Revista da Fapese, v. 2, n. 1, p. 101-112, jan./jun. 2006 101 Unidades de Conservação no Estado de Sergipe Resumo Laura Jane Gomes* Valdineide Santana** Genésio Tâmara Ribeiro*** P ara que haja a proteção da biodiversidade, se faz necessário a criação de mecanismos de gestão, com o envolvimento de instâncias públicas e não governamentais, bem como o diá- logo entre as esferas de governo. Este artigo tem por objetivo contextualizar a importância da biodiversidade existente bem como analisar as diferentes categorias de unidade de conservação criadas no estado de Sergipe. São quatro categorias de unidades de conservação criadas em Sergipe, nas diferentes esferas de governo. Porém, observa-se a necessidade de mecanismos mais efetivos de planejamento e gestão para que estas áreas sejam efetivamente consolidadas e cumpram os propósitos para as quais foram criadas. PALAVRAS-CHAVE: Biodiversidade, Áreas protegidas, Desenvolvimento Sustentável. Professora Doutora do Departamento de Engenharia Agronômica da Universidade Federal de Sergipe. E-mail: [email protected] ** Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente/NESA/UFS-SE, analista ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis-IBAMA Sergipe. Valdineide Santana [email protected] *** Professor Doutor do Departamento de Engenharia Agronômica da Universidade Federal de Sergipe. E-mail: [email protected] * 102 Laura Jane Gomes; Valdineide Santana; Genésio Tâmara Ribeiro Introdução N o início do século XX, os ecossistemas naturais do Nordeste estavam em grande parte degradados, pois os remanescentes florestais já se encontravam na sua quase totalidade, constituídos por formações secundárias. Grande parte das florestas de Sergipe e da Bahia é atualmente constituída de capoeiras em diferentes estádios sucessórios (Rêgo e Hoeflich, 2001). Um dos aspectos mais graves da retirada da cobertura está diretamente relacionado à perda da biodiversidade. O termo biodiversidade é atualmente aceito como um conceito científico amplo, que envolve a diversidade de vida na terra. Esta diversidade é geralmente descrita em três níveis - diversidade de ecossistemas, diversidade de espécies nos ecossistemas e diversidade de genes na espécie. Porém, biodiversidade além de um conceito científico é um conceito político que abrange uma tríade de objetivos globalmente envolvidos: a conservação da própria biodiversidade, o uso sustentável de recursos biológicos e o compartilhamento social eqüitativo dos benefícios que surgem deste uso (Vorhies, 1999). Além do uso direto, deve-se considerar ainda os efeitos indiretos da manutenção da biodiversidade, como o seqüestro de carbono, produção de oxigênio, e, para o nordeste, o mais importante, a proteção dos recursos hídricos. Para que haja a proteção da biodiversidade, é necessária a criação de mecanismos de gestão, com o envolvimento de instâncias públicas e não governamentais, bem como o diálogo entre as esferas de governo. O estado de Sergipe não possui uma política florestal apesar da grande demanda que a sociedade tem por espécies florestais, para os mais diversos fins: geração de energia, construção civil e uso cultural. Como consumidores pode-se destacar as olarias, padarias, casas de farinha, indústrias e as festas emaRevista da Fapese, v. 2, n. 1, p. 101-112, jan./jun. 2006 nadas pelas tradicionais fogueiras de “São João” e “São Pedro”. Esta demanda é suprida por madeira de plantios, de pinos e eucalipto, procedentes de outros estados ou dos remanescentes florestais das localidades próximos aos estabelecimentos. Além da lenha, verifica-se também por parte da população o uso intenso das plantas nativas para fins medicinal, cosmético e condimentar que são comercializados nos mercados populares, como também espécies que vem sendo comercializadas em escala industrial. Exemplo é o extrativismo da aroeira da praia (Schinus terebentifolius), na região do baixo São Francisco. Em 2005, esta região forneceu 40 toneladas de frutos de aroeira para compradores do estado do