ISSN 1982 - 0283
DIREITOS À
APRENDIZAGEM DA
LÍNGUA ESPANHOLA
NA EDUCAÇÃO BÁSICA
Ano XXIV - Boletim 2 - MAIO 2014
Direitos à aprendizagem
Educação Básica
de
Língua Espanhola
na
SUMÁRIO
Apresentação........................................................................................................................... 3
Rosa Helena Mendonça
Introdução............................................................................................................................... 4
Massilia Maria Lira Dias
Texto 1: O Espanhol nas escolas públicas brasileiras.............................................................. 10
Simone Rinaldi
Texto 2: Algumas razões para ensinar e aprender Espanhol na escola................................... 17
Gretel Eres Fernández
Texto 3: Tecnologias, multiletramentos e ensino de Espanhol...............................................24
Lívia Márcia Tiba Rádis Baptista
Direitos à aprendizagem
Educação Básica
Apresentação
da
Língua Espanhola
na
A publicação Salto para o Futuro comple-
A edição 2 de 2014 traz como tema Direi-
menta as edições televisivas do programa
tos à aprendizagem da Língua Espanhola
de mesmo nome da TV Escola (MEC). Este
na Educação Básica e conta com a consul-
aspecto não significa, no entanto, uma sim-
toria de Massilia Maria Lira Dias, Doutora
ples dependência entre as duas versões. Ao
pela Universidade de Salamanca - Espanha,
contrário, os leitores e os telespectadores
na área de Linguística Aplicada, professora
– professores e gestores da Educação Bási-
do Departamento de Letras Estrangeiras da
ca, em sua maioria, além de estudantes de
Universidade Federal do Ceará e Consultora
cursos de formação de professores, de Fa-
desta Edição Temática.
culdades de Pedagogia e de diferentes licenciaturas – poderão perceber que existe uma
Os textos que integram essa publicação são:
interlocução entre textos e programas, preservadas as especificidades dessas formas
3
1. O Espanhol nas escolas públicas brasileiras
distintas de apresentar e debater temáticas
variadas no campo da educação. Na página
2. Algumas razões para ensinar e aprender
eletrônica do programa, encontrarão ainda
Espanhol na escola
outras funcionalidades que compõem uma
rede de conhecimentos e significados que se
3. Tecnologias, multiletramentos e ensino
efetiva nos diversos usos desses recursos nas
de Espanhol.
escolas e nas instituições de formação. Os
textos que integram cada edição temática,
além de constituírem material de pesquisa e
estudo para professores, servem também de
Boa leitura!
base para a produção dos programas.
Rosa Helena Mendonça1
1
Supervisora Pedagógica do programa Salto para o Futuro (TV Escola/MEC).
Introdução
A Língua Espanhola na Educação Básica brasileira
Dra. Massilia Maria Lira Dias1
A aprendizagem de línguas é um di-
mundo, para suas vidas. Assim sendo, por
reito de todo cidadão e, portanto, é funda-
meio da exposição a essas línguas, é possível
mental que as línguas estrangeiras ocupem
fomentar a reflexão e a sensibilização peran-
um espaço significativo na escola, que se-
te as diferenças, levando ao respeito e à tole-
jam valorizadas no currículo escolar e que
rância entre os sujeitos.
possam contribuir para a formação ética e
crítica dos alunos nessa etapa educativa.
Entendemos, portanto, que a apren-
dizagem de línguas tem uma dimensão forO ensino de línguas estrangeiras no
temente social e emocional, já que altera in-
âmbito escolar não possui – ou ao menos
clusive a autoimagem, a conduta e a forma
não deve possuir – um fim em si mesmo. Pre-
de ser do indivíduo. Dessa forma, o sucesso
cisa, por isso, integrar-se e interagir com as
da aprendizagem de uma língua estrangeira
demais disciplinas do currículo, de sorte que
pode ser associado ou influenciado, em cer-
possa contribuir para a formação integral
ta medida, pelas atitudes que se possui com
dos alunos e para a elaboração dos demais
respeito à comunidade de falantes dessa lín-
conhecimentos, de forma a desenvolver
gua. Daí, pois, a importância de despertar o
suas capacidades de expressão, comunica-
interesse pelas línguas, de estimular atitu-
ção, crítica e análise. Não deve, portanto,
des favoráveis à aprendizagem, de promo-
reduzir-se a um ensino instrumental ou ins-
ver a motivação e a intenção de aprender a
trumentalizante, desconectado da realidade
língua estrangeira. Em outros termos, sus-
dos alunos, sem significado ou sentido para
citar a pretensão de conseguir o objetivo de
o seu crescimento e para a sua atuação no
aprender o idioma como algo significativo
1
Doutora pela Universidade de Salamanca - Espanha, na área de Linguística Aplicada. Docente do
Departamento de Letras Estrangeiras da Universidade Federal do Ceará. Coordena o Curso de Licenciatura em Letras:
Língua Espanhola e suas Literaturas, do sistema UAB/UFC (a distância) e colabora na área de Língua Espanhola da
Secretaria de Educação Básica do MEC para composição do documento nacional sobre Direitos à Aprendizagem e
ao Desenvolvimento na Educação Básica. Também é representante da Universidade Federal do Ceará, no grupo de
trabalho do Programa Espanhol sem Fronteiras.
4
para o aluno. Nessa ótica, a aprendizagem
Aprender Espanhol na escola precisa ser
de línguas é concebida como processo, iden-
uma via para que os aprendizes edifiquem,
tificada com uma visão de aprendizagem
ampliem e aprofundem seus conhecimentos
que pressupõe o uso e a reflexão, de forma
para entender melhor a sua realidade. Dessa
que se proporcionem aos alunos oportuni-
forma, o ensino dessa língua serve, em sua
dades para que possam se engajar em prá-
amplitude, ao letramento, no sentido em
ticas de linguagem que pressuponham a
que promove a participação do aprendiz em
compreensão e a produção oral e escrita na
atividades que propiciam seu uso como for-
língua estrangeira. É importante que os alu-
ma de reflexão sobre temas importantes no
nos possam enfrentar os desafios da apren-
seu contexto sociocultural, possibilitando o
dizagem da nova língua, incorporando-a ao
contato com diversos gêneros discursivos,
seu universo, como necessária e também
sejam eles orais ou escritos, e que caracte-
relevante para a sua formação.
rizem de certa forma, as práticas sociais da
Língua Espanhola.
Por que aprender Espanhol na escola?
Com efeito, o ensino da Língua Espa-
O ensino de línguas estrangeiras,
nhola, se integrado ao universo dos alunos,
tal como comentamos, possui importante
poderá contribuir para o desenvolvimento
dimensão formativa. Por isso, partimos da
cognitivo, emocional, afetivo, social e cogni-
ideia de que é possível que a escola propor-
tivo-linguístico deles, da reflexão sobre sua
cione o desenvolvimento das capacidades
relação com o outro e com a sociedade, de
de expressão e produção na língua estran-
maneira que eles compreendam e reflitam
geira, com o objetivo de formar um cidadão
sobre o uso da linguagem nos mais diferen-
capaz de participar criticamente no mundo
tes meios de propagação (oral e escrito) e
e preparado para enfrentar a diversidade e o
nas mais diversas modalidades de textos
trânsito intercultural. Nesse sentido, o en-
produzidos nas interações dos sujeitos na
sino da Língua Espanhola nas escolas deve
Língua Espanhola. Cabe, igualmente, ao pro­
fomentar a reflexão sobre o emprego dessa
mover oportunidades de contato com dife­
língua, de forma a promover a ampliação
rentes textos e mídias (televisiva, impressa,
dos espaços de participação do aluno, tan-
radiofônica, digital), contribuir para ampliar
to na sala de aula, como na sua vida coti-
o universo letrado dos alunos. Interessa,
diana, a fim de que ele possa compreender
ainda, favorecer a compreensão dos valores
melhor a si mesmo e ao mundo em que vive
atribuídos às línguas na sociedade na qual
e refletir sobre o uso da linguagem, o cru-
está inserido, bem como enfrentar as dife-
zamento entre sua cultura e a dos outros.
renças culturais e interculturais, crítica e
5
reflexivamente, evitando-se a reprodução de
preconceitos e de práticas discriminatórias.
