DIAGNÓSTICO FUNCIONAL DOS POSTOS DE TRABALHO NO PROCESSO DE COLOCAÇÃO PROFISSIONAL DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA Clara Luiza Sudano Ribeiro1 Rua Francisco Bicalho, 594/302 – Padre Eustáquio 30720-340 - Belo Horizonte/MG (31)9962-2415 / (31)3372-2312 [email protected] / [email protected] RESUMO Com o objetivo de promover e facilitar a inclusão profissional da pessoa com deficiência, este artigo apresenta o Diagnóstico Funcional de Postos de Trabalho. Para tanto, escolheu-se uma fração desse documento, no qual estão especificados que tipos de deficiência e/ou limitações são compatíveis com as exigências físicas, auditivas, visuais e/ou intelectuais no desempenho das respectivas funções dos cargos analisados. Com o intuito de fornecer elementos para melhor compreensão do tema abordado, discorreu-se, brevemente, a respeito da Lei de Cotas, sobre o conceito de Acessibilidade e sobre o que vem a ser o Diagnóstico Funcional dos Postos de Trabalho. Demonstrou-se que o mesmo, além de ser ferramenta eficaz no processo de colocação profissional, permite que a inclusão seja realizada com grande margem de assertividade e com prognóstico de sucesso na permanência do trabalhador com deficiência naquele posto de trabalho que passará a ocupar. Concluiu-se que, para as empresas que precisam cumprir a Lei de Cotas (Lei Federal nº. 8213/91), o Diagnóstico Funcional dos Postos de Trabalho cumpre relevante papel porque amplia as possibilidades de inclusão profissional, de maneira criteriosa, efetiva, ética, segura e responsável. Constatou-se que o trabalho prévio que gera o diagnóstico, minimiza enormemente as possibilidades de inadequação deficiência X atividade, bem como impede que a pessoa com um tipo de 1 Psicóloga, Consultora de Recursos Humanos na Colocação Profissional da Pessoa com Deficiência do Serviço Social da Indústria - Centro de Integração e Apoio ao Portador de Deficiência “Rogéria Amato” – SESI/CIRA deficiência passe a ser um deficiente múltiplo por executar tarefas inadequadas às suas limitações e/ou capacidades residuais. Palavras-Chave: Trabalho; Inclusão Profissional; Pessoa com Deficiência; Diagnóstico Funcional; Lei de Cotas. 1. DEFICIÊNCIA – UM ELEMENTO DE DIVERSIDADE SOCIAL Visto que existem controvérsias no tocante à necessidade do mapeamento dos postos de trabalho e a conseqüente apresentação do diagnóstico funcional na colocação profissional da pessoa com deficiência, objetivou-se com este artigo, demonstrar que esse processo de análise e exame visa compatibilizar a capacidade laboral da pessoa com deficiência com as reais exigências inerentes a cada cargo, tendo-se como base o prescrito no Decreto 3.298, de 20 de dezembro de 1999, revisado e regulamentado pelo Decreto 5.296, de 02 de dezembro de 2004. Demonstrou-se que, além de necessário, o diagnóstico funcional dos postos de trabalho é fundamental para uma colocação segura, ética, confiável e responsável, com maiores chances de sucesso. As citadas controvérsias situaram-se, sempre, no campo da mera especulação, sem embasamento ou argumentos contundentes. A alegação é de que as indicações que o mapeamento propõe seriam um dificultador e não um facilitador no processo de inclusão profissional da pessoa com deficiência, porque limitariam o acesso indiscriminado de quaisquer tipos de deficiência, sem exceção, a qualquer posto de trabalho. Os adeptos desta idéia defendem a inclusão no mercado de trabalho sem qualquer preparo ou capacitação prévia, ou seja, sem qualquer estudo de viabilidade ou adequação de tipo de acometimento com funções a serem executadas. Exemplificando, seria a colocação de um trabalhador com baixa visão para realizar tarefas que demandassem inspeção visual, sem que, previamente, fosse feito um exame dessas atribuições e aguardando que esse profissional pudesse, talvez, criar, ao longo da execução do trabalho, mecanismos de superação de suas limitações podendo, aí, desincumbir-se de suas atribuições com sucesso. Supõe-se que, desta forma, essa pessoa estaria ocupando uma vaga de alguém melhor capacitado para o cargo, criando enormes dificuldades de adaptação e de desempenho e, outrossim, perdendo a chance de realizar, com desenvoltura e menor sofrimento, outra tarefa, melhor adaptável à sua deficiência. Com o intuito de fornecer elementos para uma maior compreensão do tema abordado julgou-se necessário tecer algumas considerações iniciais em torno da lei de cotas, do conceito de acessibilidade e do diagnóstico funcional. 