Anais do X Encontro do CELSUL – Círculo de Estudos Linguísticos do Sul UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná Cascavel-PR | 24 a 26 de outubro de 2012 | ISSN 2178-7751 LÍNGUAS EM CONTATO NO SUDOESTE DO PARANÁ: VISÕES SOBRE AS VARIEDADES DO PORTUGUÊS E DO ESPANHOL FALADAS NA FRONTEIRA COM A ARGENTINA Clarice Cristina CORBARI 1 RESUMO: Este texto apresenta resultados parciais de pesquisa sobre crenças e atitudes linguísticas manifestas por falantes de três localidades situadas no Sudoeste do Paraná, na fronteira com a Argentina: Santo Antônio do Sudoeste, Pranchita e Capanema. O foco, neste estudo, são as visões dos informantes sobre o espanhol e o português falado na fronteira, bem como sobre a variedade resultante do contato dessas duas línguas. Objetiva-se identificar as denominações dadas a essas variedades, as crenças sobre tais variedades e a avaliação que os informantes fazem delas. Para nortear este estudo, são utilizados princípios teórico-metodológicos da Sociologia da Linguagem, da Sociolinguística e da Psicologia Social referentes à análise de crenças e atitudes linguísticas. O corpus provém do Projeto “Crenças e atitudes linguísticas: um estudo da relação do português com línguas de contato” (AGUILERA, 2009). Do questionário de 48 perguntas, aplicados a dezoito informantes, foram selecionadas onze perguntas que revelam, principalmente, a consciência linguística do informante em relação às línguas em foco e a avaliação das línguas e dos falantes pelo informante. PALAVRAS-CHAVE: Crenças e atitudes linguísticas; Línguas em contato; Contexto de fronteira. ABSTRACT: This text presents partial results of research on linguistic beliefs and attitudes expressed by speakers from three locations in the Southwest of Paraná (Brazil), on the border with Argentina: Santo Antônio do Sudoeste, Pranchita and Capanema. This study focuses the informants’ views on the varieties of Spanish and Portuguese spoken on the border, as well as their views on the variety resulting from the contact of these two languages. The aim is to identify the designations given to these varieties, the beliefs on these varieties and the informants’ evaluation of them. The study is based on theoretical and methodological principles of Sociology of Language, Sociolinguistics and Social Psychology concerning the analysis of linguistic beliefs and attitudes. The corpus was collected as part of the Project “Crenças e atitudes linguísticas: um estudo da relação do português com línguas de contato” (Linguistic beliefs and attitudes: a study on the relation between Portuguese and contact languages) (AGUILERA, 2009). From the questionnaire with 48 questions, applied to eighteen informants, we selected eleven questions that reveal mainly the linguistic awareness of informants about the languages under focus and the evaluation of these languages and their speakers by the informant. KEY WORDS: Linguistic beliefs and attitudes; Languages in contact; Cross-border context. 1 Doutoranda em Letras e Linguística pela Universidade Federal da Bahia (DINTER UNIOESTE / UFBA), Universidade Estadual do Oeste do Paraná, [email protected]. 1 Anais do X Encontro do CELSUL – Círculo de Estudos Linguísticos do Sul UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná Cascavel-PR | 24 a 26 de outubro de 2012 | ISSN 2178-7751 1 Introdução Os contatos estabelecidos nas regiões fronteiriças a países hispano-falantes fazem desse espaço um complexo cenário sociolinguístico e cultural propício para o estudo das línguas em contato e das crenças e atitudes relacionadas a essas línguas e seus usuários. Conforme Sturza, As fronteiras geográficas são preenchidas de conteúdo social. Se as fronteiras são sociais, se nelas vivem diferentes etnias [...] o contato linguístico é uma consequência inevitável, e a situação das práticas linguísticas nessas regiões, de um modo geral, um campo pouco explorado pela linguística brasileira (STURZA, 2005, p. 47). A estreita relação que existe entre língua e identidade frequentemente acaba por se manifestar nas atitudes dos indivíduos em relação às línguas com as quais entram em contato e, consequentemente, em relação aos seus usuários. Segundo Moreno Fernández (1998), uma variedade linguística pode ser interpretada como um traço definidor da identidade, de modo que as atitudes em relação a grupos com certa identidade são, em parte, atitudes em relação às variedades linguísticas usadas por esses grupos e em relação aos usuários de tais variedades. Assim, entende-se que o estudo das crenças e atitudes linguísticas presentes em localidades multilíngues seja pertinente pela possibilidade de fornecer indícios para a análise do comportamento linguístico dos falantes em relação à variação, revelando os elementos que atuam nas relações sociais entre os diferentes grupos. Nesse sentido, este artigo apresenta alguns resultados de pesquisa descritiva sobre crenças e atitudes linguísticas de falantes de três localidades situadas no Sudoeste do Paraná, na fronteira com a Argentina: Santo Antônio do Sudoeste, Pranchita e Capanema. O estudo se concentra nas visões dos informantes sobre o espanhol e o português falado na fronteira, bem como sobre a variedade resultante do contato entre essas duas línguas. Acredita-se que o modo de ocupação das terras dessa região, ao engendrar diversos conflitos jurídicos, políticos e sociais, tenha trazido implicações que podem ter se refletido nas relações estabelecidas entre os diversos grupos étnicos que entraram em contato nesse território. Primeiramente habitada por caboclos, que ocuparam a terra na condição de posseiros, a região recebeu posteriormente argentinos e paraguaios, que chegaram a compor 25% da população da fronteira no auge da exploração da erva-mate. Com a diminuição dessa atividade extrativa na região, os argentinos e paraguaios começaram a se evadir, chegando a menos de 1% da população regional na década de 1940. Nessa década e na seguinte, levas de descendentes de imigrantes, predominantemente de origens alemã e italiana, instalaram-se na região, vindos de colônias previamente formadas no Rio Grande do Sul e no leste de Santa Catarina, atraídos para essa região paranaense pela possibilidade de compra, a preços irrisórios, das terras posseadas pelos caboclos (WACHOWICZ, 1985). Por ser uma região fértil e rica, o Sudoeste do Paraná foi disputado tanto pela Argentina e pelo Brasil, quanto pelos estados do Paraná e Santa Catarina. O conflito entre os dois estados pela posse dessa região se originou ainda no Brasil colônia e continuou com a criação da Província do Paraná, em 1853. Após a Guerra do Contestado, os dois estados assinaram o acordo de fronteira, ficando