Espírito Santo. Apesar de ser o menor estado do país, com 21.994 km , Sergipe possui seis bacias hidrográficas de significativa importância para o desenvolvimento interno da agricultura e turismo: São Francisco, Sergipe, Japaratuba, Vaza Barris, Piauí e Real. 2 Devido ao intenso processo de substituição desordenada das áreas com vegetação nativa por atividades agropecuárias, cidades, estradas e indústrias, as áreas de preservação permanente do estado encontram-se quase que em sua totalidade desprotegidas, o que compromete a manutenção das nascentes e conseqüente disponibilidade de água. Outro aspecto agravante é a ausência do tratamento de efluentes industriais e domésticos, que são despejados diretamente nos cursos d’água comprometendo a qualidade desse recurso. Um dos mecanismos para a conservação da biodiversidade é a criação de unidades de conservação. Entretanto, a consolidação destas áreas não é simples, pois depende de inúmeros fatores nem sempre favoráveis à sua implantação. Em comparação à outras regiões brasileiras, observa-se que Sergipe é um dos estados da federação com menor percentual de áreas de proteção integral. Por diversas vezes depara-se com setores da sociedade que não compreendem a importância da criação destas áreas e que Unidades de conservação no Estado de Sergipe desenvolvimento e conservação não são opostos e podem ser conciliados por meio de ferramentas de planejamento e gestão ambiental. Este artigo se propõe a discutir a importância de se criar Unidades de Conservação no estado de Sergipe dentro das categorias de uso indireto ou sustentável, segundo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação. 1. Unidades de Conservação no Brasil: da beleza cênica à conservação da biodiversidade A criação de Áreas Protegidas nos Estados Unidos, como o Parque Nacional de Yellowstone (1872) e Yosemite (1890), primeiros Parques Nacionais do mundo, forneceram um modelo que foi reproduzido por outros países, embora tendo sido adotado muitas vezes com diferentes significados e em diferentes circunstâncias (Mccormick, 1992). A primeira Unidade de Conservação no Brasil, na forma de Parque Nacional, foi criada em 1937, sendo coordenada e administrada pelo Serviço Florestal Brasileiro, órgão criado em 1921 e regulamentado em 1925. No Brasil, o conceito ortodoxo de Parque Nacional foi criado pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (1981): Parques Nacionais são áreas maiores de 10 km2 com “características espetaculares ou únicas”, em terra ou no mar, sob controle do poder público. Eles devem conter “amostras representativas de ecossistemas” e ser administráveis em um “estado natural”. Toda atividade produtiva – ou “uso direto de recursos” – é proibida nos seus limites, a cada Parque é sujeito apenas o “uso indireto” de seus recursos. Os visitantes usufruem lazer contemplativo, caminhadas, piqueniques, acampamentos, escaladas; os pesquisadores científicos podem desenvolver projetos de investigação, sob o controle da administração de cada Parque. Com o passar do tempo, os critérios para seleção de áreas a serem protegidas se sofisticaram, abando- 103 nando a ênfase inicial nas “paisagens espetaculares”. As políticas de criação de Parques passaram a se guiar por critérios “científicos”, tais como a representatividade ecossistêmica, escassez relativa de paisagens, proteção à flora, fauna e recursos hídricos, defesa da biodiversidade e dos ciclos reprodutivos de espécies vegetais e animais, e por critérios sociais como a oferta de lazer, o desenvolvimento da pesquisa científica e a educação ambiental (Drummond, 1997). Tais critérios científicos passaram a ser utilizados no Brasil somente na década de 80 (Ferreira, 1999). Os fatores que estabeleceram os propósitos de criação das Unidades de Conservação apresentam uma história recente. O maior impulso foi dado na década de 70, a partir das propostas de desenvolvimento sustentável, conceito que surgiu em contraposição ao modelo de desenvolvimento econômico vigente. A partir