-se que o aprendizado da Língua Espanho-
Partindo desse princípio, considera-
la deve propiciar a aquisição e o desenvol
Aprender uma língua estrangeira
vimento de habilidades e competências
significa aprender a comunicar-se. Portan­
que permitam aos estudantes incorporar
to, aprender Espanhol na escola é aprender
tais conhecimentos em sua vida cotidiana
a expressar-se de forma adequada, tanto na
e, efetivamente, desenvolver habilidades e
modalidade oral, quanto na escrita, com
competências nas línguas estrangeiras, que
o objetivo de elaborar com o outro um di-
contribuam para a sua inclusão social am-
álogo, uma interação de modo seguro, au-
plamente entendida, com relação a sua for-
tônomo, autoral e crítico, desenvolver suas
mação como cidadão preparado para atuar
habilidades no que diz respeito à compre-
no universo das diferentes interações so-
ensão e a produção oral e escrita na Língua
ciais, culturais e profissionais.
Espanhola. Por habilidades entendemos as
formas em que se ativa o uso da língua e
que, tradicionalmente, têm sido tratadas
com respeito ao modo de transmissão (escrita e oral) e ao papel que desempenham
na comunicação (receptiva e produtiva).
São quatro, a saber: a expressão ou interação oral, a expressão ou produção escrita, a
compreensão auditiva ou oral e a compreensão leitora ou escrita. Apesar de que, nem
sempre, na sala de aula, haja a integração
das diferentes destrezas, numa situação de
uso, elas são utilizadas de modo articulado.
Assim, é comum que, na leitura de um texto,
sejam feitas anotações, ou ainda, que se leia
um texto e se responda oralmente ou por
escrito a algumas questões. Desse modo, dificilmente as destrezas ocorrem ou são concebidas isoladamente, embora em algumas
Aprender Espanhol na escola signifi-
ca também desenvolver as competências gerais: o saber (conhecimento declarativo), o
saber fazer (conhecimento instrumental), o
saber ser (competência existencial) e o saber
aprender. O saber (conhecimento declarativo) corresponde ao conhecimento do mundo e pode referir-se tanto a acontecimentos,
fatos e processos quanto a entidades (seres
concretos e abstratos, animados ou não) e a
distintas propriedades e relações (espaciais,
temporais, causais, entre outras). Assim,
para o aluno, será importante desenvolver
o conhecimento relativo aos países em que
se fala a Língua Espanhola e o conhecimento das diferentes sociedades e culturas referentes à vida diária desses indivíduos, seus
situações umas se destaquem como, por
valores, crenças, comportamentos, conven-
exemplo, numa conversação através da In-
ções e usos sociais, por exemplo. Trata-se,
ternet (chat) em que a expressão escrita e a
pois, de um conhecimento relacionado a
compreensão leitora se completam.
aspectos interculturais, associados a distin-
6
tas percepções e compreensão do outro e da
A interculturalidade no ensino de Espanhol
relação deste com seu universo. É, pois, de
interesse, promover a formulação desse co-
Neste percurso de “aprender Espa-
nhecimento no ensino de línguas na escola,
nhol na escola” e conseguir uma autêntica
consoante o exposto nas seções anteriores.
competência comunicativa, os estudantes
têm que aprender a reconhecer a realidade
O saber fazer (conhecimento instru-
sociocultural que subjaz a todo ato de fala,
mental) abrange diversas habilidades rela-
e compreender a cultura integrada com
cionadas com o universo das interações so-
a língua, já que a língua expressa a cultu-
ciais, profissionais e cotidianas bem como
ra e por meio dela adquirimos cultura. A
com as habilidades interculturais. Assim,
interculturalidade se manifesta como um
para comunicar-se e interagir em Língua
eixo transversal que ultrapassa fronteiras;
Espanhola são requeridos, dos sujeitos, o
um encontro intercultural implica, não só
domínio e o exercício de certas habilidades.
a convivência de culturas diferentes, mas
O saber ser (competência existencial) é re-
também o reconhecimento e o respeito à di-
sultante das características individuais e das
versidade do “outro”. O enfoque intercultu-
características de personalidade e está re-
ral na aprendizagem de Espanhol deve prio-
lacionado com a autoimagem e com a von-
rizar a reflexão comparativa sobre o uso dos
tade de estabelecer interação social com os
códigos verbais e não verbais entre a nossa
demais sujeitos. Engloba, pois, uma ampla
cultura (brasileira) e a das diferentes comu-
gama de motivações, atitudes, crenças, va-
nidades linguísticas do Espanhol, com o ob-
lores, estilo cognitivo, entre outros fatores
jetivo de aceitar e compreender o modo de
pessoais. Já o saber aprender é a capacidade
ser e de pensar da outra cultura sem impor
que mobiliza as demais competências e defi-
nem dominar.
ne-se como a habilidade ou a predisposição
em descobrir o diferente, seja na outra lín-
A Rede. Um meio para estimular a intercul-
gua, na outra cultura, por meio do contato
turalidade e aprender Espanhol
com outras pessoas ou com novas áreas de
conhecimento. Compreende, igualmente, a
Atualmente, o ensino e a aprendiza-
reflexão sobre o sistema da língua e a comu-
gem de línguas têm sofrido mudanças sig-
nicação, sobre o sistema fonético e as habi-
nificativas com o uso da internet. A Rede
lidades necessárias, as diferentes estratégias
exerce um papel relevante na medida em
de aprendizagem e técnicas de estudo.
que, com sua ajuda, os alunos podem ultrapassar os limites da sala de aula, do manual,
distanciando-se, dessa forma, de um ensino
7
presencial unidirecional para desembarcar
acessível, um estudante de uma escola en-
em um horizonte aberto, sem fronteiras e
trar em contato com estudantes de diferen-
próximo, favorecendo propostas mais criati-
tes países e culturas e desenvolver projetos
vas que potencializam atividades multidire-
comuns mediante a comunicação on line.
cionais.
Esta inter-relação permite aos estu-
As novas tecnologias de informação
dantes a troca de experiências e a explora-
e comunicação são, portanto, aliadas im-
ção de diferentes aspectos da diversidade
portantes em todos os âmbitos do ensino e
cultural, social e econômica dos diversos
podem ser potencializadas na aprendizagem
países que têm o Espanhol como língua ma-
de Língua Espanhola. No entanto, seu uso
terna e ampliar seus conhecimentos gerais.
deve estar condicionado a um aprofundamento dos conteúdos, quer sejam linguísti-
Além destas oportunidades, o uso
cos ou culturais, a fim de concretizar o pro-
de tecnologias da informação e comunica-
cesso de aprendizagem.
