Anais do X Encontro do CELSUL – Círculo de Estudos Linguísticos do Sul
UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná
Cascavel-PR | 24 a 26 de outubro de 2012 | ISSN 2178-7751
LÍNGUAS EM CONTATO NO SUDOESTE DO PARANÁ: VISÕES SOBRE AS
VARIEDADES DO PORTUGUÊS E DO ESPANHOL FALADAS NA FRONTEIRA
COM A ARGENTINA
Clarice Cristina CORBARI 1
RESUMO: Este texto apresenta resultados parciais de pesquisa sobre crenças e atitudes
linguísticas manifestas por falantes de três localidades situadas no Sudoeste do Paraná, na
fronteira com a Argentina: Santo Antônio do Sudoeste, Pranchita e Capanema. O foco, neste
estudo, são as visões dos informantes sobre o espanhol e o português falado na fronteira,
bem como sobre a variedade resultante do contato dessas duas línguas. Objetiva-se
identificar as denominações dadas a essas variedades, as crenças sobre tais variedades e a
avaliação que os informantes fazem delas. Para nortear este estudo, são utilizados princípios
teórico-metodológicos da Sociologia da Linguagem, da Sociolinguística e da Psicologia
Social referentes à análise de crenças e atitudes linguísticas. O corpus provém do Projeto
“Crenças e atitudes linguísticas: um estudo da relação do português com línguas de contato”
(AGUILERA, 2009). Do questionário de 48 perguntas, aplicados a dezoito informantes,
foram selecionadas onze perguntas que revelam, principalmente, a consciência linguística do
informante em relação às línguas em foco e a avaliação das línguas e dos falantes pelo
informante.
PALAVRAS-CHAVE: Crenças e atitudes linguísticas; Línguas em contato; Contexto de
fronteira.
ABSTRACT: This text presents partial results of research on linguistic beliefs and attitudes
expressed by speakers from three locations in the Southwest of Paraná (Brazil), on the border
with Argentina: Santo Antônio do Sudoeste, Pranchita and Capanema. This study focuses the
informants’ views on the varieties of Spanish and Portuguese spoken on the border, as well as
their views on the variety resulting from the contact of these two languages. The aim is to
identify the designations given to these varieties, the beliefs on these varieties and the
informants’ evaluation of them. The study is based on theoretical and methodological
principles of Sociology of Language, Sociolinguistics and Social Psychology concerning the
analysis of linguistic beliefs and attitudes. The corpus was collected as part of the Project
“Crenças e atitudes linguísticas: um estudo da relação do português com línguas de contato”
(Linguistic beliefs and attitudes: a study on the relation between Portuguese and contact
languages) (AGUILERA, 2009). From the questionnaire with 48 questions, applied to
eighteen informants, we selected eleven questions that reveal mainly the linguistic awareness
of informants about the languages under focus and the evaluation of these languages and
their speakers by the informant.
KEY WORDS: Linguistic beliefs and attitudes; Languages in contact; Cross-border context.
1
Doutoranda em Letras e Linguística pela Universidade Federal da Bahia (DINTER UNIOESTE / UFBA),
Universidade Estadual do Oeste do Paraná, [email protected].
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1 Introdução
Os contatos estabelecidos nas regiões fronteiriças a países hispano-falantes fazem
desse espaço um complexo cenário sociolinguístico e cultural propício para o estudo das
línguas em contato e das crenças e atitudes relacionadas a essas línguas e seus usuários.
Conforme Sturza,
As fronteiras geográficas são preenchidas de conteúdo social. Se as
fronteiras são sociais, se nelas vivem diferentes etnias [...] o contato
linguístico é uma consequência inevitável, e a situação das práticas
linguísticas nessas regiões, de um modo geral, um campo pouco explorado
pela linguística brasileira (STURZA, 2005, p. 47).
A estreita relação que existe entre língua e identidade frequentemente acaba por se
manifestar nas atitudes dos indivíduos em relação às línguas com as quais entram em contato
e, consequentemente, em relação aos seus usuários. Segundo Moreno Fernández (1998), uma
variedade linguística pode ser interpretada como um traço definidor da identidade, de modo
que as atitudes em relação a grupos com certa identidade são, em parte, atitudes em relação às
variedades linguísticas usadas por esses grupos e em relação aos usuários de tais variedades.
Assim, entende-se que o estudo das crenças e atitudes linguísticas presentes em localidades
multilíngues seja pertinente pela possibilidade de fornecer indícios para a análise do
comportamento linguístico dos falantes em relação à variação, revelando os elementos que
atuam nas relações sociais entre os diferentes grupos.
Nesse sentido, este artigo apresenta alguns resultados de pesquisa descritiva sobre
crenças e atitudes linguísticas de falantes de três localidades situadas no Sudoeste do Paraná,
na fronteira com a Argentina: Santo Antônio do Sudoeste, Pranchita e Capanema. O estudo se
concentra nas visões dos informantes sobre o espanhol e o português falado na fronteira, bem
como sobre a variedade resultante do contato entre essas duas línguas. Acredita-se que o
modo de ocupação das terras dessa região, ao engendrar diversos conflitos jurídicos, políticos
e sociais, tenha trazido implicações que podem ter se refletido nas relações estabelecidas entre
os diversos grupos étnicos que entraram em contato nesse território.
Primeiramente habitada por caboclos, que ocuparam a terra na condição de posseiros,
a região recebeu posteriormente argentinos e paraguaios, que chegaram a compor 25% da
população da fronteira no auge da exploração da erva-mate. Com a diminuição dessa
atividade extrativa na região, os argentinos e paraguaios começaram a se evadir, chegando a
menos de 1% da população regional na década de 1940. Nessa década e na seguinte, levas de
descendentes de imigrantes, predominantemente de origens alemã e italiana, instalaram-se na
região, vindos de colônias previamente formadas no Rio Grande do Sul e no leste de Santa
Catarina, atraídos para essa região paranaense pela possibilidade de compra, a preços
irrisórios, das terras posseadas pelos caboclos (WACHOWICZ, 1985).