1.1 Lei de Cotas O mercado de trabalho, no passado, pode ser comparado a um campo de batalha: de um lado, as pessoas com deficiência e seus aliados empenhando-se arduamente para conseguir alguns empregos; e de outro, os empregadores, praticamente despreparados e desinformados sobre a questão da deficiência, recebendo ataques furiosos por não preencherem as vagas com candidatos portadores de deficiência tão qualificados quanto os candidatos não-deficientes. Naturalmente, esta comparação é uma caricatura. Mas ela mostra o que sempre tem ocorrido ao longo das fases que vão desde a exclusão, passam pela segregação e chegam à integração. Trata-se de um mundo dividido em dois lados, fazendo diferentes coisas em diferentes épocas. (Sassaki, Inclusão – Construindo uma sociedade para todos. 2000, pág. 59) Ainda que, a partir da Revolução Francesa em 1789, conquistas tenham possibilitado a consolidação da concepção de cidadania, estas não foram suficientes, pois se constatou que a mera declaração formal das liberdades nos documentos e nas legislações desmoronava diante da enorme exclusão econômica da maioria da população. Por isto, já no século XIX, tratou-se de se buscar os direitos sociais com ações estatais que compensassem aquelas desigualdades, proporcionando aos desvalidos direitos implantados e construídos de forma coletiva, em prol da saúde, da educação, da moradia, do trabalho, do lazer e da cultura para todos. Porém, foi apenas depois da Segunda Guerra Mundial, que a afirmação da cidadania se completou. Percebeu-se a necessidade de valorizar a vontade da maioria, respeitando-se, também, as minorias, suas necessidades e particularidades. Verificou-se, claramente, que a maioria pode ser opressiva – o nazismo e o fascismo foram instituídos legitimamente e levados ao poder. Criaram-se, então, nessa época, salvaguardas destinadas a todas as minorias para que a História não registrasse mais aquele tipo de ocorrência. O fundamento inicial das políticas em favor das minorias encontra-se, portanto, nas premissas que o pós-guerra engendrou. No que se refere às pessoas com deficiência, aos poucos, estamos transformando a maneira excludentemente assistencialista e caridosa em inclusão efetiva. Não mais serão apenas beneficiários de políticas de assistência social, mas passarão a ser sujeitos de seu próprio destino. O direito de ir e vir, de trabalhar e de estudar é a mola-mestra da inclusão de qualquer cidadão e, para que se concretize em face das pessoas com deficiência, há que se exigir do Estado a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, Constituição Federal), por meio de políticas públicas compensatórias e eficazes. (A inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Brasília: MTE, SIT, DEFIT, 2007, p. 9). A legislação brasileira estabeleceu a obrigatoriedade de as empresas com cem (100) ou mais empregados preencherem uma parcela de suas vagas com pessoas com deficiência ou de reabilitados do INSS. A reserva legal de cargos é também conhecida como Lei de Cotas (art. 93 da Lei nº. 8.213/91). Esta cota depende do número geral de empregados que a empresa tem no seu quadro, na seguinte proporção, conforme estabelece o art. 93 da Lei 8.213/91: de 100 a 200 empregados...................... 2% de 201 a 500.......................................... 3% de 501 a 1000......................................... 4% de 1001 em diante................................... 