para Santa Catarina a maior parte das terras em litígio. Foi só a partir de 20 de outubro de 1916 que a região passou a pertencer ao estado do Paraná (LAZIER, 2003). Na questão da disputa entre os dois países, Lazier (2003) informa que, ao ser definida a linha divisória entre eles, a Argentina reivindicou a região onde hoje é o Sudoeste do 2 Anais do X Encontro do CELSUL – Círculo de Estudos Linguísticos do Sul UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná Cascavel-PR | 24 a 26 de outubro de 2012 | ISSN 2178-7751 Paraná; o Brasil, por sua vez, defendia a conformação que a fronteira tem atualmente. A disputa só foi decidida em 1889, quando Cleveland, o então presidente dos Estados Unidos, escolhido como juiz da questão, deu ganho de causa ao Brasil. Porém, a divisa só veio a ser definitivamente estabelecida em 1898, por meio de um tratado. Tendo em vista essa situação, é possível que o conflito entre os dois países tenha gerado certa animosidade entre brasileiros e argentinos. A fronteira constitui algo mais que o mero fato geográfico: os sujeitos envolvidos nesse espaço, com suas línguas e culturas, fazem dela também um fato social. Por essa razão, esse cenário de línguas e culturas em contato se torna, inevitavelmente, campo propício para a manifestação de crenças e atitudes, sejam elas positivas ou negativas, em relação à língua e à cultura do “outro”, que, em última instância, são crenças e atitudes em relação aos próprios sujeitos que se identificam com tal língua e cultura. 2 Pressupostos teóricos do estudo O estudo das crenças e atitudes linguísticas se beneficia das contribuições de diversas áreas, dentre as quais se destacam a Psicologia Social, a Sociolinguística e a Sociologia da Linguagem, cada qual com seu enfoque. A Psicologia Social, que concebe as atitudes como um complexo fenômeno psicológico que se reveste de grande significado social, fornece subsídios para o estudo dos papéis que os motivos, as crenças e a identidade exercem no comportamento linguístico do indivíduo (LAMBERT; LAMBERT, 1966). Já para a Sociolinguística, a importância do estudo das atitudes linguísticas reside no fato de que elas, além de revelarem múltiplos aspectos para melhor entendimento de uma comunidade, influem decisivamente nos processos de variação e mudança linguística, bem como afetam a eleição de uma língua em detrimento de outra e o ensino-aprendizagem de línguas nessa comunidade (MORENO FERNÁNDEZ, 1998; GÓMEZ MOLINA, 1996; BLANCO CANALES, 2004). Por sua vez, a Sociologia da Linguagem focaliza toda a gama de tópicos relacionados à organização social do comportamento linguístico, incluindo não apenas o uso da língua em si, mas também as atitudes explícitas em relação à língua e aos seus usuários (FISHMAN, 1972). Lambert e Lambert (1966, p. 77) conceituam atitude como “uma maneira organizada e coerente de pensar, sentir e reagir em relação a pessoas, grupos, questões sociais ou, mais genericamente, a qualquer acontecimento ocorrido em nosso meio circundante”. Para esses psicólogos, a atitude é formada por três componentes: pensamentos e crenças, sentimentos ou emoções, e tendências de reação. Porém, a definição da estrutura componencial da atitude está longe de um consenso entre os pesquisadores. Bem (1973), por exemplo, acrescenta o componente social. Para o autor, as crenças e atitudes humanas se fundamentam em quatro atividades do homem – pensar, sentir, comportar-se e interagir com os outros –, que correspondem aos quatro fundamentos psicológicos das crenças e atitudes – cognitivos, emocionais, comportamentais e sociais. Já López Morales (1993) identifica na atitude apenas o componente conativo, separando o conceito de crença do de atitude e situando-os em níveis diferentes: as crenças dão lugar a atitudes diferentes; estas, por sua vez, ajudam a conformar as crenças, juntamente com os elementos cognoscitivos e afetivos, tendo em conta que as crenças podem estar baseadas em fatos reais ou podem não estar motivadas empiricamente. As abordagens das atitudes refletem o próprio conceito de atitude adotado. As duas principais perspectivas são: (a) a mentalista, de natureza psicológica, que concebe a atitude como uma entidade complexa, compreendendo os elementos cognitivo ou cognoscitivo, afetivo e conativo, e (b) a behaviorista ou condutista, que interpreta a atitude como uma conduta, uma reação ou resposta a um estímulo, sendo composta de um elemento único, 3 Anais do X Encontro do CELSUL – Círculo de Estudos Linguísticos do Sul UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná Cascavel-PR | 24 a 26 de outubro de 2012 | ISSN 2178-7751 geralmente afetivo ou de valoração (GÓMEZ MOLINA, 1996; MORENO FERNÁNDEZ, 1998; BLANCO CANALES, 2004). As atitudes linguísticas constituem uma categoria particular no âmbito das atitudes de forma geral, pois o objeto da atitude não são as línguas, mas os grupos que as falam. As atitudes linguísticas representam, assim, um componente fundamental da identidade linguística do falante e possibilitam a leitura e compreensão do próprio comportamento linguístico. Nessa perspectiva, o estudo das crenças e atitudes linguísticas precisa estar fundamentado na relação entre língua e identidade étnica. Para Moreno Fernandez (1998), as atitudes linguísticas têm a ver com as línguas mesmas e com a identidade dos grupos que as manejam. Como afirma Aguilera (2008a), a língua não está desvinculada de seu contexto social, principalmente na sua condição de aspecto constituidor da identidade de um determinado grupo étnico. Decorre daí que, “na maioria das vezes, ao caracterizar um grupo ao qual não pertence, a tendência é o usuário fazê-lo de forma subjetiva, procurando preservar o sentimento de comunidade partilhado e classificando o outro como diferente” (AGUILERA, 2008a, p. 106). É a língua que simboliza os limites que separam o “nós” e os “outros”, uma vez que a língua que falamos identifica a nossa origem, nossa história, nossa cultura, o grupo a que pertencemos. Entram em cena, nesse contexto, as atribuições feitas aos falares locais e aos seus usuários, balizadas especialmente por estereótipos relacionados a questões de agradabilidade e correção (ou à falta desses atributos) de algumas variedades em comparação a outras. Esses estereótipos se traduzem em atributos tais como “bonito(a)”, “feio(a)”, “bem falado(a)”, “mal falado(a)”, “mais correto(a)” etc. Segundo Giles e Niedzielski (1998), visões como essas são construídas com base em normas culturais, pressões e conotações sociais. Nesse sentido, os julgamentos sobre as variedades linguísticas são o resultado de um complexo de associações e preconceitos sociais, culturais, regionais, políticos e