do Relatório Brundtland, passando pela II Conferência Mundial das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Rio92), até os dias de hoje, várias ações têm contribuído para que a conservação da natureza venha a ser um fato concreto. Reconhecendo que a conservação requer alguns enfoques mais flexíveis de gestão, muitos países começaram a desenvolver meios para aumentar o leque dos Parques Nacionais estritamente protegidos (McNeely, 1993). O próprio conceito de Parque passou a ser questionado com o passar do tempo e deixou de ser visto como unidade auto-suficiente, para ser tratado como parte integrante da dinâmica da paisagem regional (Schonewald-Cox et al., 1992). Uma cadeia de áreas protegidas deve ser vista como um conjunto de esforços de uma nação, ou sociedade, para manter a biodiversidade, assegurando o bem das populações locais. Ela deve garantir inclusive a preservação de fontes de água, com a finalidade de manter o abastecimento de grandes cidades (Phillips e Sheppard, 2000). Ao conservar a biodiversidade as nações estarão garantindo a qualidade de vida das futuras gerações. Os diferentes ecossistemas florestais contêm uma vasta quantidade de recursos vivos, onde muitos foram transforRevista da Fapese, v. 2, n. 1, p. 101-112, jan./jun. 2006 104 Laura Jane Gomes; Valdineide Santana; Genésio Tâmara Ribeiro mados, ou podem ser transformados em alimentos, produtos medicinais e comerciais de importância mundial (Stone et al, 1997). O Brasil é um dos países mais ricos dentre aqueles chamados de “países da megadiversidade”, e conta com 10 a 20% do total das espécies do planeta. Tem, a flora mais diversa, com 50 a 56 mil espécies descritas de plantas superiores, ou 20 a 22% do total mundial, e a fauna dispõe de pelo menos 10% dos anfíbios e mamíferos e 17% das aves do planeta. Talvez nunca se conheça com absoluta precisão toda a diversidade biológica brasileira, encontrável na área continental e na plataforma marítima, tal sua extensão e complexidade (Brasil, 1998). As áreas protegidas transformaram-se em locais essenciais para se garantir a conservação da biodiversidade. Esse fato é até mesmo mencionado no artigo 8 da Convenção da Diversidade Biológica (CDB), sendo apontado como um dos maiores desafios dessa convenção, assinada na Rio 92 por 155 países, que passou a vigorar em todo território nacional em fevereiro de 1994. A falta de uma visão estratégica sobre a sua importância e a existência de um sistema econômico mal adaptado são as principais causas que contribuem para a destruição da biodiversidade. Para Léveque (1999) na maior parte dos países, os sistemas econômicos não levam em conta o meio ambiente e os recurso naturais. O valor econômico de muitos dos produtos comestíveis, e mesmo a pesca, a caça e a coleta de madeiras para lenha, madeira de lei e de plantas medicinais é freqüentemente subestimado, pois não aparece nas contas nacionais. Não há tampouco uma política elaborada para uma utilização durável dos recursos e, geralmente, privilegia-se o lucro a curto prazo, no contexto de uma economia de mercado. Consequentemente, pode parecer economicamente mais interessante abater uma floresta que conservá-la. De qualquer forma a conservação da natureza e, portanto, da biodiversidade, não pode ser entendida Revista da Fapese, v. 2, n. 1, p. 101-112, jan./jun. 2006 exclusivamente como a preservação de espécies e áreas isoladas mediante listas de espécies e proteção de espaços. A conservação da biodiversidade deve realizar-se também em zonas manejadas pelo homem (Guillén e Jongman,1994), devendo-se levar em conta que, a diversidade genética pode aumentar ou reduzir através do sistema de gestão a que se aplica (McNeely, 1993). Diante da exposta ilustração da problemática, que envolve a proteção da biodiversidade, vários questionamentos e mecanismos têm sido criados a fim de se estabelecer estratégias de conservação. Apesar das áreas protegidas não se destacarem diretamente em valores monetários, como exige o sistema econômico vigente, ela