UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
LICENCIATURA PLENA EM LETRAS
HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA
ALINE DA SILVA MALAQUIAS
ENSINO DO SISTEMA VERBAL DA LÍNGUA PORTUGUESA:
ALTERNATIVAS E ENFOQUES
JOÃO PESSOA
NOVEMBRO DE 2010
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
LICENCIATURA PLENA EM LETRAS
HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA
ALINE DA SILVA MALAQUIAS
ENSINO DO SISTEMA VERBAL DA LÍNGUA PORTUGUESA:
ALTERNATIVAS E ENFOQUES
Trabalho apresentado ao Curso de Licenciatura em Letras da
Universidade Federal da Paraíba como requisito para obtenção
do grau de Licenciado em Letras, habilitação em Língua
Portuguesa.
Prof. Dr. Juvino Alves Maia Júnior, orientador
JOÃO PESSOA
NOVEMBRO DE 2010
Catalogação da Publicação na Fonte.
Universidade Federal da Paraíba.
Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA).
Malaquias, Aline da Silva.
Ensino do sistema verbal da língua portuguesa: alternativas e enfoques./
Aline da Silva Malaquias. - João Pessoa, 2010.
36 f.
Monografia (Graduação em Letras) – Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes.
Orientador: Prof.º Drº. Juvino Alves Maia Júnior.
1. Língua portuguesa - Ensino. 2. Sistema verbal – Ensino. 3. Latim. I.
Título.
BSE-CCHLA
CDU 811.134.3
ALINE DA SILVA MALAQUIAS
ENSINO DO SISTEMA VERBAL DA LÍNGUA PORTUGUESA:
ALTERNATIVAS E ENFOQUES
Trabalho apresentado ao Curso de Licenciatura em Letras da Universidade Federal
da Paraíba como requisito para obtenção do grau de Licenciado em Letras,
habilitação em Língua Portuguesa.
Data de aprovação: ____/____/____
Banca examinadora
Prof. Dr. Juvino Alves Maia Júnior, DLCV, UFPB
orientador
Prof. Dra. Mônica Mano Trindade Ferraz, DLCV, UFPB
examinador
Prof. Mestre Marco Valério Classe Colonnelli, DLCV, UFPB
examinador
Dedico este trabalho primeiramente a Deus, por ter me capacitado
e me instruído durante todo o processo de construção do texto; à
minha mãe, na esperança de incentivá-la para a carreira acadêmica;
ao meu pai, na satisfação de fazê-lo participar deste universo
acadêmico; e, ao meu irmão, na responsabilidade de incitá-lo na
formação superior e realização profissional.
AGRADECIMENTOS
Grata sou a Deus pela Graça de ter permanecido ao meu lado o tempo todo, abençoando-me com
pesquisas, bolsas, programas de iniciação à docência e de iniciação científica e com muita
sabedoria e discernimento nas escolhas, trabalhos e dias. Aos meus pais pela enorme paciência e
pelo apoio incondicional dado a mim desde que a escolha pela docência começou a ser meu foco de
estudo e de vida. A todos amigos e familiares que, junto comigo, se realizam nesta conclusão. Aos
professores que me agregaram conhecimento, profissionalismo, poesia, crítica, vida. Em especial: à
professora Maria Leonor Maia dos Santos, à professora Elisalva Madruga, à professora Regina Celi
Mendes Pereira, ao professor Amador Ribeiro Neto e ao professor Expedito Ferraz Júnior. Imenso
orgulho e admiração me move ao ver essas profissão em vocês. E, por fim, ao meu orientador,
professor Juvino Alves Maia Júnior, pelo apoio, partilha e sabedoria concedidos e à minha coorientadora, professora Mônica Mano Trindade Ferraz, pela participação e motivação contagiante
neste projeto.
“Se em vez de se estudar a significação de cada tempo em
separado, como faz a gramática (aliás por motivos
perfeitamente justificáveis), se indagar antes como é que o
português exprime a imperatividade, a condicionalidade, a
preteridade, a futuridade, etc.”(Boléo)
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo apresentar uma alternativa de ensino para o sistema verbal
da Língua Portuguesa, partindo da noção aspectual que estrutura, primeiramente, os verbos
na Língua Latina. Tendo em vista que o ensino requisitado pelos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN) é de base epilinguística, ou seja, que focaliza uma reflexão sobre o uso
efetivo da língua, entende-se que essa abordagem, divulgada oficialmente desde o final da
década de 1990, venha paulatinamente substituir as aulas de língua materna fincadas, em
essência, em nomenclaturas da gramática normativa. No entanto, o contexto atual se
caracteriza por professores ainda despreparados e desamparados no tratar dos
conhecimentos linguísticos nesse viés mais reflexivo, o que os leva, por conseguinte, a
voltar à alicerçada e insuficiente abordagem tradicional. O presente trabalho se apresenta,
diante do exposto, como uma possível alternativa à essa problemática. Para tanto, foram
realizadas leituras como Boléo (1934), Said Ali (2001) e Teyssier (2001), que puderam
amparar um olhar mais aprofundado sobre a categoria gramatical “verbo” e a confluência
entre a organização verbal da Língua Portuguesa e da Língua Latina; além de leituras
analíticas do conceito verbal em gramáticas como as de CUNHA (2001), ROCHA LIMA
(2002) e BECHARA (2004). Por fim, apresentam-se atividades que visam exemplificar, de
alguma maneira, o ensino epilinguístico em noções reflexivas sobre tempo, modo e aspecto
verbal. Acredita-se que, amparado pela publicação de estudos a respeito, o professor possa
implementar esse ensino que se propõe mais eficaz para a formação produtiva e crítica do
aluno.
Palavras-chave: Ensino do sistema verbal, Língua Portuguesa, Latim.
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 – Representativo do sistema verbal latino: Tema –ā (Infectum) –
Amare.......................................................................................................................21
QUADRO 2 – Representativo do sistema verbal latino: Tema –ā (Perfectum) –
Amare.......................................................................................................................22
QUADRO
3
–
Representativo
do
gerúndio
latino:
Tema
–ā
–
Amare.......................................................................................................................23
QUADRO 4 – Representativo do sistema verbal da Língua Portuguesa: 1ª
conjugação (-ar) –Amar............................................................................................21
LISTA DE SIGLAS
PCN: Parâmetros Curriculares Nacionais
MEC: Ministério de Educação e Cultura
PNLD: Programa Nacional do Livro Didático
AL: Análise Linguística
LD: Livro Didático
SUMÁRIO
RESUMO
INTRODUÇÃO........................................................................................................10
CAPÍTULO I
O ENSINO DOS CONHECIMENTOS LINGUÍSTICOS NAS SALAS DE AULA
ATUAIS
1.1 A contribuição e a orientação dos PCN‟s...........................................................14
1.2 A constatação do PNLD.....................................................................................17
CAPÍTULO II
ENFOQUE E ALTERNATIVA PARA O ENSINO DO SISTEMA VERBAL DA
LÍNGUA PORTUGUESA
1.1 O tronco originário da Língua Portuguesa.........................................................20
1.2 O sistema verbal latino.......................................................................................21
1.3 O sistema verbal português................................................................................24
1.4 Diálogo possível entre os sistemas.....................................................................25
1.5 O verbo nas gramáticas de Língua Portuguesa...................................................28
1.6 A mobilização desse saber pelo professor..........................................................30
CAPÍTULO III
ATIVIDADES NESSA LINHA DE ABORDAGEM..............................................31
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................35
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
INTRODUÇÃO
Ao longo do tempo e, consequentemente, da história da Educação, o perfil do
professor foi se modificando dentro da sociedade. O antes conhecido e nomeado mestre,
passou a ter outra (e atual) denominação (professor). Longe de apenas significar uma
mudança de nomenclatura, esse fato revela como esse profissional passou a agir e a ser
considerado socialmente. Geraldi (1997) pontua com contundência o assunto:
De um lado o professor se constituirá socialmente como um sujeito que
domina um certo saber, isto é, o produto do trabalho científico, a que tem
acesso em sua formação sem se tornar ele próprio produtor de
conhecimentos. (GERALDI, 1997, p.88)
É exatamente esse o perfil que prevaleceu na história e que tem prevalecido nos
ambientes escolares. Se antes o professor de Língua Portuguesa era o estudioso da língua,
autor de gramáticas e seletos, construindo, por conseguinte, o conhecimento a ser ensinado,
agora, ele passa a divulgar o construído por outros, chamados pesquisadores.