5% No Brasil há duas normas internacionais devidamente ratificadas, o que lhes confere status de leis nacionais, que são a Convenção nº. 159/83 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, também conhecida como Convenção da Guatemala, de 1999. Ambas conceituam deficiência, para fins de proteção legal, como uma limitação física, mental, sensorial ou múltipla, que incapacite a pessoa para o exercício de atividades normais da vida e que, em razão dessa incapacidade, a pessoa tenha dificuldades de inserção social. Nesse diapasão está o Decreto nº. 3.298/99, cuja redação foi atualizada após longas discussões no conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência (CONADE), pelo Decreto nº. 5.296/04. Para efeito de cumprimento da Lei de Cotas, portanto, não são considerados os profissionais com visão monocular, a perda auditiva em um dos ouvidos ou a deficiência física que não implique em impossibilidade de execução normal das atividades do corpo ou em que as seqüelas não sejam permanentes. Os reabilitados, por sua vez, são aqueles que passaram por processo orientado a possibilitar que adquiram, a partir da identificação de suas potencialidades laborativas, o nível suficiente de desenvolvimento profissional para reingresso no mercado de trabalho e participação na vida comunitária (Decreto nº. 3.298/99, art. 31). A reabilitação torna a pessoa novamente capaz de desempenhar suas funções ou outras diferentes das que exercia, se estas forem adequadas e compatíveis com a sua limitação. Veja-se, assim, o conteúdo da norma: O Art. 3º para os efeitos deste Decreto, considera: I – deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano; II - deficiência permanente – aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos; e III – incapacidade – uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida.(A inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Brasília: MTE,SIT, DEFIT, 2007, p. 9). Todos nós somos igualmente responsáveis pela aplicabilidade da lei que, de maneira alguma se restringe às ações estatais. Nesta linha de raciocínio, as empresas devem ter a primazia do respeito constitucional, do valor social do trabalho e da livre iniciativa, para que se implementem a cidadania e a dignidade do trabalhador com ou sem deficiência (art. 1º e 170 da Constituição Federal/1988). E assim, a contratação de pessoas com deficiência deve ser vista como qualquer outra. Esperam-se do trabalhador com deficiência profissionalismo, dedicação e assiduidade – os mesmos atributos exigidos de qualquer empregado. Enfim, o que se quer é oportunidade e não assistencialismo. 1.2 Acessibilidade A deficiência é resultante do desajuste entre as características físicas, visuais, auditivas e mentais das pessoas e das condições onde elas atuam. A acessibilidade torna-se, então, a base para a inclusão da pessoa com deficiência. Acessibilidade diz respeito à qualidade do que é acessível, à facilidade de acesso, de aproximação. Na prática da colocação profissional da pessoa com deficiência, o conceito de estar acessível é muito mais amplo do que o relativo, apenas, à acessibilidade arquitetônica, Dentro desta nova perspectiva, a acessibilidade está pautada em seis dimensões: arquitetônica, atitudinal, comunicacional, instrumental, metodológica e programática. A ocorrência simultânea destas dimensões garante a inclusão ética e segura, proporcionando a transformação do ambiente, das pessoas, bem como da organização das atividades humanas que minimizam o efeito de uma deficiência. A acessibilidade vai instrumentar o indivíduo para que ele seja capaz de desenvolver seu potencial, permitindo às pessoas à sua volta reconhecerem e valorizarem suas habilidades e não a deficiência resultante da falta orgânica. Considerando, então, as dimensões atitudinal, instrumental, metodológica e programática do termo “acessível” e uma visão mais abrangente do mesmo, além da perspectiva inclusivista do mapeamento, afirmamos que o diagnóstico funcional dos postos de trabalho é parte integrante da acessibilidade que se quer praticar. Desempenhar as atividades laborais é tão importante quanto ter possibilidades de acesso amplo e irrestrito ao ambiente de trabalho. Evidentemente, se o posto de trabalho não é acessível, independente da capacidade profissional do sujeito, a colocação torna-se inviável. Neste sentido, a acessibilidade deverá abranger toda a organização, trabalhando os aspectos ligados, desde a arquitetura, até o que se refere às regras e normas que norteiam a política de funcionamento da empresa como um todo. Objetivando assegurar a qualidade da comunicação entre todos os profissionais da empresa, seria de extrema importância favorecer a facilidade de entendimento interpessoal. Assim, a presença de telefones com teclado alfanumérico, de softwares específicos para ambiente Windows, bem como impressoras em braile, se faz necessária para garantir a total participação das pessoas com deficiência auditiva e visual, respectivamente. Eventualmente, algumas atividades e/ou maneiras de executá-las deverão ser flexibilizadas, para que a inclusão possa se efetivar. 