ção (TICs) para aprendizagem de Espanhol
na escola, e mais especificamente o uso de
O uso das tecnologias da informação
tecnologias para a aprendizagem de línguas,
e da comunicação na aula de Língua Espa-
oferecem materiais que se centram em ativi-
nhola permite usar a língua em contextos
dades relacionas com a compreensão leitora
autênticos, já que a Internet oferece acesso
e auditiva, a expressão escrita e oral.
fácil e rápido para o uso de materiais reais
e atuais em Língua Espanhola, o que se tor-
Nesse sentido, as novas tecnolo-
na um estímulo para o estudante. Este novo
gias são um poderoso aliado para preparar
meio virtual propõe novas metodologias
cidadãos cada vez mais livres, solidários e
e novos rumos na aula de Espanhol como
responsáveis. Além disso, elas facilitam ex-
língua estrangeira, no contexto escolar. A
traordinariamente a interculturalidade:
fusão das novas tecnologias com a compe-
comunicação entre as pessoas, de culturas
tência intercultural situa o ensino e a apren-
idênticas ou diferentes. O uso, na escola, de
dizagem da Língua Espanhola dentro de um
ferramentas tecnológicas que promovam
contexto social e cultural. Outro beneficio
a aprendizagem de línguas é, portanto, co-
importante derivado do uso destas tecno-
adjuvante no trabalho docente, estimula o
logias está baseado nas oportunidades que
aluno a aprender a aprender e, consequente-
propicia para a cooperação e a colaboração
mente, proporciona situações e ambientes
entre pares, pois a Rede proporciona um es-
de aprendizagem para as diferentes formas
paço que permite, de uma maneira fácil e
de interação (oral e escrita) na Língua Espa-
a
8
nhola. É importante garantir, no contexto
Os artigos recopilados constituem
escolar, o acesso às tecnologias disponíveis
um conjunto de temas que apontam para
que permitam ao estudante ampliar suas in-
a atual situação do ensino de Espanhol no
terações com os objetos de conhecimento,
contexto escolar como forma de fomentar
pois o ensino de Língua Espanhola na escola
a discussão sobre o papel da língua estran-
não pode estar ancorado em metodologias
geira na formação básica de nossas crianças
do século XIX, quando nossos alunos (nati-
e adolescentes e surge em um momento
vos digitais) estão em pleno século XXI.
oportuno, dada a publicação do documento
do Ministério da Educação que abre para a
O presente volume pretende ofere-
sociedade brasileira a discussão sobre os Di-
cer uma visão ampla sobre três eixos impor-
reitos à aprendizagem e ao desenvolvimento
tantes relacionados ao ensino de Espanhol
na Educação Básica. Entendemos, pois, que
como língua estrangeira, na Educação Bá-
a aprendizagem da Língua Espanhola consti-
sica brasileira. O primeiro, que intitulamos
tui-se um direito fundamental do estudante
O Espanhol nas escolas públicas brasileiras,
apresenta um panorama atual do papel que
ocupa a Língua Espanhola no currículo escolar. O segundo texto, Algumas razões para
ensinar e aprender Espanhol na escola, nos
propõe uma reflexão sobre a real necessidade de ensinar e aprender a Língua Espanhola
e que, para que isso ocorra ao longo da Educação Básica, é imprescindível que sejam
garantidas as condições de sua operacionalização em termos de políticas públicas
assumidas como obrigação de Estado, com
implicações administrativas, políticas e pe­
dagógicas, nos diferentes contextos de ensi­
no e das escolas do país: a formação de pro­
na Educação Básica e de como conviria enfo-
fessores e a valorização da língua estrangeira
car esse processo de modo a que ele se cons-
no projeto pedagógico da escola. Nesse sen-
titua numa experiência significativa para
tido, consideramos importante a construção
professores e alunos. Por fim, o terceiro tex-
de um plano nacional estratégico para o en-
to aborda as Tecnologias, multiletramentos
sino e aprendizagem de línguas estrangeiras
e ensino de Espanhol e sua importância na
nas escolas brasileiras, de forma a permitir
aprendizagem. A ordem em que aparecem
a concretização dessa aprendizagem em ter-
os artigos tenta ir do mais geral ao mais par-
mos de saberes, experiências e atitudes e de
ticular, embora, claro está, que não se pre-
ações voltadas para esses objetivos.
tende uma leitura linear de seu conjunto.
Será de interesse do leitor o que o guiará por
um ou outro artigo.
9
texto
1
O Espanhol nas escolas públicas brasileiras
Simone Rinaldi1
(CELEM), em 1986. O mesmo ocorreu em
São Paulo, um ano depois, nos chamados
O estudo da Língua Espanhola não é
Centro de Estudos de Línguas (CEL)3.
uma novidade em nosso país. Na década de
40 do século passado, com a chamada Refor-
ma Capanema2, o idioma Espanhol teve suas
Sul (Mercosul), em 1991, a motivação para o
primeiras incursões nos currículos nacionais
aprendizado e, consequentemente, para o en-
da Educação Básica. Porém, nos anos 60, o
sino da Língua Castelhana, aumentou consi-
ensino de línguas estrangeiras passou a ser
deravelmente em diversos estados brasileiros.
Com a criação do Mercado Comum do
considerado optativo e o Espanhol foi excluído do sistema de ensino brasileiro.
10
Em 1996, a Lei n° 9.394, que estabele-
ce as Diretrizes e Bases da Educação NacioEm 1971, a Lei de Diretrizes e Bases da
nal, procurou alavancar novamente o estudo
Educação Nacional (LDB) manteve o estudo
das línguas estrangeiras no Brasil quando,
de somente uma língua estrangeira no cha-
em seu Capítulo II – Da Educação Básica, Se-
mado 2º Grau (atual Ensino Médio) e o idio-
ção I – Das Disposições Gerais, artigo 26°, pa-
ma escolhido foi a Língua Inglesa.
rágrafo 5°, estabelece que
Como uma forma de oferecer ou-
Na parte diversificada do currículo
tros idiomas além do Inglês, o estado do
será incluído, obrigatoriamente, a
Paraná iniciou a oferta do Espanhol e de ou-
partir da quinta série, o ensino de pelo
tros idiomas (exceto Inglês) nos chamados
menos uma língua estrangeira moder-
Centros de Línguas Estrangeiras Modernas
na, cuja escolha ficará a cargo da co-
1
Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo. Professora Efetiva do Departamento de Letras
Modernas do CCH, da UEL, PR. Líder do grupo de pesquisa “Ensino, aprendizagem e formação de professores de
Espanhol para crianças e pesquisadora do grupo: “Pesquisa, Ensino e Aprendizagem de Espanhol”. Membro do
Conselho Editorial da revista GEPPELE.
2
Chagas (1967, p.116 apud RINALDI, 2006, p.61).
3
Santos (2007, p.10).
munidade escolar, dentro das possibi-
deixam de ter acesso ao estudo de Espanhol
lidades da instituição.
porque as escolas mais próximas à sua residência podem não oferecer um centro de
Já a Seção IV - Do Ensino Médio, artigo 36,
línguas. Os centros de estudos de línguas
inciso III:
estrangeiras funcionam como institutos de
idiomas. Entretanto, sua existência na esco-
será incluída uma língua estrangeira
la depende do apoio da direção. Essa solução
moderna, como disciplina obrigatória,
foi uma alternativa governamental para que
escolhida pela comunidade escolar, e
a pluralidade linguística alcançasse também
uma segunda, em caráter optativo, den-
a escola pública, uma vez que as escolas par-
tro das disponibilidades da instituição.
ticulares teriam mais facilidade de incluir
outras línguas na grade curricular.