pessoais. Calvet (2002) lembra que os estereótipos não se referem somente a línguas diferentes, mas também às suas variantes geográficas, que são julgadas pelo senso comum ao longo de uma escala de valores. Desse modo, a divisão das formas linguísticas em línguas, dialetos e patoás é considerada, de maneira pejorativa, como isomorfa a divisões sociais, que, por sua vez, também se fundam em uma visão pejorativa. É nessa escala de valores que se fundam, por exemplo, os estereótipos do ‘bem falar’. Segundo o autor, Ouvimos dizer em todos os países que há um lugar onde a língua nacional é pura [...], que existem sotaques desagradáveis e outros harmoniosos etc. Por trás desses estereótipos se perfila a noção de bon usage (‘uso certo’), a ideia segundo a qual há modos de bem falar a língua e outros que, em comparação, são condenáveis. Encontramos assim em todos os falantes uma espécie de norma espontânea que os leva a decidir que forma deve ser proscrita, que outra deve ser admirada: não se fala assim, se fala assado (CALVET, 2002, p. 68). As atribuições ou avaliações da língua e do comportamento linguístico trazem algumas implicações para a sociedade, conforme apontam Giles e Niedzielski (1998). A primeira é que inúmeros falantes de certas línguas e dialetos crescem acreditando, às vezes por meio do ridículo e do abuso, que suas formas de se comunicar, que constituem um aspecto fundamental de sua identidade, são grosseiramente inadequadas, e acabam tendo vergonha do modo como falam. A segunda é que as visões sobre um dialeto (e seus falantes) podem interferir nas crenças sobre sua compreensibilidade e na disposição para despender algum esforço na sua interpretação. Ou seja, construir um dialeto particular como “vulgar” e sentir 4 Anais do X Encontro do CELSUL – Círculo de Estudos Linguísticos do Sul UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná Cascavel-PR | 24 a 26 de outubro de 2012 | ISSN 2178-7751 desconforto e insatisfação ao falar com seus usuários pode, inconscientemente, conduzir de forma tendenciosa nossa percepção de sua inteligibilidade e, assim, em última análise, de seu valor como uma forma viável de comunicação. Finalmente, a terceira implicação diz respeito ao “bem falar”, ou seja, o quão “bem” falamos pode ter grande valor social, de modo que, por exemplo, falar de um modo consensualmente tido como desagradável poderia levar a algumas consequências sociais desfavoráveis em diversas situações que o falante tem de enfrentar. 3 Metodologia Este estudo toma como corpus parte dos dados coletados pelo Projeto Crenças e atitudes linguísticas: um estudo da relação do português com línguas de contato (AGUILERA, 2009) em regiões de fronteira e imigração, no Paraná. O projeto envolveu oito municípios, sendo seis fronteiriços ao Paraguai e à Argentina e dois situados na região central do estado. Dentre esses municípios, esta pesquisa focaliza três, conforme já anunciado: Santo Antônio do Sudoeste, Pranchita e Capanema. O aporte metodológico das pesquisas sobre crenças e atitudes linguísticas advém principalmente da Psicologia Social. Para o projeto em questão, adotou-se uma metodologia baseada na teoria mentalista, na perspectiva de que, conforme Blanco Canales (2004), apesar das evidentes desvantagens da proposta mentalista, que demanda um mecanismo que permita inferir e medir as atitudes, é a mais bem aceita devido à sua capacidade de prever o comportamento verbal e, portanto, converter-se em modelos sistemáticos. O instrumento de coleta de dados seguiu a orientação de Lambert e Lambert (1966), que propõem medir as atitudes por meio de um questionário contendo itens que representem os três componentes da atitude: o cognitivo, o afetivo e o conativo. Desse modo, elaborou-se um questionário para as entrevistas com base em tais critérios, adaptados à realidade sociolinguística e cultural das comunidades de fala investigadas, com 48 perguntas específicas para avaliar crenças e atitudes linguísticas em relação às línguas em contato e ao português de cada localidade. A seleção dos informantes foi planejada com base em três dimensões: (a) a dimensão diageracional, contemplando três faixas etárias: 18 a 30 anos, 31 a 50 anos, e 51 a 70 anos; (b) a dimensão diastrática, optando-se pela escolaridade como parâmetro definidor de classe social, resultando na definição de três níveis de escolaridade: fundamental, médio e superior; e (c) a dimensão diassexual, contemplando sujeitos dos gêneros/sexos feminino e masculino. Da combinação das variáveis resultou a seleção de dezoito informantes para cada localidade pesquisada. Para o desenvolvimento da análise aqui empreendida, foram selecionadas as perguntas do questionário cujas respostas pudessem revelar, principalmente, a consciência linguística do informante em relação às línguas em foco (componente cognitivo) e a avaliação das línguas e dos falantes pelo informante (componente afetivo). Trata-se das seguintes questões (apresentadas conforme sua ordem no questionário): (1) Que língua você fala?; (5) Aqui em Antônio do Sudoeste / Pranchita / Capanema, existem pessoas que falam diferente de você?; (6) Que língua(s) fala(m) os que falam diferente aqui?; (7) Poderia dar um exemplo do espanhol argentino?; (11) Comparando essas línguas [faladas na localidade], quem fala melhor? Por quê?; (12) E quem fala pior? Por quê?; (13) Em que lugares você ouve essa(s) língua(s) ou modo(s) de falar diferente(s)?; (18) Falam melhor os que falam o português ou os que falam essas línguas estrangeiras de que falamos?; (20) Qual língua é a mais bonita?; (21) Qual língua é a mais feia?; e (46) Sobre essa multiplicidade de línguas que você ouve aqui em Antônio do Sudoeste / Pranchita / Capanema, gostaria de falar mais alguma coisa que eu não tenha perguntado? 5 Anais do X Encontro do CELSUL – Círculo de Estudos Linguísticos do Sul UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná Cascavel-PR | 24 a 26 de outubro de 2012 | ISSN 2178-7751 Por fim, cabe ressaltar que este estudo não se detém na discussão teórica sobre a caracterização do portunhol: se interlíngua, se uma variedade do português, se uma variedade do espanhol, se variedade autônoma com caráter de língua franca etc. Importam, aqui, apenas as impressões (avaliações ou descrições) dos informantes sobre essa variedade. 