1.3 Diagnóstico Diagnóstico, do grego diagnostikós – capaz de discernir, é uma palavra que nos remete ao vocabulário médico. Seu significado é o de determinação de doenças pela observação dos sintomas. Através do resumo de características descritas, é possível se chegar a um diagnóstico, ou seja, ao tipo de moléstia e seu tratamento. No que se refere ao diagnóstico de que trata o presente estudo – o diagnóstico funcional – pretende-se, com o mesmo, determinar que tipos de deficiência são compatíveis com a execução das atividades inerentes aos cargos previamente selecionados, pela empresa, para análise. Ou seja, compatibilizar as exigências da função, as condições dos postos de trabalho e as pessoas com deficiência que podem ser contratadas para desempenhar as atividades laborais, sem prejuízo para a empresa ou para si mesmas. Para que o diagnóstico funcional possa ser realizado (ressaltando-se a funcionalidade como trabalho), é necessária a delimitação e a decomposição de um posto de trabalho em seus diversos itens, assim como a recomposição da situação de trabalho. É preciso observar: . o comportamento frente à atividade de trabalho; . as condições ambientais, técnicas e organizacionais do trabalho, além dos elementos gestuais, informacionais, regulatórios e cognitivos presentes em todo esse contexto; . posturas; . deslocamentos; . espaço e planos de trabalho; . ambientes térmico, acústico, luminoso e vibratório; . a qualidade do ar; . arranjo físico das máquinas e sistemas de produção; . arranjo físico das mesas, computadores, telefones, máquinas xerox; . arranjo físico dos ambientes de refeitório e de auditório; . estrutura das comunicações; . métodos e procedimentos do trabalho; . modalidades de execução (horários, equipes, normas de produção); . modalidades de planificação e de tomada de decisões. Além dos tópicos acima descritos, observa-se a mobilização das funções fisiológicas e psicológicas de um determinado empregado, em um determinado momento da tarefa. As atividades motoras de trabalho (detecção, percepção e tratamento das informações recebidas), bem como a transformação de energia físio-muscular em energia mecânica de aplicação de força, gestos, movimentos, postura, etc. Portanto, o Diagnóstico Funcional, como uma das etapas do cumprimento do Decreto nº. 3298/99 – Estatuto das Pessoas com Deficiência, considera: a) a análise das atividades e funções desempenhadas cargo a cargo, conforme relação fornecida pelo Setor de Recursos Humanos da Empresa; b) a atividade real descrita pelos funcionários que as executam (solicita-se ao empregado que descreva, minuciosamente, seu dia trabalho, desde a sua chegada à empresa até o término de sua jornada); c) movimentos e posições exigidas para a execução das atividades; d) o tipo de equipamentos e ferramental utilizado; e) rotas de fuga; f) saídas de emergência; g) níveis de ruído, iluminação, poeira, gases, estrutura física e layout das áreas; h) acessibilidade geral e específica de cada local de trabalho. A observação atenta da execução do trabalho e a análise da descrição que o funcionário faz das suas atividades constituem-se no material básico para a confecção do relatório-diagnóstico. Ao longo da visita e da observação de cada posto de trabalho, realizam-se, separadamente, as entrevistas com o empregado que desempenha cada função analisada. O foco das entrevistas situa-se, principalmente, no quanto esse profissional se desloca, fica de pé, sobe escadas, atende ao telefone, atende ao público, utiliza rádio-transmissor, computador, transita em áreas de risco, realiza trabalho de campo, carrega peso, agacha, levanta, sobe em máquinas e/ou equipamentos, dá treinamentos, viaja, conduz veículos automotivos ou opera equipamentos pesados, opera pontes rolantes, realiza tarefas em locais de difícil acesso ou espaços confinados, em altura, trabalha sozinho, em duplas ou equipes, e assim por diante. É solicitado a esse empregado que realize suas tarefas, da forma como habitualmente o faz, para que possam ser avaliadas as dificuldades de desempenho das mesmas para uma pessoa com restrições físicas, visuais, auditivas e/ou intelectuais, assim como as particularidades da função e a complexidade de movimentos no decorrer das atividades. No relatório apresentado no próximo capítulo, foram definidas deficiências específicas, com características próprias compatíveis com as exigências inerentes às atividades desenvolvidas e com o espaço físico verificado durante o mapeamento. 