Nos últimos trinta anos, os pesquisadores da Linguística, campo científico que
investiga e estuda a língua(gem), têm vivenciado e propiciado um grande desenvolvimento
teórico sobre seu objeto. Vários enfoques sobre linguagem e, mais especificamente, língua,
foram postulados, ampliando e ressignificando o conhecimento até então desenvolvido na
área. De alguma maneira, esses avanços, além de permitirem um conhecimento mais
criterioso sobre a língua e sua ação, visam intervir eficientemente no ensino de língua
materna, no presente caso, da Língua Portuguesa, a fim de moldá-lo às novas perspectivas
e alternativas para a formação de um produtor de textos, orais e escritos, efetivo e
consciente.
No entanto, e novamente faz-se contribuição a citação de Geraldi, surge uma
problemática para a eficácia dessa intervenção, em essência, positiva:
Este “eixo”coloca de imediato uma questão a este novo profissional: estar
sempre a par das últimas descobertas da ciências em sua área de
especialidade. Ironicamente, isto sempre significa estar desatualizado,
pois não convivendo com a pesquisa e com os pesquisadores e tampouco
sendo responsável pela produção do que vai ensinar, o professor (e sua
escola) está sempre um passo aquém da atualidade. (GERALDI, 1997,
p.88)
No tocante ao ensino de Língua Portuguesa, área do presente trabalho, pode-se
dizer que é esse o atual contexto encontrado. Aquele conhecimento gramatical que o
professor era chamado a divulgar, e que lhe conferia credibilidade e status social, hoje se
considera e se classifica por passadista, por “aquém do necessário”. Na verdade, o que a
Linguística Aplicada e pesquisas científicas recentes têm apontado para um ensino de
natureza mais eficaz, é aquele pautado, sobretudo, no uso consciente, crítico e reflexivo da
língua. Deve-se primar pelos textos e mais especificamente pelos gêneros textuais, assim
como corroboram os Parâmetros Curriculares Nacionais (doravante PCN), documento
oficial divulgado pelo Ministério de Educação e Cultura (MEC).
A escola, em sua medida, tem conseguido se apropriar dessa nova proposta de
ensino fincada nos gêneros. Embora seja bastante positivo de um lado, tem provocado uma
insegurança nos professores, de outro, no que se refere ao ensino da gramática da língua,
de sua estrutura sistematizante. Os PCN propõem uma abordagem que priorize antes uma
reflexão que simplesmente memorização, pois entende-se que assim o aluno não só
apreenderá a estrutura gramatical, mas também fará uso da mesma conscientemente. Ou
seja, saberá “quando usar”, “como usar”, “onde usar” e “por que usar”. Sendo esta a
“descoberta” de que fala Geraldi, os professores se desconfiguram. Sem saber como
atualizar o enfoque dos conhecimentos linguísticos, os professores terminam utilizando a
alicerçada abordagem tradicional, desnivelando a própria aula que, de um lado, encontra-se
atualizada e crítica, no que se refere à abordagem textual, e, de outro, prescritiva e
exaustiva, no tocante à análise da língua.
Tendo por base tais constatações, acredita-se ser necessário ampliar e fomentar
pesquisas acadêmicas que tragam alternativas metodológicas para o ensino reflexivo da
língua. Trabalhando os questionamentos naturais que surgem no processo de inserção de
um novo paradigma de ensino e analisando as orientações curriculares de base
essencialmente teórica, esses estudos auxiliariam (atualizariam, na discussão de Geraldi) o
professor de base tradicional. Neste sentido, as aulas se fincariam nas competências (“para
que” é necessário saber tal aspecto da língua para a formação linguística do aluno?), para
de maneira mais consciente e com finalidade essencialmente instrumental chegar à
apropriação de nomenclaturas de determinados fenômenos linguísticos, como faz a
gramática normativa.
Temos, então, como objetivo geral deste trabalho, propor aos professores de
português da segunda etapa do Ensino Fundamental uma abordagem de verbos que parta,
antes, de seu aspecto lógico-semântico, ou seja, de sua estrutura formalizada e do sentido
que insere em tempos e modos, para, em seguida, chegar a aspectos mais classificatórios.
E, como objetivos específicos, apresentar aos professores do nível mencionado a
organização verbal do Latim como alternativa eficaz para uma melhor apreensão de noções
tempo-modais da categoria linguística “verbo”; e formular três exemplos nessa abordagem
que possam auxiliar o professor na produção e apropriação de atividades de base reflexiva.
Para tanto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica na área, a fim de que as noções
temporais dos verbos fossem observadas e a identificação do status quo do ensino dos
conhecimentos linguísticos fosse feita.
O presente texto encontra-se divido em três capítulos. No Capítulo I,
aprofundaremos o mencionado na Introdução sobre como têm sido as aulas de gramática
(aqui entende-se como estrutura da língua, e não a norma padrão prestigiada), orientadas
(ou não) pelos documentos oficiais (PCN e Programa Nacional do Livro Didático PNLD). No Capítulo II, discorreremos sinteticamente sobre a origem da Língua
Portuguesa, recorrendo, por conseguinte, à língua latina; em seguida, exporemos a
organização dos verbos em Latim, apresentando como são tratados e separados seus
tempos e modos; o que será feito da mesma forma com a Língua Portuguesa,
acrescentando apenas uma discussão sobre conceitos verbais presentes nas gramáticas
normativas da língua em questão. Ao fim do capítulo, faremos uma comparação analítica
dos dois sistemas, apresentando a possível interseção e, diante do exposto, a importância
desse saber para o perfil de professor de língua que se pretende. No Capítulo III, serão
apresentados e explicados três exemplos de atividades de base lógico-semântica, que
contemplem as noções tempo-modais discorridas no capítulo anterior, e, por isso,
promovam um conhecimento epilinguístico do verbo. Por fim, segue a conclusão, com
algumas considerações acerca da proposta no modelo de aula de Língua Portuguesa
exigido pelos novos parâmetros de ensino.
A opção pela língua latina teve sua origem nos estudos empreendidos na disciplina
“Língua Latina”, cursada no segundo período do curso de Letras, que proporcionou as
seguintes constatações e uma possível hipótese: possuindo uma nomenclatura opaca (e
aqui se refere essencialmente à usada no Brasil), no sentido de não revelar claramente o
sentido real do verbo, o sistema verbal da Língua Portuguesa pode ver nele (o Latim) um
facilitador, pois, no tocante a esse aspecto, organiza de forma objetiva e logicamente as
noções verbais. Além disso, pode-se justificar tal escolha na medida em que ele é raiz da
língua materna em questão e, portanto, caminho na sua construção gramatical.
Entende-se, por fim, que, amparado pelo Latim para um entendimento alternativo
de noções aspectuais, temporais e modais de verbo, o professor terá maior embasamento
para poder implementar uma discussão reflexiva da categoria gramatical em Língua
Portuguesa, para além da superfície, contribuindo para a formação de um aluno proficiente
e crítico na (da) própria língua.
CAPÍTULO I
O ENSINO DOS CONHECIMENTOS LINGUÍSTICOS NAS SALAS DE AULA
ATUAIS
O ensino de Língua Portuguesa nas escolas passa por três eixos principais: “para
que se ensina e o que se ensina, de que naturalmente vai derivar o como se ensina”
(TRAVAGLIA, 2008, p.101). Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) tomam como
unidade de ensino o texto, e, como objeto, o gênero textual, visando formar o alunocidadão capaz de reconhecer e produzir os mais diversos discursos em contextos
específicos e adequados. Sendo essa, portanto, a preocupação veiculada como principal
pelos documentos oficiais sobre Educação, pelas escolas e até mesmo pela maioria dos
materiais didáticos, os professores começam a implementar as atividades nesse âmbito,
assegurados pelo alicerce metodológico aí já desenvolvido.