4 Análise dos dados 4.1 Análise do componente cognitivo das atitudes dos informantes Esta análise se concentra, nesta primeira parte, nas respostas que revelam o componente cognitivo das atitudes, ou seja, a consciência linguística do informante ou, mais especificamente, as designações das variedades linguísticas (inclusive a própria) faladas na fronteira e o nível de conhecimento dessas variedades. A pergunta do questionário que visa à identificação da(s) língua(s) de uso do informante (questão 1) traz duas pistas importantes: (a) o índice de sujeitos bilíngues 2, dentre os informantes, em cada localidade e (b) as designações dadas às variedades do português e do espanhol. Esta última informação, porém, também é fornecida por respostas a outras perguntas do questionário. São monolíngues em língua portuguesa, em Santo Antônio do Sudoeste, 50% dos informantes; em Pranchita, 61%; e em Capanema, 44%. A porcentagem maior de bilíngues em português e espanhol ocorreu em Santo Antônio do Sudoeste (39%), o que já era previsto, já que o contato maior entre brasileiros e argentinos ocorre nessa localidade e na cidade vizinha de San Antonio. Em Pranchita, são bilíngues em português e espanhol 17% dos informantes, e outros 17% são trilíngues em português, espanhol e uma língua de herança, de modo que um terço dos informantes diz saber espanhol. Em Capanema, verificou-se alta porcentagem (39%) de falantes em português e uma língua de herança dos imigrantes (italiano ou alemão), e apenas 17% declarou saber espanhol. Quanto às designações, verificou-se, já nas respostas a essa primeira pergunta do questionário, as denominações ‘português’ e ‘brasileiro’ para a língua portuguesa, sendo que a porcentagem mais significativa para a denominação ‘brasileiro’ ocorreu em Capanema, onde Pastorelli (2011) já havia verificado o uso da designação por 61% dos informantes. Algumas vezes, essas denominações foram usadas concomitantemente pelos informantes, que forneceram uma designação como primeira resposta e outra como segunda resposta, ou usaram uma logo após a outra, como ocorreu nesta resposta: “Só português, só brasileiro” (Inf. 6 – Pranchita). Aguilera (2008b) acredita que essa insegurança na denominação da língua materna seja resultado da pouca escolaridade do sujeito, pois “a escola é um agente muito forte na propagação da língua oficial e de cultura e, consequentemente, na sedimentação da crença de seus usuários. Por outro lado, a ausência de escolaridade ou o pouco tempo de permanência nos bancos escolares podem gerar a indecisão e a incerteza” (AGUILERA, 2008b, p. 10). A variedade falada pelos argentinos (e alguns brasileiros) também obteve duas designações: espanhol e castelhano 3. Embora o questionário incluísse também perguntas sobre 2 Neste estudo, adota-se a definição de falante bilíngue dada por Grosjean (1982), que considera bilíngues os indivíduos que usam duas ou mais línguas (ou dialetos) em seu cotidiano, independentemente do nível de competência em cada uma de suas línguas. Entende-se que o domínio que os falantes têm de suas línguas pode variar quanto às habilidades de entender, falar, ler e escrever. 3 Em alguns inquéritos, verifica-se também o uso dos termos ‘espanhóis’ ou ‘castelhanos’ (inclusive por alguns dos inquiridores) para designar grupos étnicos, especialmente os argentinos, buscando, talvez, uma relação mais direta com a língua falada, e não com a nacionalidade em si. 6 Anais do X Encontro do CELSUL – Círculo de Estudos Linguísticos do Sul UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná Cascavel-PR | 24 a 26 de outubro de 2012 | ISSN 2178-7751 os paraguaios e o espanhol paraguaio, observa-se que, na maioria das vezes, ao usar essas designações, os inquiridores e/ou informantes estavam se referindo especificamente à variedade do espanhol argentino. Pastorelli (2011), em sua pesquisa em Capanema, também verificou que a menção ao castelhano se referia sempre ao espanhol argentino. Na verdade, nas três localidades deste estudo, a menção aos paraguaios e ao espanhol paraguaio foi mínima, se não nula em algumas entrevistas, provavelmente pela percepção de que o contato dos informantes com essa língua e seus falantes fosse menor do que se supunha por ocasião da elaboração do questionário, embora o Paraguai não esteja tão distante da região. Com relação ao conhecimento de espanhol ou castelhano, os informantes geralmente relatam uma competência de nível bastante elementar. A porcentagem maior de conhecimento informado dessa língua foi verificada em Santo Antônio do Sudoeste, provavelmente pelo fato de a travessia de um país para o outro ocorrer nessa localidade e, portanto, concentrar-se aí a maior ocorrência de interações com os argentinos. As respostas parecem demonstrar que a maioria dos falantes bilíngues de português e espanhol, nessa localidade, adquiriu este último idioma espontaneamente, movida pela necessidade de interação cotidiana com os argentinos. Trata-se, na verdade, de fenômeno comum em regiões de fronteira com países de línguas nacionais diferentes. Esse relativo domínio do espanhol é descrito da seguinte forma: “muito arranhado”, “vai embolando, juntando”, “dou uma remediada”, “arrasto um pouquinho”, demonstrando que o domínio do idioma tem a finalidade de buscar estabelecer uma comunicação minimamente satisfatória com o argentino. Alguns informantes reconhecem tratar-se não do espanhol, mas do portunhol. Com relação à consciência da diversidade linguística na localidade, a grande maioria dos informantes reconhece a existência de outras línguas faladas na localidade, além do português. Em Santo Antônio do Sudoeste, o idioma estrangeiro mais lembrado foi o espanhol (assim denominado por 78% informantes), ou castelhano (11%), ou argentino (11%). O portunhol, variedade falada na fronteira, também foi citado, sendo classificado pelos informantes, de modo geral, como uma “mistura do português com o espanhol”. Já em Pranchita, foram mais lembradas as línguas de imigração, especialmente o italiano (lembrado por 67% dos informantes) e o alemão (citado por 61% dos informantes) 4. Apenas 28% dos informantes mencionaram o espanhol/castelhano como língua falada na localidade. Quando instados pelo inquiridor sobre o espanhol, a maioria dos informantes disse que isso ocorria mais na cidade vizinha de Santo Antônio do Sudoeste ou, então, no contexto escolar, já que algumas escolas oferecem cursos de espanhol. Muitos também citaram que os argentinos já dominam bem o português e usam esse idioma para se comunicar com os brasileiros, mesmo lá na Argentina (quando os brasileiros vão às compras nesse país). Em Capanema, o espanhol/espanhol argentino/castelhano foi mencionado por 83% informantes. Muitos desses informantes lembraram também das línguas de imigração: o alemão foi citado por 94% dos informantes, e o italiano, por 61% dos informantes. Instados a darem exemplos do espanhol argentino, a maior produtividade de respostas ocorreu em Santo Antônio do Sudoeste, onde apenas três informantes não souberam informar exemplos dessa variedade. Os exemplos mais lembrados foram as fórmulas de cumprimento: Buenos dias, Salud, Até luego (= Hasta luego), Hola, que tal, Hola, Cómo está, señor?, Cómo está, señorita?, Cómo tá? (= Cómo estás?), Cómo está?, Como estás?, Cómo le va?, Muy bien, y vos. Trata-se de palavras usadas para estabelecer contato, iniciar a interação comunicativa. Muitos dos exemplos citados mostram a interferência do português, 4 Vale lembrar que os informantes, em determinadas perguntas, citaram mais de um item (neste caso, mais de uma língua), de modo que as porcentagens, nesses casos, não necessariamente totalizarão 100%, pois se referem às menções dos itens isoladamente. 