2. O EMPREGO DO PARADIGMA DA INCLUSÃO Sassaki (2000, p. 83) ressalta que, no tocante à inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, o século XXI deverá ser lembrado pela aplicabilidade, em seu início, do paradigma da inclusão, em grande escala. Não se configura aceitável nos dias de hoje a velha prática de se preparar tão somente as pessoas com deficiência para se adequarem aos padrões tradicionalmente vigentes na sociedade em geral e no mercado de trabalho em particular. Cresce fortemente a opinião de especialistas e líderes do movimento de pessoas com deficiência no sentido de que as empresas em geral deverão estar preparadas para adequar-se à diversidade da força de trabalho, na qual as pessoas com deficiência estão cada vez mais presentes. A cada dia que passa, mais pessoas estão falando e escrevendo sobre o conceito e a prática da inclusão no que se refere a indivíduos com deficiência. (Sassaki in Inclusão dá trabalho, 2003, p. 83) Partiu-se do pressuposto de que o Diagnóstico Funcional dos Postos de Trabalho é um instrumento capaz de ou facilitar o emprego do paradigma da inclusão, possibilitando a inclusão da pessoa com deficiência com maiores chances de assertividade e de segurança. Acredita-se que esse instrumento visa compatibilizar a capacidade laboral da pessoa com deficiência com as exigências inerentes a cada cargo, no mercado de trabalho, além de atender à demanda das empresas no que se refere à contratação dessas pessoas. Para verificação da hipótese levantada utilizou-se o método observacional, pois o mesmo proporciona meios de analisar, através de estratégias de observação, documentos e/ou material escrito. Segundo Bunge (1973) citado por Coutinho (2004, p.97) destacam-se no ato de observar algumas fases características: Conscientização do objeto ou do fenômeno a ser observado e percepção de algum aspecto proeminente e curioso do mesmo. Por exemplo, um astrônomo vê uma mancha de luz ao dirigir o telescópio em determinada direção. Reconhecimento e interpretação preliminar do objeto ou fenômeno percebido. O referido astrônomo interpreta a mancha que viu como uma chama que surge da coroa solar. Descrição daquilo que provocou a percepção e a interpretação, ou seja, descrição do que foi “lido” mediante a observação direta ou indireta. O astrônomo descreve, com uma linguagem mais ou menos técnica, o que viu e interpretou. (Coutinho, 2004, p.97-98) Desta forma, alguns elementos são indispensáveis para que se possa realizar uma observação empírica: o observador, que nesse caso é o pesquisador, os fatos observados, ou seja, o empregado executando sua atividade e, após, o diagnóstico funcional, as circunstâncias da observação e a percepção produzida, os meios utilizados e os instrumentos de observação, descrição, explicação e interpretação e, finalmente, o corpo de conhecimentos construídos. A observação do indivíduo em seu ambiente de trabalho, desempenhando suas funções, bem como a entrevista realizada com o mesmo, nesse contexto, propiciam as condições e fornecem os elementos de análise para a confecção do relatório que apresenta-se a seguir. Esse documento, fruto do exame e da análise do corpo de tarefas executadas pelo empregado, por sua vez, é também, objeto de observação para o fim a que se referiu o presente estudo. Lorentz (2006) aborda a questão do meio ambiente para as pessoas com deficiência, apresentando as diversas formas de trabalho passíveis de ser exercidas pelas pessoas com limitações no que concerne à legislação interna brasileira destacando que estas, porém, dificilmente atingirão um patamar de inclusão através do trabalho com resultados edificantes, se não lhes forem fornecidos os meios adequados para tanto. Exemplificando, amiúde as empresas cumprem a quota prevista pelo art. 93, da Lei n. 8213, de 1991, colocando PPD’s com deficiência visual em serviço de telefonia; porém, se o meio ambiente de trabalho for muito ruidoso, se o mobiliário não for adaptado ou se a jornada for excessiva, aquela pessoa que já possuía uma deficiência visual poderá vir a se tornar deficiente auditivo, motor, etc. Destarte, através de um meio ambiente de trabalho inadequado uma PPD, com uma deficiência pode vir a se tornar um deficiente múltiplo! (Lorentz, A norma da igualdade e o trabalho das pessoas portadoras de deficiência. 