ISSN 1982 - 0283 DIREITOS À APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA NA EDUCAÇÃO BÁSICA Ano XXIV - Boletim 2 - MAIO 2014 Direitos à aprendizagem Educação Básica de Língua Espanhola na SUMÁRIO Apresentação........................................................................................................................... 3 Rosa Helena Mendonça Introdução............................................................................................................................... 4 Massilia Maria Lira Dias Texto 1: O Espanhol nas escolas públicas brasileiras.............................................................. 10 Simone Rinaldi Texto 2: Algumas razões para ensinar e aprender Espanhol na escola................................... 17 Gretel Eres Fernández Texto 3: Tecnologias, multiletramentos e ensino de Espanhol...............................................24 Lívia Márcia Tiba Rádis Baptista Direitos à aprendizagem Educação Básica Apresentação da Língua Espanhola na A publicação Salto para o Futuro comple- A edição 2 de 2014 traz como tema Direi- menta as edições televisivas do programa tos à aprendizagem da Língua Espanhola de mesmo nome da TV Escola (MEC). Este na Educação Básica e conta com a consul- aspecto não significa, no entanto, uma sim- toria de Massilia Maria Lira Dias, Doutora ples dependência entre as duas versões. Ao pela Universidade de Salamanca - Espanha, contrário, os leitores e os telespectadores na área de Linguística Aplicada, professora – professores e gestores da Educação Bási- do Departamento de Letras Estrangeiras da ca, em sua maioria, além de estudantes de Universidade Federal do Ceará e Consultora cursos de formação de professores, de Fa- desta Edição Temática. culdades de Pedagogia e de diferentes licenciaturas – poderão perceber que existe uma Os textos que integram essa publicação são: interlocução entre textos e programas, preservadas as especificidades dessas formas 3 1. O Espanhol nas escolas públicas brasileiras distintas de apresentar e debater temáticas variadas no campo da educação. Na página 2. Algumas razões para ensinar e aprender eletrônica do programa, encontrarão ainda Espanhol na escola outras funcionalidades que compõem uma rede de conhecimentos e significados que se 3. Tecnologias, multiletramentos e ensino efetiva nos diversos usos desses recursos nas de Espanhol. escolas e nas instituições de formação. Os textos que integram cada edição temática, além de constituírem material de pesquisa e estudo para professores, servem também de Boa leitura! base para a produção dos programas. Rosa Helena Mendonça1 1 Supervisora Pedagógica do programa Salto para o Futuro (TV Escola/MEC). Introdução A Língua Espanhola na Educação Básica brasileira Dra. Massilia Maria Lira Dias1 A aprendizagem de línguas é um di- mundo, para suas vidas. Assim sendo, por reito de todo cidadão e, portanto, é funda- meio da exposição a essas línguas, é possível mental que as línguas estrangeiras ocupem fomentar a reflexão e a sensibilização peran- um espaço significativo na escola, que se- te as diferenças, levando ao respeito e à tole- jam valorizadas no currículo escolar e que rância entre os sujeitos. possam contribuir para a formação ética e crítica dos alunos nessa etapa educativa. Entendemos, portanto, que a apren- dizagem de línguas tem uma dimensão forO ensino de línguas estrangeiras no temente social e emocional, já que altera in- âmbito escolar não possui – ou ao menos clusive a autoimagem, a conduta e a forma não deve possuir – um fim em si mesmo. Pre- de ser do indivíduo. Dessa forma, o sucesso cisa, por isso, integrar-se e interagir com as da aprendizagem de uma língua estrangeira demais disciplinas do currículo, de sorte que pode ser associado ou influenciado, em cer- possa contribuir para a formação integral ta medida, pelas atitudes que se possui com dos alunos e para a elaboração dos demais respeito à comunidade de falantes dessa lín- conhecimentos, de forma a desenvolver gua. Daí, pois, a importância de despertar o suas capacidades de expressão, comunica- interesse pelas línguas, de estimular atitu- ção, crítica e análise. Não deve, portanto, des favoráveis à aprendizagem, de promo- reduzir-se a um ensino instrumental ou ins- ver a motivação e a intenção de aprender a trumentalizante, desconectado da realidade língua estrangeira. Em outros termos, sus- dos alunos, sem significado ou sentido para citar a pretensão de conseguir o objetivo de o seu crescimento e para a sua atuação no aprender o idioma como algo significativo 1 Doutora pela Universidade de Salamanca - Espanha, na área de Linguística Aplicada. Docente do Departamento de Letras Estrangeiras da Universidade Federal do Ceará. Coordena o Curso de Licenciatura em Letras: Língua Espanhola e suas Literaturas, do sistema UAB/UFC (a distância) e colabora na área de Língua Espanhola da Secretaria de Educação Básica do MEC para composição do documento nacional sobre Direitos à Aprendizagem e ao Desenvolvimento na Educação Básica. Também é representante da Universidade Federal do Ceará, no grupo de trabalho do Programa Espanhol sem Fronteiras. 4 para o aluno. Nessa ótica, a aprendizagem Aprender Espanhol na escola precisa ser de línguas é concebida como processo, iden- uma via para que os aprendizes edifiquem, tificada com uma visão de aprendizagem ampliem e aprofundem seus conhecimentos que pressupõe o uso e a reflexão, de forma para entender melhor a sua realidade. Dessa que se proporcionem aos alunos oportuni- forma, o ensino dessa língua serve, em sua dades para que possam se engajar em prá- amplitude, ao letramento, no sentido em ticas de linguagem que pressuponham a que promove a participação do aprendiz em compreensão e a produção oral e escrita na atividades que propiciam seu uso como for- língua estrangeira. É importante que os alu- ma de reflexão sobre temas importantes no nos possam enfrentar os desafios da apren- seu contexto sociocultural, possibilitando o dizagem da nova língua, incorporando-a ao contato com diversos gêneros discursivos, seu universo, como necessária e também sejam eles orais ou escritos, e que caracte- relevante para a sua formação. rizem de certa forma, as práticas sociais da Língua Espanhola. Por que aprender Espanhol na escola? Com efeito, o ensino da Língua Espa- O ensino de línguas estrangeiras, nhola, se integrado ao universo dos alunos, tal como comentamos, possui importante poderá contribuir para o desenvolvimento dimensão formativa. Por isso, partimos da cognitivo, emocional, afetivo, social e cogni- ideia de que é possível que a escola propor- tivo-linguístico deles, da reflexão sobre sua cione o desenvolvimento das capacidades relação com o outro e com a sociedade, de de expressão e produção na língua estran- maneira que eles compreendam e reflitam geira, com o objetivo de formar um cidadão sobre o uso da linguagem nos mais diferen- capaz de participar criticamente no mundo tes meios de propagação (oral e escrito) e e preparado para enfrentar a diversidade e o nas mais diversas modalidades de textos trânsito intercultural. Nesse sentido, o en- produzidos nas interações dos sujeitos na sino da Língua Espanhola nas escolas deve Língua Espanhola. Cabe, igualmente, ao pro fomentar a reflexão sobre o emprego dessa