7 Anais do X Encontro do CELSUL – Círculo de Estudos Linguísticos do Sul UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná Cascavel-PR | 24 a 26 de outubro de 2012 | ISSN 2178-7751 caracterizando o que os informantes chamam de portunhol (definições dadas a essa variedade pelos informantes serão apresentadas mais adiante). Em Pranchita, apenas 44% dos informantes deram exemplos, e em Capanema, 56% deram exemplos do espanhol argentino, com referência principalmente a fórmulas de cumprimento e de agradecimento. Sobre os lugares ou situações em que as diferentes línguas ou variedades são ouvidas, as respostas, de modo geral, mostraram que o espanhol argentino é mais falado no âmbito público, e as línguas de herança, no privado, como era de se esperar. Em Santo Antônio do Sudoeste, os locais em que se ouve o espanhol argentino mais lembrados foram os seguintes: na alfândega ou aduana (lembrado por mais da metade dos informantes), na rua, no comércio (farmácia, bancos, lojas), no trabalho e entre familiares ou conhecidos que moram na Argentina. Em Pranchita, foram lembrados os seguintes locais: no colégio (entre professores e alunos de espanhol), na própria Argentina e no comércio ou no local de trabalho do informante (hotel, consultório médico), especialmente em Santo Antônio, conforme exemplifica o informante abaixo: (01) É, aqui na cidade não, às vezes quando a gente vai em Santo Antônio que existe algum argentino que tem alguém no comércio lá comprando, eles também estão falando o espanhol deles lá. Apesar de que eles já procuram falar o português aqui no Brasil. (Inf. 11 – Pranchita) Em Capanema, o uso do espanhol argentino/castelhano é percebido principalmente no comércio. Com relação à questão que solicitava do informante acrescentar informações ou opiniões, caso quisesse, sobre a multiplicidade de línguas que se ouve nas localidades, foram consideradas, aqui, apenas as respostas referentes aos argentinos e às variedades em tela neste estudo. Em Santo Antônio do Sudoeste, temos apenas o seguinte depoimento, relativo à forma como se dão as trocas comunicativas entre brasileiros e argentinos: (02) Não, é que o nosso... o nosso maior convivência aqui é realmente com os argentinos... [...] Têm um convívio bom, eles se esforçam, quando a gente conversa, eles já esforçam pra... pra conseguir transmitir pra nossa língua aquilo que entende, e da mesma forma eles também... a gente se esforça pra que eles consigam entender o que eles tão querendo transmitir pra gente, então... aqui não tem problema, a gente consegue se comunicar bem. (Inf. 15 – Santo Antônio do Sudoeste) Em Pranchita, alguns informantes demonstraram consciência das diferenças entre a variedade argentina e a paraguaia: (03) Tem deferença até no sotaque. Porque o argentino e o espanhol é a mesma língua, é a mesmo idioma [...] e o paraguaio já tem deferença porque é mais cantado e ele é mais puxado, então o paraguaio, ele busca, ele... vamos supor, ele já busca mais o guarani [...]. Então ali que eles aprenderam falar, mas eles fala muito cantado, não é o verdadero sutaco. (Inf. 5 – Pranchita) (04) Eu não sei, assim, parece que os daqui fala mais... mais lento, mais digavar, né, lá são mais violento. (Inf. 15 – Pranchita) Também se verificou, nas localidades vizinhas de Santo Antônio do Sudoeste e Pranchita, a consciência de que o espanhol falado na fronteira difere do espanhol falado no interior da Argentina. 8 Anais do X Encontro do CELSUL – Círculo de Estudos Linguísticos do Sul UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná Cascavel-PR | 24 a 26 de outubro de 2012 | ISSN 2178-7751 (05) Olha, aqui o... os castelhanos, como a gente diz, eles não têm um linguajar bem comum. Mais pra... mais pra dentro, né, em Buenos Aires, a gente teve lá, é diferente, né. Aqui já é meio misturado, né. (Inf. 12 – Santo Antônio do Sudoeste) (06) Tipo, os que tão na divisa com o Brasil falam mais devagar, os que tão mais assim no centro da capital, eles falam mais ligeiro. Porque não têm contato com o Brasil [...] quanto mais pro interior, mais eles falam ligeiro. (Inf. 14 – Pranchita) Alguns informantes avaliam o espanhol falado na fronteira como mais fácil de entender que a(s) variedade(s) usada(s) em outros lugares. (07) [...] eu acabo escutando toda semana eles falar, eles falam em espanhol, né, é meio portunhol, assim, eles tentam falar o mais claro possível pra gente entender, mas daí fica bem fácil pra gente entender, eles acabam, por ser também da fronteira, eles acabam tendo uma forma bem fácil da gente compreender. (Inf. 14 – Pranchita) (08) Mas aqui o espanhol é falado de uma forma que nós entendemos tudo que eles falam e eles também entende tudo que nós falamos. (Inf. 18 – Pranchita) A facilidade de entender o espanhol “deles” pode ser atribuída a, pelo menos, duas razões: a familiaridade adquirida com a variedade, devido ao longo tempo de contato, ou ao uso do portunhol, que, por conter elementos da língua portuguesa, torna-se uma variedade mais próxima do português que as faladas no interior da Argentina, por exemplo. A explicação mais plausível parece ser esta última, a julgar pelas respostas de um grande número de informantes: (09) E portunhol é assim: as palavras são muito semelhantes, então falam junto, enrolado, misturam algumas expressões que são brasileiras, misturam, né. (Inf. 13 – Santo Antônio do Sudoeste) (10) Eles falam muito o que a gente costuma dizer portunhol, né. Eles misturam muito os idiomas. A... eles misturam a frase, algumas palavras português, algumas espanhol. (Inf. 16 – Santo Antônio do Sudoeste) (11) É portunhol. As pessoas misturam, inclusive, os próprios argentinos misturam um pouco também, né, e nós, como não é argentino, alguém também tenta imitar. (Inf. 11 – Pranchita) (12) Eu acho que o espanhol argentino na nossa fronteira aqui tá mais num portunhol. Eles já falam mais parecido com o português, né. Como nós também, o português nosso, quando nós falamos com eles, misturamos, né. Então, por isso que há mais comunicação, né, mas não é um espanhol mesmo, a língua