2006, p. 347). Uma vez colocados estes aspectos, passou-se, em seguida, à análise de parte de um relatório de mapeamento. Os tópicos apresentados dizem respeito às sugestões de tipos de deficiência que poderiam acometer o empregado, sem prejuízo para a execução das atividades laborais e/ou aquelas que, também, não potencializariam as limitações físicas, auditivas, visuais e/ou mentais desse sujeito, comprometendo, assim, sua capacidade residual de trabalho. 2.1 Relatório Foi escolhida uma unidade de manutenção de uma empresa de grande porte que atua na produção de estruturas de aço para instalação em plantas industriais pesadas ou leves, prédios comerciais, além de pontes e viadutos rodoferroviários. Considerada, hoje, uma das maiores empresas do setor de bens de capital do país, possui várias unidades, dentre elas, a que agora fará parte desta análise. 2.1.1 Indicações de Tipos de Deficiência Após observação e estudo dos postos de trabalho, foram feitas indicações de tipos de deficiência compatíveis com as exigências inerentes às atividades desenvolvidas e com o espaço físico onde as tarefas são realizadas. Por meio de entrevistas com um empregado de cada cargo e de verificação das tarefas sendo desenvolvidas pelo mesmo, indicam-se tipos de limitações físicas, visuais, auditivas e/ou mentais, congruentes com as atribuições de cada função, conforme a seguir: 1- Armazenista Deficiência Física Pelas particularidades observadas durante análise deste cargo, indica-se a contratação do profissional que apresenta deficiência em um dos membros superiores e/ou inferiores para atuar no mesmo. Em ambos os casos, poderão ocorrer, até mesmo, atrofia e/ou redução acentuada. A mobilidade e a funcionalidade do membro afetado deverão estar preservadas. Nanismo: a pessoa com distúrbio do crescimento está indicada para desempenhar as funções inerentes ao cargo mapeado. Ostomia: desde que não carregue e manuseie peso em excesso, o trabalhador que faça uso de bolsa coletora está indicado para atuar no cargo em questão. Deficiência Auditiva De acordo com a análise das atividades desempenhadas no cargo listado,indica-se o trabalho da pessoa com deficiência auditiva parcial. É necessário que esse profissional tenha capacidade para se expressar por meio da fala, além de boa compreensão da comunicação a ele endereçada. 2- Assistente Administrativo e 3- Controlador de Sobressalentes Deficiência Física Para exercer as funções referentes aos cargos analisados, indica-se a contratação da pessoa que apresenta deficiência física em um dos membros superiores e/ou inferiores. Em ambos os casos, poderá haver encurtamento mais significativo, desde que a mobilidade e a funcionalidade estejam preservadas. Ostomia: o profissional que faça uso de bolsa coletora está indicado para atuar nos cargos mapeados. Nanismo: está indicada, para executar as tarefas relativas aos cargos listados, a pessoa com anomalia do crescimento. Deficiência Auditiva Está indicado o trabalho do profissional com perda parcial da audição para os cargos listados. A pessoa com este tipo de deficiência deverá ser capaz de se comunicar ao telefone, bem como de compreender, sem restrições, a comunicação a ela direcionada. 