Por ser uma região fértil e rica, o Sudoeste do Paraná foi disputado tanto pela
Argentina e pelo Brasil, quanto pelos estados do Paraná e Santa Catarina. O conflito entre os
dois estados pela posse dessa região se originou ainda no Brasil colônia e continuou com a
criação da Província do Paraná, em 1853. Após a Guerra do Contestado, os dois estados
assinaram o acordo de fronteira, ficando para Santa Catarina a maior parte das terras em
litígio. Foi só a partir de 20 de outubro de 1916 que a região passou a pertencer ao estado do
Paraná (LAZIER, 2003).
Na questão da disputa entre os dois países, Lazier (2003) informa que, ao ser definida
a linha divisória entre eles, a Argentina reivindicou a região onde hoje é o Sudoeste do
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Paraná; o Brasil, por sua vez, defendia a conformação que a fronteira tem atualmente. A
disputa só foi decidida em 1889, quando Cleveland, o então presidente dos Estados Unidos,
escolhido como juiz da questão, deu ganho de causa ao Brasil. Porém, a divisa só veio a ser
definitivamente estabelecida em 1898, por meio de um tratado. Tendo em vista essa situação,
é possível que o conflito entre os dois países tenha gerado certa animosidade entre brasileiros
e argentinos.
A fronteira constitui algo mais que o mero fato geográfico: os sujeitos envolvidos
nesse espaço, com suas línguas e culturas, fazem dela também um fato social. Por essa razão,
esse cenário de línguas e culturas em contato se torna, inevitavelmente, campo propício para a
manifestação de crenças e atitudes, sejam elas positivas ou negativas, em relação à língua e à
cultura do “outro”, que, em última instância, são crenças e atitudes em relação aos próprios
sujeitos que se identificam com tal língua e cultura.
2 Pressupostos teóricos do estudo
O estudo das crenças e atitudes linguísticas se beneficia das contribuições de diversas
áreas, dentre as quais se destacam a Psicologia Social, a Sociolinguística e a Sociologia da
Linguagem, cada qual com seu enfoque. A Psicologia Social, que concebe as atitudes como
um complexo fenômeno psicológico que se reveste de grande significado social, fornece
subsídios para o estudo dos papéis que os motivos, as crenças e a identidade exercem no
comportamento linguístico do indivíduo (LAMBERT; LAMBERT, 1966). Já para a
Sociolinguística, a importância do estudo das atitudes linguísticas reside no fato de que elas,
além de revelarem múltiplos aspectos para melhor entendimento de uma comunidade, influem
decisivamente nos processos de variação e mudança linguística, bem como afetam a eleição
de uma língua em detrimento de outra e o ensino-aprendizagem de línguas nessa comunidade
(MORENO FERNÁNDEZ, 1998; GÓMEZ MOLINA, 1996; BLANCO CANALES, 2004).
Por sua vez, a Sociologia da Linguagem focaliza toda a gama de tópicos relacionados à
organização social do comportamento linguístico, incluindo não apenas o uso da língua em si,
mas também as atitudes explícitas em relação à língua e aos seus usuários (FISHMAN, 1972).
Lambert e Lambert (1966, p. 77) conceituam atitude como “uma maneira organizada e
coerente de pensar, sentir e reagir em relação a pessoas, grupos, questões sociais ou, mais
genericamente, a qualquer acontecimento ocorrido em nosso meio circundante”. Para esses
psicólogos, a atitude é formada por três componentes: pensamentos e crenças, sentimentos ou
emoções, e tendências de reação. Porém, a definição da estrutura componencial da atitude está
longe de um consenso entre os pesquisadores. Bem (1973), por exemplo, acrescenta o
componente social. Para o autor, as crenças e atitudes humanas se fundamentam em quatro
atividades do homem – pensar, sentir, comportar-se e interagir com os outros –, que
correspondem aos quatro fundamentos psicológicos das crenças e atitudes – cognitivos,
emocionais, comportamentais e sociais. Já López Morales (1993) identifica na atitude apenas
o componente conativo, separando o conceito de crença do de atitude e situando-os em níveis
diferentes: as crenças dão lugar a atitudes diferentes; estas, por sua vez, ajudam a conformar
as crenças, juntamente com os elementos cognoscitivos e afetivos, tendo em conta que as
crenças podem estar baseadas em fatos reais ou podem não estar motivadas empiricamente.
As abordagens das atitudes refletem o próprio conceito de atitude adotado. As duas
principais perspectivas são: (a) a mentalista, de natureza psicológica, que concebe a atitude
como uma entidade complexa, compreendendo os elementos cognitivo ou cognoscitivo,
afetivo e conativo, e (b) a behaviorista ou condutista, que interpreta a atitude como uma
conduta, uma reação ou resposta a um estímulo, sendo composta de um elemento único,
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geralmente afetivo ou de valoração (GÓMEZ MOLINA, 1996; MORENO FERNÁNDEZ,
1998; BLANCO CANALES, 2004).
As atitudes linguísticas constituem uma categoria particular no âmbito das atitudes de
forma geral, pois o objeto da atitude não são as línguas, mas os grupos que as falam. As
atitudes linguísticas representam, assim, um componente fundamental da identidade
linguística do falante e possibilitam a leitura e compreensão do próprio comportamento
linguístico. Nessa perspectiva, o estudo das crenças e atitudes linguísticas precisa estar
fundamentado na relação entre língua e identidade étnica.
Para Moreno Fernandez (1998), as atitudes linguísticas têm a ver com as línguas
mesmas e com a identidade dos grupos que as manejam. Como afirma Aguilera (2008a), a
língua não está desvinculada de seu contexto social, principalmente na sua condição de
aspecto constituidor da identidade de um determinado grupo étnico. Decorre daí que, “na
maioria das vezes, ao caracterizar um grupo ao qual não pertence, a tendência é o usuário
fazê-lo de forma subjetiva, procurando preservar o sentimento de comunidade partilhado e
classificando o outro como diferente” (AGUILERA, 2008a, p. 106). É a língua que simboliza
os limites que separam o “nós” e os “outros”, uma vez que a língua que falamos identifica a
nossa origem, nossa história, nossa cultura, o grupo a que pertencemos.