espanhola mesmo. É mais um portunhol. (Inf. 16 – Pranchita) (13) O portunhol dá uma misturada no português, mas a gente se entende porque eu tenho duas irmãs que casaram... casaram e estão morando aqui na Argentina. E nós tivemos lá esse final de semana, então passamos lá... três dias, ah, quando vem pra casa, você já vem falando (inint.) porque é muito fácil o espanhol. (Inf. 17 – Pranchita) Quanto às definições do portunhol, as repostas mostram que elas giram sempre em torno do conceito de “mistura” do português com o espanhol. Como já mencionado, não é escopo deste estudo entrar no mérito da discussão teórica acerca da caracterização do portunhol. No entanto, é certo que essa variedade contém elementos das duas línguas, embora 9 Anais do X Encontro do CELSUL – Círculo de Estudos Linguísticos do Sul UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná Cascavel-PR | 24 a 26 de outubro de 2012 | ISSN 2178-7751 não apresente uma constância de regras e termos, podendo variar de acordo com cada região fronteiriça e até mesmo com cada falante. 4.2 Análise do componente afetivo das atitudes dos informantes Nesta segunda parte, apresentam-se os dados referentes à avaliação das variedades e dos falantes pelos informantes, que correspondem ao componente afetivo das atitudes. Aqui, cabe alertar para um problema metodológico identificado nas perguntas que solicita do informante que compare as línguas e se posicione sobre quem fala melhor e quem fala pior. No desenvolvimento da análise, verificou-se que tais perguntas não dão indícios de quais critérios o informante deve levar em conta para classificar quem fala melhor ou pior: se diz respeito ao nível de conhecimento/proficiência do falante, se à correção gramatical etc. Essa falha metodológica acabou causando confusão entre muitos informantes diante de tais perguntas. Porém, o que interessa aqui é o que se pode apreender da visão que se tem dos falantes do espanhol argentino e do português, de modo que as respostas a tais questões foram, mesmo assim, consideradas na análise. Em Santo Antônio do Sudoeste, dois terços dos informantes disseram que o argentino fala melhor. Os que justificaram, apresentaram razões principalmente ligadas à facilidade de entendimento do idioma em relação às demais línguas estrangeiras, já que se trata de uma língua parecida com o português e com a qual eles têm mais contato. O informante 15 aprecia o uso de recursos da linguagem não identificados por ele no português, e refere-se também à objetividade: (14) Eles têm... o... o... eles são mais objetivos, assim, o... o... a língua espanhola, ela é bem objetiva. [...]. Eles usam uns adjetivos que nós brasileiros não usamos, o nosso português não usa, eu acho muito interessante. (Inf. 15 – Santo Antônio do Sudoeste) Já em Pranchita, apenas um terço dos informantes disse que o argentino fala melhor – mesmo assim, foi o grupo mais citado, já que houve um índice muito grande de questões não formuladas nos inquéritos dessa localidade. As justificativas também, de modo geral, relacionavam-se à facilidade de entendimento do idioma em relação às demais línguas estrangeiras. Em Capanema, mais da metade dos informantes (56%) acredita que quem fala o espanhol/espanhol argentino/castelhano fala melhor. As justificativas estão ligadas à beleza atribuída à língua, à facilidade de entendimento e à atitude de cultivo da língua pelos argentinos (lembrando que algumas das menções a essa variedade foram feitas por informantes que também citaram outras línguas). Sobre quem fala pior, apenas um informante (6%) de Santo Antônio do Sudoeste citou os “castelhanos”, apresentando como justificativa a dificuldade de entender o idioma. Aliás, esse argumento é o mais usado nas justificativas dadas à resposta sobre a língua mais feia. Por exemplo, metade dos informantes citou o alemão como a língua mais feia, geralmente devido à dificuldade de entender a língua. Para dois informantes (11%), os falantes de português falam pior, embora um deles estivesse se referindo a uma parcela dos falantes de português em sua tentativa de falar espanhol: (15) Os que são brasileiros e querem falar espanhol e não sabem (risos). (Inf. 12 – Santo Antônio do Sudoeste) 10 Anais do X Encontro do CELSUL – Círculo de Estudos Linguísticos do Sul UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná Cascavel-PR | 24 a 26 de outubro de 2012 | ISSN 2178-7751 (16) Português, o pessoal... por causa da... da... das regiões, tem lá no Rio Grande é um jeito de falar, em Santa Catarina é outro, aqui no Paraná é mais tipo São Paulo, então é... é... o português tem uma... por causa dos costumes, ela tem... é uma língua, assim, mais... o pessoal vai remediando ela. (Inf. 15 – Santo Antônio do Sudoeste) Há, nessas respostas, críticas implícitas ao uso de variedades não-padrão: no primeiro caso, em relação ao uso do portunhol, e no segundo, em relação às variedades regionais do português, que tenderiam a fugir do modelo suprarregional idealizado de “língua correta”. Trata-se da noção de “certo e errado” atribuída às variedades, tão propalada pela escola e pelos meios de comunicação. Em Pranchita, igualmente, apenas um informante (6%) citou os argentinos como quem fala pior. O falante de paraguaio foi mencionado por um informante (6%), e o de guarani, também por um informante (6%). Vale informar que os falantes de línguas de imigração também foram lembrados por 56% dos informantes, com justificativas relacionadas à dificuldade dos informantes de entender o idioma (no caso dos alemães e poloneses) ou à percepção de que seus falantes falam errado por usarem dialeto (no caso dos italianos). Em Capanema, nenhum informante citou os argentinos como os piores falantes, mas houve uma menção ao falante do “[...] espanhol paraguaio. Aquele bastante imitado” (Inf. 3). Os brasileiros foram citados por 17% dos informantes, sem justificativas apresentadas, e houve também menções aos descendentes de imigrantes (especialmente alemães e italianos). Com relação à questão “Falam melhor os que falam o português ou os que falam essas línguas estrangeiras de que falamos?”, para metade dos informantes de Santo Antônio do Sudoeste, os brasileiros falam melhor. Algumas justificativas merecem destaque por deixarem implícita uma noção de língua que se confunde com a noção de norma padrão: (17) Quem fala o... os que falam o português, só português falam melhor, agora, aqueles que falam o misturado ali, falam... uma hora tão falando italiano, outra hora o português, daí já falam meio... embrulhado (risos). (Inf. 6 – Santo Antônio do Sudoeste) (18) Português, com... com certeza. [...] porque os que tem aqui não sabem perfeitamente, né, falar a língua