® BuscaLegis.ccj.ufsc.br DEVER DE PAGAR ALIMENTOS A FILHO QUE TRABALHA, EMBORA NÃO TENHA ATINGIDO A MAIORIDADE CIVIL. (COMENTÁRIO A ACÓRDãO) Jacira Jacinto da Silva* ALIMENTOS – Pensão alimentícia – Exoneração – Filho, menor de idade, que exerce atividade remunerada obtendo dela renda suficiente à sua subsistência – Verba indevida – Interpretação dos arts. 396, 397 e 400 do CC – Voto vencido. Ementa oficial: sendo recíproco o dever de prestar alimentos entre pais e filhos, na “proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada” (CC, arts. 396, 397 e 400), não há razão de direito e de justiça que justifique seja mantida a obrigação do pai pagar alimentos ao filho, ainda que menor de idade, se ele já exerce atividade remunerada, obtendo dela renda suficiente à subsistência, notadamente se os rendimentos não são em muito inferiores aos dele próprio. Ementa Oficial do voto vencido: Os alimentos são devidos ao filho menor como dever de sustento inerente ao pátrio poder e, somente cessam, em regra, com a maioridade ou emancipação. Ap. 07.011395-1 – Segredo de Justiça – 1ª Câm. – j. 31.03.1998 – rel. Des. Newton Trisotto. Vistos, relatados e discutidos estes autos de ApCiv 97.011395-1, da Comarca de Capinzal, em que são apelantes A. A. C., sendo apelado E. T. C., representado por sua mãe M. C. T.: acordam, em 1ª Câm. Civ., por maioria de votos, dar provimento ao recurso. Custas na forma da lei. I - RELATÓRIO: A. A. C., inconformado com a sentença que julgou improcedente o pedido de exoneração de pensão alimentícia formulado contra seu filho E. T. C., opôs recurso de apelação. O pedido está calcado no fato do filho ter atingido a maioridade, exercer atividade remunerada e não ser estudante, tendo condições de prover ao próprio sustento. Nas contra-razões, afirma o recorrido que atualmente se encontra desempregado e que ainda não completou a maioridade civil (vinte e um anos). O Ministério Público, nas duas instâncias, manifestou-se pelo desprovimento do recurso. II - VOTO: 1. Do parecer do Dr. Luiz Carlos Freyesleben transcrevo o excerto que segue: O apelo é próprio e tempestivo, merecendo conhecido. Seu desprovimento, entretanto, impõe-se. Entende o recorrente que seu filho E. T. C., já havendo cumprido 18 anos de idade, tem o dever de buscar manter-se, por si próprio, trabalhando, sem depender da ajuda financeira paterna. Entretanto, o argumento não é suficiente para exonerar o alimentante do encargo que lhe pesa, em face da obrigação de prover alimentos à sua prole, pelo menos até a maioridade desta. Colhe-se dos autos que o alimentário não nega que já tenha estado empregado, na empresa Perdigão S/A, mas assevera, também, que foi demitido de tal emprego, em razão de sua menoridade. Vale acentuar, aqui, que ‘não importa a causa da necessidade. Uma vez provada a necessidade, os alimentos são devidos quaisquer que tenham sido as causas que levaram o pretendente a esse estado: falta de trabalho, doença, dissipação, prodigalidade etc.’. ‘Serão devidos alimentos’- ensina Carvalho Santos – ‘ainda que o filho tenha cometido para com o pai um ato em razão do qual fique excluído, como indigno, da sucessão’. (Ação de alimentos, Sérgio Carlos Covello, 3. ed., Leud, p. 7). Evidente que, considerando a idade do alimentário – 18 anos - , sua capacidade física e o fato de estar afastado dos estudos, recomendável seria que buscasse emprego para, pelo menos, subsidiar parte de sua própria subsistência. Mas não se pode olvidar, de outra parte, que ‘o instituto dos alimentos tem cunho de assistência e, em assim sendo, beneficia indistintamente aqueles que zelaram por sua fortuna e aqueles que a esbanjaram, aqueles que são bons parentes, como aqueles que o não são. Quando se trata de preservar a vida de alguém, não se levam em conta as virtudes do indivíduo e tampouco se indaga a razão de sua penúria’ (Op. cit., p. 7). Assim, pouco importa que o filho do apelante esteja em trabalho, pois este fato não contribui para a exoneração do encargo alimentar que a lei impõe ao genitor. A maioridade que alforria o devedor de alimentos, em relação a seus filhos, é a maioridade civil, que se alcança aos vinte e um anos de idade e não aos dezoito. Assim, enquanto persistir a menoridade civil do filho, não cabe ao pai iniciar a discussão a respeito de sua capacidade de trabalho, objetivando, com isso, isentar-se da carga de responsabilidade, relativa aos alimentos subsistenciais devidos àquele. No