Vemos que o estudo de línguas es-
trangeiras volta a ser valorizado no docu-
mento legal, ainda que não obrigue à inclu-
estudo de Espanhol fosse inserido na grade
são de um idioma especificamente, o que dá
curricular de todas as escolas do país. Entre-
margem a que se estudem no Brasil diversos
tanto, não foi o que aconteceu. Estados que
idiomas, segundo a possibilidade e escolha
ofereciam os centros de idiomas, como é o
da comunidade escolar.
caso do Paraná e de São Paulo, consideraram
Com a lei 11.161, esperava-se que o
que sua responsabilidade quanto à oferta do
Por fim, em 2005, a lei 11.161 estabe-
idioma estava contemplada, daí que não se
leceu a obrigatoriedade da oferta de ensino
esforçaram por mudar essa realidade. Como
de Língua Espanhola, facultando ao aluno o
consequência, a oferta da Língua Espanhola
seu estudo. Sua implantação deveria ser gra-
não foi ampliada como se esperava. Outros
dativa nos currículos plenos do Ensino Mé-
estados, como mencionado adiante, tentam
dio e esse processo deveria estar concluído
cumprir a lei com um mínimo de esforço.
em cinco anos, ou seja, em 2010.
Embora a situação atual nos mostre
Hoje, três anos após o término do
que a existência de centros de línguas vincu-
prazo da lei, muitos estados brasileiros ain-
lados à escola pública seja melhor do que a
da não criaram instrumentos necessários
sua ausência, é necessário que se intensifi-
para que a lei 11.161 seja amplamente aten-
quem ações para que a LDB (Lei 9394/96) seja
dida. O CELEM (PR) e o CEL (SP) continuam
amplamente cumprida, ou seja, que se ofe-
atuando nas escolas públicas, mas não em
reçam dois idiomas no Ensino Médio e uma
todas. Isso significa dizer que muitos alunos
no Ensino Fundamental, sendo facultativa a
11
oferta de duas línguas nesse nível de ensino,
apenas nos cursos técnicos e deixa de ofere-
mas sempre na grade horária, para que essa
cê-la no Ensino Médio comum, ou seja, em
oportunidade alcance a todos os alunos das
cursos não técnicos.
escolas públicas, e não somente aqueles que
possam frequentar tais centros. A importân-
cia da inserção do segundo idioma na grade
colas oferecem Espanhol. Entretanto, ne-
curricular vai além da inclusão social men-
nhuma o insere em sua grade horária. O
cionada anteriormente. É necessário que se
público alvo nas escolas paulistas são alu-
desmitifique a ideia de que a aprendizagem
nos regularmente matriculados em escolas
de idiomas na escola é ineficaz. Ela é possível,
sim, desde que as condições sejam favoráveis.
Uma possibilidade seria ampliar a carga horária das línguas estrangeiras e não delegar essa
responsabilidade aos centros porque, como
vimos, não atendem a todos os alunos.
No Paraná são 1091 (mil e noventa
e uma) escolas que oferecem o estudo da
Língua Espanhola, sendo que, em Londrina,
por exemplo, apenas uma o inclui em sua
Em São Paulo, por exemplo, 223 es-
pertencentes à Rede Estadual de Ensino, cursando a partir do 7º ano (6ª série) do Ensino Fundamental - Ciclo II até a 3º série do
Ensino Médio. Além disso, os CELs atendem
também aos alunos matriculados no Ensino Médio das Escolas Técnicas (ETECs) e na
Educação de Jovens e Adultos (EJA). O curso
está estruturado em 06 estágios semestrais,
com a frequência de 04 aulas semanais, com
duração de 50 minutos cada. As aulas são
ministradas em diversos horários, sempre
no contraturno do curso regular.
grade horária. Os cursos são uma oferta extracurricular e gratuita de ensino de Línguas
Estrangeiras nas escolas da Rede Pública do
oferecem a Língua Espanhola na Educação
Estado do Paraná, destinado a alunos, pro-
Básica, como Rio de Janeiro, Minas Gerais
fessores, funcionários e à comunidade e são
ou Pará, principalmente após a inclusão do
ministrados em duas modalidades: a) curso
idioma no ENEM (Exame Nacional do Ensino
básico com 2 (dois) anos de duração (320 h),
Médio). Além disso, alguns municípios têm
4 (quatro) horas/aula semanais e b) curso de
inserido o curso de Espanhol desde os pri-
aprimoramento com 1 (um) ano de duração,
meiros anos do Ensino Fundamental, como
com um total de 160 horas/aula, distribuídas
é o caso de Castanhal, no Pará; e do Embu
em 4 (quatro) horas/aula semanais para os
das Artes, em São Paulo.
Outros tantos estados brasileiros
alunos que concluíram o curso básico.
Em Pernambuco, há realidades dife-
Em Mato Grosso, o município de
rentes. Na rede municipal de Fortaleza, ou
Pontes e Lacerda oferece a Língua Espanhola
seja, no Ensino Fundamental, o Espanhol é
12
ministrado em algumas escolas. Já no que
passando pelo número de alunos em sala de
diz respeito à rede estadual, o curso de Espa-
aula e a heterogeneidade presente no que
nhol tem duas aulas semanais em algumas
diz respeito à faixa etária dos aprendizes.
escolas e, em outras, apenas uma. Ainda são
poucas as escolas que possuem o Espanhol
Quando mencionamos o apoio que
na grade, mas todas as aulas são dadas por
os professores necessitam de seus direto-
professores da rede, temporários ou efetivos.
res, referimo-nos, desde a disponibilização
de uma sala de aula adequada, ou seja, am-
No que diz respeito à rede estadual
pla o suficiente para abrigar a quantidade
de Santa Catarina, não existem centros de
de alunos que frequentam o curso, passan-
ensino de línguas, como no Paraná ou em
do pela autorização para usar a máquina
São Paulo. Santa Catarina oferece o ensino
fotocopiadora, até a integração desses pro-
de Espanhol nas escolas públicas apenas
fissionais ao corpo docente do estabeleci-
no Ensino Médio. Entretanto, nem todas
mento de ensino, mediante convocações
as escolas oferecem esse estudo porque há
para reuniões pedagógicas, por exemplo.
uma interpretação da Lei 11.161 que julga
facultativo o ensino de Espanhol nesse ní-
Sobre a qualidade de sua formação
vel escolar. Isso significa que o aluno pode
continuada, vemos que muitos professores
escolher estudar Espanhol ou não, o que
deixam de encontrar motivação para con-
representa uma justificativa para que nem
tinuar seus estudos, pois quando o próprio
todas as escolas tenham a disciplina de Lín-
governo oferece cursos de atualização, não
gua Espanhola. Em Blumenau, por exemplo,
há permissão para que os professores se
o Espanhol está presente em quase todas
ausentem da sala de aula, seja por falta de
as escolas particulares de Ensino Médio. O
professor substituto, seja por outro incon-
mesmo não acontece nos outros níveis de
veniente qualquer. Se o curso de aperfeiço-
ensino, já que no Ensino Fundamental I e II
amento é oferecido por outra instituição e,
apenas duas escolas ofertam esse curso.
eventualmente, é pago, poucos são os professores que têm condições de arcar com os
A realidade descrita anteriormente
valores de cursos de formação continuada.