No tocante aos conhecimentos linguísticos, tem-se um status quo bastante diferente
e, no mínimo, inusitado. Mesmo havendo propostas para um ensino de língua de base
reflexiva (PCN), as aulas, em sua grande maioria, continuam fincadas no tradicionalismo
que legitima, em muitos casos, o trabalho do professor e é reconhecidamente “estimado”
pela sociedade. Mas a questão que fica é: se também nesse eixo de ensino de língua há
paradigmas orientadores, por que se encontra tamanho desnível entre o estudo do texto e
da estrutura linguística nas aulas de língua materna?
Cabe, em primazia, trazer para discussão o que realmente os PCN dizem a esse
respeito e de que maneira poderiam modificar as aulas nessa esfera.
1.1 A contribuição e a orientação dos PCN
Antes de aludir a trechos dos parâmetros referentes aos conhecimentos linguísticos
propriamente ditos, frisa-se de início qual seria a finalidade competente a esse documento
no que diz respeito ao ensino escolar:
A finalidade dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua
Portuguesa é constituir-se em referência para as discussões curriculares
da área - em curso há vários anos em muitos estados e municípios - e
contribuir com técnicos e professores no processo de revisão e elaboração
de propostas didáticas. (BRASIL, 1998, p.13)
Portanto, os PCN ambicionam que as decisões pedagógicas, tanto no que se refere
ao currículo (o que é pertinente ensinar/estudar), quanto às elaborações didáticas, partam
de suas propostas. Aspiram orientar e contribuir com essas questões. Ao realizar a leitura
do documento, claramente nota-se seu objetivo teórico, orientador, na medida em que
constrói conceitos e paradigmas; e não prático, didático, metodológico, por não apresentar
formas de colocar esses paradigmas em locus escolar. No entanto, e, naturalmente, é no
discurso dos conceitos necessários para a completude e eficácia necessária à educação
linguística como um todo, que as nuances didáticas podem surgir.
No tocante ao ensino linguístico, os parâmetros afirmam que “as situações didáticas
têm como objetivo levar os alunos a pensar sobre a linguagem para poder compreendê-la e
utilizá-la apropriadamente às situações e aos propósitos definidos”. (BRASIL, 1998, p.19).
Esse ensino linguístico passa a ser denominado Análise Linguística (doravante AL) que,
segundo Mendonça (2006, p.205), “surgiu para denominar uma nova perspectiva de
reflexão sobre o sistema lingüístico e sobre os usos da língua, com vistas ao tratamento
escolar de fenômenos gramaticais, textuais e discursivos”. Trata-se de uma reflexão
organizada e aprofundada sobre o sistema da língua, abandonando a preocupação
exaustiva com nomenclaturas opacas e descontextualizadas, e partindo do sentido, do
porquê de determinado elemento ser usado neste ou naquele contexto, receber esta ou
aquela denominação para, então, chegar a uma aprendizagem eficaz. Segundo a autora, a
“AL engloba, entre outros aspectos, os estudos gramaticais, mas num paradigma diferente,
na medida em que os objetivos a serem alcançados são outros” (MENDONÇA, 2006,
p.206), não a memorização, mas sim o entendimento da estrutura e funcionamento da
língua.
No cerne dessa discussão, os PCN lançam mão de duas denominações para melhor
explicitar esses dois tratamentos dados à gramática da língua: o metalinguismo e o
epilinguismo. Eis o contexto em que surgem:
A atividade mais importante, pois, é a de criar situações em que os alunos
possam operar sobre a própria linguagem, construindo pouco a pouco, no
curso dos vários anos de escolaridade, paradigmas próprios da fala de sua
comunidade, colocando atenção sobre similaridades, regularidades e
diferenças de formas e de usos lingüísticos, levantando hipóteses sobre as
condições contextuais e estruturais em que se dão. É, a partir do que os
alunos conseguem intuir nesse trabalho epilingüístico, tanto sobre os
textos que produzem como sobre os textos que escutam ou lêem, que
poderão falar e discutir sobre a linguagem, registrando e organizando
essas intuições: uma atividade metalingüística, que envolve a descrição
dos aspectos observados por meio da categorização e tratamento
sistemático dos diferentes conhecimentos construídos (BRASIL, 1998,
p.28)
De forma resumida, fala-se da importância de partir da reflexão, intuição do aluno,
para chegar à estrutura. É exatamente o caminho proposto para os professores: fazer do
epilinguismo o meio e o fim pelo qual se ensina e se estuda a língua. O metalinguismo, por
sua vez, funciona como uma instrumentalização para falar e tratar da linguagem e dos
aspectos observados. No próprio trecho mencionado, houve a preocupação dos autores em
inserir notas de rodapé para explicar esses termos que significam, respectivamente:
atividade ou processo que trabalha com as funções, os sentidos e usos situados da língua; e,
atividade ou também processo que trabalha com a descrição, categorização e
sistematização da língua.
A pergunta que poderia surgir no professor é: mas e a gramática ainda tão
imbricada nos conteúdos programáticos? Como realizar, então, essa reflexão linguística, se
a escola exige ainda o conhecimento tradicional da língua? Os PCN atentam sobre essa
questão mais adiante:
O modo de ensinar, por sua vez, não reproduz a clássica metodologia de
definição, classificação e exercitação, mas corresponde a uma prática que
parte da reflexão produzida pelos alunos mediante a utilização de uma
terminologia simples e se aproxima, progressivamente, pela mediação do
professor, do conhecimento gramatical produzido. (BRASIL, 1998, p.29)
Na verdade, deixa-se claro que “o conhecimento gramatical produzido” não seria
banido das aulas atuais de língua, como interpretam certos professores, escolas, radicais da
área, mas apenas deixaria de guiar o processo educativo linguístico e, como já comentado,
seria um instrumento para falar organizado e cientificamente desse pensamento crítico
produzido. Embora pareça em alguns momentos que os PCN deixem esse conhecimento
gramatical em segundo plano, pois ele surgiria das necessidades apresentadas pelos alunos
no decorrer da aprendizagem (BRASIL, 1998, p.37), eles pontuam enfaticamente que o
aluno deverá saber, no oitavo e nono ano, identificar e compreender relações e funções
discursivas de unidades linguísticas. Dentre estas, pode-se citar como unidade recorrente
nos diversos níveis de ensino e estruturante de uma língua, o verbo, foco deste trabalho.
No tocante ao ensino dos verbos, as páginas 61 e 63 do documento vêm explicitar
para os professores o que os alunos do quarto ciclo (oitavo e nono ano) do Ensino
Fundamental precisam saber a respeito e qual o objetivo das abordagens. Comparando o
uso de fenômenos linguísticos, principalmente nas variáveis da fala e da escrita, pontua-se:
* sistema dos tempos verbais (redução do paradigma no vernáculo) e
emprego dos tempos verbais (predominância das formas compostas no
futuro e no mais que perfeito, emprego do imperfeito pelo condicional,
predominância do modo indicativo etc.);
* predominância de verbos de significação mais abrangente (ser, ter,
estar, ficar, pôr, dar) em vez de verbos com significação mais específica;
(BRASIL, p.61. Grifo meu)
Já no que se refere a uma descrição, construída sob comparações, análises,
contrastes, um dos pontos menciona o verbo, o que não o exclui dos dois seguintes.
* em propriedades morfológicas (flexão nominal, verbal; processos
derivacionais de prefixação e de sufixação);
* no papel funcional assumido pelos elementos na estrutura da sentença
ou nos sintagmas constituintes (sujeito, predicado, complemento, adjunto,
determinante, quantificador);
* no significado prototípico dessas classes. (BRASIL, p.63. Grifo meu)
Interessante observar que a própria organização do documento já reflete a
necessidade e a possibilidade dessa conjunção do funcional com a estrutura, na medida em
que enquadra e valida social e documentalmente essa última.
Tendo esse embasamento há mais de dez anos, qual o estado e nível de ensino de
língua materna atual?
1.2 A constatação do PNLD
Muitos professores, para se legitimarem profissionalmente, ainda utilizam
discursos como o presente na citação que se segue, corroborando a percepção de que o
livro didático (doravante LD) ainda assume um papel determinante, e não só auxiliador, no
contexto das salas de aula de Língua Portuguesa.