Entram em cena, nesse contexto, as atribuições feitas aos falares locais e aos seus
usuários, balizadas especialmente por estereótipos relacionados a questões de agradabilidade e
correção (ou à falta desses atributos) de algumas variedades em comparação a outras. Esses
estereótipos se traduzem em atributos tais como “bonito(a)”, “feio(a)”, “bem falado(a)”, “mal
falado(a)”, “mais correto(a)” etc. Segundo Giles e Niedzielski (1998), visões como essas são
construídas com base em normas culturais, pressões e conotações sociais. Nesse sentido, os
julgamentos sobre as variedades linguísticas são o resultado de um complexo de associações e
preconceitos sociais, culturais, regionais, políticos e pessoais.
Calvet (2002) lembra que os estereótipos não se referem somente a línguas diferentes,
mas também às suas variantes geográficas, que são julgadas pelo senso comum ao longo de
uma escala de valores. Desse modo, a divisão das formas linguísticas em línguas, dialetos e
patoás é considerada, de maneira pejorativa, como isomorfa a divisões sociais, que, por sua
vez, também se fundam em uma visão pejorativa. É nessa escala de valores que se fundam,
por exemplo, os estereótipos do ‘bem falar’. Segundo o autor,
Ouvimos dizer em todos os países que há um lugar onde a língua nacional é
pura [...], que existem sotaques desagradáveis e outros harmoniosos etc. Por
trás desses estereótipos se perfila a noção de bon usage (‘uso certo’), a ideia
segundo a qual há modos de bem falar a língua e outros que, em
comparação, são condenáveis. Encontramos assim em todos os falantes uma
espécie de norma espontânea que os leva a decidir que forma deve ser
proscrita, que outra deve ser admirada: não se fala assim, se fala assado
(CALVET, 2002, p. 68).
As atribuições ou avaliações da língua e do comportamento linguístico trazem
algumas implicações para a sociedade, conforme apontam Giles e Niedzielski (1998). A
primeira é que inúmeros falantes de certas línguas e dialetos crescem acreditando, às vezes
por meio do ridículo e do abuso, que suas formas de se comunicar, que constituem um aspecto
fundamental de sua identidade, são grosseiramente inadequadas, e acabam tendo vergonha do
modo como falam. A segunda é que as visões sobre um dialeto (e seus falantes) podem
interferir nas crenças sobre sua compreensibilidade e na disposição para despender algum
esforço na sua interpretação. Ou seja, construir um dialeto particular como “vulgar” e sentir
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desconforto e insatisfação ao falar com seus usuários pode, inconscientemente, conduzir de
forma tendenciosa nossa percepção de sua inteligibilidade e, assim, em última análise, de seu
valor como uma forma viável de comunicação. Finalmente, a terceira implicação diz respeito
ao “bem falar”, ou seja, o quão “bem” falamos pode ter grande valor social, de modo que, por
exemplo, falar de um modo consensualmente tido como desagradável poderia levar a algumas
consequências sociais desfavoráveis em diversas situações que o falante tem de enfrentar.
3 Metodologia
Este estudo toma como corpus parte dos dados coletados pelo Projeto Crenças e
atitudes linguísticas: um estudo da relação do português com línguas de contato
(AGUILERA, 2009) em regiões de fronteira e imigração, no Paraná. O projeto envolveu oito
municípios, sendo seis fronteiriços ao Paraguai e à Argentina e dois situados na região central
do estado. Dentre esses municípios, esta pesquisa focaliza três, conforme já anunciado: Santo
Antônio do Sudoeste, Pranchita e Capanema.
O aporte metodológico das pesquisas sobre crenças e atitudes linguísticas advém
principalmente da Psicologia Social. Para o projeto em questão, adotou-se uma metodologia
baseada na teoria mentalista, na perspectiva de que, conforme Blanco Canales (2004), apesar
das evidentes desvantagens da proposta mentalista, que demanda um mecanismo que permita
inferir e medir as atitudes, é a mais bem aceita devido à sua capacidade de prever o
comportamento verbal e, portanto, converter-se em modelos sistemáticos.
O instrumento de coleta de dados seguiu a orientação de Lambert e Lambert (1966),
que propõem medir as atitudes por meio de um questionário contendo itens que representem
os três componentes da atitude: o cognitivo, o afetivo e o conativo. Desse modo, elaborou-se
um questionário para as entrevistas com base em tais critérios, adaptados à realidade
sociolinguística e cultural das comunidades de fala investigadas, com 48 perguntas específicas
para avaliar crenças e atitudes linguísticas em relação às línguas em contato e ao português de
cada localidade.
A seleção dos informantes foi planejada com base em três dimensões: (a) a dimensão
diageracional, contemplando três faixas etárias: 18 a 30 anos, 31 a 50 anos, e 51 a 70 anos; (b)
a dimensão diastrática, optando-se pela escolaridade como parâmetro definidor de classe
social, resultando na definição de três níveis de escolaridade: fundamental, médio e superior;
e (c) a dimensão diassexual, contemplando sujeitos dos gêneros/sexos feminino e masculino.
Da combinação das variáveis resultou a seleção de dezoito informantes para cada localidade
pesquisada.
Para o desenvolvimento da análise aqui empreendida, foram selecionadas as perguntas
do questionário cujas respostas pudessem revelar, principalmente, a consciência linguística do
informante em relação às línguas em foco (componente cognitivo) e a avaliação das línguas e
dos falantes pelo informante (componente afetivo). Trata-se das seguintes questões
(apresentadas conforme sua ordem no questionário): (1) Que língua você fala?; (5) Aqui em
Antônio do Sudoeste / Pranchita / Capanema, existem pessoas que falam diferente de você?;
(6) Que língua(s) fala(m) os que falam diferente aqui?; (7) Poderia dar um exemplo do
espanhol argentino?; (11) Comparando essas línguas [faladas na localidade], quem fala
melhor? Por quê?; (12) E quem fala pior? Por quê?; (13) Em que lugares você ouve essa(s)
língua(s) ou modo(s) de falar diferente(s)?; (18) Falam melhor os que falam o português ou os
que falam essas línguas estrangeiras de que falamos?; (20) Qual língua é a mais bonita?; (21)
Qual língua é a mais feia?; e (46) Sobre essa multiplicidade de línguas que você ouve aqui em
Antônio do Sudoeste / Pranchita / Capanema, gostaria de falar mais alguma coisa que eu não
tenha perguntado?
