Prof. Dr. Márcio R. Costa dos Santos* Sustentabilidade é novo campo para a medicina veterinária O professor Márcio Ricardo Costa dos Santos – MSc, PhD e PósDoc – nos Estados Unidos, na Alemanha e no Brasil, autor do livro “Desempenho Sustentável em Medicina Veterinária: como entender, medir e relatar”, e do capítulo Sustainable Performance and Environmental Health in Brazil, no livro Sustainable Development, editado pela Universidade de Zagreb, é um dos mais respeitados especialistas no assunto. Na sua opinião, o know how das técnicas de sustentabilidade abre um extenso campo de trabalho, principalmente para o comércio exterior, pois países desenvolvidos, cada vez mais, só irão transacionar com firmas e produtos certificados e sustentáveis, afirmação que ele faz e repete há mais de uma década. P. Quando começaram a surgir os problemas de deterioração do meio ambiente? r. Desde o início da colonização do Brasil os nossos recursos naturais, inclusive os animais, têm sido explorados de forma predatória, e basta considerar, como exemplo, a Mata Atlântica, um dos mais valiosos ecossistemas brasileiros, o qual possui atualmente menos de 7,3% da sua cobertura original. Os nossos colonizadores-usuários desfrutavam da natureza com postura descuidada e a deixavam totalmente destruída. Assim se perpetuou pelos séculos passados. Através da revolução industrial, da expansão biotecnológica para a produção da agricultura, se consolidou em problemas ambientais diversificados e continua nos dias de hoje. O convívio do homem em harmonia com a natureza é fundamental tanto para o desenvolvimento social quanto para a melhoria da qualidade de vida e deve ser evidenciado, principalmente, pelos profissionais envolvidos nas ciências agrárias e da saúde. No entanto, a existência desses Animal Business-Brasil_23 Animal Business_sem ingles.indd 23 25/3/2013 12:18:46 o desempenho sustentável em medicina veterinária compreende um processo participativo problemas, em todas as regiões produtoras do país, requer o desenvolvimento e a implantação de programas educacionais ambientais, importantes na tentativa de reverter ou minimizar este quadro, para tornar-se uma questão ímpar e impregnar a consciência do ecologicamente correto em todos os níveis da nossa sociedade. Algo foi rompido, sistemas complexos de produção, adaptação social, cultural e ambiental foram desestruturados antes de sabermos como revertê-los e ainda nem somos capazes de engendrar algo que os substituam. Esta é a verdadeira complexidade. Assistimos a uma sequência de acontecimentos que fogem à nossa capacidade cognitiva, sobre os quais nos devemos debruçar e entender o que já fizemos e o que ainda poderemos fazer para não agravarmos mais as distorções geradas pela nossa ignorância, imediatismo ou “descompromisso” com a natureza e o futuro de todos nós. P. Qual é o papel reservado à Medicina veterinária na luta contra a deterioração do meio ambiente? r. A medicina veterinária na década de 1980 foi classificada como uma das ciências agrárias, e, desde então, vinha sendo simplificada nos seus princípios mais elementares, que podiam expressar a atividade médica com a intervenção na clínica, na saúde dos animais e humana, através da saúde pública e inspeção. Da mesma forma, os estudos referentes à ecologia e ao meio ambiente, que em seu conjunto conformam uma biosfera única, indivisível e impossível de ser compreendida através de pedaços, também foram subestimados. Esta ausência de um olhar sistêmico e holístico levou à formação de profissionais mais direcionados à produção de alimentos de origem animal e seus derivados, para atender ao acelerado processo de industrialização dos países ocidentais e aos ditames de um mercado consumidor desmedido, que prioriza o imediatismo, em detrimento dos ecossistemas que servem de base para as criações. Pensamos que o médico veterinário tem um papel fundamental na conscientização e regulação desse espaço e nesse setor que envolve, inclusive, o agronegócio. No novo século espera-se dos profissionais educadores, da saúde e das ciências agrárias um conhecimento pleno de todos os meandros que envolvem o trabalho realizado mundialmente com a Agenda 21, seja Global, Brasileira, seja Estadual ou Municipal, mas que caracterize a construção de um mundo mais saudável no presente e que se estenda no futuro, cada vez melhor para homens e animais. O desempenho sustentável em medicina veterinária compreende um processo participativo que pode: a) propiciar a conscientização dos veterinários envolvidos, com mudanças de atitudes na busca pela integração entre os diversos setores da sociedade, em sintonia com os preceitos da sustentabilidade, para a consolidação de uma cultura profissional de desenvolvimento e inovação biotecnológica; b) assegurar junto aos estudantes, clientes e demais membros da comunidade próxima o exercício pleno da responsabilidade social, de acordo com a sua competência profissional; c) contribuir para melhorar as relações humanas entre si, com os participantes da sociedade e com os animais, ao exercitar a ética, o bem-estar e seus hábitos em saúde, para a higiene pessoal e alimentar; d) promover práticas interativas e discutir valores, com colegas, estudantes, clientes e público participante, para ensinar as novas formas e oportunidades de inserção em um mercado de qualidade com 24_Animal Business-Brasil Animal Business_sem ingles.indd 24 25/3/2013 12:18:46 Animais e vegetais convivendo de forma sustentável a adoção de tecnologias apropriadas à gestão ambiental, seja no agronegócio como um todo, seja nas demais atividades rurais ou urbanas; e) gerar dinheiro novo em posições qualificadas e bem remuneradas, através das consultorias e dos serviços especializados executados por veterinários envolvidos com a gestão de negócios sustentáveis. Uma