiu fugir. O
que, mesmo depois do duplo
feriu gravemente o presidente
mais bizarro é que este ataque
atentado, o antigo major seja
timorense e tentou assassinar o
surge depois de quase dois anos
celebrado como um herói por
primeiro-ministro na manhã de 11
de tolerância das actividades
muitos timorenses. Os tempos
de Fevereiro. O líder dos rebeldes
rebeldes de Alfredo Reinado
são de grande incerteza na antiga
foi morto de imediato, mas o seu
por parte das autoridades e
colónia portuguesa
texto Leonídio Paulo Ferreira* fotos Lusa
F
oi uma manhã de pânico em
Dili. Tiros na casa do Presidente
José Ramos-Horta, que depois
foi alvejado quando regressava
da sua corrida matinal. Mais tiros, desta
vez contra o carro onde seguia o primeiro-ministro Xanana Gusmão. E finalmente uma operação da GNR portuguesa
para resgatar a mulher de Xanana e os
três filhos pequenos, que estavam cerca-
dos por um grupo de rebeldes. Balanço
final: Ramos-Horta gravemente ferido e
transferido de avião para um hospital na
Austrália, Alfredo Reinado, o chefe dos
atacantes, morto e Gastão Salsinha, seu
braço-direito, a monte.
Passados vários dias sobre o duplo atentado, as motivações de Reinado
continuam pouco claras. A tese mais
provável é que tenha atacado num
O major rebelde
Centenas de pessoas
assistiram ao funeral
de Alfredo Reinado, o
major rebelde que tentou
matar Ramos-Horta.
Sepultado no quintal da
casa da família, Reinado
foi celebrado como um
herói por muitos seus
apoiantes, indiferentes
ao seu ataque contra o
Presidente da República.
Antigo membro da
resistência contra a
Indonésia, Reinado tinha
39 anos e chegou a ser
comandante da Polícia
Militar Timorense. Em
2006, revoltou-se contra
o Estado timorense,
apoiando os militares que
acusavam a existência
de discriminação dos
oriundos da parte
ocidental, os loromonu,
por parte dos da metade
oriental, o lorosae. Foi
então acusado dos crimes
de homicídio, rebelião
contra o Estado e posse
de material de guerra.
Chegou a ser preso,
mas conseguiu fugir da
prisão, refugiando-se
nas montanhas com
um grupo de militares
rebeldes, incluindo o
tenente Gastão Salsinha,
que tentou assassinar
o primeiro-ministro
Ramos-Horta. Durante
quase dois anos,
Reinado foi tolerado
pelas autoridades,
que procuravam uma
forma de amnistiá-lo,
e as tropas australianas
evitavam aproximar-se
da zona onde se
refugiara. Idolatrado por
boa parte dos jovens de
Dili, que o viam como
uma espécie de herói,
o major Reinado deu
várias entrevistas a
televisões australianas
e a sua mulher e filhos
vivem nesse país, o
que levou a que alguns
suspeitassem de ser um
peão da Austrália em
Timor-Leste. Na manhã
de 11 de Fevereiro,
fortemente armado,
entrou na casa de
Ramos-Horta e foi
abatido. Mais tarde,
o seu grupo disparou
sobre o Presidente.
FÁTIMA MISSIONÁRIA
14
ANO LIV | Março de 2008
momento de desespero, pensando que
as autoridades timorenses estavam finalmente decididas a capturá-lo. A hipótese de um golpe de Estado é menos
forte, porque os rebeldes não tinham
condições para assegurar o controlo do
país, tanto mais que existem forças internacionais em Timor-Leste, com destaque para os mil militares australianos
(agora reforçados por mais 200) e para
os 350 agentes da GNR. Certo é que se
tratou de mais um episódio da crise política iniciada em Maio de 2006 e que,
também, nunca ficou esclarecida.
Há pouco menos de dois anos,
um grupo de 600 militares reclamou por
ser discriminado nas forças armadas, em
especial de serem preteridos em relação
ao lorosae, os elementos oriundos da
parte mais oriental do país. Os contestatários, que ficaram conhecidos como
o grupo dos “peticionários”, eram do
ocidente do país e, portanto, loro­monu
e o seu líder o tenente Gastão Salsinha.