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Por fim, cabe ressaltar que este estudo não se detém na discussão teórica sobre a
caracterização do portunhol: se interlíngua, se uma variedade do português, se uma variedade
do espanhol, se variedade autônoma com caráter de língua franca etc. Importam, aqui, apenas
as impressões (avaliações ou descrições) dos informantes sobre essa variedade.
4 Análise dos dados
4.1 Análise do componente cognitivo das atitudes dos informantes
Esta análise se concentra, nesta primeira parte, nas respostas que revelam o
componente cognitivo das atitudes, ou seja, a consciência linguística do informante ou, mais
especificamente, as designações das variedades linguísticas (inclusive a própria) faladas na
fronteira e o nível de conhecimento dessas variedades.
A pergunta do questionário que visa à identificação da(s) língua(s) de uso do
informante (questão 1) traz duas pistas importantes: (a) o índice de sujeitos bilíngues 2, dentre
os informantes, em cada localidade e (b) as designações dadas às variedades do português e
do espanhol. Esta última informação, porém, também é fornecida por respostas a outras
perguntas do questionário.
São monolíngues em língua portuguesa, em Santo Antônio do Sudoeste, 50% dos
informantes; em Pranchita, 61%; e em Capanema, 44%. A porcentagem maior de bilíngues
em português e espanhol ocorreu em Santo Antônio do Sudoeste (39%), o que já era previsto,
já que o contato maior entre brasileiros e argentinos ocorre nessa localidade e na cidade
vizinha de San Antonio. Em Pranchita, são bilíngues em português e espanhol 17% dos
informantes, e outros 17% são trilíngues em português, espanhol e uma língua de herança, de
modo que um terço dos informantes diz saber espanhol. Em Capanema, verificou-se alta
porcentagem (39%) de falantes em português e uma língua de herança dos imigrantes (italiano
ou alemão), e apenas 17% declarou saber espanhol.
Quanto às designações, verificou-se, já nas respostas a essa primeira pergunta do
questionário, as denominações ‘português’ e ‘brasileiro’ para a língua portuguesa, sendo que a
porcentagem mais significativa para a denominação ‘brasileiro’ ocorreu em Capanema, onde
Pastorelli (2011) já havia verificado o uso da designação por 61% dos informantes. Algumas
vezes, essas denominações foram usadas concomitantemente pelos informantes, que
forneceram uma designação como primeira resposta e outra como segunda resposta, ou
usaram uma logo após a outra, como ocorreu nesta resposta: “Só português, só brasileiro”
(Inf. 6 – Pranchita).
Aguilera (2008b) acredita que essa insegurança na denominação da língua materna
seja resultado da pouca escolaridade do sujeito, pois “a escola é um agente muito forte na
propagação da língua oficial e de cultura e, consequentemente, na sedimentação da crença de
seus usuários. Por outro lado, a ausência de escolaridade ou o pouco tempo de permanência
nos bancos escolares podem gerar a indecisão e a incerteza” (AGUILERA, 2008b, p. 10).
A variedade falada pelos argentinos (e alguns brasileiros) também obteve duas
designações: espanhol e castelhano 3. Embora o questionário incluísse também perguntas sobre
2
Neste estudo, adota-se a definição de falante bilíngue dada por Grosjean (1982), que considera bilíngues os
indivíduos que usam duas ou mais línguas (ou dialetos) em seu cotidiano, independentemente do nível de
competência em cada uma de suas línguas. Entende-se que o domínio que os falantes têm de suas línguas pode
variar quanto às habilidades de entender, falar, ler e escrever.
3
Em alguns inquéritos, verifica-se também o uso dos termos ‘espanhóis’ ou ‘castelhanos’ (inclusive por alguns
dos inquiridores) para designar grupos étnicos, especialmente os argentinos, buscando, talvez, uma relação mais
direta com a língua falada, e não com a nacionalidade em si.
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os paraguaios e o espanhol paraguaio, observa-se que, na maioria das vezes, ao usar essas
designações, os inquiridores e/ou informantes estavam se referindo especificamente à
variedade do espanhol argentino. Pastorelli (2011), em sua pesquisa em Capanema, também
verificou que a menção ao castelhano se referia sempre ao espanhol argentino. Na verdade,
nas três localidades deste estudo, a menção aos paraguaios e ao espanhol paraguaio foi
mínima, se não nula em algumas entrevistas, provavelmente pela percepção de que o contato
dos informantes com essa língua e seus falantes fosse menor do que se supunha por ocasião
da elaboração do questionário, embora o Paraguai não esteja tão distante da região.
Com relação ao conhecimento de espanhol ou castelhano, os informantes geralmente
relatam uma competência de nível bastante elementar. A porcentagem maior de conhecimento
informado dessa língua foi verificada em Santo Antônio do Sudoeste, provavelmente pelo fato
de a travessia de um país para o outro ocorrer nessa localidade e, portanto, concentrar-se aí a
maior ocorrência de interações com os argentinos. As respostas parecem demonstrar que a
maioria dos falantes bilíngues de português e espanhol, nessa localidade, adquiriu este último
idioma espontaneamente, movida pela necessidade de interação cotidiana com os argentinos.
Trata-se, na verdade, de fenômeno comum em regiões de fronteira com países de línguas
nacionais diferentes. Esse relativo domínio do espanhol é descrito da seguinte forma: “muito
arranhado”, “vai embolando, juntando”, “dou uma remediada”, “arrasto um pouquinho”,
demonstrando que o domínio do idioma tem a finalidade de buscar estabelecer uma
comunicação minimamente satisfatória com o argentino. Alguns informantes reconhecem
tratar-se não do espanhol, mas do portunhol.
Com relação à consciência da diversidade linguística na localidade, a grande maioria
dos informantes reconhece a existência de outras línguas faladas na localidade, além do
português. Em Santo Antônio do Sudoeste, o idioma estrangeiro mais lembrado foi o
espanhol (assim denominado por 78% informantes), ou castelhano (11%), ou argentino
(11%). O portunhol, variedade falada na fronteira, também foi citado, sendo classificado pelos
informantes, de modo geral, como uma “mistura do português com o espanhol”.