mover oportunidades de contato com dife língua, de forma a promover a ampliação rentes textos e mídias (televisiva, impressa, dos espaços de participação do aluno, tan- radiofônica, digital), contribuir para ampliar to na sala de aula, como na sua vida coti- o universo letrado dos alunos. Interessa, diana, a fim de que ele possa compreender ainda, favorecer a compreensão dos valores melhor a si mesmo e ao mundo em que vive atribuídos às línguas na sociedade na qual e refletir sobre o uso da linguagem, o cru- está inserido, bem como enfrentar as dife- zamento entre sua cultura e a dos outros. renças culturais e interculturais, crítica e 5 reflexivamente, evitando-se a reprodução de preconceitos e de práticas discriminatórias. -se que o aprendizado da Língua Espanho- Partindo desse princípio, considera- la deve propiciar a aquisição e o desenvol Aprender uma língua estrangeira vimento de habilidades e competências significa aprender a comunicar-se. Portan que permitam aos estudantes incorporar to, aprender Espanhol na escola é aprender tais conhecimentos em sua vida cotidiana a expressar-se de forma adequada, tanto na e, efetivamente, desenvolver habilidades e modalidade oral, quanto na escrita, com competências nas línguas estrangeiras, que o objetivo de elaborar com o outro um di- contribuam para a sua inclusão social am- álogo, uma interação de modo seguro, au- plamente entendida, com relação a sua for- tônomo, autoral e crítico, desenvolver suas mação como cidadão preparado para atuar habilidades no que diz respeito à compre- no universo das diferentes interações so- ensão e a produção oral e escrita na Língua ciais, culturais e profissionais. Espanhola. Por habilidades entendemos as formas em que se ativa o uso da língua e que, tradicionalmente, têm sido tratadas com respeito ao modo de transmissão (escrita e oral) e ao papel que desempenham na comunicação (receptiva e produtiva). São quatro, a saber: a expressão ou interação oral, a expressão ou produção escrita, a compreensão auditiva ou oral e a compreensão leitora ou escrita. Apesar de que, nem sempre, na sala de aula, haja a integração das diferentes destrezas, numa situação de uso, elas são utilizadas de modo articulado. Assim, é comum que, na leitura de um texto, sejam feitas anotações, ou ainda, que se leia um texto e se responda oralmente ou por escrito a algumas questões. Desse modo, dificilmente as destrezas ocorrem ou são concebidas isoladamente, embora em algumas Aprender Espanhol na escola signifi- ca também desenvolver as competências gerais: o saber (conhecimento declarativo), o saber fazer (conhecimento instrumental), o saber ser (competência existencial) e o saber aprender. O saber (conhecimento declarativo) corresponde ao conhecimento do mundo e pode referir-se tanto a acontecimentos, fatos e processos quanto a entidades (seres concretos e abstratos, animados ou não) e a distintas propriedades e relações (espaciais, temporais, causais, entre outras). Assim, para o aluno, será importante desenvolver o conhecimento relativo aos países em que se fala a Língua Espanhola e o conhecimento das diferentes sociedades e culturas referentes à vida diária desses indivíduos, seus situações umas se destaquem como, por valores, crenças, comportamentos, conven- exemplo, numa conversação através da In- ções e usos sociais, por exemplo. Trata-se, ternet (chat) em que a expressão escrita e a pois, de um conhecimento relacionado a compreensão leitora se completam. aspectos interculturais, associados a distin- 6 tas percepções e compreensão do outro e da A interculturalidade no ensino de Espanhol relação deste com seu universo. É, pois, de interesse, promover a formulação desse co- Neste percurso de “aprender Espa- nhecimento no ensino de línguas na escola, nhol na escola” e conseguir uma autêntica consoante o exposto nas seções anteriores. competência comunicativa, os estudantes têm que aprender a reconhecer a realidade O saber fazer (conhecimento instru- sociocultural que subjaz a todo ato de fala, mental) abrange diversas habilidades rela- e compreender a cultura integrada com cionadas com o universo das interações so- a língua, já que a língua expressa a cultu- ciais, profissionais e cotidianas bem como ra e por meio dela adquirimos cultura. A com as habilidades interculturais. Assim, interculturalidade se manifesta como um para comunicar-se e interagir em Língua eixo transversal que ultrapassa fronteiras; Espanhola são requeridos, dos sujeitos, o um encontro intercultural implica, não só domínio e o exercício de certas habilidades. a convivência de culturas diferentes, mas O saber ser (competência existencial) é re- também o reconhecimento e o respeito à di- sultante das características individuais e das versidade do “outro”. O enfoque intercultu- características de personalidade e está re- ral na aprendizagem de Espanhol deve prio- lacionado com a autoimagem e com a von- rizar a reflexão comparativa sobre o uso dos tade de estabelecer interação social com os códigos verbais e não verbais entre a nossa demais sujeitos. Engloba, pois, uma ampla cultura (brasileira) e a das diferentes comu- gama de motivações, atitudes, crenças, va- nidades linguísticas do Espanhol, com o ob- lores, estilo cognitivo, entre outros fatores jetivo de aceitar e compreender o modo de pessoais. Já o saber aprender é a capacidade ser e de pensar da outra cultura sem impor que mobiliza as demais competências e defi- nem dominar. ne-se como a habilidade ou a predisposição em descobrir o diferente, seja na outra lín- A Rede. Um meio para estimular a intercul- gua, na outra cultura, por meio do contato turalidade e aprender Espanhol com outras pessoas ou com novas áreas de conhecimento. Compreende, igualmente, a Atualmente, o ensino e a aprendiza- reflexão sobre o sistema da língua e a comu- gem de línguas têm sofrido mudanças sig- nicação, sobre o sistema fonético e as habi- nificativas com o uso da internet. A Rede lidades necessárias, as diferentes estratégias exerce um papel relevante na medida em de aprendizagem e técnicas de estudo. que, com sua ajuda, os alunos podem ultrapassar os limites da sala de aula, do manual, distanciando-se, dessa forma, de um ensino 7 presencial unidirecional para desembarcar acessível, um estudante de uma escola en- em um horizonte aberto, sem fronteiras e trar em contato com estudantes de diferen- próximo, favorecendo propostas mais criati- tes países e culturas e desenvolver projetos vas que potencializam atividades multidire- comuns mediante a comunicação on line. cionais. Esta inter-relação permite aos estu- As novas tecnologias de informação dantes a troca de experiências e a explora- e comunicação são, portanto, aliadas im- ção de diferentes aspectos da diversidade portantes em todos os âmbitos do ensino e cultural, social e econômica dos diversos podem ser potencializadas na aprendizagem países que têm o Espanhol como língua ma- de Língua Espanhola. No entanto, seu uso terna e ampliar seus conhecimentos gerais. deve estar condicionado a um aprofundamento dos conteúdos, quer sejam linguísti- Além destas oportunidades, o uso cos ou culturais, a fim de concretizar o pro- de tecnologias da informação e comunica- cesso de aprendizagem. ção (TICs) para aprendizagem de Espanhol na escola, e mais