S2-P2: Este livro aqui / tem todos os defeitos do mundo / a gente sabe
disso / né? Só que eu prefiro ainda adotar um livro que nem esse / que o
aluno tem facilmente / que o irmão já tinha / o primo / o vizinho / do que
ficar sem livro na sala // adotando este / eles já não trazem // quantos
alunos vieram esse ano pra mim e do meio do ano pra frente eles
começaram a trazer... porque eu cumpri o livro inteiro / eu vi o livro
inteirinho com o primeiro / com o segundo [ano] // e aí eles... porque o
aluno sempre aposta que o professor vai esquecer do livro lá pra abril
maio // ele vai esquecer do livro / né? Vai parar de dar pelo livro / e eu...
eu já falei pra eles / eu vou terminar até o fim do ano... (CORACINI,
1999, p. 36.Grifo meu).
Tendo em vista esse aspecto, acreditou-se ser de grande relevância trazê-lo para a
presente discussão, a fim de revelar, ou mesmo indicar, o estado em que se dá o ensino de
língua nas escolas.
Pode-se intuir, diante do comentado, que o que for contemplado no LD tem a
possibilidade de ser transposto pelo professor, diretamente e sem intervenções, para as
aulas. Sendo isso possível, deparamo-nos com um problema: se o livro for mal elaborado e
não propiciar um uso funcional e contextualizado da língua, o professor que teve uma
formação embasada em teorias estruturais, tradicionais, não terá conteúdo suficiente para
promover um ensino linguístico produtivo. Justifica-se, enfim, a necessidade de análises
constantes desse material cujo lugar continua sendo de extrema importância no processo
de ensino-aprendizagem. E é nesse aspecto que se insere o Programa Nacional do Livro
Didático (PNLD), responsável pela avaliação e nomeação dos livros didáticos mais
adequados aos anseios da educação atual e, por conseguinte, à implementação escolar.
A última análise, realizada no ano de 2008, reconhece que os LD aprovados no
referido ano tenham a sua “validade” até o ano de 2011. Dentre as vinte quatro coleções
aprovadas, optou-se, sem justificativa a priori, a não ser o facilitado acesso e a avaliação
linguística empreendida, para imbuir a questão colocada no presente capítulo, pela coleção
produzida por Leila Lauar Sarmento, intitulada “Português: leitura, produção, gramática” e
editada pela Moderna em 2006.
As resenhas das coleções construídas e veiculadas pelo Guia do PNLD, que é
entregue às escolas, são sistematizadas em dois eixos: o das categorias a serem observadas
– Leitura, Produção de Textos Escritos, Oralidade, Conhecimentos Linguísticos – e, o do
enquadramento dessas categorias quanto ao tratamento didático indicado – Vivência,
Transmissão, Uso Situado, Construção/Reflexão. Dentro desse paradigma, a coleção
escolhida apresentou a seguinte avaliação:
Leitura: Construção/Reflexão – indica que o aluno é chamado ao continuum
refletir – inferir;
Produção de Textos Escritos: Vivência – indica que o aluno aprende
vivenciando; Transmissão – que o aluno aprende por assimilação o já
organizado e conceituado;
Oralidade: Vivência;
Conhecimentos Linguísticos: Transmissão.
Embora o ponto forte da coleção seja, segundo a análise do Guia, a diversidade de
textos que propiciam a “reflexão crítica acerca de questões éticas e sócio-culturais”
(BRASIL, 2007, p.66), percebe-se pelo resultado divulgado que há uma grande presença
da didática transmissiva, principalmente no referente aos conhecimentos linguísticos. Há
uma tênue contextualização dos elementos linguísticos, ou uma tentativa da mesma, mas
questões como: “4. Dê exemplos, em frases, de palavras e expressões que indiquem modo
e intensidade.”, exemplificam e corroboram o atestado.
Não sendo, portanto, o problema crucial banir ou não a gramática do ensino de
Língua Portuguesa e tendo conhecimento do que se espera hoje de um ensino eficaz e
efetivo de língua, fica o questionamento: qual seria, então, a dificuldade de realizar esse
ensino de base reflexiva? Cogita-se que a ausência de um leque mais abrangente de
alternativas para implementar essa nova forma de ver a estrutura linguística, embora já
haja publicações com esse intuito, e uma formação mais aprofundada da língua, têm
impedido professores, autores de materiais didáticos e as próprias escolas nessa realização.
CAPÍTULO II
ENFOQUE E ALTERNATIVA PARA O ENSINO DO SISTEMA VERBAL
DA LÍNGUA PORTUGUESA
1.1 O tronco originário da Língua Portuguesa
Proveniente do Indo-europeu (possivelmente a língua originária dos diversos
idiomas da Europa), a Língua Latina, falada pela população romana da região do Lácio, foi
uma das mais difundidas na história pelo altivo Império Romano.
As expansões e
conquistas territoriais impeliam além da cultura, religião e forma de governo, soldados,
comerciantes, romanos que, induzidos a residir na terra conquistada, involuntariamente se
encarregavam de espalhar a língua na qual se comunicavam. Essa língua se diferenciava do
chamado Latim Clássico (embora o espelhasse de alguma maneira) utilizado pela classe
alta, literatos e escritores e, na verdade, tratava-se de um Latim mais despreocupado com a
estilística e a formalização do discurso, mais simplificado, que ficou conhecido como
Latim Vulgar.
Foi entrando em contato com o Latim Vulgar e orientados a falar na língua do
colonizador que os colonos, por sua vez, começaram a romancear suas línguas maternas,
dando origem a novas línguas que, mais tarde, seriam denominadas, românicas (Espanhol,
Francês, Italiano), provenientes do Latim Vulgar, dentre elas: o Português.
Segundo Bechara (2009), a Língua Portuguesa passou por três períodos/fases até
chegar a sua constituição atual.
a)
português arcaico: séc. XIII ao final do XIV
b)
português arcaico médio: 1.ª metade do séc. XV à 1.ª metade do
séc. XVI
c)
português moderno: 2.ª metade do séc. XVI ao final do XVII
(podendo-se estender aos inícios do séc. XVIII)
d)
português contemporâneo: séc. XVIII aos nossos dias
(BECHARA, 2009, p.25)
Cada categorização pôde ser criada a partir da análise de textos literários (crônicas,
autos, poemas, teatro) ou histórico-administrativos (relatórios, documentos) relativos a
cada época que, além de evidenciarem a influência latina na Língua Portuguesa, expunham
seu contato com outras: árabe, germânica, fruto de invasões no Império, ou até mesmo
local, como a tupi.
Além da quantidade e timbre das vogais como aponta Teyssier (2001, p. 10)
“verificamos que em posição tônica o timbre das vogais de muitas palavras do galegoportuguês e também do português contemporâneo permaneceu o mesmo do latim imperial
[denominação dada ao latim falado no período imperial]”, a influência latina deu-se
também em vários outros eixos da gramática portuguesa, dentre eles, o que é foco do
presente trabalho, a organização do sistema verbal.
1.2 O sistema verbal latino
O sistema verbal regular latino encontra-se dividido por temas (quatro): -ā
(referente à primeira conjugação); -ē (referente à segunda conjugação); -ø (referente à
terceira conjugação); e, -ī (referente à quarta conjugação). Cada tema, por sua vez,
apresenta dois aspectos: infectum e perfectum. Aspecto, na gramática latina, refere-se ao
fato de uma ação ser, na perspectiva do falante/escritor, caracterizada por inacabada ou
acabada. Cada um deles tem seus determinados, algumas vezes compartilhados, modos e
tempos: o infectum com os modos: indicativo, subjuntivo, imperativo - e as formas
nominais; e, o perfectum com os modos: indicativo, subjuntivo - e as formas nominais:
infinitivo e particípio.