lecionar de Yussef Said Cahali, em sua obra Dos alimentos, 2. ed., Ed. RT, p. 402, ‘esta obrigação não se altera diante da precariedade da condição econômica do genitor: o pai, ainda que pobre, não se isenta, por esse motivo, da obrigação de prestar alimentos ao filho menor, do pouco que ganhar, alguma coisa deverá dar ao filho’. E continua: ‘Assim, o dever de sustento vinculado ao pátrio poder só cessa com a maioridade, ainda que pela sua idade, o filho já estivesse apto para o trabalho em face da legislação específica’. Portanto, não cabe a exoneração da pensão alimentícia pretendida pelo autor, posto que esta é resultante do pátrio poder e só se extingue quando adquirida a maioridade do alimentado. Não conta, ademais, o reclamo do alimentante, quanto à mocidade de seus ganhos laborais, pois tal não significa impossibilidade de prestar alimentos. Qualquer que seja o rendimento do genitor, a este caberá entregar fração dele ao filho necessitado, por dever decorrendo do pátrio poder e por obrigação moral, nunca se perdendo de vista o binômio necessidade de quem pede e possibilidade de quem deve. Também não conta o fato de o alimentante haver constituído outra família, já que tal não o exime de seguir alimentando os filhos do casamento anterior, até quando estes tiverem direito e necessitarem dos alimentos, inadmitindo a jurisprudência que não se dê a todos os filhos, de quantos casamentos houver, tratamento isonômico, pois é preciso evitar tratamentos que desigualem aqueles que devem ser tidos como iguais. Da jurisprudência, em seus repertórios, colhi a ementa seguinte: ‘Se o alimentante resolveu assumir novos encargos familiares, constituindo nova família, é porque tinha condições econômicas de mantê-la, não podendo, pois, valer-se de novo casamento que contraiu, para obter a diminuição da pensão que vem pagando’ (RT 580/192). E mais: ‘Se o alimentante resolveu constituir nova família, não se pode valer desta nova situação para se eximir da obrigação alimentar anterior. Comprovando o aumento das necessidades do recebedor dos alimentos e a possibilidade de pagamento do devedor, irrecusável o deferimento da revisão pretendida’ (Ap. Civ. 45.970, da Capital, DJE de 27/10/1994, p. 14). De outro lado, ‘a obrigação alimentar do pai em relação ao filho menor é indeclinável e instransferível sob qualquer pretexto e em qualquer situação do casal’ (Boletim de Jurisprudência do TJSP 7/13). “Diante de todo o exposto, visto que não há razão plausível para que o alimentante seja exonerado da obrigação de prestar alimentos ao filho relativamente capaz, dou parecer no sentido do conhecimento e desprovimento do apelo”. Data vênia, dissinto de S.EXA. Sendo recíproco o dever de prestar alimentos entre pais e filhos, na “proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada” (CC, arts. 396,397 e 400), não há razão de direito e de justiça que justifique seja mantida a obrigação do pai pagar alimentos ao filho, ainda que menor de idade, se ele já exerce atividade remunerada obtendo dela renda suficiente à sua subsistência, notadamente se os rendimentos não são em muito inferiores aos dele próprio. No caso sub judice, o apelante é policial militar e percebe, mensalmente, apenas R$430,32 (quatrocentos e trinta reais e trinta e dois centavos), conforme demonstrativo acostado à petição inicial. O filho, que não é mais estudante, completou vinte anos de idade e, durante certo tempo, trabalhou na Perdigão. Os três fatos, coexistentes, exoneram o apelante da obrigação de pagar os alimentos fixados no acordo de separação. O fato, não comprovado, de estar desempregado o apelado não é obstáculo à procedência do pedido de exoneração da pensão alimentícia. É evidente, o apelante não está em absoluto isento da obrigação alimentar, pois esta decorre do disposto no já referido art. 396 do CC e pode ser reclamada pelo apelado a qualquer tempo, se presentes os pressupostos legais. No processo apenas se questiona a respeito daquela, objeto do pacto celebrado entre o apelante e sua ex-mulher. Por analogia, aplicáveis à hipótese os precedentes que seguem: “Sendo o filho maior, estudante e sem emprego, tem-se-lhe reconhecido direito a alimentos pelo pai, isto por espírito de eqüidade, mas, para tanto, o descendente deverá provar que não pode trabalhar e que, conseqüentemente, necessita ainda do sustento paterno. Todo homem maior e capaz deve prover o próprio sustento e, no caso do filho