mostra-se positiva e próspera, porém modifica-se consideravelmente se nos aproxi-
Em relação aos alunos, nos primei-
mamos das salas de aula, tanto no que diz
ros anos de funcionamento, os CELEM e
respeito ao apoio que muitos professores
os CEL, por exemplo, atendiam um máxi-
deveriam obter de seus diretores, quanto à
mo de 20 aprendizes por grupo. Ao longo
qualidade de sua formação continuada, per-
dos anos, os governos passaram a exigir
13
um mínimo de 20 alunos por agrupamento
e, assim, todos tenderão a progredir juntos.
e máximo de 30, o que gerou fechamento
de muitas turmas. Atualmente, para evitar
Outras
questões
são
relevantes
essa prática, tem-se realizado a junção de
quando discutimos o processo de ensino
turmas, ainda que de diferentes níveis, com
e aprendizagem de línguas estrangeiras. A
a finalidade de manter, pelo menos, o núme-
primeira diz respeito à proposta metodoló-
ro mínimo de alunos.
gica. Entendemos que o objetivo de estudar
idiomas é o de aprender a se comunicar
Essa situação, ou seja, o agrupamen-
em determinadas línguas. Isso é possível
to de alunos originários de níveis diferentes
se o trabalho do professor for voltado ao
pode causar alguma dificuldade para o pro-
desenvolvimento das habilidades comu-
fessor e também desestimular os alunos.
nicativas: interação por escrito e oral-
Uma vez que o professor opte por ignorar
mente, entendida tanto como capacidade
essa diferença de conhecimento, poderá
de compreensão, quanto de produção de
nivelar seu curso segundo os alunos com
textos, orais e escritos.
menos conhecimentos e então os alunos
com mais conhecimentos poderão ver seu
A segunda questão está relaciona-
progresso interrompido ou estacionado; ou
da à carga horária dos cursos de línguas,
poderá nivelar seu curso segundo alunos
geralmente uma ou duas vezes por sema-
com mais conhecimento linguístico, o que
na, o que totaliza, quando muito, 400 mi-
acarretará desconforto aos alunos oriun-
nutos por mês. Essa quantidade é mínima
dos dos primeiros níveis, pois poderão se
para que se possa efetivamente produzir
sentir incapazes de acompanhar o ritmo
um trabalho de qualidade. Assim, entende-
das aulas e, consequentemente, tenderão a
mos que é uma necessidade premente o au-
abandonar o curso.
mento dessa quantidade de horas para que
se possa ter um ensino de primeira linha,
O professor pode escolher consi-
como proposto nos documentos oficiais.
derar as diferenças que se apresentem em
sala de aula e preparar um curso que abar-
Apesar das dificuldades que a reali-
que e integre tanto alunos dos primeiros ní-
dade nos apresenta, o estudo da Língua Es-
veis de conhecimento linguístico quanto os
panhola na Educação Básica pública é um
alunos de níveis mais avançados, oferecen-
enorme salto qualitativo à formação global
do atividades desafiadoras nas quais alunos
de nossos alunos, se considerarmos, como
com mais conhecimento poderão ajudar
mencionamos anteriormente, que durante
aqueles que estão nos níveis mais básicos
algumas décadas do século XX, o ensino de
14
línguas estrangeiras era considerado apenas uma atividade e quase nunca se estudava a Língua Espanhola.
Por fim, vemos
que o ensino de Espanhol nas escolas públicas é uma necessidade
e precisa ser cada vez
mais
fortalecido
por
meio de abertura de
concursos para docentes desse componente
curricular na Educação
Básica, ou seja, com políticas públicas eficazes
que visem à formação
“(...) vemos que o
ensino de Espanhol nas
escolas públicas é uma
necessidade e precisa ser
cada vez mais fortalecido
por meio de abertura de
concursos para docentes
desse componente
curricular na Educação
Básica”.
do sujeito social, o que
permite que a escola
cumpra o seu papel fundamental na construção de uma sociedade
igualitária e justa.
15
REFERÊNCIAS
CHAGAS, V. Didática Especial de Línguas Modernas. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1967.
PARANÁ. Secretaria da Educação do Paraná. Superintendência de Desenvolvimento Educacional. Diretoria de Tecnologia Educacional. 27 anos do Celem! Dia a Dia Educação. 21.01.2013.
Disponível em: <http://www.lem.seed.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=755, acesso em 19 out. 2013.
PARANÁ. Secretaria da Educação do Paraná. Colégio Estadual do Paraná. CELEM – Centro de
Línguas Estrangeiras Modernas/CEP. Disponível em: <http://www.cep.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=80>, acesso em 19 out. 2013.
RINALDI, S. Um retrato da formação de professores de ELE para crianças. Um olhar sobre o
passado, uma análise do presente e caminhos para o futuro. São Paulo: FE-USP, 2006. (Dissertação de mestrado).
SANTOS, J.J. Centros de Estudos de Línguas (CELs) do Estado de São Paulo: uma longa
experiência no ensino de Espanhol Língua Estrangeira (ELE). São Paulo: FE-USP, 2007. (Relatório
de Iniciação Científica)
16
texto
2
Algumas razões para ensinar e aprender Espanhol
na escola
Gretel Eres Fernández1
Resumo
Palavras-chave: Ensino e aprendizagem de
Ao longo da história do ensino regular no
Espanhol, Espanhol na Educação Básica, lín-
Brasil vivenciamos situações bastante dife-
gua estrangeira.
renciadas no que se refere à oferta de línguas estrangeiras. Assim, houve momentos
Considerações iniciais
em que vários idiomas figuravam na grade curricular e outros em que, na prática,
Se considerarmos o papel, o lugar
predominou apenas um deles, geralmente
e o espaço destinado ao ensino das línguas
o Inglês. Nas últimas décadas, entretanto,
estrangeiras modernas na escola regular a
o Espanhol passou a ganhar relevância do
partir da Reforma de 1931, verificaremos que
ponto de vista das relações internacionais,
apenas nesse momento estivemos diante da
comerciais, políticas, educativas, etc., o que
“primeira tentativa realmente séria já em-
culminou com a possibilidade de sua inclu-
preendida entre nós para atualizar o estu-
são nos níveis fundamental e médio. Contu-
do dos idiomas modernos.” (CHAGAS, 1979,
do, cabe refletir acerca da real necessidade
p.110). Concebe-se, nesta ocasião, o ensino
de ensinar e aprender a Língua Espanhola na
não mais centrado na gramática e tradução,
Educação Básica e de como conviria enfocar
mas sim na oralidade e no uso efetivo da
esse processo de modo que ele se cons­titua
língua estrangeira, não só como objeto de
numa experiência significativa para profes-
estudo mas também como veículo de comu-
sores e alunos. Este é o propósito do presen-
nicação em sala de aula.
te artigo: analisar algumas das razões pelas
quais a inclusão do Espanhol na escola me-
rece ser considerada com atenção.
ficuldades para pôr em prática os precei-
Embora muitas tenham sido as di-
1
Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo em 1998. Realizou estudos
pós-doutorais na Universidad de Murcia (Espanha). Professora da Faculdade de Educação da USP (FEUSP), no curso
de Licenciatura em Espanhol e na Pós-Graduação, na área de formação de professores de Espanhol e de Português
como Língua Estrangeira. Colaboradora do MEC, foi consultora das Orientações Curriculares Ensino Médio Espanhol,
publicadas em 2006. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Ensino e Aprendizagem de Espanhol. Membro efetivo da
Academia Internacional de Lexicografia e membro correspondente da Academia Peruibense de Letras.