possui uma série de atributos e gera benefícios cujos valores podem ser comparados ao que acontece com as escolas, corpo policial e hospitais. Ao converter tais áreas em partes de planos de desenvolvimento regional é possível assegurar-se um equilíbrio adequado entre custos e benefícios de um determinado local (McNeely, 1993). No Brasil, de acordo com o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC, 2000), as áreas protegidas dividem-se em dois grupos: Unidades de Proteção Integral e Unidades de Uso Sustentável. As Unidades de Proteção Integral tem por objetivo básico preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais. Neste grupo encontram-se: Estação Ecológica (ESEC), Reserva Biológica (REBIO), Parque Nacional (PARNA), o Monumento Natural e o Refúgio de Vida Silvestre. Já as Unidades de Uso Sustentável têm como objetivo básico compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais. Neste grupo incluem-se as seguintes categorias: Área de Proteção Ambiental (APA), Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE), Floresta Nacional (FLONA), Reserva Extrativista (RESEX), Reserva de fauna, Reserva de Desenvolvimento Sustentável e Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN). Unidades de conservação no Estado de Sergipe Apesar de existir um número razoável de áreas protegidas distribuídas em várias categorias de manejo pelo Brasil, verifica-se sob o aspecto ecológico que muitos ecossistemas ainda precisam ser preservados, não somente pela diversidade biológica, mas também pelas particularidades culturais das populações que neles vivem de forma sustentável, sendo a Caatinga é um bom exemplo. 2. Unidades de Conservação no estado de Sergipe Apesar de ser o menor Estado em extensão territorial do Brasil, Sergipe apresenta peculiaridades ecossistêmicas que merecem destaque. Exemplo é o estudo realizado pelo Ministério do Meio Ambiente (Brasil, 2000; 2002; 2004), que fez um mapeamento estabelecendo áreas consideradas como de prioridade para a conservação da biodiversidade no planeta. Os estados de Sergipe e Alagoas aparecem com grandes faixas, em vermelho e amarelo, que indicam áreas extrema e alta prioridade para a conservação da biodiversidade, repectivamente (Figura 1). 105 Os ecossistemas predominantes nestas regiões são, mata atlântica e caatinga. A mata atlântica, foi intensamente explorada desde a colonização do país, e reduzida, no estado de Sergipe a 0,1%. A caatinga tem sido intensamente explorada, com substituição de espécies vegetais nativas por cultivos e pastagens (Arruda, 2002). Em Sergipe, as faixas com prioridade extremamente alta ocupam quase que toda a região dos tabuleiros costeiros. Ao norte do estado, a faixa está em menor proporção na foz do rio São Francisco, aumentando a área no local onde ocupa grande parte da Reserva Biológica Santa Isabel, reforçando a importância desta área que abriga o Projeto Tartarugas Marinhas (TAMAR). Ao sul de Aracaju, a faixa maior corresponde ao Crasto, uma área particular, com ocorrência de mata atlântica, sendo um dos poucos fragmentos florestais de Sergipe em bom estado de conservação. A faixa amarela, que indica área de alta prioridade, está inserida a Serra de Itabaiana, onde na década de 90, passou a ser gerenciado pelo IBAMA, com o objetivo de consolidar uma unidade de conservação de proteção integral na área. Fonte: Brasil, 2002 Figura 1 - Áreas consideradas como de prioridade extremamente alta (vermelho) e alta prioridade (amarelo) para a conservação da biodiversidade nos estados de Alagoas e Sergipe. Revista da Fapese, v. 2, n. 1, p. 101-112, jan./jun. 2006 106 Laura Jane Gomes; Valdineide Santana; Genésio Tâmara Ribeiro A Reserva Biológica Santa Isabel (REBIO) foi criada pelo Decreto n.