Já em Pranchita, foram mais lembradas as línguas de imigração, especialmente o
italiano (lembrado por 67% dos informantes) e o alemão (citado por 61% dos informantes) 4.
Apenas 28% dos informantes mencionaram o espanhol/castelhano como língua falada na
localidade. Quando instados pelo inquiridor sobre o espanhol, a maioria dos informantes disse
que isso ocorria mais na cidade vizinha de Santo Antônio do Sudoeste ou, então, no contexto
escolar, já que algumas escolas oferecem cursos de espanhol. Muitos também citaram que os
argentinos já dominam bem o português e usam esse idioma para se comunicar com os
brasileiros, mesmo lá na Argentina (quando os brasileiros vão às compras nesse país). Em
Capanema, o espanhol/espanhol argentino/castelhano foi mencionado por 83% informantes.
Muitos desses informantes lembraram também das línguas de imigração: o alemão foi citado
por 94% dos informantes, e o italiano, por 61% dos informantes.
Instados a darem exemplos do espanhol argentino, a maior produtividade de respostas
ocorreu em Santo Antônio do Sudoeste, onde apenas três informantes não souberam informar
exemplos dessa variedade. Os exemplos mais lembrados foram as fórmulas de cumprimento:
Buenos dias, Salud, Até luego (= Hasta luego), Hola, que tal, Hola, Cómo está, señor?, Cómo
está, señorita?, Cómo tá? (= Cómo estás?), Cómo está?, Como estás?, Cómo le va?, Muy
bien, y vos. Trata-se de palavras usadas para estabelecer contato, iniciar a interação
comunicativa. Muitos dos exemplos citados mostram a interferência do português,
4
Vale lembrar que os informantes, em determinadas perguntas, citaram mais de um item (neste caso, mais de
uma língua), de modo que as porcentagens, nesses casos, não necessariamente totalizarão 100%, pois se referem
às menções dos itens isoladamente.
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caracterizando o que os informantes chamam de portunhol (definições dadas a essa variedade
pelos informantes serão apresentadas mais adiante). Em Pranchita, apenas 44% dos
informantes deram exemplos, e em Capanema, 56% deram exemplos do espanhol argentino,
com referência principalmente a fórmulas de cumprimento e de agradecimento.
Sobre os lugares ou situações em que as diferentes línguas ou variedades são ouvidas,
as respostas, de modo geral, mostraram que o espanhol argentino é mais falado no âmbito
público, e as línguas de herança, no privado, como era de se esperar. Em Santo Antônio do
Sudoeste, os locais em que se ouve o espanhol argentino mais lembrados foram os seguintes:
na alfândega ou aduana (lembrado por mais da metade dos informantes), na rua, no comércio
(farmácia, bancos, lojas), no trabalho e entre familiares ou conhecidos que moram na
Argentina.
Em Pranchita, foram lembrados os seguintes locais: no colégio (entre professores e
alunos de espanhol), na própria Argentina e no comércio ou no local de trabalho do
informante (hotel, consultório médico), especialmente em Santo Antônio, conforme
exemplifica o informante abaixo:
(01)
É, aqui na cidade não, às vezes quando a gente vai em Santo Antônio que existe algum
argentino que tem alguém no comércio lá comprando, eles também estão falando o espanhol
deles lá. Apesar de que eles já procuram falar o português aqui no Brasil. (Inf. 11 – Pranchita)
Em Capanema, o uso do espanhol argentino/castelhano é percebido principalmente no
comércio.
Com relação à questão que solicitava do informante acrescentar informações ou
opiniões, caso quisesse, sobre a multiplicidade de línguas que se ouve nas localidades, foram
consideradas, aqui, apenas as respostas referentes aos argentinos e às variedades em tela neste
estudo.
Em Santo Antônio do Sudoeste, temos apenas o seguinte depoimento, relativo à forma
como se dão as trocas comunicativas entre brasileiros e argentinos:
(02)
Não, é que o nosso... o nosso maior convivência aqui é realmente com os argentinos... [...]
Têm um convívio bom, eles se esforçam, quando a gente conversa, eles já esforçam pra... pra
conseguir transmitir pra nossa língua aquilo que entende, e da mesma forma eles também... a
gente se esforça pra que eles consigam entender o que eles tão querendo transmitir pra gente,
então... aqui não tem problema, a gente consegue se comunicar bem. (Inf. 15 – Santo Antônio
do Sudoeste)
Em Pranchita, alguns informantes demonstraram consciência das diferenças entre a
variedade argentina e a paraguaia:
(03)
Tem deferença até no sotaque. Porque o argentino e o espanhol é a mesma língua, é a mesmo
idioma [...] e o paraguaio já tem deferença porque é mais cantado e ele é mais puxado, então o
paraguaio, ele busca, ele... vamos supor, ele já busca mais o guarani [...]. Então ali que eles
aprenderam falar, mas eles fala muito cantado, não é o verdadero sutaco. (Inf. 5 – Pranchita)
(04)
Eu não sei, assim, parece que os daqui fala mais... mais lento, mais digavar, né, lá são mais
violento. (Inf. 15 – Pranchita)
Também se verificou, nas localidades vizinhas de Santo Antônio do Sudoeste e
Pranchita, a consciência de que o espanhol falado na fronteira difere do espanhol falado no
interior da Argentina.
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(05)
Olha, aqui o... os castelhanos, como a gente diz, eles não têm um linguajar bem comum. Mais
pra... mais pra dentro, né, em Buenos Aires, a gente teve lá, é diferente, né. Aqui já é meio
misturado, né. (Inf. 12 – Santo Antônio do Sudoeste)
(06)
Tipo, os que tão na divisa com o Brasil falam mais devagar, os que tão mais assim no centro
da capital, eles falam mais ligeiro. Porque não têm contato com o Brasil [...] quanto mais pro
interior, mais eles falam ligeiro. (Inf. 14 – Pranchita)
Alguns informantes avaliam o espanhol falado na fronteira como mais fácil de
entender que a(s) variedade(s) usada(s) em outros lugares.