mesmo, né, certa. Dá umas arranhada, só (risos). (Inf. 12 – Santo Antônio do Sudoeste) (19) É, apesar de nós falarmos errado o português, eu acho que é o melhor, ainda. (Inf. 17 – Santo Antônio do Sudoeste) (20) Ah, eu acho a nossa mais bonita. Apesar de ser mais difícil, eu acho que a nossa língua portuguesa é muito difícil, mas eu acho mais bonita a nossa, porque eles [os falantes de outras línguas] falam muito depressa. (Inf. 18 – Santo Antônio do Sudoeste) É preciso dizer que as normas prestigiadas na sociedade correspondem geralmente às variedades padrão, pois há sempre um conjunto de forças que atuam para criar e manter esse prestígio: a academia e instrumentos como as gramáticas tradicionais proscrevem usos mais coloquiais ou não abonados; a escola reproduz esse discurso, defendendo o “bom uso” da língua e condenando o “falar errado”; os falantes se desculpam pelo seu modo de falar “errado” ou por erros de ortografia ou sintaxe. De forma geral, pode-se dizer que as noções de certo e errado, de língua “pura” e língua “deturpada, misturada”, entre outras, é resultado, principalmente, do processo de escolarização. Sobre essa questão, merecem destaque aqui as respostas de dois informantes à pergunta do questionário (constante da primeira parte desta análise) que visava à identificação 11 Anais do X Encontro do CELSUL – Círculo de Estudos Linguísticos do Sul UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná Cascavel-PR | 24 a 26 de outubro de 2012 | ISSN 2178-7751 da língua de uso do informante, mas que acabam revelando o quanto essas noções estão arraigadas nos falantes. Um desses informantes avalia negativamente o seu domínio da língua materna: (21) Eu falo o português mal e porcamente. Porque você sabe que o português é difícil, né? (Inf. 17 – Pranchita) O outro informante reconhece a existência de variedades do português, mas dá a entender que abandonou uma variedade de menor prestígio (pelo menos na localidade em que se estabeleceu) para adotar uma mais prestigiada. (22) Ah, eu falo normal, tipo, assim, que o povo pega uma linha, você... não tem como você falar uma coisa só, uma linguagem, tipo, uma linguagem só, é mistura, que nem quando eu tava no sul, tem muita gíria lá, né, daí você fala na gíria, eu até falava direto, fala muito “i”, não fala o “e”, né? Que daí quando eu cheguei lá, o pessoal ria muito de mim, do meu modo de falar, né, que eu era colono também, não tinha saído muito fora, daí os amigos, as gurias até davam risada daí, daí um piá falou ‘não, deixa que eu vou te ensinar como que é’, né, tem muitas coisas que tu não pode falar, que tu fala, não, que tu vai ser piada o resto da vida, mas eu sempre naquela, sempre levando na brincadeira, e daí vai que tu, né, vai conhecendo, escutando. (Inf. 7 – Pranchita) Voltando à pergunta sobre quem fala melhor, ainda em Santo Antônio do Sudoeste, 17% dos informantes acham que o argentino fala melhor, embora um deles deixasse claro que não estava se referindo aos falantes do portunhol (retorna aqui novamente a questão da “pureza” da língua como uma qualidade a ser perseguida). As respostas foram as seguintes: (23) Eu acho assim: a língua espanhol é... se ela fosse bem orientada pra... pra ser... é... falada aqui na nossa cid... nossa região, eu acho que sim, mas aqui o pessoal mistura muito, fala o portunhol mesmo, né, na mesma hora eles estão falando espanhol, outra hora o português de volta, né. [...] se tu não tem o conhecimento de falar a língua, então é melhor não... não tentar, né. (Inf. 3 – Santo Antônio do Sudoeste) (24) Pergunta difícil, né? Eu acho que ainda é o port... o espanhol, tá? Apesar de, assim, ser brasileiro, né (risos). [...] Eu acho que eles têm mais cursos do que nós. Principalmente os do meu círculo de amizade, né, são bem mais cultos do que o brasileiro. O caso que me impressiona é a maneira que eles se expressam com a gente, né. Por isso que é... que eles falam melhor. (Inf. 11 – Santo Antônio do Sudoeste) (25) Eu... eu acho que a Argentina tem um... acho que é... é... é outro idioma, mas é os adjetivos que eles usam, é uma língua bem gostosa de se ouvir, e dá pra se entender perfeitamente também quando eles... a não ser quando... principalmente quando eles falam com a gente, agora, quando eles falam entre dois argentinos, o diálogo entre eles, a gente tem que se antenar bem que daí consegue entender. (Inf. 15 – Santo Antônio do Sudoeste) Em Pranchita, a maioria dos informantes (78%) respondeu que fala melhor quem fala o português/brasileiro, embora alguns deles estivessem se referindo ao brasileiro falando quaisquer das outras línguas (neste caso, a influência da língua materna – especialmente do sotaque – pode ser considerada um fator facilitador do entendimento da língua estrangeira). Dois desses informantes também citaram o espanhol. Nenhuma menção é feita exclusivamente ao espanhol, nem a qualquer outra língua. 12 Anais do X Encontro do CELSUL – Círculo de Estudos Linguísticos do Sul UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná Cascavel-PR | 24 a 26 de outubro de 2012 | ISSN 2178-7751 Em Capanema, 61 % dos informantes também responderam que fala melhor quem fala o português/brasileiro. Nessa localidade, Pastorelli (2011) verificou que os informantes jovens foram os que rejeitaram o português como sendo mais bem falado que as demais variedades locais. Três desses informantes (17%) disseram que fala melhor quem fala o espanhol. Na questão referente à língua mais bonita, observou-se que a variedade argentina é, de modo geral, mais apreciada que o português (com exceção de Pranchita, onde houve empate entre essas duas línguas). Mais especificamente, em Santo Antônio do Sudoeste, 33% dos informantes acham o espanhol e o italiano as línguas mais bonitas; 11% acham o português mais bonito; 6% acham o espanhol argentino mais bonito; e 6% acham o italiano, o português e o espanhol bonitos. Em Pranchita, 17% dos informantes acham que o português é a língua mais bonita; outros 17% acham o espanhol mais bonito; e para 6%, os dois idiomas (português e espanhol) são os mais bonitos. Em Capanema, 44% dos informantes consideram o espanhol ou espanhol argentino a língua mais bonita; e 17% se referiram ao português/brasileiro como o idioma mais bonito. Na questão sobre a língua mais feia, o português não foi citado em nenhuma das três localidades. Quanto às variedades do espanhol, em Santo Antônio do Sudoeste, houve uma menção ao castelhano (conforme fragmento abaixo), provavelmente se referindo à variedade argentina, uma referência clara à variedade argentina e uma menção à variedade paraguaia, totalizando 17% das respostas. (26) Ah, o castelhano fala feio. O castelhano fala feio, pelo amor de