estudante, este deverá comprovar que em face do horário de suas aulas está impedido de trabalhar, e, assim não ocorrendo, fica o pai exonerado da obrigação alimentar. A obtenção de renda não depende de emprego nem de horário determinado, pois quem está vocacionado para o trabalho consegue desempenho como autônomo, combinando horário de estudo com horário de trabalho” (TJMG, RT 680/174). “Extinguindo-se o pátrio poder pela maioridade ou emancipação, cessa também a obrigação de sustento dos filhos. A obrigação pode persistir entre parentes consangüíneos com fundamento no art. 396 et seq. do CC, desde que se prove a necessidade e impossibilidade do provimento de sua própria manutenção pelo trabalho, sem desfalque do próprio sustento daquele a quem for impelido a fornece-los; pedido este, que todavia, deve se fazer em ação própria”(AC. 96.011129-8, Des. Carlos Prudêncio). “O filho que atinge a maioridade e tem condições físicas e psíquicas de trabalho lícito não pode mais exigir continue o pai a pagar-lhe pensão alimentícia, estimulando o ócio, o comodismo e o desinteresse pelo futuro” (TJPR, AC. 5.960, Des. Oto Sponholz). “Se o beneficiário da pensão, após a separação, passa a ter atividade profissional compatível com seu sustento, como é a hipótese dos autos, os alimentos devem ser cancelados” (TJES, Processo 35959000288, Des. Norton de Souza Pimenta). “Com o advento da maioridade, cessa para o pai o dever de sustentar o filho, notadamente, se este se encontra empregado, auferindo renda própria. Eventual necessidade do filho poderá reclamar novos alimentos, não mais fundados no pátrio poder, a qual deve ser comprovada em ação própria. O cancelamento da pensão liminarmente é medida que se impõe”. (TJDF, AC 69.961, Des. José Hilário de Vasconcelos). Pelas razões expostas, dou provimento ao recurso. III – DECISÃO – Nos termos do voto do relator, deram provimento ao recurso. Presidiu a sessão, com voto vencido, o Exmo. Sr. Des. Carlos Prudêncio, e tomou parte no julgamento, com voto vencedor, o Exmo. Sr. Des. Orli Rodrigues. Pela doutra Procuradoria-Geral de Justiça exarou parecer o Exmo. Sr. Dr. Luiz Carlos Freyesleben. Florianópolis, 31 de março de 1.998 – Carlos Prudêncio, pres. com voto – Newton Trisotto, relator. VOTO VENCIDO – O Exmo. Sr. Des. Carlos Prudêncio: Ousei divergir da douta maioria pelos motivos abaixo expostos: Pouco importa que o filho do apelante esteja em condições físicas e mentais propícias para o ingresso no mercado de trabalho, pois, este fato não contribui para exonerar o genitor de prestar alimentos ao seu filho. Senão, vejamos a ApCiv 46.618, de Criciúma, rel. Des. Amaral e Silva, publicada no DJE de 21.02.1.995. “Não perde o direito aos alimentos o alimentário menor que passa a trabalhar. O fato evidencia, isso sim, a insuficiência da pensão”. A maioridade que aduz o devedor de alimentos, em relação ao menor, é a maioridade civil, que se alcança aos 21 (vinte e um) anos de idade e não aos 18 (dezoito). Não cabe, portanto, a exoneração pretendida, em virtude de que esta é resultante do pátrio poder, e este apenas se extingue quando adquirida a maioridade civil do alimentado. Bem explicativa a ementa proferida na ApCiv 44.437, de Joinville da lavra do eminente Des. João Martins, publicada no DJE de 02.09.1994: “A exoneração da obrigação alimentar, sendo contemporânea ao poder paternal, extinguese quando acaba a menoridade civil, salvo hipótese de convenção em contrário, o que, no caso, inexiste”. E, ainda, a ApCiv 96.011129-8, de Criciúma, publicada no DJE de 06.06.1.997, por mim relatada: “Extinguindo-se o pátrio poder pela maioridade ou emancipação, cessa também a obrigação de sustento dos filhos”. Quanto ao fato de ter o pai constituído nova família ou encontrar-se em tratamento médico, não é fator que o isenta do dever de sustento de seu filho, pois não se pode valer desta nova situação para se eximir da obrigação alimentar anterior. Diante de todo o exposto, visto que não há razão plausível para que o alimentante seja exonerado da obrigação de prestar alimentos ao filho relativamente capaz, voto no sentido de negar provimento ao recurso. É o meu voto. COMENTÁRIO: Com o devido respeito ao prolator do voto vencido, sua posição não parece nem um pouco razoável. O mais comezinho dos raciocínios exige, para a correta apresentação do conteúdo de um texto, que dele se extraia a síntese, não se podendo destacar um parágrafo isolado de um voto ou parecer, ou