º 96.999 de em novembro de 1988, com a finalidade de proteger espécies das tartarugas marinhas, outrora abundantes, que procuram aqueles sítios em intervalos regulares, na estação reprodutiva. A área total da Reserva é de 2.766 ha, sendo 45 km de praia limitados por duas barras dos rios Japaratuba e Barra do Funil. As invasões, poluição das praias e a perseguição às tartarugas são alguns conflitos encontrados nessa área. Ainda que criado desde 1988, não apresenta um Plano de Manejo e possui apenas 04 funcionários do IBAMA. Apesar dos conflitos, avanços já foram conquistados por meio do Projeto TAMAR que desenvolve projetos de educação ambiental com as comunidades do entorno. Segundo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC, 2000), a Reserva Biológica tem a finalidade de preservar a Biota, proíbe a presença de pessoas residindo na área, proíbe o uso dos recursos naturais e restringe as áreas para visitação pública. A Estação Ecológica da Serra de Itabaiana foi implantada em 1990, sob a administração do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA. Em decorrência dessa intervenção, o acesso da população à Serra, que até então acontecia sem qualquer tipo de óbice legal, passou a ser proibido (Santana, 2002). Antes da proibição, as pessoas usufruíam dos encantamentos daquela área alimentando uma tradição que passava de geração a geração. Desse modo, a Serra, mais do que uma paisagem, sempre representou uma motivação no imaginário da população, notadamente dos moradores da cidade de Itabaiana e arredores, permeando sua história e confundindo-se com ela. É exatamente essa tradição que o governo federal ignorou ao implantar naquela área uma Estação Ecológica, que, por definição, impede qualquer tipo de visitação pública, especialmente aquela destinada ao lazer (Santana, 2002). Apesar de tornar-se um local proibido, esta ação não foi suficiente para impedir a visitação à Serra, não restando outra alternativa ao IBAMA, que em Revista da Fapese, v. 2, n. 1, p. 101-112, jan./jun. 2006 1980, reabriu a área para visitação pública. No ano de 2003, a Serra de Itabaiana recebeu cerca de 7000 visitantes procedentes de escolas de todo o Estado, além de receber visitantes que não são cadastrados (IBAMA, 2003). Santana (2002), defendeu a categoria de Parque Nacional para a área, o que veio a se consolidar em julho de 2005, via Decreto Federal. O IBAMA local tem estimulado a participação das populações locais para a criação da Associação Amigos da Serra de Itabaiana, com a finalidade de propiciar a participação e inclusão da sociedade no conselho consultivo da área. Além da Serra de Itabaiana, a área delimitada para o Parque Nacional abrange as Serras Comprida e Cajueiro, numa área total de 7.996,64 ha. Outra área de destaque é o Horto Florestal do Ibura, situado na sub-bacia do rio Cotinguiba que compõe a bacia hidrográfica do rio Sergipe (Santos, 2001). A vegetação é caracterizada por transição de mata atlântica com formação associada de manguezal, além de bosques de espécies exóticas (Eucalyptus citriodora), foi outrora, importante centro de lazer, principalmente de Aracaju e cidades circunvizinhas. Deve ser ressaltada a importância desta área, enquanto manancial para captação d’água no abastecimento da região metropolitana de Aracaju. O Ibura gera mais de 25.000 m3/dia de água, atendendo a demanda de parte dos municípios de Aracaju e Nossa Senhora do Socorro (Santos, 2001). Atualmente o sistema Ibura é o segundo maior contribuinte para o abastecimento de água da grande Aracaju, com aproximadamente 15%, beneficiando cerca de 100 mil pessoas. Deste modo, nota-se a importância do uso indireto da biodiversidade, sobretudo quando considerada a proteção da cobertura vegetal para a manutenção dos mananciais. O Horto do Ibura foi decretado como Floresta Nacional em setembro de 2005. A sua ascensão a unidade que favoreça o resgate e a valorização dos aspectos culturais, auxiliará na proteção e conserva- Unidades de conservação no Estado de Sergipe ção do patrimônio local que vem se deteriorando com o passar dos anos. Outro aspecto importante referese aos usos que as populações do entorno fazem dessa área. Em recente levantamento, realizado no povoado Estiva, foi indicado que esta área possui uma forte interação