Devido à extensão da própria estruturação verbal, sentiu-se a necessidade de se
fazer um recorte capaz tanto de espelhar a organização do sistema de maneira geral, quanto
de propiciar uma discussão de seus aspectos constitutivos. Dessa forma, o modo verbal
escolhido foi o indicativo, por representar um dos usos linguísticos mais elementares entre
os falantes e escritores. Os demais modos receberão, sempre que necessário, suas possíveis
elucidações. Seguem-se as tabelas para visualização:
Tema –ā (Infectum) – Amare
INDICATIVO
PRESENTE
PASSADO
FUTURO
ămo (amo)
amābam (amava)
amābo (amarei)
amās (amas)
amabas (amavas)
amābis (amarás)
amăt (ama)
amabat (amava)
amābit (amará)
amāmus (amamos)
amabāmus (amávamos)
amabĭmus (amaremos)
amātis (amais)
amabātis (amáveis)
amabĭtis (amareis)
amānt (amam)
amabant (amavam)
amābunt (amarão)
(MAIA JÚNIOR, 2007, p.26. Modificada)
Tema –ā (Perfectum) - Amare
INDICATIVO
PRESENTE
PASSADO
FUTURO
amāui (amei)
amauĕram (amara)
amauĕro (terei amado)
amauisti (amaste)
amauĕras (amaras)
amauĕris (terás amado)
amauit (amou)
amauĕrat (amara)
amauĕrit (terá amado)
amauīmus (amamos)
amauerāmus (amáramos)
amauerīmus (teremos amado)
amauīstis (amastes)
amauerātis (amáreis)
amauerĭtis (tereis amado)
amauērunt/amauēre (amaram)
amauĕrant (amaram)
amauĕrint (terão amado)
(MAIA JÚNIOR, 2007, p.28. Modificada)
Observa-se que o que norteia em essência a organização verbal latina é justamente
a divisão por aspecto (infectum e perfectum). Sendo conclusa ou inconclusa, a ação poderá
se enquadrar em qualquer um de seus tempos específicos, por isso cada aspecto ter passado
presente e futuro. Esse “raciocínio” linguístico permite que a classificação e denominação
dos constituintes do sistema como um todo seja objetiva e coerente. Por exemplo, talvez a
tradução do presente do perfectum (“amei”) soe muito imprecisa, na medida em que
consideramos em primazia o tempo. No entanto, o cerne da classificação está
especialmente no aspecto acabado que torna imprecisa a sua tradução como “amo”, já que
esta é uma ação em continuidade. Por sua vez, o verbo “amare” no infectum, tempo futuro,
transparece claramente uma ação que não se faz conclusa, por isso classificado dessa
forma. Já no perfectum, também no tempo futuro, percebe-se que a tradução se faz
necessária por uma locução verbal na medida em que a ação se mostra num aspecto
concluso, enfatizado pelo auxílio do particípio.
No tocante às formas nominais, não expostas aqui, vale salientar que o particípio e
o infinitivo apresentam presente e futuro na voz ativa e passiva (exceto particípio
presente), no infectum. Exemplo: Infinitivo – Presente ativo: amar; Presente passivo: ser
amado; Futuro ativo: haver de amar; Futuro passivo: haver de ser amado; Particípio –
Presente ativo: amante; Futuro ativo: havendo de amar; Futuro passivo: havendo de ser
amado. No perfectum, as formas nominais (infinitivo e particípio) encontram-se
flexionadas apenas na voz ativa e passiva, sem classificação temporal. Exemplo: Infinitivo
ativo: ter amado; Infinitivo passivo: ter sido amado. Particípio ativo: de amar; Particípio
passivo: amado. Já o gerúndio, presente no infectum, “obedecendo” sua nomenclatura de
“forma nominal” é formado pelo mesmo processo de declinação empregado aos nomes.
Declinação é um processo de flexão nominal utilizado na Língua Latina. Por conter uma
construção sintética, ou seja, os elementos da língua não recebem sua função pelo lugar em
que se encontram na sentença, mas na sua própria constituição formal, declinar os nomes é
o modo encontrado para determinar qual a função que cada palavra (substantivo, adjetivo,
pronome) emprega na sentença a partir do seu caso específico.
Exemplo: “Bona uerba discipulos erudiunt” (MAIA JUNIOR, 2007, p. 11)
Tradução: As boas palavras instruem os alunos.
Mesmo que essa sentença mude de ordem (Erudiunt discipulos uerba bona/ Uerba
bona erudiunt discipulos), as palavras não mudarão de função sintática (caso, em Latim). A
tradução sempre será a mesma. Por isso, a classificação da língua em sintética e não
analítica, como a Língua Portuguesa, por exemplo, na qual a ordem das palavras em “O
homem digeriu o livro” determina toda a função sintática dos constituintes e significado da
sentença.
São seis os casos (formas com suas determinadas funções) no Latim: nominativo,
vocativo, acusativo, genitivo, dativo e ablativo. As palavras que se encontram no caso
nominativo apresentarão a função de sujeito ou predicativo do sujeito; as que se encontram
no caso vocativo funcionarão como vocativo mesmo; quando no acusativo, funcionarão
como objeto direto; no genitivo, como adjunto adnominal ou complemento nominal; no
dativo, como objeto indireto; e, no ablativo, como adjunto adverbial e em momentos,
dependendo da preposição, como agente da passiva.
Uma suscinta exposição de como o gerúndio é assim interpretado faz-se
esclarecedora. Antes, porém, vale acrescentar que ele é a declinação do infinitivo, como
pode-se observar na tradução.
GERÚNDIO
NOMINATIVO
amāre (amar)
ACUSATIVO
amandŭm (amar)
GENITIVO
amandī (de amar)
DATIVO
amandō (para o amar)
ABLATIVO
amandō (pelo amar/amando)
(MAIA JÚNIOR, 2007, p.28)
Interessante observar a lógica de uma forma nominal que além de se “flexionar”,
como os nomes, assume as funções que estes assumem.
Quanto ao subjuntivo, conhecido também como conjuntivo, expressa um modo
hipotético, fora de uma objetividade e contém gramaticalmente os tempos presente e
passado.
1.3 O sistema verbal português
O sistema verbal regular português encontra-se divido em três conjugações: -ar, -er,
-ir. Cada conjugação apresenta seus modos e respectivos tempos: indicativo, subjuntivo,
imperativo e as formas nominais.
Assim como foi feito com o sistema latino, também aqui será realizado um recorte
com foco no modo indicativo para representação genérica do sistema. Segue-se a tabela:
1ª conjugação (-ar) - Amar
INDICATIVO
PRESENTE
PRETÉRITO
PRETÉRITO
PERFEITO
IMPERFEITO
PRETÉRITO
FUTURO
FUTURO
MAIS-QUE-
DO
DO
PERFEITO
PRESENTE
PRETÉRITO
amo
amei
Amava
amara
amarei
amaria
amas
amaste
Amavas
amaras
amarás
amarias
ama
amou
Amava
amara
amará
amaria
amamos
amamos
Amávamos
amáramos
amaremos
amaríamos
amais
amastes
Amáveis
amáreis
amareis
amaríeis
amam
amaram
Amavam
amaram
amarão
amariam
Percebe-se que o modo indicativo, que, segundo Bechara (2004, p.249), se refere “a
fatos verossímeis ou tidos como tais”, acrescenta aos tempos básicos (presente,
passado/pretérito e futuro) outras noções, através dos predicativos “perfeito”, “imperfeito”,
“mais-que-perfeito”, “do presente”, “do pretérito”. É como se o tempo pretérito sustentasse
algo mais que não só a noção de algo que aconteceu em um passado. Costuma-se utilizar e
ensinar o uso do pretérito perfeito em situações pontuadas e terminadas no passado; e o
imperfeito, em situações também no passado, mas sem um término pontual. Assim como o
futuro que recebe a denominação de “presente” quando o falante e/ou escritor expressa
mais certeza, segurança sobre o fato futuro; e, “pretérito”, quando a incerteza está mais
marcada.
No tocante às formas nominais (infinitivo, gerúndio e particípio), apresentam
apenas flexão de tema, segundo às conjugações, exceto o infinitivo pessoal conjugado
como os demais modos verbais, com pessoa e número equivalente, e o gerúndio sem
flexão. Exemplo: 1ª Conjugação – Infinitivo: amar; Gerúndio: amando; Particípio: amado.
2ª Conjugação – Infinitivo: receber; Gerúndio: recebendo; Particípio: recebido. Portanto,
na própria construção formal do infinitivo e do particípio há indícios sobre à qual
conjugação pertence o verbo.
Quanto ao subjuntivo, há nele os tempos-base (presente, pretérito imperfeito e
futuro) e seu modo característico da dúvida, da hipótese.