mesmo uma doutrina, tentando colocar aquele pensamento como o reflexo da idéia central ali defendida. Data máxima venia, os fundamentos utilizados no voto vencido consistem em afirmações pinçadas de doutrina e jurisprudência relativas a situações diferentes desta em análise, não justificando, por isso, a conclusão. Não pode ser crível que o alimentante não possa se eximir da obrigação de assistir o filho auto-suficiente, ainda que este não tenha atingido a maioridade civil. Lamentavelmente alguns julgadores prendem-se ao texto literal da lei, ou nas reiteradas decisões proferidas em nível de segundo grau, esquecendo-se de que a dinâmica natural da vida impõe um constante aprimoramento do conhecimento como um todo, inclusive da aplicação do direito. O que justifica a obrigação de prestar alimentos? A necessidade de amparo àquele que não tem condições de manter a sua própria subsistência por si mesmo. Não é sem razão que a Lei presume a necessidade do filho menor, de ser assistido por seus genitores; mas, convenha-se, esse preceito legal é extraído das relações sociais, funda-se na experiência que evidencia a impossibilidade de uma criança ou adolescente administrar sua própria vida e trabalhar para seu sustento. A vida de relação exige o aprimoramento da lei e esta evolui na medida em que o legislador consegue assimilar os anseios da sociedade. A lei previu como limite para a prestação de alimentos a emancipação civil, e o fez, evidentemente, por que seria necessário um parâmetro, já que alguns jovens iniciam a vida laborativa mais cedo e outros mais tarde, uns estudam e outros não; no entanto, a doutrina e a jurisprudência foram estabelecendo variáveis a partir das quais os alimentos são ou não considerados devidos. Tomando-se por base a regra geral estabelecida pela lei civil, pela qual os filhos se mantém sob a responsabilidade dos pais até atingirem a maioridade civil, doutrina e jurisprudência admitiram como parâmetro para pôr termo à obrigação de prestar alimentos, o fim do pátrio poder; nada obstante, por evidente, tendo o filho atingido a maioridade, não sendo estudante e já tendo trabalhado, deve-se-lhe impor a obrigação de manter a própria sobrevivência; não apenas porque desapareceu a impossibilidade de auto manutenção, mas, também, e principalmente, como bem frisou o voto do i. Rel., para evitar o ócio e estimular o desejo de realização pessoal. A propósito da interpretação que se pode dar ao direito, no seu sentido mais amplo, extrai-se da obra de Raphael Augusto Sofiati de Queiroz (1), importante lição de José Luiz Quadros de Magalhães, que pela pertinência, transcreve-se: A interpretação deve sempre obedecer a alguns parâmetros, sendo que “o objetivo primeiro da interpretação deverá ser a criação de condições para que a norma interpretada tenha eficácia sempre no sentido da realização dos princípios e valores constitucionais, e principalmente, sempre, da ideologia constitucionalmente adotada”. Certamente não faz parte da nossa cultura jurídica a compreensão de que o filho merece proteção mesmo que dela não necessite, ou ainda que sem ela possa se manter, impondo ao genitor a obrigação de lhe prestar ajuda financeira que não tenha para dar sem prejuízo da sua própria sobrevivência. Por óbvio essa interpretação não encontra ressonância na ideologia constitucional, adotada em nossos Tribunais. Na mesma obra supra referida, menciona-se: A hermenêutica jurídica é um domínio teórico, especulativo, cujo objeto é a formulação, o estudo e a sistematização dos princípios e regras de interpretação do direito. A interpretação é a atividade prática de revelar o conteúdo, o significado e o alcance de uma norma, tendo por finalidade fazê-la incidir em um caso concreto. O preceito que impõe o dever de prestar alimentos até a extinção do pátrio poder não pode, pois, ser interpretado de forma a contrariar o alcance da norma e a sua incidência no caso em análise, ferindo os princípios e os valores constitucionais, bem assim a ideologia, legal e constitucionalmente adotadas. O sistema jurídico no qual estamos inseridos prevê obrigação alimentar recíproca entre ascendentes e descendentes, revelando o substrato da norma, que consiste em impor ao parente que pode, o dever de assistir o miserável, o necessitado. Não contém, o direito, espaço para abrigar qualquer tratamento parcial, e desigual, que imponha sacrifícios insuportáveis a uma pessoa em benefício de