dos moradores do entorno. Os entrevistados afirmaram que utilizam a área para a obtenção de água para abastecimento de residências, meio de acesso, coleta de lenha, frutos, sementes, galhos e folhas para artesanato, retirada de madeira, cultivo de roça, coleta de caranguejo, incluindo a caça, sendo esta atividade citada em menor proporção o que reforça a necessidade da criação de uma unidade de conservação de modo a garantir o uso sustentável dos recursos pela população local (Silva et al, 2004). Tais usos podem ter continuidade após a criação da Floresta Nacional (FLONA), pois segundo o SNUC (2000), esta categoria tem como objetivo básico o uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e a pesquisa científica, com ênfase em métodos para exploração sustentável das florestas nativas. Além das unidades de conservação federais acima citadas, existem outras cinco unidades de conservação criadas pelo Governo Estadual, todas Áreas de Proteção Ambiental (APA), a saber: √ APA do Morro do Urubu: localizada no Município de Aracaju, na área urbana, limita-se ao Norte com o rio do Sal, ao Leste com o rio Sergipe e, ao Sul e Oeste com as áreas urbanas da zona Norte do município. Trata-se de região onde originalmente predominava a Mata Atlântica e seus ecossistemas associados, além de enclaves de Cerrado. Criada e regulamentada pelos Decretos 13.713, de 14.07.93, e 15.505, de 13.07.95, a área vem sofrendo pressão urbana e se descaracterizando cada vez mais. O complexo de vegetação encontra-se hoje bastante comprometido, sobretudo pela invasão, construção e urbanização das favelas na área. Possui o único Posto Avançado do Estado – O Parque José Rollemberg Leite, aprovado pela Reserva da 107 Biosfera da Mata Atlântica em outubro de 2.000. Com 68 ha de Mata Atlântica, é proposto para o Parque um projeto de revitalização com recursos do Prodetur II. √ APA da Foz do Rio Vaza-Barris – Ilha do Paraíso: Criada pela Lei Estadual No 2795 de 30 de março de 1990, compreende área situada na foz do rio Vaza-Barris. A “Ilha do Paraíso” atualmente não mais se constitui em ilha uma vez que o depósito de sedimentos levaram a juntar a ilha ao continente, formando vasta planície de restinga onde predominam espécies singulares de vegetação. A área vem sofrendo forte pressão antrópica. √ APA do Litoral Sul: Transformada em Unidade de Conservação através do Decreto 13.468 de 22 de janeiro de 1993, define a estrutura de ocupação da área compreendida entre a foz do Rio Vaza Barris e a desembocadura do Rio Real, com cerca de 55,5 km de costa e largura variável de 10 a 12 km, do litoral para o interior. Abrange os municípios de Itaporanga d’Ajuda, Estância, Santa Luzia do Itanhy e Indiaroba. Insere-se nesta APA as praias mais habitadas do Estado, destacando-se a Caueira, Saco e Abais. Observa-se também as maiores áreas de Restingas arbóreas, Manguezais e manchas mais preservadas de Mata Atlântica. Dispõe de Plano de Manejo. √ APA do Litoral Norte: Foi criada em 2004. Caracteriza-se por apresentar uma diversificação de ambientes: Dunas, Restingas, Ilhas e Manguezais de extrema importância para a região. Tendo em vista que é localizada em área de pouco desenvolvimento e ocupação encontrase em bom estado de preservação. √ APA do Rio Sergipe: criada pela Lei Estadual No 2.825, de julho de 1990, constitui-se como “paisagem natural” em todo o trecho do rio Sergipe que serve de divisa entre os municípios de Aracaju e Barra dos Coqueiros. Sofre Revista da Fapese, v. 2, n. 1, p. 101-112, jan./jun. 2006 108 Laura Jane Gomes; Valdineide Santana; Genésio Tâmara Ribeiro pressão decorrente do desenvolvimento urbano. O Rio é ameaçado pelo lançamento de esgoto sanitário tanto de Aracaju quanto de Barra dos Coqueiros. Segundo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC, 2000), a APA é uma área em geral extensa, com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade dos uso do recursos naturais. No que se refere a criação de unidades de conservação em áreas privadas, Sergipe