especificamente o uso de O uso das tecnologias da informação tecnologias para a aprendizagem de línguas, e da comunicação na aula de Língua Espa- oferecem materiais que se centram em ativi- nhola permite usar a língua em contextos dades relacionas com a compreensão leitora autênticos, já que a Internet oferece acesso e auditiva, a expressão escrita e oral. fácil e rápido para o uso de materiais reais e atuais em Língua Espanhola, o que se tor- Nesse sentido, as novas tecnolo- na um estímulo para o estudante. Este novo gias são um poderoso aliado para preparar meio virtual propõe novas metodologias cidadãos cada vez mais livres, solidários e e novos rumos na aula de Espanhol como responsáveis. Além disso, elas facilitam ex- língua estrangeira, no contexto escolar. A traordinariamente a interculturalidade: fusão das novas tecnologias com a compe- comunicação entre as pessoas, de culturas tência intercultural situa o ensino e a apren- idênticas ou diferentes. O uso, na escola, de dizagem da Língua Espanhola dentro de um ferramentas tecnológicas que promovam contexto social e cultural. Outro beneficio a aprendizagem de línguas é, portanto, co- importante derivado do uso destas tecno- adjuvante no trabalho docente, estimula o logias está baseado nas oportunidades que aluno a aprender a aprender e, consequente- propicia para a cooperação e a colaboração mente, proporciona situações e ambientes entre pares, pois a Rede proporciona um es- de aprendizagem para as diferentes formas paço que permite, de uma maneira fácil e de interação (oral e escrita) na Língua Espa- a 8 nhola. É importante garantir, no contexto Os artigos recopilados constituem escolar, o acesso às tecnologias disponíveis um conjunto de temas que apontam para que permitam ao estudante ampliar suas in- a atual situação do ensino de Espanhol no terações com os objetos de conhecimento, contexto escolar como forma de fomentar pois o ensino de Língua Espanhola na escola a discussão sobre o papel da língua estran- não pode estar ancorado em metodologias geira na formação básica de nossas crianças do século XIX, quando nossos alunos (nati- e adolescentes e surge em um momento vos digitais) estão em pleno século XXI. oportuno, dada a publicação do documento do Ministério da Educação que abre para a O presente volume pretende ofere- sociedade brasileira a discussão sobre os Di- cer uma visão ampla sobre três eixos impor- reitos à aprendizagem e ao desenvolvimento tantes relacionados ao ensino de Espanhol na Educação Básica. Entendemos, pois, que como língua estrangeira, na Educação Bá- a aprendizagem da Língua Espanhola consti- sica brasileira. O primeiro, que intitulamos tui-se um direito fundamental do estudante O Espanhol nas escolas públicas brasileiras, apresenta um panorama atual do papel que ocupa a Língua Espanhola no currículo escolar. O segundo texto, Algumas razões para ensinar e aprender Espanhol na escola, nos propõe uma reflexão sobre a real necessidade de ensinar e aprender a Língua Espanhola e que, para que isso ocorra ao longo da Educação Básica, é imprescindível que sejam garantidas as condições de sua operacionalização em termos de políticas públicas assumidas como obrigação de Estado, com implicações administrativas, políticas e pe dagógicas, nos diferentes contextos de ensi no e das escolas do país: a formação de pro na Educação Básica e de como conviria enfo- fessores e a valorização da língua estrangeira car esse processo de modo a que ele se cons- no projeto pedagógico da escola. Nesse sen- titua numa experiência significativa para tido, consideramos importante a construção professores e alunos. Por fim, o terceiro tex- de um plano nacional estratégico para o en- to aborda as Tecnologias, multiletramentos sino e aprendizagem de línguas estrangeiras e ensino de Espanhol e sua importância na nas escolas brasileiras, de forma a permitir aprendizagem. A ordem em que aparecem a concretização dessa aprendizagem em ter- os artigos tenta ir do mais geral ao mais par- mos de saberes, experiências e atitudes e de ticular, embora, claro está, que não se pre- ações voltadas para esses objetivos. tende uma leitura linear de seu conjunto. Será de interesse do leitor o que o guiará por um ou outro artigo. 9 texto 1 O Espanhol nas escolas públicas brasileiras Simone Rinaldi1 (CELEM), em 1986. O mesmo ocorreu em São Paulo, um ano depois, nos chamados O estudo da Língua Espanhola não é Centro de Estudos de Línguas (CEL)3. uma novidade em nosso país. Na década de 40 do século passado, com a chamada Refor- ma Capanema2, o idioma Espanhol teve suas Sul (Mercosul), em 1991, a motivação para o primeiras incursões nos currículos nacionais aprendizado e, consequentemente, para o en- da Educação Básica. Porém, nos anos 60, o sino da Língua Castelhana, aumentou consi- ensino de línguas estrangeiras passou a ser deravelmente em diversos estados brasileiros. Com a criação do Mercado Comum do considerado optativo e o Espanhol foi excluído do sistema de ensino brasileiro. 10 Em 1996, a Lei n° 9.394, que estabele- ce as Diretrizes e Bases da Educação NacioEm 1971, a Lei de Diretrizes e Bases da nal, procurou alavancar novamente o estudo Educação Nacional (LDB) manteve o estudo das línguas estrangeiras no Brasil quando, de somente uma língua estrangeira no cha- em seu Capítulo II – Da Educação Básica, Se- mado 2º Grau (atual Ensino Médio) e o idio- ção I – Das Disposições Gerais, artigo 26°, pa- ma escolhido foi a Língua Inglesa. rágrafo 5°, estabelece que Como uma forma de oferecer ou- Na parte diversificada do currículo tros idiomas além do Inglês, o estado do será incluído, obrigatoriamente, a Paraná iniciou a oferta do Espanhol e de ou- partir da quinta série, o ensino de pelo tros idiomas (exceto Inglês) nos chamados menos uma língua estrangeira moder- Centros de Línguas Estrangeiras Modernas na, cuja escolha ficará a cargo da co- 1 Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo. Professora Efetiva do Departamento de Letras Modernas do CCH, da UEL, PR. Líder do grupo de pesquisa “Ensino, aprendizagem e formação de professores de Espanhol para crianças e pesquisadora do grupo: “Pesquisa, Ensino e Aprendizagem de Espanhol”. Membro do Conselho Editorial da revista GEPPELE. 2 Chagas (1967, p.116 apud RINALDI, 2006, p.61). 