1.4 Diálogo possível entre os sistemas
Percebe-se, num primeiro momento, uma nítida semelhança, pelo menos
inicialmente devido aos nomes, no que diz respeito à organização modal dos sistemas.
Segundo Boléo (1934, p.30), “modos são as formas por meio das quais é indicada a atitude
mental do indivíduo que fala em relação ao processo indicado pelo verbo”; e ainda
acrescenta com nítida subjetividade que “o modo serve para exprimir as „disposições de
alma‟” (BOLÉO, 1934, p.31). De maneira geral e resumida, pode-se dizer que há
disposições universais da alma expressas pelos verbos nas diversas línguas e que no Latim
e na Língua Portuguesa encontram semelhança semântico-estrutural.
O que mais marca a diferença entre eles é a noção aspectual do Latim, que foi se
esmaecendo entre as nomenclaturas e subdivisões portuguesas. Refere-se à noção de ação
acabada (perfectum) e inacabada (infectum) aos quais pode-se fazer, ousadamente, uma
aproximação no que diz respeito às noções de perfeito, imperfeito e mais-que-perfeito no
pretérito do indicativo, e de presente e pretérito, no futuro da Língua Portuguesa. No
entanto, diferente desta, o aspecto permeia toda a configuração verbal latina, conferindolhe mais amplitude de sentido e objetividade. É como se a primazia do estudo do verbo no
Latim fosse considerar que nos verbos e nos seus usos o aspecto está essencialmente
presente. No estudo do verbo no Português, porém, dá-se extrema e primeira importância
ao tempo. O “aspecto” do perfeito, imperfeito, do presente, do passado, do mais-queperfeito, são acréscimos pontuais a certos tempos e não à categoria “verbo” em si. No
entanto, e Said Ali (2001) elucida claramente, a noção aspectual é fato no uso efetivo do
verbo em Português, mas não considerada, quando se observa a estruturação do verbo em
uma classificação fechada de tempo. Por exemplo, o autor subclassifica o presente segundo
noções aspectuais, considerando e clarificando sua utilização variada entre os falantes e
escritores: Presente momentâneo – “A forma do presente refere-se ao que começou no
passado e terminará no futuro” (SAID ALI, 2001, p.228), e, será momentânea quando essa
distância temporal não se distanciar muito do “instante da palavra”. Exemplo: “Eu falo alto
sim, Hugo!”, diz Carla a Hugo ao mesmo tempo em que seu nível de voz aumenta;
Presente durativo – “Ato ora em via de execução data de longo tempo e promete continuar
por espaço igualmente longo ou indeterminado” (SAID ALI, p.228). Exemplo: “Ela é
nervosa”, diz Hugo para um amigo, não se referindo a um instante apenas, mas a um
estado da moça, indeterminado no tempo; Presente frequentativo – “O fenômeno numa
série de atos da mesma espécie que se repetem com intervalos mais ou menos longos”
(SAID ALI, p.228). Exemplo: “Clara grita, corre e chora ao telefone”. Presente-futuro –
“produzir impressão mais viva, pois que, expondo os sucessos vindouros, como se já
fossem realidade atual, sugerimos no ouvinte a certeza do cumprimento e lhe faremos
esquecer as contingências do futuro” (SAID ALI, p.228). Exemplo: “Amanhã vou à sua
casa” (SAID ALI, p.228), muito utilizado em substituição ao futuro do presente, “Amanhã
irei à sua casa”; entre outros.
Várias foram as modificações que ao longo do tempo e das influências linguísticas
fizeram ambos os sistemas se desconectarem. Pode-se citar, dentre a numerosa
contribuição de Said Ali (2001), a inexistência da forma verbal específica do supino do
Latim, uma espécie de substantivo verbal (Ex.: “Venho para estudar”), na Língua
Portuguesa:
Ao infinitivo preposicionado se transferiram as funções exercidas por
certas formas infinitas do verbo latino que foram desaparecendo, não
chegando a introduzir-se em língua românicas. O supino em –um, por
isso que denotava direção ou fim a que se encaminhava um ato, não fazia
mais do que o próprio infinitivo empregado para igual efeito; e desde que
este sentido especial se podia assinalar com a preposição a, como se fez
em românico, já o supino seria mais do que supérfluo.
O supino em –u, empregado como dativo e, depois, como ablativo de um
substantivo verbal, combinava-se com certos adjetivos e denotava direção
e delimitação (...) A esta forma corresponde em português ao infinitivo
ora precedido de a ou para, ora precedido da partícula de.
(SAID ALI, 2001, p.249)
Assim também como o gerúndio declinado no genitivo, cuja exposição no Latim já
foi feita anteriormente (Ver p. 23-24).
O lugar do gerúndio-genitivo foi ocupado pela combinação de +
infinitivo; ars vivendi = arte de viver. O gerúndio-acusativo regido de ad,
e o gerúndio-dativo, que já em latim vinha sendo suplantado pelo uso do
acusativo com ad, foram substituídos por infinitivo precedido de a ou
para. (SAID ALI, 2001, p. 249)
Percebe-se que as noções do gerúndio declinado estão também presentes no uso
português, mas sem sua percepção formal, estrutural, o que talvez venha a prejudicar uma
compreensão mais apurada do uso do mesmo. Como aponta o autor: “Muitas vezes o
gerúndio serve para denotar o modo, o meio ou instrumento” (SAID ALI, 2001, p.261);
assim como esmiuçado na exposição anterior do sistema latino, quando dito que um dos
casos do gerúndio é o ablativo.
Por fim, partindo de um olhar crítico sobre os dois sistemas, estudiosos apontam
que o futuro do pretérito, não existente no Latim, mas dele originado, é uma denominação
inadequada para um tempo que não existe. Formado por um processo diacrônico no qual o
verbo auxiliar latino haber no imperfeito se uniu, pelo uso, a um infinitivo, cantare, por
exemplo, constituiu-se um único léxico em Língua Portuguesa , cantaria. Na verdade,
nesse uso, mais propriamente como condicional, não há tempo ou aspecto, apenas um
modo de constituir a ação no irreal (Cantar + ia / Ia cantar). Por isso, talvez a dificuldade
de se justificar tal nomenclatura empreendida na obscuridade. Já no que diz respeito ao
modo subjuntivo tanto no Latim, quanto no Português, Said Ali se mostra categórico: “A
dúvida entre conjuntivo, que significa modo unido, conjunto, e subjuntivo, que indica modo
subordinado, responde-se que nenhum dos dois termos exprime com exatidão o que seja o
respectivo modo verbal.” (SAID ALI, 2001, 263).
Frisa-se aqui que o intuito dessa demonstração não é nem abarcar todas as
discrepâncias e similaridades entre as estruturas dessas línguas em questão, nem reformular
ou exigir reformulação da gramática padrão e suas nomenclaturas, mas apenas mostrar e
chamar a atenção dos professores de língua para a importância de considerar tais reflexões
para um estudo mais apropriado e não apenas transmissivo de verbo. Torna-se (e já
deveria ter sido priorizado) necessário estabelecer com as estruturas linguísticas, e com o
verbo em específico, e a gramática normativa uma frequente análise baseada em estudo
crítico e minucioso.
A fim, portanto, de identificar/constatar o grau de abordagem e criticidade da
categoria verbo pelas específicas gramáticas escolares às quais têm acesso professores,
estabeleceu-se o tópico seguinte.
1.5 O verbo nas gramáticas de Língua Portuguesa
O critério elencado para escolher as gramáticas que aqui receberiam uma sucinta
análise, no que diz respeito ao verbo, foi o de consagração pela crítica e de possibilidade de
acesso aos professores. Foram elas: a de Celso Cunha, “Nova Gramática do português
contemporâneo”, editada pela Nova Fronteira em 2001; a de Rocha Lima, “Gramática
Normativa da Língua Portuguesa”, editada pela José Olympio em 2002; e, por fim, a de
Bechara, “Gramática Escolar da Língua Portuguesa”, editada pela Lucerna em 2004.
O objetivo é notar como eles conceituam e apresentam a classe gramatical “verbo”
e quais as possíveis lacunas que tornariam o trabalho reflexivo que se requisita pelos
documentos da Educação menos amparado.