Deus! Tem coisa que não dá nem pra... (risos). (Inf. 1 – Santo Antônio do Sudoeste) Em Pranchita, o argentino é a variedade mais feia apenas para 6% dos informantes (e outros 6% acham o paraguaio a língua mais feia). Em Capanema, não houve nenhuma menção para o espanhol/castelhano como a língua mais feia. 5 Considerações finais Resumindo os resultados apresentados neste artigo, transparece, nas três localidades, uma avaliação geral positiva em relação aos argentinos e à sua variedade, bem como uma avaliação geral positiva sobre o portunhol, embora alguns demonstrem incômodo pelo fato de se tratar de uma “mistura” de línguas. Vale ressaltar que o bilinguismo existente nessa região fronteiriça possibilita a continuidade do uso do portunhol, que já se constituiu como aspecto cultural das localidades, especialmente em Santo Antônio do Sudoeste, onde a convivência dos habitantes concretizou essa variedade como forma rotineira de comunicação. Esses resultados, ao mostrar o prestígio atribuído ao espanhol argentino (e também ao portunhol) e aos seus falantes, sugerem a inexistência de qualquer animosidade entre brasileiros e argentinos como consequência de conflitos do passado, corroborando o que diz Wachowicz: Não se desenvolveu nessa região fronteiriça nenhuma rivalidade entre as populações envolvidas. Brasileiros e argentinos sempre se deram muito bem. Talvez a difícil luta pela sobrevivência levava a uma exemplar convivência com os argentinos, para solucionarem os problemas comuns. Nunca existiu desejo de infiltração nem de dominação por nenhuma das partes. Todos passavam livremente pela fronteira, mas a mesma sempre foi respeitada. Por isso, os casamentos entre as duas nacionalidades tornaram-se frequentes (WACHOWICZ, 1985, p. 72-73). 13 Anais do X Encontro do CELSUL – Círculo de Estudos Linguísticos do Sul UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná Cascavel-PR | 24 a 26 de outubro de 2012 | ISSN 2178-7751 Sobre os paraguaios e o espanhol paraguaio, houve poucas referências nos inquéritos. As poucas menções diziam respeito à diferença percebida entre o espanhol paraguaio e argentino e à avaliação da variedade paraguaia como a mais feia ou mal falada. Porém, como representam porcentagens muito pequenas, essas respostas se tornam pouco relevantes e não podem ser generalizadas para o universo dos informantes. Observou-se, entre alguns informantes, uma avaliação negativa sobre o português ou brasileiro, indicando um possível resultado do processo de escolarização, em grande parte calcado nos moldes tradicionais, e da divulgação da noção de “língua correta” ou “falar certo” pelos meios de comunicação, na voz de alguns “defensores” da norma padrão. Da mesma forma que as respostas relativas aos paraguaios e à variedade falada por eles, trata-se de impressões isoladas, não podendo ser generalizadas. No entanto, fornecem indícios de que são atitudes compartilhadas, pelo menos, por alguns falantes. Se considerarmos a atitude como sendo constituída de três componentes colocados no mesmo nível – o saber ou crença (componente cognitivo), a valoração (componente afetivo) e a conduta (componente conativo) –, como propõem Lambert e Lambert (1966) e outros estudiosos, pode-se dizer, conforme Aguilera (2008a, p. 106), “que a atitude linguística de um indivíduo é o resultado da soma de suas crenças, conhecimentos, afetos e tendências a comportar-se de uma forma determinada diante de uma língua ou de uma situação sociolinguística.” Nesse sentido, se as questões de caráter cognitivo e afetivo atuam coerentemente com as de caráter conativo, os resultados deste estudo permitem prever que as atitudes dos falantes do Sudoeste do Paraná, na fronteira com a Argentina, em relação à fala do outro serão majoritariamente favoráveis, ou seja, de prestígio das variedades de espanhol e de português, incluindo o portunhol, presentes nas localidades. Referências AGUILERA, V. A. Crenças e atitudes linguísticas: o que dizem os falantes das capitais brasileiras. Estudos Linguísticos, São Paulo, v. 2, n. 37, p. 105-112, maio/ago. 2008a. AGUILERA, V. A. Crenças e atitudes linguísticas: quem fala a língua brasileira? In: RONCARATI, C.; ABRAÇADO, J. (Orgs.). Português Brasileiro II. Niterói: EdUFF, 2008b. p. 311-328. AGUILERA, V. A. Crenças e atitudes linguísticas: um estudo da relação do português com línguas de contato. 2009. [Projeto desenvolvido pela autora. Digitado]. BEM, D. J. Convicções, atitudes e assuntos humanos. Trad. Carolina Martuscelli Bori. São Paulo: EPU, 1973. (Coleção Ciências do Comportamento). BLANCO CANALES, A. Estudio sociolinguístico de Alcalá de Henares. Alcalá de Henares, Madrid: Servicio de Publicaciones de la Universidad de Alcalá, 2004. CALVET, L. J. Sociolinguística: uma introdução crítica. Trad. Marcos Marcionilo. São Paulo: Parábola, 2002. FISHMAN, J. A. The sociology of language: an interdisciplinary social science approach to language in society. Rowley, Massachusetts: Newbury, 1972. GÓMEZ MOLINA, J. R. Actitudes lingüísticas en Valencia y su área metropolitana: evaluación de cuatro variedades dialectales. In: CONGRESO INTERNACIONAL DE LA ASOCIACIÓN DE LINGÜÍSTICA Y FILOLOGÍA DE LA AMÉRICA LATINA – ALFAL, 11, 1996, Las Palmas de Gran Canaria. Actas… Las Palmas de Gran Canaria: Universidad de Las Palmas de Gran Canaria, 1996. v. 2, p. 1027-1042. GILES, H.; NIEDZIELSKI, N. Italian is beautiful, German is ugly. In: BAUER, L.; TRUDGILL, P. (Eds.). Language myths. London: Penguin Books, 1998. p. 85-93. 14 Anais do X Encontro do CELSUL – Círculo de Estudos Linguísticos do Sul UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná Cascavel-PR | 24 a 26 de outubro de 2012 | ISSN 2178-7751 GROSJEAN, F. Life with two languages: an introduction to bilingualism. Harvard: Harvard University Press, 1982. LAMBERT, W. W.; LAMBERT, W. E. Psicologia social. Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar, 1966. LAZIER, H. Paraná: terra de todas as gentes e de muita história. 3. ed. Francisco Beltrão: Grafit, 2003. LÓPEZ MORALES, H. Sociolingüística. 2. ed. Madrid: Gredos, 1993. MORENO FERNÁNDEZ, F. Principios de sociolingüística y sociología del lenguaje. Barcelona: Ariel, 1998. PASTORELLI, D. S. Crenças e atitudes linguísticas na cidade de Capanema: um estudo da relação do português com línguas em contato. 2011. Dissertação (Mestrado em Estudos da Linguagem). Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2011. STURZA, E. R. Línguas de fronteira: o desconhecido território das práticas linguísticas nas fronteiras brasileiras. Ciência e Cultura, São Paulo, v. 57, n. 2, p. 47-50, abr./jun. 2005. WACHOWICZ, R. C. Paraná, sudoeste: ocupação e colonização. Curitiba: Lítero-Técnica, 1985. 15