só dispõe de uma Reserva Particular de Patrimônio Natural (RPPN) efetivamente criada, a de “Fonte da Bica”, numa área total de 13,72 hectares com vegetação nativa, situada no município de Areia Branca, próximo ao Parque Nacional Serra de Itabaiana. As RPPNs são criadas mediante um termo de compromisso perante o IBAMA, que se configura na existência de interesse público, e averbados à margem da inscrição no Registro Publico de Imóveis. Sabe-se da necessidade em se estabelecer estratégias para a conservação do semi-árido Sergipano. As poucas áreas protegidas nessa categoria são da esfera municipal e abrangem pequenas áreas. Neste sentido, vem-se trabalhado na perspectiva de criar Unidades de Conservação nas áreas remanescentes com vegetação nativa da caatinga abrangendo os Estados de Sergipe, Alagoas e Bahia. Sergipe abriga também uma espécie de primata com risco de extinção no continente americano, o guigó (Callicebus coimbrai) que vem sendo pesquisado. A meta é adotar medidas urgentes e efetivas para a proteção dessa espécie. Outras áreas estão sendo estudadas no sentido de se criar novas unidades de conservação de modo que conciliem os propósitos de conservação com os anseios da população local. Revista da Fapese, v. 2, n. 1, p. 101-112, jan./jun. 2006 3. Considerações finais A criação de novas unidades de conservação em Sergipe deve acontecer de forma a não transformar estas áreas desconectas do planejamento e desenvolvimento regional. Para isso, torna-se necessário o diálogo entre as esferas de governo. O Sistema Nacional de Unidades de Conservação, criado em 2000, garante ampla participação da sociedade, desde a criação até a gestão da área. Deste modo, o IBAMA tem criado mecanismos de diálogo com a participação efetiva da sociedade. Deve-se lembrar que cabe ao poder público e à coletividade o dever de gestão dos recursos naturais para as presentes e futuras gerações, envidando esforços para a preservação e restauração de processos ecológicos, manejo das espécies e ecossistemas, proteção da diversidade e da integridade do patrimônio genético. Nenhuma das unidades de conservação criadas até o momento possui Plano de Manejo e parte delas nem mesmo possui uma estrutura de gestão para a articulação de ações sustentáveis. Para isso, a criação de unidades de conservação deve ser norteada por inúmeras possibilidades para o desenvolvimento de parcerias entre institutos de pesquisa, ensino e extensão além de Organizações Não Governamentais e deve ocorrer nas esferas federal, estadual e municipal. Não basta a criação de unidades de conservação na esfera federal sem que haja uma política na esfera estadual que possa garantir a extensão florestal, a restauração de áreas degradadas e o manejo sustentado dos recursos naturais (água, vegetação e solo) para dar suporte necessário ao desenvolvimento sustentável regional. A extensão rural deve acontecer de forma articulada com a questão ambiental, pois hoje está mais do que comprovado que não se pode pensar outra forma de educação que não aquela emancipadora, Unidades de conservação no Estado de Sergipe onde os atores envolvidos direta e indiretamente tomem consciência de que desenvolvimento e conservação não são opostos e podem ser conciliados via mecanismos de planejamento regional e local, via planos diretores e roteiro turístico de forma participativa. A criação de políticas públicas estaduais como o ICMS ecológico e a taxa de reposição florestal de 109 acordo com as especificidades locais, também poderão contribuir para a conservação destas áreas. Portanto, desenvolvimento e conservação só serão alcançados se estabelecidos mecanismos mais efetivos de planejamento e gestão. Só assim, estas unidades de conservação serão efetivamente consolidadas e cumprirão os propósitos para as quais foram criadas. Revista da Fapese, v. 2, n. 1, p. 101-112, jan./jun. 2006 110 Laura Jane Gomes; Valdineide Santana; Genésio Tâmara Ribeiro Referências Bibliográficas ARRUDA, M. B. Ecossistemas Brasileiros. Brasília: Edições IBAMA. 