3 Santos (2007, p.10). munidade escolar, dentro das possibi- deixam de ter acesso ao estudo de Espanhol lidades da instituição. porque as escolas mais próximas à sua residência podem não oferecer um centro de Já a Seção IV - Do Ensino Médio, artigo 36, línguas. Os centros de estudos de línguas inciso III: estrangeiras funcionam como institutos de idiomas. Entretanto, sua existência na esco- será incluída uma língua estrangeira la depende do apoio da direção. Essa solução moderna, como disciplina obrigatória, foi uma alternativa governamental para que escolhida pela comunidade escolar, e a pluralidade linguística alcançasse também uma segunda, em caráter optativo, den- a escola pública, uma vez que as escolas par- tro das disponibilidades da instituição. ticulares teriam mais facilidade de incluir outras línguas na grade curricular. Vemos que o estudo de línguas es- trangeiras volta a ser valorizado no docu- mento legal, ainda que não obrigue à inclu- estudo de Espanhol fosse inserido na grade são de um idioma especificamente, o que dá curricular de todas as escolas do país. Entre- margem a que se estudem no Brasil diversos tanto, não foi o que aconteceu. Estados que idiomas, segundo a possibilidade e escolha ofereciam os centros de idiomas, como é o da comunidade escolar. caso do Paraná e de São Paulo, consideraram Com a lei 11.161, esperava-se que o que sua responsabilidade quanto à oferta do Por fim, em 2005, a lei 11.161 estabe- idioma estava contemplada, daí que não se leceu a obrigatoriedade da oferta de ensino esforçaram por mudar essa realidade. Como de Língua Espanhola, facultando ao aluno o consequência, a oferta da Língua Espanhola seu estudo. Sua implantação deveria ser gra- não foi ampliada como se esperava. Outros dativa nos currículos plenos do Ensino Mé- estados, como mencionado adiante, tentam dio e esse processo deveria estar concluído cumprir a lei com um mínimo de esforço. em cinco anos, ou seja, em 2010. Embora a situação atual nos mostre Hoje, três anos após o término do que a existência de centros de línguas vincu- prazo da lei, muitos estados brasileiros ain- lados à escola pública seja melhor do que a da não criaram instrumentos necessários sua ausência, é necessário que se intensifi- para que a lei 11.161 seja amplamente aten- quem ações para que a LDB (Lei 9394/96) seja dida. O CELEM (PR) e o CEL (SP) continuam amplamente cumprida, ou seja, que se ofe- atuando nas escolas públicas, mas não em reçam dois idiomas no Ensino Médio e uma todas. Isso significa dizer que muitos alunos no Ensino Fundamental, sendo facultativa a 11 oferta de duas línguas nesse nível de ensino, apenas nos cursos técnicos e deixa de ofere- mas sempre na grade horária, para que essa cê-la no Ensino Médio comum, ou seja, em oportunidade alcance a todos os alunos das cursos não técnicos. escolas públicas, e não somente aqueles que possam frequentar tais centros. A importân- cia da inserção do segundo idioma na grade colas oferecem Espanhol. Entretanto, ne- curricular vai além da inclusão social men- nhuma o insere em sua grade horária. O cionada anteriormente. É necessário que se público alvo nas escolas paulistas são alu- desmitifique a ideia de que a aprendizagem nos regularmente matriculados em escolas de idiomas na escola é ineficaz. Ela é possível, sim, desde que as condições sejam favoráveis. Uma possibilidade seria ampliar a carga horária das línguas estrangeiras e não delegar essa responsabilidade aos centros porque, como vimos, não atendem a todos os alunos. No Paraná são 1091 (mil e noventa e uma) escolas que oferecem o estudo da Língua Espanhola, sendo que, em Londrina, por exemplo, apenas uma o inclui em sua Em São Paulo, por exemplo, 223 es- pertencentes à Rede Estadual de Ensino, cursando a partir do 7º ano (6ª série) do Ensino Fundamental - Ciclo II até a 3º série do Ensino Médio. Além disso, os CELs atendem também aos alunos matriculados no Ensino Médio das Escolas Técnicas (ETECs) e na Educação de Jovens e Adultos (EJA). O curso está estruturado em 06 estágios semestrais, com a frequência de 04 aulas semanais, com duração de 50 minutos cada. As aulas são ministradas em diversos horários, sempre no contraturno do curso regular. grade horária. Os cursos são uma oferta extracurricular e gratuita de ensino de Línguas Estrangeiras nas escolas da Rede Pública do oferecem a Língua Espanhola na Educação Estado do Paraná, destinado a alunos, pro- Básica, como Rio de Janeiro, Minas Gerais fessores, funcionários e à comunidade e são ou Pará, principalmente após a inclusão do ministrados em duas modalidades: a) curso idioma no ENEM (Exame Nacional do Ensino básico com 2 (dois) anos de duração (320 h), Médio). Além disso, alguns municípios têm 4 (quatro) horas/aula semanais e b) curso de inserido o curso de Espanhol desde os pri- aprimoramento com 1 (um) ano de duração, meiros anos do Ensino Fundamental, como com um total de 160 horas/aula, distribuídas é o caso de Castanhal, no Pará; e do Embu em 4 (quatro) horas/aula semanais para os das Artes, em São Paulo. Outros tantos estados brasileiros alunos que concluíram o curso básico. Em Pernambuco, há realidades dife- Em Mato Grosso, o município de rentes. Na rede municipal de Fortaleza, ou Pontes e Lacerda oferece a Língua Espanhola seja, no Ensino Fundamental, o Espanhol é 12 ministrado em algumas escolas. Já no que passando pelo número de alunos em sala de diz respeito à rede estadual, o curso de Espa- aula e a heterogeneidade presente no que nhol tem duas aulas semanais em algumas diz respeito à faixa etária dos aprendizes. escolas e, em outras, apenas uma. Ainda são poucas as escolas que possuem o Espanhol Quando mencionamos o apoio que na grade, mas todas as aulas são dadas por os professores necessitam de seus direto- professores da rede, temporários ou efetivos. res, referimo-nos, desde a disponibilização de uma sala de aula adequada, ou seja, am- No que diz respeito à rede estadual pla o suficiente para abrigar a quantidade de Santa Catarina, não existem centros de de alunos que frequentam o curso, passan- ensino de línguas, como no Paraná ou em do pela autorização para usar a máquina São Paulo. Santa Catarina oferece o ensino fotocopiadora, até a integração desses pro- de Espanhol nas escolas públicas apenas fissionais ao corpo docente do estabeleci- no Ensino Médio. Entretanto, nem todas mento de ensino, mediante convocações as escolas oferecem esse estudo porque há para reuniões pedagógicas, por exemplo. uma interpretação da Lei 11.161 que julga facultativo o ensino de Espanhol nesse ní- Sobre a qualidade de sua formação vel escolar. Isso significa que o aluno pode continuada, vemos que muitos professores escolher estudar Espanhol ou não, o que deixam de encontrar motivação para con- representa uma justificativa para que nem tinuar seus estudos, pois quando o próprio todas as escolas tenham a disciplina de Lín- governo oferece cursos de atualização, não gua Espanhola. Em Blumenau, por exemplo, há permissão para que os professores se o Espanhol está presente em quase todas ausentem da sala de aula, seja por falta de as escolas particulares de Ensino Médio. O professor substituto, seja por outro incon- mesmo não acontece nos outros níveis de veniente qualquer. Se o curso de aperfeiço- ensino, já que no Ensino Fundamental I e II amento é oferecido por outra instituição e, apenas duas escolas ofertam esse curso. eventualmente, é pago, poucos são os professores que têm condições de arcar com os A realidade descrita anteriormente valores de cursos de formação continuada. mostra-se positiva e próspera, porém modifica-se consideravelmente se nos aproxi- Em relação aos alunos, nos primei- mamos das salas de aula, tanto no que diz ros anos de funcionamento, os CELEM e respeito ao apoio que muitos professores os CEL, por exemplo, atendiam um máxi- deveriam obter de seus diretores, quanto à mo de 20 aprendizes por grupo. Ao longo qualidade de sua formação continuada, per- dos anos, os governos passaram a exigir 13 um mínimo de 20 alunos por agrupamento e, assim, todos tenderão a progredir juntos. e máximo de 30, o que gerou fechamento de muitas turmas. Atualmente, para evitar Outras questões são relevantes essa prática, tem-se realizado a junção de quando discutimos o processo de ensino turmas, ainda