Foram considerados desertores e por
isso entraram em conflito aberto com
as chefias militares. Em seu apoio, veio
o então comandante da Polícia Militar
Timorense, o major Alfredo Reinado, e
um grupo de seguidores deste. Ao mesmo tempo, muitos jovens, sobretudo
da região de Dili, elegeram os rebeldes
como seus heróis. Reinado em especial
era idolatrado por grupos de jovens desempregados que se dedicam às artes
marciais e a uma certa criminalidade.
Com a expulsão dos “peticionários” veio uma onda de violência que
a em Timor-Leste
Timor-Leste é um país
provocou em toda a ilha 37 mortos
e mais de 150 mil desalojados. A comunidade internacional teve então de
intervir e a Austrália destacou tropas
para Timor-Leste, enquanto Portugal
enviava a GNR para acções sobretudo
de manutenção da segurança em Dili.
Da crise militar e social à crise
política foi um pequeno passo, com
o então Presidente Xanana Gusmão a
mostrar certa simpatia pelos rebeldes e
jovem, que a 20
de Maio celebrará
o seu 6º aniversário,
e continua frágil
a demitir o governo da Fretilin, do primeiro-ministro Mari Alkatiri, acusado
de ter agravado a crise ao ser inflexível
com os “peticionários”. Xanana, casaFÁTIMA MISSIONÁRIA
15
ANO LIV | Março de 2008
do com uma australiana, chegou a ser
acusado de estar a servir os interesses
estrangeiros, zangados com a dureza de
Alkatiri nas negociações sobre o petróleo do Mar de Timor. Seguiram-se então vários episódios bizarros, incluindo
as acusações de que o ministro do Interior, Rogério Lobato, teria distribuído
armas para matar adversários políticos
(foi condenado e preso, mas fugiu). A
Igreja católica, que é uma força deci-
ACTUALIDADE
Ramos-Horta, presidente da República
siva em Timor-Leste, tomou também
posição na crise, afastando-se de Mari
Alkatiri, cuja formação marxista o levara a tentar uma certa laicização do
Estado, incluindo o fim da obrigatoriedade das aulas de religião.
Ramos-Horta, entretanto, passou
de ministro dos Negócios Estrangeiros a
primeiro-ministro e depois, em eleições
realizadas em Maio de 2007, assumiu
a presidência. Paralelamente, Xanana
Gusmão, o herói da luta da independência contra a Indonésia, dava o dito
por não dito de desistir da política e
fundava um novo partido para enfrentar a Fretilin nas legislativas de Junho.
Como a vitória do partido de Alkatiri foi
insuficiente, uma coligação liderada por
Xanana Gusmão assumiu o Governo.
Durante todo este tempo, tanto
Ramos-Horta como Xanana Gusmão
mostraram uma enorme tolerância com
Reinado e o seu grupo. O major chegou a ser capturado, mas fugiu da prisão com óbvias cumplicidades e desde
então movia-se com relativa segurança
pelo território, apesar dos mandados de
captura emitidos pelo juiz português Ivo
Rosa. Aliás, chegou a haver encontros
de Reinado tanto com Xanana como
com Ramos-Horta. Este último, sobretudo, acreditava ser possível uma am-
nistia para Reinado de modo a pacificar
Timor-Leste. O que torna ainda mais ilógica toda a sucessão de acontecimentos
naquela manhã de 11 de Fevereiro. E dá
azo a todo o tipo de especulações, desde
Reinado ter desconfiado que afinal iria
ser traído por Ramos-Horta e Xanana e
capturado, até que alguém terá montado uma armadilha a Reinado e, inclusive, contra toda a razoabilidade, que
tudo teria sido planeado pela Fretilin,
partido que está na oposição porque a
revolta de Reinado serviu de pretexto
para destituir o Governo de Alkatiri.
Mas a verdade é que em Dili surgiram
folhetos com essa acusação.
Por trás de todas as dúvidas,
uma única certeza: Timor-Leste é um
país jovem, que a 20 de Maio celebrará
o seu 6º aniversário, e continua frágil.