2002. LÉVEQUE, C. A biodiversidade. Bauru: Ed. Univ. Sagrado Coração de Jesus. 1999. 245p. BRASIL - MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, DOS RECURSOS HÍDRICOS E DA AMAZÔNIA LEGAL. Primeiro Relatório Nacional para a Convenção sobre a Diversidade Biológica. Brasil: Brasília, 1998. MCCORMICK, J. Rumo ao Paraíso: a história do movimento ambientalista. Rio de Janeiro: RelumeDumará. 1992. 224p. BRASIL-MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Workshop: Avaliação e identificação de ações prioritárias para a conservação, utilização sustentável e repartição de benefícios da biodiversidade do bioma caatinga. 2000. BRASIL - MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Biodiversidade Brasileira: avaliação e identificação de áreas e ações prioritárias para conservação, utilização sustentável e repartição dos benefícios da biodiversidade nos biomas brasileiros. Secretaria de Biodiversidade e Florestas. Brasília 404p. 2002. BRASIL – MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Áreas prioritárias para a conservação, utilização sustentável e repartição de benefícios da biodiversidade brasileira. Portaria MMA nº 126: 27 de maio 2004. DRUMMOND, J. A. Devastação e preservação ambiental no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: EDUFF (Coleção Antropologia e Ciência Política, 2). 306p. 1997. FERREIRA, L. C. Conflitos Sociais. Texto de apoio didático da disciplina “Conflitos de uso de recursos naturias” do Curso de especialização “Análise e Conservação de Recursos Naturais”. NEPAM, UNICAMP/ PADCT, CIAMB. (1999). 9 p. GUILLÉN, M. D. F.; JONGMAN, R.H.G. Diversidade y agricultura. In: El Campo. Bilbao: Servicio del Banco Bilbáo Vizcaya. n.131. 1994. Revista da Fapese, v. 2, n. 1, p. 101-112, jan./jun. 2006 MCNEELY, J. A. Los Esopacios protegidos y la biodiversidad: Un Nuevo Paradigma para el siglo XXI. Revista El Campo. Ed. Servicio de Estudios del Banco Bilbao Vizcaya: Bilbao. n.128. 1993. PHILLIPS ; SHEPPARD. Protected areas and the Convention on Biological Diversity. Fifth Meeting of the Conference of the Parties to the Convencion on Biological Diversity. Nairoby: Kenya. 15-26 may. 2000. RÊGO, G. M.; HOEFLINCH, V. A Contribuição da pesquisa florestal para um ecossistema em extinção: Floresta Atlântica do Nordeste do Brasil. Aracaju: Embrapa Tabuleiros Costeiros, 2001. 80 p. (Embrapa Tabuleiros Costeiros. Documentos, 21). SANTANA, V. B. Serra de Itabaiana: das brumas do imaginario a cerca invisível. São Crsitóvão.: UFS. (Dissertação Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente). 121p. 2002. SANTOS, E. B. Influência associada da cobertura vegetal e solo sobre qualidade dos mananciais hídricos do Horto do Ibura. São Cristóvão, 2001.Monografia (Especialização em Gestão de Recursos Hídricos e Meio Ambiente) - Departamento de Agronomia, Universidade Federal de Sergipe. SCHONEWALD- COX, C.; BUECHNER, M.; SAUVAJOT, R.; WILCOX, B. A. Cross-boudary management between national parks and surrounding lands: a review and discussion. In: Environmental management. vol. 16, n.2, p.273-282. 1992. Unidades de conservação no Estado de Sergipe 111 SILVA, C. M.; LOBÃO, L. L.; GOMES, M. D. G.; SANTANA, V. B.; CRUZ, A. F.; SILVA, L. F.; BEZERRA, T. C.; ANJOS, R. L. C. C. dos; GOMES, L. J. Usos do horto florestal do Ibura pelas comunidades locais. In: VI Congresso de Iniciação Científica PIBIC-CNPQ/UFS, 2004, São Cristóvão. Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. 2004. p. 136. SNUC - SISTEMA NACIONAL DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO: Decreto n0 4.340, de 22 de agosto de 2002. 5 ed. aum. Brasília: MMA/SBF, 2004. 56p. SNUC - SISTEMA NACIONAL DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO: lei n0 9.985, de 18 de julho de 2000. VORHIES, Frank. An essay on biodiversity and globalisation. 1999. 13p. STONE D.; RINGWOOD, K; VORHIES, F. Business and Biodiversity: A Guide for the Private Sector. WBSCD/IUCN. 1997. 64p. Revista da Fapese, v. 2, n. 1, p. 101-112, jan./jun. 2006