Celso Cunha traz as seguintes conceituações sobre verbo:
- Verbo é uma palavra de forma variável que exprime o que se passa, isto
é, um acontecimento representado no tempo.
- O verbo não tem, sintaticamente, uma função que lhe seja privativa,
pois também o substantivo e o adjetivo podem ser núcleos do predicado.
Individualiza-se, no entanto, pela função obrigatória de predicado, a
única que desempenha na estrutura oracional. (CUNHA, 2001, p.379)
Pensando na possibilidade do professor manejar esse conceito, ele teria um viés
primeiramente e levemente semântico e, logo após, uma observação sintática. Pode-se
intuir que segue um reflexo tradicional de estruturação da categoria. Mais adiante, o autor
faz suas considerações sobre flexões, já que diz ser o verbo uma forma variável, e traz a
noção de aspecto, resumindo-se às pontuações da própria nomenclatura já comentada aqui.
O verbo apresenta as variações de numero, de pessoa, de modo, de tempo,
de aspecto e de voz.
........................................................................................................
Diferente das categorias do tempo, do modo e da voz, o aspecto designa
“uma categoria gramatical que manifesta o ponto de vista do qual o
locutor considera a ação expressa pelo verbo”. Pode ele considerá-la
como concluída, isto é, observada no seu término, no seu resultado; ou
pode considerá-la como não concluída, ou seja, observada na sua
duração, na sua repetição. É a clara distinção que se verifica em
português entre as formas verbais classificadas como perfeitas ou maisque-perfeitas, de um lado, e as imperfeitas, de outro. (CUNHA, 2001)
Contribui ao esclarecer o que significa “aspecto”, no entanto, se restringe a
descrever a classificação gramatical sem ampliar o conceito aos demais usos verbais.
Rocha Lima, por sua vez, denota “verbo” da seguinte forma:
O verbo expressa um fato, um acontecimento: o que se passa com os
seres, ou em torno dos seres.
É parte da oração mais rica em variações de forma ou acidentes
gramaticais.
Estes acidentes gramaticais fazem que ele mude de forma para exprimir
cinco idéias:
modo, tempo, número, pessoa e voz. (ROCHA LIMA, 2002, p.122)
Sendo mais tradicional e um pouco subjetiva, a conceituação passa pela concepção
morfológica, na medida em que se frisa seu caráter variável, e semântica ao definir sua
expressividade. Nota-se que aqui caberia ao professor expandir o conceito e as
classificações e padrões do verbo (modo, tempo, número, pessoa e voz) para uma
aprofundada análise de base reflexiva.
Por fim, Bechara conceitua:
Entende-se por verbo a unidade que significa ação ou processo e
organizada para expressar o modo, o tempo, a pessoa e o número.
(BECHARA, 2004, p. 194)
De maneira simples e objetiva, o autor firma seu enfoque no aspecto semântico por
considerar em essência a expressão da categoria. E é imbuído por essa perspectiva que,
mesmo sem pontuar o caráter aspectual na estrutura verbal, reconhece noções aspectuais
no verbo, retirando-o da caixa fechada e lacrada do tempo e levando-o à subjetividade e
expressividade de que se utiliza o falante/escritor. Pode-se constatar isso quando Bechara
se detém à explicação de cada tempo verbal, dos quais recortou-se o pretérito imperfeito
para efeito de explicitação.
O imperfeito é um membro não marcado, extensivo, de uma oposição que
encerra três membros, dois dos quais são marcados e intensivos: o maisque-perfeito e o chamado condicional presente, na forma simples.
Nesta posição, o mais-que-perfeito significa um „anterior‟, enquanto o
condicional presente (futuro do pretérito) um „depois‟. Daí o imperfeito
não significar nem „antes‟ nem „depois e, por isso, pode ocupar todo o
espaço da oposição. Isto implica não se poder, a rigor, atribuir ao
imperfeito a pura e simples significação de passado, a não ser que ele seja
considerado um „presente‟ do passado. Como um segundo „presente‟
pode – como ocorre com o presente próprio, que tem seu pretérito
representado pelo perfeito simples, e o seu futuro representado pelo
futuro simples – ter seu próprio passado (o mais-que-perfeito) e seu
próprio futuro (o condicional presente). Por isso, o presente pode
substituir o pretérito perfeito simples e o futuro, mas não o imperfeito.
(BECHARA, 2004, p. 251)
Aqui, o professor encontraria um aprofundamento maior sobre o assunto que
pudesse, talvez, auxiliá-lo para uma possível abordagem mais reflexiva e crítica sobre o
verbo e seu respectivo uso, como ainda pontua o autor:
“Emprega-se o pret. imperfeito quando nos transportamos mentalmente a
uma época passada e descrevemos o que então era presente:
„Eugênia coxeava um pouco, tão pouco, que eu cheguei a perguntar-lhe
se machucara o pé.‟ [MA]” (BECHARA, 2004)
1.6 A mobilização desse saber pelo professor
Partindo de toda essa reflexão sobre as nuances que escapam à sistematização dos
verbos nas gramáticas, o professor de Língua Portuguesa, que se propõe a entender a
construção do sistema verbal latino, na realização de seu ofício, seja em qual nível escolar
for, pode reconhecer nele um auxílio pontual para lidar criticamente com o verbo em
Português através da noção dos aspectos provadamente presente no uso da língua. E é esse
auxílio que será proposto no capítulo seguinte com a exposição de algumas atividades
aplicáveis na segunda etapa do Ensino Fundamental.
CAPÍTULO III
ATIVIDADES NESSA LINHA DE ABORDAGEM
Inspiradas nas discussões sobre tempo e modo do capítulo anterior, no qual confluise o sistema verbal latino no tocante aos aspectos (perfectum e infectum) com o Português,
serão dispostas a seguir três atividades com verbos, a fim de apresentar alternativas de
ensino e auxiliar professores da segunda etapa do Ensino Fundamental quando tratar
reflexivamente o assunto.
A atividade I tem como objeto central um texto literário que deverá ser trabalhado
como objeto estético, vale salientar, antes de sua análise linguística. Dessa forma, propõese ao professor considerar a expressão máxima da língua tanto no viés denotativo, quanto
conotativo (literário). Retirando trechos específicos do texto ou livro trabalhado, pode-se
destacar a construção linguística e, mais especificamente, verbal utilizada. O objetivo que
norteará esta atividade será a discussão e reflexão sobre a escolha de um tempo com
aspecto acabado ou inacabado pelo autor, visando atingir essa ou aquela carga de
expressão na composição textual. Um exercício possível seria questionar sobre o efeito que
a mudança do aspecto verbal poderia causar no sentido do trecho. Recortando um da obra
“Memórias Póstumas de Brás Cubas”, do escritor brasileiro e carioca Machado de Assis,
aplica-se o questionamento.
O estranho levantou-se e saiu. Era um sujeito, que me visitava todos os
dias para falar do câmbio, da colonização e da necessidade de
desenvolver a viação férrea; nada mais interessante para um moribundo.
Saiu; Virgília deixou-se estar de pé; durante algum tempo ficamos a
olhar um para o outro, sem articular palavra. Quem diria? De dous
grandes namorados, de duas paixões sem freio, nada mais havia ali, vinte
anos depois; havia apenas dous corações murchos, devastados pela vida e
saciados dela, não sei se em igual dose, mas enfim saciados. Virgília
tinha agora a beleza da velhice, um ar austero e maternal; estava menos
magra do que quando a vi, pela última vez, numa festa de S. João, na
Tijuca; e porque era das que resistem muito, só agora começavam os
cabelos escuros a intercalar-se com alguns fios de prata. (ASSIS, 2006, p.
25. Grifo meu)
O autor nitidamente fala de um tempo remoto com a predominância de um pretérito
imperfeito que dá a ele a possibilidade de indefinir pontualmente a ação e contá-la numa
certa atualidade. A ação é passada, mas não acabada na maneira como se narra.