outra, especialmente se ambas se encontrarem em condição de igualdade. Importa salientar que no caso em apreço o alimentante vivia situação precária, sendo que o alimentário, quando trabalhava, auferia rendimentos quase equivalentes ao do genitor; donde se conclui que a capacidade laborativa de ambos praticamente se igualava, não fosse maior a do filho, em plena juventude, desfrutando de total capacidade física. O voto vencido menciona a irrelevância de estar enfermo o alimentante. Ora, isso afronta as pilastras que sustentam a obrigação de prestar alimentos, consistentes no binômio necessidade-possibilidade. Não se pode ignorar que o dever de alimentar se funda nestes dois pressupostos e não só em um deles. A despeito de haver a necessidade, em caso de absoluta impossibilidade há que se lamentar a triste sorte do alimentário, não havendo como obrigar um inválido, por exemplo, a prestar alimentos. Aliás, diante do mesmo binômio e da reciprocidade do dever alimentar, talvez seja o caso de o filho não emancipado prestar auxílio ao pai. O caso transbordaria da situação de obrigação alimentar decorrente do pátrio poder, penetrando na esfera da mesma obrigação entre ascendentes e descendentes, advinda do parentesco. Este singelo trabalho pretende evidenciar a questão da razoabilidade. Ainda que a lei tenha mudado, para considerar emancipado o jovem bem mais cedo que antes, o cerne da questão debatida não muda. Afinal, se a lei evoluiu para a compreensão de que o jovem de 18 anos pode ser emancipado é porque entendeu também que mais cedo pode assumir a responsabilidade dos seus atos. Não há dúvidas: sendo o filho relativamente incapaz, não tendo ainda condições de trabalhar por estar estudando ou por qualquer outro motivo justificável e tendo o pai condições de ajudar, ainda que mínimas, nada mais justo que lhe preste alimentos. Mas não se mostra razoável a interpretação emitida no respeitável voto vencido. A posição é a de que os alimentos são sempre e invariavelmente devidos enquanto o filho não se emancipar, independentemente da necessidade do alimentário e da possibilidade do alimentante. Esse binômio não está a salvo nem das situações em que o alimentando é absolutamente incapaz, porque rege a obrigação alimentar em todos os seus aspectos, bastando imaginar a situação de um pai que, por qualquer circunstância especial, não possa manter a sua própria sobrevivência. A despeito da inegável necessidade da criança, presumida jure et de jure pela lei, o quantum dos alimentos será fixado com rigorosa obediência às possibilidades do alimentante, sempre. Dessa forma, o filho não sendo criança, mas jovem capaz, saudável e que não se ocupa com outra atividade impeditiva do trabalho, constatando-se a difícil situação econômica do genitor, é de ser excluída a obrigação. Há muito se concluiu que a lógica formal não satisfaz o direito, tendo este se guiado pela lógica do razoável; não a lógica para conhecer, mas a lógica para decidir. Raphael Augusto Sofiati de Queiroz ensina, sobre o princípio da razoabilidade: De acordo com a doutrina, a razoabilidade se apresenta com os seguintes elementos: a) adequação – que, igualmente ao que se apresenta no interesse de agir do processo civil, representa a capacidade ou aptidão da medida em atingir os objetivos pretendidos; b) necessidade – mais uma vez encontrando similitude no processo civil, representando, também, a utilidade ou proveito em se utilizar a medida; e c) proporcionalidade – ponderação da relação existente entre os meios e os fins, ou seja, entre os ônus impostos e os bônus conseguidos. (2) Tome-se por exemplo a situação do alimentante de classe média baixa, que sobrevive do salário de servidor público, cujos rendimentos suportam um nível modesto de vida e se vê obrigado a pagar alimentos ao filho menor. Encontrando-se o alimentário em país estrangeiro, trabalhando e recebendo salário em dólar, seria razoável manter a obrigação alimentar só porque o filho ainda não completou a maioridade civil? A interpretação que concluísse pela obrigação de pagar, representaria a capacidade ou aptidão de atingir os objetivos pretendidos pela lei e pelos princípios que norteiam a obrigação de prestar alimentos? Qual seria a utilidade e a necessidade dessa medida? Por outro norte, qual a ponderação entre os meios e os fins? Uma análise perfunctória mostra que não há razoabilidade na interpretação, mas é conhecida uma decisão que impôs ao pai o dever