nova proposta metodológica com o desenvolvimento da percepção de saúde dependente do meio ambiente íntegro pode ser um instrumento fundamental para a conscientização e a mudança de valores e atitudes nos meios rurais e urbanos. Um trabalho efetivamente educacional voltado para o ser humano, mas que atinge os animais e o meio ambiente, e atende a demanda de processos para uma Veterinária do novo milênio, no qual o exercício da profissão e a produção de alimentos tornam-se uma premissa de sustentabilidade. Os médicos veterinários podem, desta forma, contribuir para a construção de uma sociedade sustentável, trabalhar na formação de agentes multiplicadores nos diversos setores das comunidades em que atuam e desenvolver a percepção do aprendizado coletivo e do conhecimento da realidade ambiental de cada um dos seus ecossistemas. P. tradicionalmente, a Medicina veterinária ocupa-se dos animais de estimação, companhia, lazer e produção. Só recentemente, os problemas relacionados ao estudo das espécies selvagens, que têm uma relação estreita com a ecologia e a preservação do meio ambiente, passaram a ocupar posição de destaque nos meios acadêmicos interessados no assunto. E tem cabido aos biólogos, ao menos aparentemente, uma posição de maior destaque no estudo dessas espécies. é isso mesmo? as faculdades brasileiras de veterinária estão habilitadas a formar veterinários com um bom conhecimento da medicina dos animais da fauna brasileira? r. Não é isso não! Tudo depende do estágio de desenvolvimento do país e das necessidades econômicas, associadas à demanda e ao perfil ambiental da região, por exemplo, quando cursei a Residência Médica no New York Vet College em Cornell, nos idos de 1976/1977, o meu orientador, prof. K. McEntee, já possuía uma grande coleção de casos clínicos, projetos e atendimentos de animais selvagens, no próprio Hospital da Fac.Vet., em Ithaca, nos USA e, também, na Austrália e Europa. No Brasil, a clínica Animal Business-Brasil_25 Animal Business_sem ingles.indd 25 25/3/2013 12:18:47 de animais selvagens sempre esteve mais concentrada em zoológicos, mas compromissos internacionais e nacionais assumidos desde 1992 na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Eco92), no Rio de Janeiro, já demonstravam que a conservação ambiental e a manutenção da saúde animal deveriam caminhar juntas ao modelo de desenvolvimento a ser exercitado, a partir de então, para gerar prosperidade. Ela representa a base para a continuidade da vida no planeta e a construção de um novo modelo de desenvolvimento, capaz de concretizar justiça social e promover condições dignas de vida para as gerações presentes e futuras, sem agressão ao meio ambiente ou esgotamento dos recursos disponíveis, como os animais selvagens, etc. Há de se priorizar a educação e a saúde, com a criação de políticas públicas de direitos humanos e bem-estar dos animais domésticos e selvagens, para o desenvolvimento sustentável. São desafios aplicáveis a uma sociedade que deve atuar em temas como manejo das águas e saneamento, avaliação das mudanças climáticas, geração de renda, erradicação da pobreza e justiça socioambiental. Quanto a ser biólogo ou não é uma simples questão de ter ou não talento, capacidade, estudo, conhecimento e competência, pois apenas a clínica médica e inspeção são prerrogativas da nossa profissão, mas em plena sociedade do conhecimento, na segunda década do século XXI, nenhuma profissão pode ser, impunemente, a única dona de saberes!!! Se todas as faculdades brasileiras de veterinária estão habilitadas a formar médicos veterinários, com um bom conhecimento de clínica dos animais da fauna brasileira, eu não saberia responder. P. os veterinários interessados e com possibilidade de especializar-se, no exterior, deverão procurar quais centros de ensino? r. Inicialmente sugiro uma residência médica ou estágios no Brasil, para conhecer primeiro a nossa realidade e depois sim, com bom conhecimento da língua estrangeira, seguir para o exterior. Os centros devem ser sempre de excelência e não apenas de ensino, pois Institutos de Pesquisa e grandes Empresas do ramo estão “Desde o início da colonização do Brasil os nossos recursos naturais, inclusive os animais, têm sido explorados de forma predatória” entre os lugares mais procurados para o aprendizado especializado com a prática incluída. A escolha do local de estudo no exterior deve atender aos interesses linguístico-culturais e as demandas de cada profissional, para cada especialidade existe uma lista enorme na Internet, que pode ser acessada até por celular, o portal CAPES e do CNPq referenciam on-line alguns desses centros. P. Sob o ponto de vista profissional, há campo de trabalho, no Brasil, para os médicos veterinários especializados em “negócios sustentáveis”? Pode citar exemplos? r. Novos temas que podem envolver o trabalho, bem remunerado, com negócios sustentáveis para o veterinário incluem, entre outros: a) assessoria na criação de indicadores e avaliação do desenvolvimento sustentável, para empresas que desejam elaborar Relatórios de Sustentabilidade; b) consultoria para empresas do agronegócio, que desejam fazer a rastreabilidade de produtos e insumos agropecuários; c) gestão de riscos com foco em resultados das cadeias produtivas do agronegócio; d) papel estratégico do profissional em auditorias frente aos desafios da governança corporativa; e) gestão estratégica do conhecimento em medicina veterinária e áreas afins; f) Brazilian Environment Commodites Exchange: Commodities ambientais, novo paradigma de pensamento ecológico; g) novas regras para tratamento e reciclagem de lixo na agropecuária; h) boas práticas de reprodução animal assistida para criações sustentáveis, etc. 26_Animal Business-Brasil Animal Business_sem ingles.indd 26 25/3/2013 12:18:48