17
tos defendidos pelo Método Direto – linha
Língua Espanhola na escola regular são ou-
metodológica vigente à época da reforma
tros. Entretanto, cabe perguntar: quais se-
educativa citada – não se pode negar que os
riam eles? Se bem é certo que ainda hoje se
avanços foram notáveis e que já não havia
defende a integração entre o Brasil e os pa-
possibilidade de voltar ao consagrado Méto-
íses da América Latina que têm o Espanhol
do Gramática e Tradução – idealizado origi-
como idioma oficial, tal qual postulado em
nalmente para o ensino de línguas mortas –,
1942, não está de todo claro que a inclusão
o que ficou evidenciado também na Refor-
desse idioma no ensino regular brasileiro
ma Capanema, de 1942.
tenha permitido avanços significativos para
que essa aproximação se efetive. Assim, que
Esta nova mudança no sistema edu-
cacional, entre muitas outras alterações,
motivos temos hoje para ensinar e aprender
Espanhol na Educação Básica?
também afetou o ensino de línguas estrangeiras. No então denominado ginásio, pas­
saram a constar como disciplinas obrigató­
rias o Latim, o Inglês e o Francês, enquanto
A FUNÇÃO DAS LÍNGUAS ESTRANGEIRAS NA ESCOLA: AINDA ATUAIS
OS PRINCÍPIOS DE 1961?
no colégio ofereciam-se o Latim, o Grego, o
Francês, o Inglês e incor­porou-se o Espanhol.
A Lei de Diretrizes e Bases de 1961 si-
De acordo com a “Exposição de Motivos”
tuou as línguas estrangeiras entre as discipli-
atrelada ao projeto da Reforma Capanema,
nas complementares ou optativas, enquan-
a inclusão da Língua Espanhola justifica-se
to mais tarde, a lei 5692/71 estabeleceu sua
“‘por ser uma língua de antiga e vigorosa
obrigatoriedade para o Segundo Grau (atual
cultura e de grande riqueza bibliográfica’,
Ensino Fundamental). Vale lembrar que ne-
cuja adoção, por outro lado, ‘é um passo a
nhum dos dois textos legais determinava
mais que damos para a nossa maior e mais
qual idioma – ou quais – seria privilegiado.
íntima vinculação espiritual com as nações
irmãs do Continente’.” (CHAGAS, 1979, p.116).
No que tange à metodologia a ser seguida,
relevantes os fatores culturais e históricos
essa reforma recomendava a adoção daquilo
para o ensino de línguas estrangeiras no
que havia de mais atual, ou seja, em essência,
âmbito educativo nacional, Chagas (1979, p.
o Método Direto.
134) 2 esclarece que
Nesses contextos, e apesar de serem
Mais de setenta anos depois, pare-
(...) o mundo em que vivemos exige
ce evidente que os motivos para a oferta da
uma participação cada vez mais ativa
2
Vale lembrar que a 1ª edição da obra de Chagas data de 1956.
18
do indivíduo no concerto da vida inter-
como apontado por Chagas.
nacional. É preciso, é urgente mesmo,
que os homens se entendam e se com-
No entender do mesmo estudioso
preendam na base dos seus defeitos
(1979, p. 136-137), para que se alcance essa
finalidade mais “utili-
e virtudes, e no
pressuposto
felicidade
da
geral,
a fim de que caminhemos
para
aquela era de paz
e concórdia que
todos almejamos
e para a qual, infelizmente,
parcamente
tão
já
temos contribuído. Ainda neste
particular,
ape-
sar de não serem
decisivos por si
sós, os idiomas
modernos estão
fadados
a
de-
sempenhar uma
salutar
influên-
cia, por isso que
aproximam
os
“ (…) configuram-se
duas modalidades
de objetivos para o
ensino e aprendizagem
de línguas na escola
regular: os gerais
e os específicos.
Os primeiros estão
voltados à formação
geral e integral do
sujeito, enquanto os
segundos relacionamse às características
do idioma em estudo,
vinculando cultura e
formas de expressão,
tanto na modalidade
oral quanto na escrita.”
tária” dos idiomas estrangeiros é necessário
que seu ensino esteja
articulado às outras disciplinas que integram o
currículo; daí a importância de que especialmente no nível médio
se tenha presente a
formação do aluno enquanto cidadão. Nesse
sentido, configuram-se
duas modalidades de
objetivos para o ensino
e aprendizagem de línguas na escola regular:
os gerais e os específicos. Os primeiros estão
voltados à formação geral e integral do sujeito,
enquanto os segundos
relacionam-se às carac-
homens, através
terísticas do idioma em
da palavra escrita
estudo, vinculando cul-
ou falada (...)
tura e formas de expressão, tanto na modalidade oral quanto na escrita.
Assim, fica claro que a função do en-
sino dos idiomas estrangeiros em geral, e
Muito embora essas considerações
do Espanhol em particular, reveste-se de um
tenham sido formuladas já há várias déca-
fundo histórico e cultural – como preconiza-
das, constatamos sua atualidade, posto que
do já em 1942 – e de objetivos comunicativos,
os objetivos mencionados por Chagas estão
19
presentes na legislação em vigor e nos docu-
2) a “Carta de Pelotas” (2000), documento
mentos que hoje norteiam o ensino de idio-
elaborado pelos participantes do II Encontro
mas estrangeiros. Assim, e apesar de a Lín-
Nacional sobre Política de Ensino de Línguas
gua Espanhola não ter se mantido entre as
Estrangeiras, celebrado na cidade de Pelo­
disciplinas integrantes do currículo regular
tas – RS, em setembro de 2000. Desse modo,
nas décadas finais do século XX e no início
quanto enfocamos o Ensino Fundamental,
deste século, podemos considerar que, em
dois aspectos amplos sobressaem:
alguma medida, essa visão se preserva nos
dias atuais.
1. O papel formativo das línguas estrangeiras, em geral, e do Espanhol, no nosso
Por que ensinar e aprender Espanhol hoje?
caso específico.
2. A função social das línguas estrangeiras.
A atual Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (1996) estabele­ce a inclusão de ao menos uma língua es­trangeira mo-
Já quando consideramos o Ensino
derna a partir do sexto ano do Ensino Fun-
Fundamental, além dos propósitos anteriores,
damental (Art. 26 § 5º) e de­termina que uma
é possível destacar outras razões que justifi-
língua estrangeira terá caráter obrigatório
cam, tanto a inclusão das línguas estrangei-
neste mesmo nível de ensino e, em caso
ras, quanto a relevância de ensinar e aprender
de haver possibilidade, ainda uma segun-
Espanhol. Assim, tomando como referência
da língua será incluída (Art. 36, inciso III).
os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2000, p. 4-11), outros objetivos se somam,
Como assinalamos, as razões defen-
como o de possibilitar aos estudantes:
didas no século passado para justificar o
ensino de línguas estrangeiras na escola re-
3. O desenvolvimento do respeito à diversidade.
gular ainda possuem certa validade e se aplicam, sem dúvida alguma, ao caso do Espa-
4. A preparação para o mundo do trabalho e
nhol. Dois documentos de grande relevância
para a continuidade dos estudos.
dei­xam claros tanto o caráter de formação
do qual esse ensino deve se revestir como
5. O acesso a informações e à comunicação
a função social das línguas estrangeiras: 1)
internacional.
os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998, p. 65-67), documento orientador
oficial para o ensino de línguas estrangeiras
nos anos finais do ensino fundamental; e
Um olhar às Orientações Curriculares (BRASIL, 2006, p. 129), também nos permite elencar outras finalidades que subjazem a esse
ensino de modo a que se facilite aos alunos:
20
6. A inclusão social e étnica.
sua inclusão no mundo do trabalho.