Existem demasiadas divisões dentro
da sociedade e na classe política e isso
obriga à presença da comunidade internacional para garantir a estabilidade. Mas os vários países que ajudam
Timor-Leste também defendem os seus
interesses estratégicos, seja Portugal,
que quer preservar o português, seja a
Austrália, que tem interesse nos recursos energéticos da ilha vizinha.
* jornalista do Diário de Notícias
Xanana Gusmão, primeiro-ministro
FÁTIMA MISSIONÁRIA
16
ANO LIV | Março de 2008
Soldado australiano em missão de patrulha
Indepen
1560 A ilha de Timor é descoberta pelos portugueses.
1749 Holandeses ocupam metade ocidental da ilha.
1942 Invasão japonesa e combates
com tropas australianas.
1945 Japoneses derrotados, Portugal
reassume o controlo da sua colónia.
1975 Portugal retira-se de Timor-Leste e é proclamada a independência. Indonésia invade o país e anexa-o como
a sua 27ª província. Portugal não reconhece a anexação e convence a ONU a
adoptar a mesma posição.
1981 Xanana Gusmão assume a liderança da guerrilha timorense.
1991 Tropas indonésias disparam sobre uma multidão de timorenses que
assistia ao funeral de um independentista no cemitério de Santa Cruz
em Dili. Imagens do massacre correm
o mundo e alertam para a ocupação
indonésia em Timor-Leste.
1992 Xanana Gusmão é capturado e condenado a prisão perpétua.
diante de um mercado popular nas ruas de Dili, capital timorense, durante a recente crise que afectou a jovem nação
dente no século XXI
1996 O bispo de Dili, Ximenes Belo, e o
porta-voz independentista José Ramos-Horta recebem o Prémio Nobel da Paz.
1998 Crise económica leva à demissão
do presidente Suharto, que em 1975
ordenara a invasão de Timor-Leste. O
seu sucessor, Habibie, admite um estatuto especial para Timor-Leste.
1999 Portugal e Indonésia assinam
um acordo para um referendo de autodeterminação em Timor-Leste, com
o patrocínio da ONU. 78 por cento dos
timorenses opta pela independência,
mas milícias pró-indonésia lançam
campanha de violência. Xanana Gusmão é libertado. Força internacional
de paz comandada pela Austrália impõe a paz no território. ONU passa a
administrar Timor-Leste.
2001 Timor-Leste e Austrália assinam acordo sobre futura partilha
do petróleo e gás natural existente
no Mar de Timor. 90 por cento dos
rendimentos será para os timoren-
Oitavo país lusófono
Localização Timor-Leste é formado pela
metade oriental da ilha
de Timor (a metade
ocidental integra a
Indonésia) e pelo
enclave de Oecussi.
Situado no extremo sul
do Sudeste Asiático, está
separado da Austrália
pelo Mar de Timor.
Área 14,609
quilómetros quadrados.
População 1,2
milhões de habitantes.
Capital Dili.
Línguas oficiais
Tétum e português.
Religião Catolicismo.
Rendimento médio
anual 750 dólares.
FÁTIMA MISSIONÁRIA
17
ANO LIV | Março de 2008
ses. Eleições legislativas ganhas pela
Fretilin, com 55 deputados em 88.
2002 Xanana Gusmão vence as eleições
presidenciais. A 20 de Maio Timor-Leste
torna-se independente, com a presidente indonésia Megawati Sukarnoputri a
assistir às celebrações em Dili.
2006 Austrália e Timor-Leste negoceiam rendimentos dos hidrocarbonetos. Deserções nas forças armadas
timorenses levam a vaga de violência
com intervenção de tropas australianas
e de militares da GNR portuguesa. Crise
política leva à demissão do primeiro-ministro Mari Alkatiri e Ramos-Horta
é nomeado para chefiar o governo.
2007 Ramos-Horta ganha presidenciais. Nas legislativas, Fretilin ganha,
mas oposição forma aliança liderada
por Xanana Gusmão, que se torna primeiro-ministro.
2008 Duplo atentado contra RamosHorta e Xanana Gusmão. Ramos-Horta, gravemente ferido, é transferido
para um hospital na Austrália.
Download

Tempos de incertez a em Timor-