(07)
[...] eu acabo escutando toda semana eles falar, eles falam em espanhol, né, é meio portunhol,
assim, eles tentam falar o mais claro possível pra gente entender, mas daí fica bem fácil pra
gente entender, eles acabam, por ser também da fronteira, eles acabam tendo uma forma bem
fácil da gente compreender. (Inf. 14 – Pranchita)
(08)
Mas aqui o espanhol é falado de uma forma que nós entendemos tudo que eles falam e eles
também entende tudo que nós falamos. (Inf. 18 – Pranchita)
A facilidade de entender o espanhol “deles” pode ser atribuída a, pelo menos, duas
razões: a familiaridade adquirida com a variedade, devido ao longo tempo de contato, ou ao
uso do portunhol, que, por conter elementos da língua portuguesa, torna-se uma variedade
mais próxima do português que as faladas no interior da Argentina, por exemplo. A
explicação mais plausível parece ser esta última, a julgar pelas respostas de um grande
número de informantes:
(09)
E portunhol é assim: as palavras são muito semelhantes, então falam junto, enrolado,
misturam algumas expressões que são brasileiras, misturam, né. (Inf. 13 – Santo Antônio do
Sudoeste)
(10)
Eles falam muito o que a gente costuma dizer portunhol, né. Eles misturam muito os idiomas.
A... eles misturam a frase, algumas palavras português, algumas espanhol. (Inf. 16 – Santo
Antônio do Sudoeste)
(11)
É portunhol. As pessoas misturam, inclusive, os próprios argentinos misturam um pouco
também, né, e nós, como não é argentino, alguém também tenta imitar. (Inf. 11 – Pranchita)
(12)
Eu acho que o espanhol argentino na nossa fronteira aqui tá mais num portunhol. Eles já falam
mais parecido com o português, né. Como nós também, o português nosso, quando nós
falamos com eles, misturamos, né. Então, por isso que há mais comunicação, né, mas não é
um espanhol mesmo, a língua espanhola mesmo. É mais um portunhol. (Inf. 16 – Pranchita)
(13)
O portunhol dá uma misturada no português, mas a gente se entende porque eu tenho duas
irmãs que casaram... casaram e estão morando aqui na Argentina. E nós tivemos lá esse final
de semana, então passamos lá... três dias, ah, quando vem pra casa, você já vem falando
(inint.) porque é muito fácil o espanhol. (Inf. 17 – Pranchita)
Quanto às definições do portunhol, as repostas mostram que elas giram sempre em
torno do conceito de “mistura” do português com o espanhol. Como já mencionado, não é
escopo deste estudo entrar no mérito da discussão teórica acerca da caracterização do
portunhol. No entanto, é certo que essa variedade contém elementos das duas línguas, embora
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não apresente uma constância de regras e termos, podendo variar de acordo com cada região
fronteiriça e até mesmo com cada falante.
4.2 Análise do componente afetivo das atitudes dos informantes
Nesta segunda parte, apresentam-se os dados referentes à avaliação das variedades e
dos falantes pelos informantes, que correspondem ao componente afetivo das atitudes. Aqui,
cabe alertar para um problema metodológico identificado nas perguntas que solicita do
informante que compare as línguas e se posicione sobre quem fala melhor e quem fala pior.
No desenvolvimento da análise, verificou-se que tais perguntas não dão indícios de quais
critérios o informante deve levar em conta para classificar quem fala melhor ou pior: se diz
respeito ao nível de conhecimento/proficiência do falante, se à correção gramatical etc. Essa
falha metodológica acabou causando confusão entre muitos informantes diante de tais
perguntas. Porém, o que interessa aqui é o que se pode apreender da visão que se tem dos
falantes do espanhol argentino e do português, de modo que as respostas a tais questões
foram, mesmo assim, consideradas na análise.
Em Santo Antônio do Sudoeste, dois terços dos informantes disseram que o argentino
fala melhor. Os que justificaram, apresentaram razões principalmente ligadas à facilidade de
entendimento do idioma em relação às demais línguas estrangeiras, já que se trata de uma
língua parecida com o português e com a qual eles têm mais contato. O informante 15 aprecia
o uso de recursos da linguagem não identificados por ele no português, e refere-se também à
objetividade:
(14)
Eles têm... o... o... eles são mais objetivos, assim, o... o... a língua espanhola, ela é bem
objetiva. [...]. Eles usam uns adjetivos que nós brasileiros não usamos, o nosso português não
usa, eu acho muito interessante. (Inf. 15 – Santo Antônio do Sudoeste)
Já em Pranchita, apenas um terço dos informantes disse que o argentino fala melhor –
mesmo assim, foi o grupo mais citado, já que houve um índice muito grande de questões não
formuladas nos inquéritos dessa localidade. As justificativas também, de modo geral,
relacionavam-se à facilidade de entendimento do idioma em relação às demais línguas
estrangeiras.
Em Capanema, mais da metade dos informantes (56%) acredita que quem fala o
espanhol/espanhol argentino/castelhano fala melhor. As justificativas estão ligadas à beleza
atribuída à língua, à facilidade de entendimento e à atitude de cultivo da língua pelos
argentinos (lembrando que algumas das menções a essa variedade foram feitas por
informantes que também citaram outras línguas).
Sobre quem fala pior, apenas um informante (6%) de Santo Antônio do Sudoeste citou
os “castelhanos”, apresentando como justificativa a dificuldade de entender o idioma. Aliás,
esse argumento é o mais usado nas justificativas dadas à resposta sobre a língua mais feia. Por
exemplo, metade dos informantes citou o alemão como a língua mais feia, geralmente devido
à dificuldade de entender a língua. Para dois informantes (11%), os falantes de português
falam pior, embora um deles estivesse se referindo a uma parcela dos falantes de português
em sua tentativa de falar espanhol:
(15)
Os que são brasileiros e querem falar espanhol e não sabem (risos). (Inf. 12 – Santo Antônio
do Sudoeste)
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(16)
Português, o pessoal... por causa da... da... das regiões, tem lá no Rio Grande é um jeito de
falar, em Santa Catarina é outro, aqui no Paraná é mais tipo São Paulo, então é... é... o
português tem uma... por causa dos costumes, ela tem... é uma língua, assim, mais... o pessoal
vai remediando ela. (Inf. 15 – Santo Antônio do Sudoeste)
Há, nessas respostas, críticas implícitas ao uso de variedades não-padrão: no primeiro
caso, em relação ao uso do portunhol, e no segundo, em relação às variedades regionais do
português, que tenderiam a fugir do modelo suprarregional idealizado de “língua correta”.