A avaliação pode servir como com-
7. A construção da identidade.
plemento do currículo para a seleção
de emprego. (Inep, apud KANASHIRO,
Constata-se, pois, que enquanto dis-
2012, p.50)3
ciplina escolar, a Língua Espanhola tem objetivos amplos e claramente estabelecidos,
tanto no nível fundamental quanto no mé-
em certa medida, alguns dos propósitos do
dio. Ademais, não se deve esquecer que esse
ensino de línguas estrangeiras elencados
idioma, junto com o Inglês, integra o rol de
anteriormente e, além disso, a inclusão de
disciplinas do Enem – Exame Nacional do En­
provas de Espanhol e de Inglês nesse exame
sino Médio – desde 2010. É evidente que o
constitui “um reconhecimento da disciplina
propósito do estudo do castelhano não deve
Língua Espanhola como componente curri-
estar atrelado exclusivamente à superação
cular” (ERES FERNÁNDEZ; DONNINI; ALMEI-
dessa prova, embora sua importância seja in-
DA FILHO, 2010).
Essas funções do Enem reforçam,
questionável por diferentes razões, entre as
quais se destacam: a) o seu efeito retroativo;
Da exposição anterior depreende-
e b) o reforço da necessidade de implanta-
-se que o ensino de línguas estrangeiras na
ção efetiva da Língua Espanhola no Ensino
Educação Básica tem funções claramente
Fundamental, como estabelecido pela Lei
definidas e, no caso do Espanhol, podemos
11.161/05. Vale lembrar, ainda, que
acrescentar o papel político e econômico de
sua inclusão na escola regular, referendado
o principal objetivo do Enem é avaliar
pela Lei 11.161/05. Entretanto, como destaca-
o desempenho do aluno ao término da
do pelas Orientações Curriculares (BRASIL,
escolaridade básica, para aferir desen-
2006, p.127-128), esses propósitos não de-
volvimento de competências funda-
veriam ser os centrais: é preciso, antes de
mentais ao exercício pleno da cidada-
tudo, ter como meta um ensino de qualida-
nia. [...] O Enem busca, ainda, oferecer
de e sem reducionismos, em que os estereó-
uma referência para auto-avaliação
tipos e os preconceitos de todo tipo estejam
com vistas a auxiliar nas escolhas fu-
ausentes e cedam espaço para aqueles prin-
turas dos cidadãos, tanto com relação
cípios que devem, a nosso ver, nortear uma
à continuidade dos estudos quanto à
política linguística efetiva e eficaz.
3
Informação fornecida por Kanashiro (2012) e disponibilizada em: <http://historico.enem.inep.gov.br/index.
php?option=com_content&task=view&id=13&Itemid=35>.
21
A esse respeito, o teor da Carta de Pe-
lotas (2000), citada anteriormente, conserva
sua atualidade e, por essa razão, reiteramos
e reproduzimos aqui alguns dos fatores elencados naquele documento e que precisam
ser encarados como primordiais quando se
discute política de ensino de línguas. Assim,
o ensino e a aprendizagem de idiomas na
Educação Básica deve preservar o direito:
• que todo indivíduo tem “de ser pre-
parado para o mundo multicultural e plurilíngue por meio da aprendizagem de línguas estrangeiras”;
• do estudante de “adquirir conheci-
mento linguístico necessário para interagir com o mundo intra e além fronteiras”;
• a uma aprendizagem que não vise
apenas ao domínio instrumental das línguas, mas que se encare como parte “da
formação integral do aluno”.
É, portanto, com ações integradas e
integradoras que o ensino de línguas estrangeiras em geral, e do Espanhol, em particular, assume funções amplas e consistentes,
capazes de conduzir os alunos a uma aprendizagem verdadeiramente significativa.
22
REFERÊNCIAS
BRASIL. Casa Civil. Subchefia para assuntos jurídicos. Lei no. 9394/96, de 20 de dezembro
de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>, acesso: 12 nov. 2013.
_____. Lei no. 11.161/05, de 05 de agosto de 2005. Dispõe sobre o ensino da Língua Espanhola.
Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11161.htm>,
acesso: 17 nov. 2013.
---------. Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais (Ensino
Fundamental) – Parte II – Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. Brasília, 2000. Disponível
em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/14_24.pdf>, acesso: 12 nov. 2013.
_____. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Orientações Curriculares para
o Ensino Fundamental. Volume 1. Linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília, 2006.
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/book_volume_01_internet.pdf>,
acesso: 12 nov. 2013.
_____. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e
quarto ciclos do ensino fundamental: língua estrangeira. Brasília, MEC/SEF, 1998. Disponível
em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/pcn_estrangeira.pdf>, acesso: 12 nov. 2013.
CHAGAS, V. Didática especial de línguas modernas. São Paulo, Nacional, 1979, 3 ed.
ERES FERNÁNDEZ, G.; DONNINI, L.; ALMEIDA FILHO, J.C.P. de. Inglês e Espanhol no Enem 2010:
análise das provas e reflexões sobre seus possíveis desdobramentos. In: Sala, 10 dez. 2010.
Disponível em: < http://www.sala.org.br/index.php/estante/academico/364-ingles-e- Espanholno-enem-2010-analise-das-provas-e-reflexoes-sobre-seus-possiveis-desdobramentos>, acesso: 17
nov. 2013.
KANASHIRO, D.S.K. As linhas e as entrelinhas: um estudo das questões de Língua Espanhola
no Enem. Tese de Doutorado. São Paulo, Faculdade de Educação da USP, 2012, 240p. Disponível
em: <www.teses.usp.br/.../DANIELA_SAYURI_KAWAMOTO_KANASHIRO_rev .pdf>, acesso: 17 nov.
2013. SAVIANI, D. Sistema Nacional de Educação articulado ao Plano Nacional de Educação .
Revista Brasileira de Educação, v. 15, n. 44, p. 380 – 393, maio/ago.2010
VIEIRA-ABRAHÃO, M.H.; ALMEIDA FILHO, J.C.P. de; BOHN, H.I. (Comissão de redação). Carta de
Pelotas. Pelotas, 06/09/2000. Disponível em < http://www.ipol.org.br/ler.php?cod=132>, acesso: 17
nov. 2013.
23
texto
3
Tecnologias, multiletramentos e ensino de espanhol
Lívia Márcia Tiba Rádis Baptista1
Julgamos relevante aprofundar aqui
trole e na reprodução para outras que favore-
nossa reflexão em torno do que consiste apren-
çam a autonomia e as práticas colaborativas,
der e ensinar em uma cultural digital, visto que
essenciais para a construção do conhecimento.
nos últimos anos estamos vivendo um pro-
No nosso modo de ver, esse entendimento é de
cesso de digitalização da escola, que afeta, de
suma relevância para que tenhamos uma visão
modo inevitável, o ensino como um todo e, em
crítica e, ao mesmo tempo, inspiradora, no que
particular, o de línguas.
tange aos distintos conhecimentos, competên-
Sendo assim, ao
refletirmos sobre o uso da
tecnologia e sobre seus
impactos
no
contexto
educacional, é necessário ter presente o quanto
o emprego das diversas
ferramentas tecnológicas
pode auxiliar o professor
a trabalhar a diversidade
de conteúdos existentes
nas disciplinas do currículo e, assim, contribuir
“(...) o desafio maior
consiste em como a
escola pode se preparar
em termos de estrutura
física, modelo de
gestão e prática escolar
do corpo docente
para fazer frente às
possibilidades que essas
tecnologias geram”.
para formação e apren-
cias e habilidades requeridas dos sujeitos pela sociedade contemporânea em
suas práticas sociais e a forma pela qual os indivíduos
aprendem ou podem aprender por meio da mediação
tecnológica na escola.