que de diferentes níveis, com e aprendizagem de línguas estrangeiras. A a finalidade de manter, pelo menos, o núme- primeira diz respeito à proposta metodoló- ro mínimo de alunos. gica. Entendemos que o objetivo de estudar idiomas é o de aprender a se comunicar Essa situação, ou seja, o agrupamen- em determinadas línguas. Isso é possível to de alunos originários de níveis diferentes se o trabalho do professor for voltado ao pode causar alguma dificuldade para o pro- desenvolvimento das habilidades comu- fessor e também desestimular os alunos. nicativas: interação por escrito e oral- Uma vez que o professor opte por ignorar mente, entendida tanto como capacidade essa diferença de conhecimento, poderá de compreensão, quanto de produção de nivelar seu curso segundo os alunos com textos, orais e escritos. menos conhecimentos e então os alunos com mais conhecimentos poderão ver seu A segunda questão está relaciona- progresso interrompido ou estacionado; ou da à carga horária dos cursos de línguas, poderá nivelar seu curso segundo alunos geralmente uma ou duas vezes por sema- com mais conhecimento linguístico, o que na, o que totaliza, quando muito, 400 mi- acarretará desconforto aos alunos oriun- nutos por mês. Essa quantidade é mínima dos dos primeiros níveis, pois poderão se para que se possa efetivamente produzir sentir incapazes de acompanhar o ritmo um trabalho de qualidade. Assim, entende- das aulas e, consequentemente, tenderão a mos que é uma necessidade premente o au- abandonar o curso. mento dessa quantidade de horas para que se possa ter um ensino de primeira linha, O professor pode escolher consi- como proposto nos documentos oficiais. derar as diferenças que se apresentem em sala de aula e preparar um curso que abar- Apesar das dificuldades que a reali- que e integre tanto alunos dos primeiros ní- dade nos apresenta, o estudo da Língua Es- veis de conhecimento linguístico quanto os panhola na Educação Básica pública é um alunos de níveis mais avançados, oferecen- enorme salto qualitativo à formação global do atividades desafiadoras nas quais alunos de nossos alunos, se considerarmos, como com mais conhecimento poderão ajudar mencionamos anteriormente, que durante aqueles que estão nos níveis mais básicos algumas décadas do século XX, o ensino de 14 línguas estrangeiras era considerado apenas uma atividade e quase nunca se estudava a Língua Espanhola. Por fim, vemos que o ensino de Espanhol nas escolas públicas é uma necessidade e precisa ser cada vez mais fortalecido por meio de abertura de concursos para docentes desse componente curricular na Educação Básica, ou seja, com políticas públicas eficazes que visem à formação “(...) vemos que o ensino de Espanhol nas escolas públicas é uma necessidade e precisa ser cada vez mais fortalecido por meio de abertura de concursos para docentes desse componente curricular na Educação Básica”. do sujeito social, o que permite que a escola cumpra o seu papel fundamental na construção de uma sociedade igualitária e justa. 15 REFERÊNCIAS CHAGAS, V. Didática Especial de Línguas Modernas. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1967. PARANÁ. Secretaria da Educação do Paraná. Superintendência de Desenvolvimento Educacional. Diretoria de Tecnologia Educacional. 27 anos do Celem! Dia a Dia Educação. 21.01.2013. Disponível em: <http://www.lem.seed.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=755, acesso em 19 out. 2013. PARANÁ. Secretaria da Educação do Paraná. Colégio Estadual do Paraná. CELEM – Centro de Línguas Estrangeiras Modernas/CEP. Disponível em: <http://www.cep.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=80>, acesso em 19 out. 2013. RINALDI, S. Um retrato da formação de professores de ELE para crianças. Um olhar sobre o passado, uma análise do presente e caminhos para o futuro. São Paulo: FE-USP, 2006. (Dissertação de mestrado). SANTOS, J.J. Centros de Estudos de Línguas (CELs) do Estado de São Paulo: uma longa experiência no ensino de Espanhol Língua Estrangeira (ELE). São Paulo: FE-USP, 2007. (Relatório de Iniciação Científica) 16 texto 2 Algumas razões para ensinar e aprender Espanhol na escola Gretel Eres Fernández1 Resumo Palavras-chave: Ensino e aprendizagem de Ao longo da história do ensino regular no Espanhol, Espanhol na Educação Básica, lín- Brasil vivenciamos situações bastante dife- gua estrangeira. renciadas no que se refere à oferta de línguas estrangeiras. Assim, houve momentos Considerações iniciais em que vários idiomas figuravam na grade curricular e outros em que, na prática, Se considerarmos o papel, o lugar predominou apenas um deles, geralmente e o espaço destinado ao ensino das línguas o Inglês. Nas últimas décadas, entretanto, estrangeiras modernas na escola regular a o Espanhol passou a ganhar relevância do partir da Reforma de 1931, verificaremos que ponto de vista das relações internacionais, apenas nesse momento estivemos diante da comerciais, políticas, educativas, etc., o que “primeira tentativa realmente séria já em- culminou com a possibilidade de sua inclu- preendida entre nós para atualizar o estu- são nos níveis fundamental e médio. Contu- do dos idiomas modernos.” (CHAGAS, 1979, do, cabe refletir acerca da real necessidade p.110). Concebe-se, nesta ocasião, o ensino de ensinar e aprender a Língua Espanhola na não mais centrado na gramática e tradução, Educação Básica e de como conviria enfocar mas sim na oralidade e no uso efetivo da esse processo de modo que ele se constitua língua estrangeira, não só como objeto de numa experiência significativa para profes- estudo mas também como veículo de comu- sores e alunos. Este é o propósito do presen- nicação em sala de aula. te artigo: analisar algumas das razões pelas quais a inclusão do Espanhol na escola me- rece ser considerada com atenção. ficuldades para pôr em prática os precei- Embora muitas tenham sido as di- 1 Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo em 1998. Realizou estudos pós-doutorais na Universidad de Murcia (Espanha). Professora da Faculdade de Educação da USP (FEUSP), no curso de Licenciatura em Espanhol e na Pós-Graduação, na área de formação de professores de Espanhol e de Português como Língua Estrangeira. Colaboradora do MEC, foi consultora das Orientações Curriculares Ensino Médio Espanhol, publicadas em 2006. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Ensino e Aprendizagem de Espanhol. Membro efetivo da Academia Internacional de Lexicografia e membro correspondente da Academia Peruibense de Letras. 