Trata-se da noção de “certo e errado” atribuída às variedades, tão propalada pela escola e
pelos meios de comunicação.
Em Pranchita, igualmente, apenas um informante (6%) citou os argentinos como quem
fala pior. O falante de paraguaio foi mencionado por um informante (6%), e o de guarani,
também por um informante (6%). Vale informar que os falantes de línguas de imigração
também foram lembrados por 56% dos informantes, com justificativas relacionadas à
dificuldade dos informantes de entender o idioma (no caso dos alemães e poloneses) ou à
percepção de que seus falantes falam errado por usarem dialeto (no caso dos italianos).
Em Capanema, nenhum informante citou os argentinos como os piores falantes, mas
houve uma menção ao falante do “[...] espanhol paraguaio. Aquele bastante imitado” (Inf. 3).
Os brasileiros foram citados por 17% dos informantes, sem justificativas apresentadas, e
houve também menções aos descendentes de imigrantes (especialmente alemães e italianos).
Com relação à questão “Falam melhor os que falam o português ou os que falam essas
línguas estrangeiras de que falamos?”, para metade dos informantes de Santo Antônio do
Sudoeste, os brasileiros falam melhor. Algumas justificativas merecem destaque por deixarem
implícita uma noção de língua que se confunde com a noção de norma padrão:
(17)
Quem fala o... os que falam o português, só português falam melhor, agora, aqueles que falam
o misturado ali, falam... uma hora tão falando italiano, outra hora o português, daí já falam
meio... embrulhado (risos). (Inf. 6 – Santo Antônio do Sudoeste)
(18)
Português, com... com certeza. [...] porque os que tem aqui não sabem perfeitamente, né, falar
a língua mesmo, né, certa. Dá umas arranhada, só (risos). (Inf. 12 – Santo Antônio do
Sudoeste)
(19)
É, apesar de nós falarmos errado o português, eu acho que é o melhor, ainda. (Inf. 17 – Santo
Antônio do Sudoeste)
(20)
Ah, eu acho a nossa mais bonita. Apesar de ser mais difícil, eu acho que a nossa língua
portuguesa é muito difícil, mas eu acho mais bonita a nossa, porque eles [os falantes de outras
línguas] falam muito depressa. (Inf. 18 – Santo Antônio do Sudoeste)
É preciso dizer que as normas prestigiadas na sociedade correspondem geralmente às
variedades padrão, pois há sempre um conjunto de forças que atuam para criar e manter esse
prestígio: a academia e instrumentos como as gramáticas tradicionais proscrevem usos mais
coloquiais ou não abonados; a escola reproduz esse discurso, defendendo o “bom uso” da
língua e condenando o “falar errado”; os falantes se desculpam pelo seu modo de falar
“errado” ou por erros de ortografia ou sintaxe. De forma geral, pode-se dizer que as noções de
certo e errado, de língua “pura” e língua “deturpada, misturada”, entre outras, é resultado,
principalmente, do processo de escolarização.
Sobre essa questão, merecem destaque aqui as respostas de dois informantes à
pergunta do questionário (constante da primeira parte desta análise) que visava à identificação
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da língua de uso do informante, mas que acabam revelando o quanto essas noções estão
arraigadas nos falantes. Um desses informantes avalia negativamente o seu domínio da língua
materna:
(21)
Eu falo o português mal e porcamente. Porque você sabe que o português é difícil, né? (Inf. 17
– Pranchita)
O outro informante reconhece a existência de variedades do português, mas dá a
entender que abandonou uma variedade de menor prestígio (pelo menos na localidade em que
se estabeleceu) para adotar uma mais prestigiada.
(22)
Ah, eu falo normal, tipo, assim, que o povo pega uma linha, você... não tem como você falar
uma coisa só, uma linguagem, tipo, uma linguagem só, é mistura, que nem quando eu tava no
sul, tem muita gíria lá, né, daí você fala na gíria, eu até falava direto, fala muito “i”, não fala o
“e”, né? Que daí quando eu cheguei lá, o pessoal ria muito de mim, do meu modo de falar, né,
que eu era colono também, não tinha saído muito fora, daí os amigos, as gurias até davam
risada daí, daí um piá falou ‘não, deixa que eu vou te ensinar como que é’, né, tem muitas
coisas que tu não pode falar, que tu fala, não, que tu vai ser piada o resto da vida, mas eu
sempre naquela, sempre levando na brincadeira, e daí vai que tu, né, vai conhecendo,
escutando. (Inf. 7 – Pranchita)
Voltando à pergunta sobre quem fala melhor, ainda em Santo Antônio do Sudoeste,
17% dos informantes acham que o argentino fala melhor, embora um deles deixasse claro que
não estava se referindo aos falantes do portunhol (retorna aqui novamente a questão da
“pureza” da língua como uma qualidade a ser perseguida). As respostas foram as seguintes:
(23)
Eu acho assim: a língua espanhol é... se ela fosse bem orientada pra... pra ser... é... falada aqui
na nossa cid... nossa região, eu acho que sim, mas aqui o pessoal mistura muito, fala o
portunhol mesmo, né, na mesma hora eles estão falando espanhol, outra hora o português de
volta, né. [...] se tu não tem o conhecimento de falar a língua, então é melhor não... não tentar,
né. (Inf. 3 – Santo Antônio do Sudoeste)
(24)
Pergunta difícil, né? Eu acho que ainda é o port... o espanhol, tá? Apesar de, assim, ser
brasileiro, né (risos). [...] Eu acho que eles têm mais cursos do que nós. Principalmente os do
meu círculo de amizade, né, são bem mais cultos do que o brasileiro. O caso que me
impressiona é a maneira que eles se expressam com a gente, né. Por isso que é... que eles
falam melhor. (Inf. 11 – Santo Antônio do Sudoeste)
(25)
Eu... eu acho que a Argentina tem um... acho que é... é... é outro idioma, mas é os adjetivos
que eles usam, é uma língua bem gostosa de se ouvir, e dá pra se entender perfeitamente
também quando eles... a não ser quando... principalmente quando eles falam com a gente,
agora, quando eles falam entre dois argentinos, o diálogo entre eles, a gente tem que se antenar
bem que daí consegue entender. (Inf. 15 – Santo Antônio do Sudoeste)
Em Pranchita, a maioria dos informantes (78%) respondeu que fala melhor quem fala
o português/brasileiro, embora alguns deles estivessem se referindo ao brasileiro falando
quaisquer das outras línguas (neste caso, a influência da língua materna – especialmente do
sotaque – pode ser considerada um fator facilitador do entendimento da língua estrangeira).