4- Soldador de Manutenção Deficiência Física Tendo em vista o exame da rotina laboral dos trabalhadores que executam as funções relativas a este cargo, indica-se, para desempenhá-las, a pessoa com deficiência física nos membros superiores e/ou inferiores. Em ambos os casos, a limitação deverá ser leve com, apenas, ausência de dedos. A funcionalidade, a mobilidade e a força dos membros afetados deverão estar preservadas. Além disto, o equilíbrio desse profissional deverá permanecer inalterado, sem restrições. Nanismo: está indicado o trabalho do profissional com anomalia do crescimento, desde que o mesmo tenha facilidade de locomoção por meio de escadas e tenha habilidade para empreender caminhadas várias vezes ao dia. Deficiência Auditiva Em virtude da análise do cargo listado, indica-se a contratação do trabalhador com deficiência auditiva parcial ou total para desincumbir-se das funções relativas ao mesmo, desde que possa visualizar sinal de alerta de movimentação de pontes rolantes ou esteja sempre acompanhado de colega de trabalho ouvinte. 5- Torneiro de Manutenção Especializado I e 6- Torneiro de Manutenção Oficial I Deficiência Física O profissional com deficiência física nos membros superiores e/ou inferiores está indicado para executar as tarefas relativas aos cargos em pauta, após análise dos mesmos. Em ambos os casos, desde que estejam preservadas a mobilidade, a força e a funcionalidade dos membros afetados, a limitação deverá ser leve com, apenas, pequena redução e/ou ausência de dedos. Esse trabalhador deverá manter, sem restrições, seu equilíbrio. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo deste artigo é argumentar a favor da utilização do Diagnóstico Funcional dos Postos de Trabalho por considerá-lo uma ferramenta capaz de promover e facilitar a inclusão das pessoas com deficiência nas empresas, com maiores chances de sucesso, minimizando as dificuldades de adaptação e o recrudescimento das respectivas deficiências e/ou limitações. Sua utilização vem de encontro à demanda do mercado, no que se refere à contratação dessas pessoas, já que possibilita compatibilizar sua capacidade laboral com as exigências verificadas no mapeamento dos postos de trabalho. O estudo e a aplicação mostraram-se favoráveis ao emprego e à prática do referido diagnóstico, demonstrando que esse instrumento auxilia e facilita a inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho, abrindo o leque de possibilidades de colocação profissional desse segmento da população. Além disto, esse documento, que visa adequar as exigências da atividade com as capacidades do indivíduo, permite um prognóstico positivo e, consequentemente, mais assertivo no que se refere ao desempenho do trabalhador com deficiência no exercício de suas funções. Dentro da perspectiva de colocação profissional do indivíduo com deficiência e, ao longo do presente estudo constatou-se, também, a importância de um trabalho subjacente ou paralelo ao de mapeamento e de diagnóstico. Complementando a sistemática de inclusão, o diagnóstico funcional apresenta, outrossim, diretrizes ou determinações quanto a procedimentos ou medidas a serem adotados nos quesitos acessibilidade e segurança. Sugerese, por exemplo, alternativas de adaptação, adequação e criação de sinalização sonora, visual ou em braile, tradução da comunicação para a língua de sinais, rampas, construção ou colocação de elevadores, passagens, passarelas, banheiros, refeitórios, entradas, saídas, rotas de fuga e auditórios adaptados; aquisição de softwares, mudanças de lay-out, equipamentos, maquinário, mobiliário, etc. Destacamos que, no decorrer deste estudo, concluímos a necessidade e a importância de palestras de sensibilização nas empresas que se encontram em processo de contratação de pessoas com deficiência, depois de encerrado o Diagnóstico Funcional dos Postos de Trabalho. Ao abordarem conceitos ligados à inclusão, exclusão, discriminação, preconceito, habilidades e potencialidades da pessoa com deficiência, elas contribuem para preparar a equipe que receberá aquele novo trabalhador. Oportuniza informações sobre tipos de deficiência e reflexões sobre a interação com os profissionais que, socialmente, trazem o estigma do “desvio da normalidade”. Glat (1995) afirma que: O grande drama das pessoas estigmatizadas, que afeta sobremaneira os portadores de deficiências, é que o estigma funciona como um rótulo. Em outras palavras, a partir do momento em que um indivíduo é identificado como desviante ou anormal – por exemplo, homossexual, negro, retardado ou cego – tudo o que ele faz ou é passa a ser interpretado em função dos atributos estereotipados do estigma (Glat, 1988, 1989, 