Pensando na proposta da atividade, os verbos em destaque se modificados em
aspecto (perfectum ou infectum) trariam uma nova configuração à cena comprometendo
sua atmosfera. Por exemplo.: caso se dissesse “O estranho levantava-se e saía” ao invés de
“O estranho levantou-se e saiu”, não só retiraria da ação sua exatidão, mas também daria a
ela a conotação de que algo acontece em sua simultaneidade pela presença do pretérito
imperfeito. Comprometeria o que o autor quer marcar que é exatamente a existência de um
fato acontecido e sucessivo a outro. Da mesma forma o “havia” de “(...) nada mais havia
ali, vinte anos depois; havia apenas dous corações murchos, devastados pela vida e
saciados dela (...)”, se convertido em “houve”, retiraria o ar de memória por qual passa o
personagem e já remeteria à narração do que estava acontecendo no momento exato da
cena. Uma atividade dessa natureza trabalharia a intuição do aluno nos efeitos de sentido
do uso efetivo do verbo e seus tempos.
A escolha pelo texto literário ocorreu na tentativa de agregar e unir a aula de
Língua Portuguesa, muitas vezes comprometida pela separação entre gramática e literatura.
Já a presença de Machado de Assis, dá-se apenas para exemplificação e possibilidade de,
com os textos literários consagrados pela sociedade, livros e provas, realizar um trabalho
além da interpretação temática.
A atividade II tem como objeto central, assim como a I, o texto literário, e pode-se
discutir não só a noção de aspecto imersa na classificação gramatical (perfeito/imperfeito),
mas também as alterações de sentido provocadas pela modificação do modo na
preservação do tempo, e a consequente ou não mudança de aspecto. O objetivo é
possibilitar aos alunos a implementação, de forma mais reflexiva, da diversidade modal do
sistema da língua. Segue um trecho para explicitação da proposta.
E era verdade; se o jumento corre por ali fora, contundia-me deveras, e
não sei se a morte não estaria no fim do desastre; cabeça partida, uma
congestão, qualquer transtorno cá dentro, lá se me ia a ciência em flor. O
almocreve salvara-me talvez a vida; era positivo; eu sentia-no no sangue
que me agitava o coração. Bom almocreve! enquanto eu tornava à
consciência de mim mesmo, ele cuidava de consertar os arreios do
jumento, com muito zelo e arte. (ASSIS, 2006, p.57-58. Grifo meu)
Percebe-se que o modo empregado no trecho é todo no indicativo. Caso fosse feita
a modificação do indicativo para o subjuntivo, não só o aluno e o professor haveriam de
fazer transformações estruturais para empregá-lo, mas também o sentido do narrado
modificaria. Uma possível retextualização do trecho referido para os fins da atividade
seria:
E se fosse verdade; que o jumento corra por ali fora, contunda-me
deveras, e não saiba se a morte não estiver no fim do desastre; cabeça
partida, uma congestão, qualquer transtorno cá dentro, lá se me fosse a
ciência em flor. Se o almocreve salvasse-me talvez a vida; seria positivo;
se eu o sentisse no sangue que me agitaria o coração. Bom almocreve!
Enquanto eu tornasse à consciência de mim mesmo, ele cuidaria de
consertar os arreios do jumento, com zelo e arte. (ASSIS. Modificado
para a atividade)
Interessante observar que o fato do jumento atacar ou não o personagem fica
hipotético nas duas formas. Contudo, pode-se interpretar que, enquanto, no original, se
cogitou a corrida do animal, no modificado, o personagem desejou; enquanto, no original,
a “cabeça partida, uma congestão” entre outros sintomas seriam sentidos pelo personagem,
no modificado, seriam sentidos pelo animal; enquanto, no original, a possibilidade do
almocreve salvar a vida do personagem é real, no modificado, é desejo. Porém, o aspecto
inacabado permanece preponderante nas duas formas. Uma atividade nesse viés pode
questionar e tentar, com hipóteses, justificar a opção do autor; a importância do emprego
adequado do modo; a multiplicidade de sentidos além da explicação normativa de que o
subjuntivo expressa o hipotético e o indicativo expressa o factual.
A atividade III já tem como objetos motivadores, dois diferentes gêneros textuais, a
fim de ligar as aulas que se atualizam nesse sentido à Análise Linguística precisa. O
assunto central é discutir como ocorre a adequação dos verbos à comunicação social
através de textos escritos pelo falante/escritor. O objetivo é levar o aluno a reconhecer e
explicar por que aquele modo e aquele tempo verbal são recorrentes num determinado
gênero textual. Um exercício possível seria ler diversos exemplos dos gêneros textuais
escolhidos, observar o uso verbal e levantar hipóteses que o justifiquem. Por exemplo, em
charges, intui-se que o uso mais recorrente é o presente do indicativo. O levantamento de
hipóteses a partir de várias leituras e pesquisas poderia ser: o fato de falar sempre de
assuntos muito atuais; de se utilizarem em sua maioria da fala de personagens sobre o fato
atual; dessa fala, em momentos, ser a fala não de um, mas a propagação de uma
informação, de uma verdade social. Da mesma forma, há a resenha de filmes/livros, por
exemplo, na qual o uso do presente do indicativo se faz mais constante. As hipóteses que
poderiam surgir na tentativa de “justificar” o recorrente uso seriam: o resenhista fala numa
atemporalidade já que emite um juízo de valor crítico sobre uma obra que pode ser
lida/vista em diversos tempos e contextos; a obra (filme/livro) encontra-se concluída no
que diz respeito à autoria, o que talvez daria margem para a opção pelo pretérito perfeito,
mas em processo no que diz respeito à recepção e construção de sentido, justificando a
opção primeira pelo presente, como se pode observar na sucinta resenha abaixo.
"O Curioso Caso de Benjamin Button", de F. Scott Fitzgerald
Este livro traz a adaptação em quadrinhos da história de "O Curioso Caso
de Benjamin Button", conto de F. Scott Fitzgerald transformado em filme
estrelado por Brad Pitt e indicado ao Oscar. A história conta a peculiar
saga de um homem que "nasceu" com 70 anos e misteriosamente fica
mais jovem a cada dia. Benjamin Button se apaixona, tem uma família e
cria um negócio de sucesso. Em seus últimos anos, ele vai à guerra e
depois à Universidade de Harvard. Ao envelhecer, ele fica igual a um
bebê recém nascido e volta aos cuidados do berço.
(FONTE:http://www1.folha.uol.com.br/folha/livrariadafolha/ult100
82u353222.shtml. Acessado dia 24/11/2010)
Entende-se que o esforço do professor em empregar atividades dessa natureza,
nessa perspectiva epilinguística, promoveria na sala de aula junto aos alunos um estudo
crítico de fatos e estruturas da língua tão estagnados pela abordagem tradicional, além de
apresentar atrativo e funcionalidade a uma disciplina por muitos considerada desnecessária
já que todos sabem “falar” a própria língua materna.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta de observar e trabalhar a Língua Portuguesa de forma reflexiva exige
por parte do professor um conhecimento mais ampliado da estrutura linguística, um
conhecimento além do exposto na gramática normativa. Trata-se de uma constante
tentativa de investigar, analisar usos recorrentes de falantes e escritores além da superfície
concebida por manuais.
No presente trabalho, a alternativa oferecida para auxiliar professores do Ensino
Fundamental II na abordagem da categoria gramatical/linguística “verbo” foi analisar o
sistema verbal de sua língua raiz, o Latim. Constatou-se que sua organização verbal por
aspectos (perfectum, infectum) permitia ao docente vislumbrar que o verbo em Língua
Portuguesa apresenta um estado acabado e inacabado no seu uso efetivo, mesmo ausente
na sua classificação. Tal conclusão possibilitaria um estudo crítico-analítico de textos
efetivos e situados no mundo social como os gêneros textuais: romance, resenha, charge,
entre outros. Entende-se que esse movimento de volta forma além de um ensino ampliado,
o professor que, então, seria também pesquisador da linguagem ciente das conjunções e
disjunções de diferentes línguas.
Por fim, acredita-se que, a partir da construção e publicações acadêmicas de
atividades dessa natureza, assim como de um estudo mais aprofundado das unidades
linguísticas, as recomendações dos PCN sobre o ensino de conhecimentos linguísticos são
mais passíveis de prática. Fornecer um caminho ao professor que muitas vezes passou
apenas pelo ensino transmissivo de língua, por assimilação, é indicar como fazer o ensino
de língua eficiente partir da reflexão e não da memorização inconsciente e ineficiente.
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Ensino do sistema verbal da língua portuguesa