Dois desses informantes também citaram o espanhol. Nenhuma menção é feita
exclusivamente ao espanhol, nem a qualquer outra língua.
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Em Capanema, 61 % dos informantes também responderam que fala melhor quem fala
o português/brasileiro. Nessa localidade, Pastorelli (2011) verificou que os informantes jovens
foram os que rejeitaram o português como sendo mais bem falado que as demais variedades
locais. Três desses informantes (17%) disseram que fala melhor quem fala o espanhol.
Na questão referente à língua mais bonita, observou-se que a variedade argentina é, de
modo geral, mais apreciada que o português (com exceção de Pranchita, onde houve empate
entre essas duas línguas). Mais especificamente, em Santo Antônio do Sudoeste, 33% dos
informantes acham o espanhol e o italiano as línguas mais bonitas; 11% acham o português
mais bonito; 6% acham o espanhol argentino mais bonito; e 6% acham o italiano, o português
e o espanhol bonitos. Em Pranchita, 17% dos informantes acham que o português é a língua
mais bonita; outros 17% acham o espanhol mais bonito; e para 6%, os dois idiomas
(português e espanhol) são os mais bonitos. Em Capanema, 44% dos informantes consideram
o espanhol ou espanhol argentino a língua mais bonita; e 17% se referiram ao
português/brasileiro como o idioma mais bonito.
Na questão sobre a língua mais feia, o português não foi citado em nenhuma das três
localidades. Quanto às variedades do espanhol, em Santo Antônio do Sudoeste, houve uma
menção ao castelhano (conforme fragmento abaixo), provavelmente se referindo à variedade
argentina, uma referência clara à variedade argentina e uma menção à variedade paraguaia,
totalizando 17% das respostas.
(26)
Ah, o castelhano fala feio. O castelhano fala feio, pelo amor de Deus! Tem coisa que não dá
nem pra... (risos). (Inf. 1 – Santo Antônio do Sudoeste)
Em Pranchita, o argentino é a variedade mais feia apenas para 6% dos informantes (e
outros 6% acham o paraguaio a língua mais feia). Em Capanema, não houve nenhuma
menção para o espanhol/castelhano como a língua mais feia.
5 Considerações finais
Resumindo os resultados apresentados neste artigo, transparece, nas três localidades,
uma avaliação geral positiva em relação aos argentinos e à sua variedade, bem como uma
avaliação geral positiva sobre o portunhol, embora alguns demonstrem incômodo pelo fato de
se tratar de uma “mistura” de línguas. Vale ressaltar que o bilinguismo existente nessa região
fronteiriça possibilita a continuidade do uso do portunhol, que já se constituiu como aspecto
cultural das localidades, especialmente em Santo Antônio do Sudoeste, onde a convivência
dos habitantes concretizou essa variedade como forma rotineira de comunicação.
Esses resultados, ao mostrar o prestígio atribuído ao espanhol argentino (e também ao
portunhol) e aos seus falantes, sugerem a inexistência de qualquer animosidade entre
brasileiros e argentinos como consequência de conflitos do passado, corroborando o que diz
Wachowicz:
Não se desenvolveu nessa região fronteiriça nenhuma rivalidade entre
as populações envolvidas. Brasileiros e argentinos sempre se deram
muito bem. Talvez a difícil luta pela sobrevivência levava a uma
exemplar convivência com os argentinos, para solucionarem os
problemas comuns. Nunca existiu desejo de infiltração nem de
dominação por nenhuma das partes. Todos passavam livremente pela
fronteira, mas a mesma sempre foi respeitada. Por isso, os casamentos
entre as duas nacionalidades tornaram-se frequentes (WACHOWICZ,
1985, p. 72-73).
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Sobre os paraguaios e o espanhol paraguaio, houve poucas referências nos inquéritos.
As poucas menções diziam respeito à diferença percebida entre o espanhol paraguaio e
argentino e à avaliação da variedade paraguaia como a mais feia ou mal falada. Porém, como
representam porcentagens muito pequenas, essas respostas se tornam pouco relevantes e não
podem ser generalizadas para o universo dos informantes.
Observou-se, entre alguns informantes, uma avaliação negativa sobre o português ou
brasileiro, indicando um possível resultado do processo de escolarização, em grande parte
calcado nos moldes tradicionais, e da divulgação da noção de “língua correta” ou “falar certo”
pelos meios de comunicação, na voz de alguns “defensores” da norma padrão. Da mesma
forma que as respostas relativas aos paraguaios e à variedade falada por eles, trata-se de
impressões isoladas, não podendo ser generalizadas. No entanto, fornecem indícios de que são
atitudes compartilhadas, pelo menos, por alguns falantes.
Se considerarmos a atitude como sendo constituída de três componentes colocados no
mesmo nível – o saber ou crença (componente cognitivo), a valoração (componente afetivo) e
a conduta (componente conativo) –, como propõem Lambert e Lambert (1966) e outros
estudiosos, pode-se dizer, conforme Aguilera (2008a, p. 106), “que a atitude linguística de um
indivíduo é o resultado da soma de suas crenças, conhecimentos, afetos e tendências a
comportar-se de uma forma determinada diante de uma língua ou de uma situação
sociolinguística.” Nesse sentido, se as questões de caráter cognitivo e afetivo atuam
coerentemente com as de caráter conativo, os resultados deste estudo permitem prever que as
atitudes dos falantes do Sudoeste do Paraná, na fronteira com a Argentina, em relação à fala
do outro serão majoritariamente favoráveis, ou seja, de prestígio das variedades de espanhol e
de português, incluindo o portunhol, presentes nas localidades.
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