17 tos defendidos pelo Método Direto – linha Língua Espanhola na escola regular são ou- metodológica vigente à época da reforma tros. Entretanto, cabe perguntar: quais se- educativa citada – não se pode negar que os riam eles? Se bem é certo que ainda hoje se avanços foram notáveis e que já não havia defende a integração entre o Brasil e os pa- possibilidade de voltar ao consagrado Méto- íses da América Latina que têm o Espanhol do Gramática e Tradução – idealizado origi- como idioma oficial, tal qual postulado em nalmente para o ensino de línguas mortas –, 1942, não está de todo claro que a inclusão o que ficou evidenciado também na Refor- desse idioma no ensino regular brasileiro ma Capanema, de 1942. tenha permitido avanços significativos para que essa aproximação se efetive. Assim, que Esta nova mudança no sistema edu- cacional, entre muitas outras alterações, motivos temos hoje para ensinar e aprender Espanhol na Educação Básica? também afetou o ensino de línguas estrangeiras. No então denominado ginásio, pas saram a constar como disciplinas obrigató rias o Latim, o Inglês e o Francês, enquanto A FUNÇÃO DAS LÍNGUAS ESTRANGEIRAS NA ESCOLA: AINDA ATUAIS OS PRINCÍPIOS DE 1961? no colégio ofereciam-se o Latim, o Grego, o Francês, o Inglês e incorporou-se o Espanhol. A Lei de Diretrizes e Bases de 1961 si- De acordo com a “Exposição de Motivos” tuou as línguas estrangeiras entre as discipli- atrelada ao projeto da Reforma Capanema, nas complementares ou optativas, enquan- a inclusão da Língua Espanhola justifica-se to mais tarde, a lei 5692/71 estabeleceu sua “‘por ser uma língua de antiga e vigorosa obrigatoriedade para o Segundo Grau (atual cultura e de grande riqueza bibliográfica’, Ensino Fundamental). Vale lembrar que ne- cuja adoção, por outro lado, ‘é um passo a nhum dos dois textos legais determinava mais que damos para a nossa maior e mais qual idioma – ou quais – seria privilegiado. íntima vinculação espiritual com as nações irmãs do Continente’.” (CHAGAS, 1979, p.116). No que tange à metodologia a ser seguida, relevantes os fatores culturais e históricos essa reforma recomendava a adoção daquilo para o ensino de línguas estrangeiras no que havia de mais atual, ou seja, em essência, âmbito educativo nacional, Chagas (1979, p. o Método Direto. 134) 2 esclarece que Nesses contextos, e apesar de serem Mais de setenta anos depois, pare- (...) o mundo em que vivemos exige ce evidente que os motivos para a oferta da uma participação cada vez mais ativa 2 Vale lembrar que a 1ª edição da obra de Chagas data de 1956. 18 do indivíduo no concerto da vida inter- como apontado por Chagas. nacional. É preciso, é urgente mesmo, que os homens se entendam e se com- No entender do mesmo estudioso preendam na base dos seus defeitos (1979, p. 136-137), para que se alcance essa finalidade mais “utili- e virtudes, e no pressuposto felicidade da geral, a fim de que caminhemos para aquela era de paz e concórdia que todos almejamos e para a qual, infelizmente, parcamente tão já temos contribuído. Ainda neste particular, ape- sar de não serem decisivos por si sós, os idiomas modernos estão fadados a de- sempenhar uma salutar influên- cia, por isso que aproximam os “ (…) configuram-se duas modalidades de objetivos para o ensino e aprendizagem de línguas na escola regular: os gerais e os específicos. Os primeiros estão voltados à formação geral e integral do sujeito, enquanto os segundos relacionamse às características do idioma em estudo, vinculando cultura e formas de expressão, tanto na modalidade oral quanto na escrita.” tária” dos idiomas estrangeiros é necessário que seu ensino esteja articulado às outras disciplinas que integram o currículo; daí a importância de que especialmente no nível médio se tenha presente a formação do aluno enquanto cidadão. Nesse sentido, configuram-se duas modalidades de objetivos para o ensino e aprendizagem de línguas na escola regular: os gerais e os específicos. Os primeiros estão voltados à formação geral e integral do sujeito, enquanto os segundos relacionam-se às carac- homens, através terísticas do idioma em da palavra escrita estudo, vinculando cul- ou falada (...) tura e formas de expressão, tanto na modalidade oral quanto na escrita. Assim, fica claro que a função do en- sino dos idiomas estrangeiros em geral, e Muito embora essas considerações do Espanhol em particular, reveste-se de um tenham sido formuladas já há várias déca- fundo histórico e cultural – como preconiza- das, constatamos sua atualidade, posto que do já em 1942 – e de objetivos comunicativos, os objetivos mencionados por Chagas estão 19 presentes na legislação em vigor e nos docu- 2) a “Carta de Pelotas” (2000), documento mentos que hoje norteiam o ensino de idio- elaborado pelos participantes do II Encontro mas estrangeiros. Assim, e apesar de a Lín- Nacional sobre Política de Ensino de Línguas gua Espanhola não ter se mantido entre as Estrangeiras, celebrado na cidade de Pelo disciplinas integrantes do currículo regular tas – RS, em setembro de 2000. Desse modo, nas décadas finais do século XX e no início quanto enfocamos o Ensino Fundamental, deste século, podemos considerar que, em dois aspectos amplos sobressaem: alguma medida, essa visão se preserva nos dias atuais. 1. O papel formativo das línguas estrangeiras, em geral, e do Espanhol, no nosso Por que ensinar e aprender Espanhol hoje? caso específico. 2. A função social das línguas estrangeiras. A atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) estabelece a inclusão de ao menos uma língua estrangeira mo- Já quando consideramos o Ensino derna a partir do sexto ano do Ensino Fun- Fundamental, além dos propósitos anteriores, damental (Art. 26 § 5º) e determina que uma é possível destacar outras razões que justifi- língua estrangeira terá caráter obrigatório cam, tanto a inclusão das línguas estrangei- neste mesmo nível de ensino e, em caso ras, quanto a relevância de ensinar e aprender de haver possibilidade, ainda uma segun- Espanhol. Assim, tomando como referência da língua será incluída (Art. 36, inciso III). os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2000, p. 4-11), outros objetivos se somam, Como assinalamos, as razões defen- como o de possibilitar aos estudantes: didas no século passado para justificar o ensino de línguas estrangeiras na escola re- 3. O desenvolvimento do respeito à diversidade. gular ainda possuem certa validade e se aplicam, sem dúvida alguma, ao caso do Espa- 4. A preparação para o mundo do trabalho e nhol. Dois documentos de grande relevância para a continuidade dos estudos. deixam claros tanto o caráter de formação do qual esse ensino deve se revestir como 5. O acesso a informações e à comunicação a função social das línguas estrangeiras: 1) internacional. os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998, p. 65-67), documento orientador oficial para o ensino de línguas estrangeiras nos anos finais do ensino fundamental; e Um olhar às Orientações Curriculares (BRASIL, 2006, p. 129), também nos permite elencar outras finalidades que subjazem a esse ensino de modo a que se facilite aos alunos: 20 6. A inclusão social e étnica. sua inclusão no mundo do trabalho. A avaliação pode servir como com- 7. A construção da identidade. plemento do currículo para a seleção de emprego. (Inep, apud KANASHIRO, Constata-se, pois, que enquanto dis- 2012, p.50)3 ciplina escolar, a Língua Espanhola tem objetivos amplos e claramente estabelecidos, tanto no nível fundamental quanto no mé- em certa medida, alguns dos propósitos do dio. Ademais, não se deve esquecer que esse ensino de línguas estrangeiras elencados idioma, junto com o Inglês, integra o rol de anteriormente e, além disso, a inclusão de disciplinas do Enem – Exame Nacional do En provas de Espanhol e de Inglês nesse exame sino Médio – desde 2010. É evidente que o constitui “um reconhecimento da disciplina propósito do estudo do castelhano não deve Língua Espanhola como componente curri- estar atrelado exclusivamente à superação cular” (ERES FERNÁNDEZ; DONNINI; ALMEI- dessa