de pagar alimentos à filha de 20 anos que se encontrava nos Estados Unidos trabalhando. (3) Muito mais ponderadas, a meu ver, a posição adotada pelo i. relator. A doutrina do mestre Yussef Said Cahali, mencionada no voto vencido (4), não se refere à hipótese de estar o filho trabalhando ou temporariamente desempregado depois de exercer atividade laborativa. Pelas reiteradas manifestações deste eminente professor, em incontáveis escritos de sua lavra sobre o assunto, pode-se afirmar, sem medo de errar, que o texto destacado refere-se ao filho que embora apto para o trabalho, tendo alcançado a idade mínima prevista na legislação específica, não trabalha. É possível fazer essa inferência, pois o mesmo autor escreveu: Em tese, portanto, a maioridade do filho é irrelevante para determinar a obrigação do genitor, que é recíproca entre ascendente e descendente, demonstrada a impossibilidade daquele de prover à sua subsistência. (5) E mais: Sob esse aspecto, afirma-se que “o pai não está obrigado a prestar alimentos a filha maior, capacitada para o trabalho e que espontaneamente abandonou o lar paterno” . Esse comentário do eminente professor Yussef Said Cahali acompanha a transcrição do V. acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que, pela pertinência, transcreve-se: “se, em regra, toda pessoa maior e capaz de trabalhar, deve fazê-lo para o próprio sustento, e se o instituto dos alimentos visa a socorrer os necessitados e não fomentar a ociosidade, como adverte Clóvis; se a filha, recusando-se a regressar ao lar paterno, está apta a manter-se pelo próprio trabalho, é manifesto que não faz jus aos alimentos” (6). Acolhida a tese esboçada no voto vencido, é de se condenar o alimentante a persistir pagando pensão alimentícia ao filho que, prestes a atingir a maioridade, encontra-se no Japão, recebendo salário superior ao do alimentante, tendo, inclusive, adquirido carro próprio. Essa compreensão não decorre, evidentemente, da interpretação teleológica da norma que estipula o dever de prestar alimentos, qualquer que seja a legislação. Também não é possível admitir o entendimento expressado no voto vencido, de que a constituição de nova família não influi na obrigação de prestar alimentos. É ululante que a situação nova não exime o alimentante do seu dever; no entanto, impossível negar que a concepção de outros filhos pode diminuir consideravelmente o padrão econômico do alimentante, obrigando-o a reduzir a pensão do filho previamente favorecido. Se é certo que este filho não pode ver-se abandonado, não é menos verdade que os outros também têm o mesmo direito, devendo-se, admitir, portanto, o devido reparo no valor da pensão. Até porque, como bem se frisou no voto, todos os filhos merecem tratamento isonômico. Por todo o exposto, entendo que andou bem o relator, contribuindo decisivamente para que o V. Acórdão se apresentasse muito mais razoável e condizente com os princípios norteadores da obrigação de prestar alimentos, inviabilizando a prevalência do voto vencido, pese embora o alto saber jurídico do seu prolator. BIBLIOGRAFIA QUEIROZ, Raphael Augusto Sofiati. Os princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade das Normas e sua Repercussão no Processo civil Brasileiro, Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2.000. CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1.993. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 1.987. PEREIRA, Instituições de direito civil. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1.991. NOTAS (1) In Os princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade das Normas e sua Repercussão no Processo civil Brasileiro, Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2.000, p.14. (2) Ibidem. , p.47. (3) Decisão proferida na vigência do Código Civil revogado, pela 5ª Vara Cível de Araçatuba-SP. (4) Assim, o dever de sustento vinculado ao pátrio poder só cessa com a maioridade, ainda que pela sua idade, o filho já estivesse apto para o trabalho em face da legislação específica. (5) In Dos Alimentos. 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1.993, p.512. (6) Ibid. , mesma página. * Mestranda do Centro de Pós Graduação Toledo (área de concentração – Direito Processual Civil), Professora de Direito Processual Civil nas Faculdades Integradas Toledo, Juíza de Direito. Disponível em: < http://www.mundolegal.com.br/?FuseAction=Doutrina_Detalhar&did=20155> Acesso em.: 27 agos. 2007.