1991; Goffman, 1982). Como apontado em um trabalho anterior “o estigma é uma metonímia, em que o todo é nomeado em função de uma das partes” (Glat, 1989; p.17). Castoriadis (1991; em Valle, não-publicado) ressalta que o nome não tem apenas uma função denotativa, mas implica também uma função conotativa. O nome (ou o rótulo) “deficiente” exprime um significado específico e confere ao indivíduo assim nomeado uma identidade social e pessoal estereotipada. E como esse estereótipo é, por natureza, depreciativo, todas as potencialidades do indivíduo são subestimadas e ele passa a ser visto apenas como um exemplo do estigma: negro correndo é ladrão; ele não faz nada direito porque é retardado; coitado do ceguinho, ele é um infeliz. (Glat, A integração social dos portadores de deficiência: uma reflexão; p. 27). A estratégia de se realizar palestras de sensibilização nas empresas que contratam pessoas com deficiência, se não garante a total aceitação daquele que é diferente, faz por minimizar as dificuldades relativas ao receio de se conviver com indivíduos identificados como limitados. O trabalhador com deficiência, recém-chegado, é o diferente ou “o anormal” (“o excepcional”). Sendo assim, ...perturba a estabilidade e a previsibilidade das interações sociais. O desviante – no nosso caso, o deficiente – não corresponde às expectativas sociais. Como não sabemos lidar com ele, não sabemos o que esperar dele, o afastamos fisicamente, se possível, ou moralmente, se sua presença for inevitável. (Glat, A integração social dos portadores de deficiência: uma reflexão; p. 35). Ao contratar indivíduos com deficiência, o empregador promove a inevitabilidade do contato com a diversidade e, assim procedendo, coloca tanto os que lá já se encontram trabalhando, quanto aqueles “diferentes” que estão chegando, num novo contexto onde haverá a necessidade de construção de novos tipos de relações de trabalho e de convívio social. Portanto, as palestras de sensibilização, assim como o treinamento do pessoal de recursos humanos da empresa, o treinamento do próprio empregado com deficiência e o Diagnóstico Funcional dos Postos de Trabalho, como foi demonstrado, são elementos instrumentais imprescindíveis, de fundamental importância no processo de inclusão profissional e, em maior escala, de inclusão social da pessoa com deficiência. REFERÊNCIAS BATISTA, Cristina A. Mota; BORGES, M.do Rosário Archer; TOMASINI, M. Elizabeth A.; SASSAKI, Romeu K.; BRANDÃO, Tânia Maria de Freitas: Inclusão dá Trabalho. Belo Horizonte: Armazém de Idéias, 2000. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988. BRASIL. Convenção OIT n. 159 de 20 de junho de 1983, Convenção sobre Reabilitação Profissional e Emprego de Pessoas Deficientes. Diário Oficial da União. Brasília, 21 de junho de 1983. BRASIL. Coordenadoria Nacional da Pessoa Portadora de Deficiência. Acessibilidade. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2005. BRASIL. Decreto n. 3298/1999. Regulamenta a Lei nº 7853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 21 de dezembro de 1999. BRASIL. Decreto n. 5296/2004. Regulamenta as Leis nºs 10048, de 08 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica e 10098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade. Diário Oficial da União, Brasília, 02 de dezembro de 2004. BRASIL. Lei 8213/1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 14 de agosto de 1991. BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. A inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Brasília: MTE, SIT, DEFIT, 2007. COUTINHO, Ma. Teresa da Cunha e CUNHA, Suzana Ezequiel. Os caminhos da pesquisa em ciências humanas. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2004. GLAT, Rosana. A integração social dos portadores de deficiência: uma reflexão. Rio de Janeiro: Viveiros de Castro Editora Ltda., 1995. LORENTZ, Lutiana Nacur. A norma da igualdade e o trabalho das pessoas portadoras de deficiência. São Paulo: LTr, 2006. NORMA BRASILEIRA. Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 9050:2004, Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. Rio de Janeiro: ABNT, 2004. SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão – Construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 1997.