prova, embora sua importância seja in- DA FILHO, 2010). Essas funções do Enem reforçam, questionável por diferentes razões, entre as quais se destacam: a) o seu efeito retroativo; Da exposição anterior depreende- e b) o reforço da necessidade de implanta- -se que o ensino de línguas estrangeiras na ção efetiva da Língua Espanhola no Ensino Educação Básica tem funções claramente Fundamental, como estabelecido pela Lei definidas e, no caso do Espanhol, podemos 11.161/05. Vale lembrar, ainda, que acrescentar o papel político e econômico de sua inclusão na escola regular, referendado o principal objetivo do Enem é avaliar pela Lei 11.161/05. Entretanto, como destaca- o desempenho do aluno ao término da do pelas Orientações Curriculares (BRASIL, escolaridade básica, para aferir desen- 2006, p.127-128), esses propósitos não de- volvimento de competências funda- veriam ser os centrais: é preciso, antes de mentais ao exercício pleno da cidada- tudo, ter como meta um ensino de qualida- nia. [...] O Enem busca, ainda, oferecer de e sem reducionismos, em que os estereó- uma referência para auto-avaliação tipos e os preconceitos de todo tipo estejam com vistas a auxiliar nas escolhas fu- ausentes e cedam espaço para aqueles prin- turas dos cidadãos, tanto com relação cípios que devem, a nosso ver, nortear uma à continuidade dos estudos quanto à política linguística efetiva e eficaz. 3 Informação fornecida por Kanashiro (2012) e disponibilizada em: <http://historico.enem.inep.gov.br/index. php?option=com_content&task=view&id=13&Itemid=35>. 21 A esse respeito, o teor da Carta de Pe- lotas (2000), citada anteriormente, conserva sua atualidade e, por essa razão, reiteramos e reproduzimos aqui alguns dos fatores elencados naquele documento e que precisam ser encarados como primordiais quando se discute política de ensino de línguas. Assim, o ensino e a aprendizagem de idiomas na Educação Básica deve preservar o direito: • que todo indivíduo tem “de ser pre- parado para o mundo multicultural e plurilíngue por meio da aprendizagem de línguas estrangeiras”; • do estudante de “adquirir conheci- mento linguístico necessário para interagir com o mundo intra e além fronteiras”; • a uma aprendizagem que não vise apenas ao domínio instrumental das línguas, mas que se encare como parte “da formação integral do aluno”. É, portanto, com ações integradas e integradoras que o ensino de línguas estrangeiras em geral, e do Espanhol, em particular, assume funções amplas e consistentes, capazes de conduzir os alunos a uma aprendizagem verdadeiramente significativa. 22 REFERÊNCIAS BRASIL. Casa Civil. Subchefia para assuntos jurídicos. Lei no. 9394/96, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>, acesso: 12 nov. 2013. _____. 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Revista Brasileira de Educação, v. 15, n. 44, p. 380 – 393, maio/ago.2010 VIEIRA-ABRAHÃO, M.H.; ALMEIDA FILHO, J.C.P. de; BOHN, H.I. (Comissão de redação). Carta de Pelotas. Pelotas, 06/09/2000. Disponível em < http://www.ipol.org.br/ler.php?cod=132>, acesso: 17 nov. 2013. 23 texto 3 Tecnologias, multiletramentos e ensino de espanhol Lívia Márcia Tiba Rádis Baptista1 Julgamos relevante aprofundar aqui trole e na reprodução para outras que favore- nossa reflexão em torno do que consiste apren- çam a autonomia e as práticas colaborativas, der e ensinar em uma cultural digital, visto que essenciais para a construção do conhecimento. nos últimos anos estamos vivendo um pro- No nosso modo de ver, esse entendimento é de cesso de digitalização da escola, que afeta, de suma relevância para que tenhamos uma visão modo inevitável, o ensino como um todo e, em crítica e, ao mesmo tempo, inspiradora, no que particular, o de línguas. tange aos distintos conhecimentos, competên- Sendo assim, ao refletirmos sobre o uso da tecnologia e sobre seus impactos no contexto educacional, é necessário ter presente o quanto o emprego das diversas ferramentas tecnológicas pode auxiliar o professor a trabalhar a diversidade de conteúdos existentes nas disciplinas do currículo e, assim, contribuir “(...) o desafio maior consiste em como a escola pode se preparar em termos de estrutura física, modelo de gestão e prática escolar do corpo docente para fazer frente às possibilidades que essas tecnologias geram”. para formação e apren- cias e habilidades requeridas dos sujeitos pela sociedade contemporânea em suas práticas sociais e a forma pela qual os indivíduos aprendem ou podem aprender por meio da mediação tecnológica na escola. Portanto, depreendemos que o desafio maior consiste em como a escola pode se preparar em termos de estrutura física, modelo de gestão e prática dizagem dos sujeitos no contexto escolar. Em escolar do corpo docente para fazer frente às outras palavras, implica saber como utilizar a possibilidades que essas tecnologias geram e tecnologia no sentido de modificar e/ou supe- fomentam, sem perder o foco na qualidade da rar formas de aprendizagem centradas no con- formação dos sujeitos. 1 Doutora em Linguística pela Universidade estadual de Campinas (UNICAMP) e Professora Adjunta IV de Língua Espanhola e sua Didática, do Curso de Letras da Universidade Federal do Ceará. Atua no Programa de PósGraduação em Linguística, com ênfase nos seguintes temas: formação de professores, ensino e aprendizagem de línguas, multiletramentos, elaboração de materiais didáticos e tecnologia educativa. Líder do Grupo de Pesquisa Ensino e Aprendizagem de Línguas Adicionais (CNPq-GEALA). É autora e coautora de materiais didáticos e paradidáticos em língua espanhola para os contextos presenciais e semipresenciais. 24 Diante do exposto e, ainda, dada a radicais como, por exemplo, a instalação de complexidade do tema que envolve o uso das equipamentos e dispositivos diversos como tecnologias e o ensino de línguas na escola, data show, lousas digitais, redes e conexões no presente texto circunscrevemos nossa ex- sem fio; substituição de livros impressos posição a alguns aspectos, a saber, no tocante por bits digitais; criação de plataformas ou ao que significa aprender e ensinar em uma ambientes virtuais de aprendizagem (AVA, cultura digital e em como a Rede promove dis- moodle) e incorporação, no currículo, das tintas práticas de leitura e escrita, com foco Tecnologias da Informação e da Comunica- no ensino de Espanhol. ção e das Tecnologias da Aprendizagem e do Conhecimento como objetivo e ferramenta Aprender e ensinar em uma cultural digital em todas as disciplinas. Vivemos o que se define como a mudança tecnológica, a digitalização ou a escola 2.0 (entre outras deno- Não podemos negar ou desconhe- cer o fato de que as tecnologias estão cada minações), como uma realidade irreversível, afirma Cassany (2012, p. 16). vez mais presentes e que têm modificado nossa sociedade, não somente no que se refere ao modo como lidamos com as uma reorganização, tanto física como espa- informações, mas também a como cons- cial, conjuntamente a uma (re)avaliação das truímos e temos acesso ao conhecimen- relações humanas que nesse espaço se cons- to. Deste modo, não há como imaginar o troem, mais exatamente, nas relações entre mundo sem essas tecnologias e, por exten- docentes e discentes e na construção do co- são, as aulas e as escolas sem elas. nhecimento com foco na aprendizagem. Neste sentido, Cassany (2012, p. 15- O cenário educativo vem sofrendo Torna-se imperioso, portanto, discu- 16), ao discorrer sobre a informatização nas tir e avaliar a utilização das tecnologias no escolas, menciona que esse processo teve ensino de línguas – e no caso do Espanhol seu arranque nos anos oitenta, com o sur- – nessa chamada era da digitalização. Nesse gimento dos primeiros computadores. Pos- sentido, consideramos que tal inserção pode teriormente, no início dos anos noventa, os e precisa contribuir para o desenvolvimento computadores foram sendo introduzidos da autonomia, para a integração das des- para uso exclusivo dos professores e, logo, trezas, para o fomento da interculturalida- foram criadas as aulas de computação e in- de, para a interação comunicativa e para a formática. Nos últimos anos, ainda segun- negociação de significados na língua que se do esse autor, vivenciamos mudanças mais está aprendendo. 25 Em conformidade com essa ideia, pactado as práticas dos sujeitos. Uma cons- entendemos que se pode contribuir para fa- tatação desse fato é que tem contribuído, cilitar a interação na língua espanhola por por um lado, para a emergência de gêneros meio da participação dos alunos em inter- textuais, antes sequer imaginados, como o câmbios produtivos com falantes desse idio- chat (uma conversação escrita). Tem igual- ma. Uma mostra disso são os foros, chats mente reformulado outros, como o diário escritos, chats de voz e videoconferência, pessoal ou a carta, convertidos em artefatos que permitem, aos aprendizes, práticas em tecnológicos como o blog pessoal ou e-mail, situações comunicativas reais. De igual ma- tornando-os mais dinâmicos, interativos e neira, pode-se possibilitar o emprego da lín- versáteis. Por outro lado, tem contribuído gua em contextos significativos e autênticos para uma redefinição de escrita, como nota- de comunicação, incrementando as práticas mos na introdução e proliferação de formas de letramento, através de um trabalho foca- simplificadas, coloquiais e “incorretas” e na do na compreensão e produção de textos na possibilidade de se questionar a autoria úni- Rede, como no caso da escrita colaborativa. ca, fixa, diante de uma noção de coautoria ou autoria coletiva, como sucede no caso Vale observar, no entanto, que o em- da Wikipedia. De modo análogo, a Rede tem prego dessas ferramentas e recursos requer, possibilitado ferramentas e recursos de es- por parte do professor, que esse seja capaz crita, como dicionários on line, gramáticas, de promover, orientar e avaliar estas intera- etc., que proporcionam aos sujeitos fontes ções e conceber a aprendizagem de forma de consulta e acesso a informações diversas. mais autônoma e significativa. Os exemplos Portanto, estamos vivendo um momento sumariamente citados evidenciam o prota- em que a Web 2.0 passa da ênfase na pu- gonismo do aprendiz e sinalizam para uma blicação, característica dos primeiros dez visão muito mais dilatada das habilidades e anos, à da colaboração (PRIMO & RECUERO, competências que precisam ser desenvolvi- 2006, p. 213). das na língua estrangeira. A Rede e as formas de leitura e escrita Quanto ao ensino, os artefatos tec- nológicos representam possibilidades, oportunidades de comunicação e de aprendiza- Não podemos ignorar que a Rede gem de distintos conteúdos. Daí falarmos tem um impacto significativo nas diferentes em uma verdadeira reestruturação do que práticas discursivas bem como no processo entendemos por conhecimento, por fontes de ensino e aprendizagem. No que se refere e por critérios de verdade, bem como por à leitura e à escrita, é notório que tem im- quem são os sujeitos produtores desse co- 26 nhecimento e os autorizados a difundi-los. Contudo, vale destacar que isso não De acordo com essa premissa, os artefatos significa negar ou depreciar o desenvolvi- tecnológicos permitem diferentes práti- mento de várias habilidades, competências cas de leitura, escrita, fala e compreensão e saberes, mas, ao contrário, assumir e va- auditiva, de forma que ampliam conside- lorizar a dimensão complexa da linguagem ravelmente o próprio conceito de quatro e dos multiletramentos, orientados por uma habilidades (falar, ler, escrever e ouvir), tão abordagem como a do letramento crítico, apregoado no ensino de línguas. que propõe a avaliação dos discursos produzidos na sociedade e a contextualização dos Ora, as necessidades comunicativas sentidos (BAPTISTA, 2010, p. 119). e formativas requeridas pela sociedade contemporânea exigem dos sujeitos distintas CONSIDERAÇÕES FINAIS capacidades linguísticas, tecnológicas e de significação. Essas competências implicam É preciso que ampliemos as possi- a capacidade de interpretar e de valer-se bilidades de aprendizagem das línguas no da diversidade de linguagens e domínios de contexto escolar. Neste sentido, a inserção habilidades discursivas necessárias para de- das tecnologias pode contribuir para que sempenhar-se em distintos contextos. Daí, os alunos possam, a partir das informações portanto, ser preciso promover ou favorecer disponíveis, construír itinerários de leitura no contexto escolar os multiletramentos, ou crítica, selecionando e revendo informações seja, a capacidade de compreender e produ- acessíveis pela Rede e demais mídias. zir textos de diferentes âmbitos de conhecimento e compostos por distintas lingua- Dessa forma, a sociedade contempo- gens, além da verbal. rânea é uma sociedade de múltiplas oportunidades de aprendizagem e, consequente- Assim, no que tange às competên- mente, no âmbito escolar, conforme sugere cias dos aprendizes de línguas no contexto Gadotti (2006, p.8), é preciso “ensinar a pen- escolar, é necessário avançar em direção a sar, a saber comunicar-se, a saber pesqui- uma perspectiva que considere os aspectos sar, a ter raciocínio lógico, a fazer sínteses multimodais da língua que se aprende, uma e elaborações teóricas, a saber organizar o vez que a ênfase unicamente na habilidade próprio trabalho, a ter disciplina, a ser autô- de leitura, como sinônimo de decodificação, nomo e independente, a articular conheci- parece não mais atender às necessidades mento com prática”. dos aprendizes de hoje, os chamados nativos digitais (PRENSKY, 2001, 2004). Tendo em vista essa dimensão, o en- sino de línguas pode e precisa estar orienta- 27 do para uma (trans)formação dos aprendizes em sujeitos sociais de aprendizagem, capazes de analisar criticamente a informação que recebem e os diversos discursos que circulam nas distintas mídias e sociedades. Nesse aspecto, a Rede pode favorecer a obtenção de informação e o acesso a materiais reais, fomentando a interação e a comunicação e complementando o trabalho desenvolvido na sala de aula. Contudo, é preciso um uso crítico, criterioso, com vistas a contribuir para a formação dos aprendizes e para a sua aprendizagem, permitindo aos sujeitos que estabeleçam interações ricas e dialógicas, que socializem pontos de vista e que construam uma relação diferenciada com a alteridade. 28 REFERÊNCIAS BAPTISTA, L.M.T.R. Traçando caminhos: letramento, letramento crítico e ensino de espanhol. In: BARROS, C.S.; GOETTENAUER, E.M. (Org.) Espanhol Ensino Médio. Coleção Explorando o Ensino. 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