Portanto, depreendemos que o desafio maior
consiste em como a escola pode se preparar em
termos de estrutura física,
modelo de gestão e prática
dizagem dos sujeitos no contexto escolar. Em
escolar do corpo docente para fazer frente às
outras palavras, implica saber como utilizar a
possibilidades que essas tecnologias geram e
tecnologia no sentido de modificar e/ou supe-
fomentam, sem perder o foco na qualidade da
rar formas de aprendizagem centradas no con-
formação dos sujeitos.
1
Doutora em Linguística pela Universidade estadual de Campinas (UNICAMP) e Professora Adjunta IV de
Língua Espanhola e sua Didática, do Curso de Letras da Universidade Federal do Ceará. Atua no Programa de PósGraduação em Linguística, com ênfase nos seguintes temas: formação de professores, ensino e aprendizagem de
línguas, multiletramentos, elaboração de materiais didáticos e tecnologia educativa. Líder do Grupo de Pesquisa Ensino
e Aprendizagem de Línguas Adicionais (CNPq-GEALA). É autora e coautora de materiais didáticos e paradidáticos em
língua espanhola para os contextos presenciais e semipresenciais.
24
Diante do exposto e, ainda, dada a
radicais como, por exemplo, a instalação de
complexidade do tema que envolve o uso das
equipamentos e dispositivos diversos como
tecnologias e o ensino de línguas na escola,
data show, lousas digitais, redes e conexões
no presente texto circunscrevemos nossa ex-
sem fio; substituição de livros impressos
posição a alguns aspectos, a saber, no tocante
por bits digitais; criação de plataformas ou
ao que significa aprender e ensinar em uma
ambientes virtuais de aprendizagem (AVA,
cultura digital e em como a Rede promove dis-
moodle) e incorporação, no currículo, das
tintas práticas de leitura e escrita, com foco
Tecnologias da Informação e da Comunica-
no ensino de Espanhol.
ção e das Tecnologias da Aprendizagem e do
Conhecimento como objetivo e ferramenta
Aprender e ensinar em uma
cultural digital
em todas as disciplinas. Vivemos o que se
define como a mudança tecnológica, a digitalização ou a escola 2.0 (entre outras deno-
Não podemos negar ou desconhe-
cer o fato de que as tecnologias estão cada
minações), como uma realidade irreversível,
afirma Cassany (2012, p. 16).
vez mais presentes e que têm modificado nossa sociedade, não somente no que
se refere ao modo como lidamos com as
uma reorganização, tanto física como espa-
informações, mas também a como cons-
cial, conjuntamente a uma (re)avaliação das
truímos e temos acesso ao conhecimen-
relações humanas que nesse espaço se cons-
to. Deste modo, não há como imaginar o
troem, mais exatamente, nas relações entre
mundo sem essas tecnologias e, por exten-
docentes e discentes e na construção do co-
são, as aulas e as escolas sem elas.
nhecimento com foco na aprendizagem.
Neste sentido, Cassany (2012, p. 15-
O cenário educativo vem sofrendo
Torna-se imperioso, portanto, discu-
16), ao discorrer sobre a informatização nas
tir e avaliar a utilização das tecnologias no
escolas, menciona que esse processo teve
ensino de línguas – e no caso do Espanhol
seu arranque nos anos oitenta, com o sur-
– nessa chamada era da digitalização. Nesse
gimento dos primeiros computadores. Pos-
sentido, consideramos que tal inserção pode
teriormente, no início dos anos noventa, os
e precisa contribuir para o desenvolvimento
computadores foram sendo introduzidos
da autonomia, para a integração das des-
para uso exclusivo dos professores e, logo,
trezas, para o fomento da interculturalida-
foram criadas as aulas de computação e in-
de, para a interação comunicativa e para a
formática. Nos últimos anos, ainda segun-
negociação de significados na língua que se
do esse autor, vivenciamos mudanças mais
está aprendendo.
25
Em conformidade com essa ideia,
pactado as práticas dos sujeitos. Uma cons-
entendemos que se pode contribuir para fa-
tatação desse fato é que tem contribuído,
cilitar a interação na língua espanhola por
por um lado, para a emergência de gêneros
meio da participação dos alunos em inter-
textuais, antes sequer imaginados, como o
câmbios produtivos com falantes desse idio-
chat (uma conversação escrita). Tem igual-
ma. Uma mostra disso são os foros, chats
mente reformulado outros, como o diário
escritos, chats de voz e videoconferência,
pessoal ou a carta, convertidos em artefatos
que permitem, aos aprendizes, práticas em
tecnológicos como o blog pessoal ou e-mail,
situações comunicativas reais. De igual ma-
tornando-os mais dinâmicos, interativos e
neira, pode-se possibilitar o emprego da lín-
versáteis. Por outro lado, tem contribuído
gua em contextos significativos e autênticos
para uma redefinição de escrita, como nota-
de comunicação, incrementando as práticas
mos na introdução e proliferação de formas
de letramento, através de um trabalho foca-
simplificadas, coloquiais e “incorretas” e na
do na compreensão e produção de textos na
possibilidade de se questionar a autoria úni-
Rede, como no caso da escrita colaborativa.
ca, fixa, diante de uma noção de coautoria
ou autoria coletiva, como sucede no caso
Vale observar, no entanto, que o em-
da Wikipedia. De modo análogo, a Rede tem
prego dessas ferramentas e recursos requer,
possibilitado ferramentas e recursos de es-
por parte do professor, que esse seja capaz
crita, como dicionários on line, gramáticas,
de promover, orientar e avaliar estas intera-
etc., que proporcionam aos sujeitos fontes
ções e conceber a aprendizagem de forma
de consulta e acesso a informações diversas.
mais autônoma e significativa. Os exemplos
Portanto, estamos vivendo um momento
sumariamente citados evidenciam o prota-
em que a Web 2.0 passa da ênfase na pu-
gonismo do aprendiz e sinalizam para uma
blicação, característica dos primeiros dez
visão muito mais dilatada das habilidades e
anos, à da colaboração (PRIMO & RECUERO,
competências que precisam ser desenvolvi-
2006, p. 213).
das na língua estrangeira.
A Rede e as formas de leitura e escrita
Quanto ao ensino, os artefatos tec-
nológicos representam possibilidades, oportunidades de comunicação e de aprendiza-
Não podemos ignorar que a Rede
gem de distintos conteúdos. Daí falarmos
tem um impacto significativo nas diferentes
em uma verdadeira reestruturação do que
práticas discursivas bem como no processo
entendemos por conhecimento, por fontes
de ensino e aprendizagem. No que se refere
e por critérios de verdade, bem como por
à leitura e à escrita, é notório que tem im-
quem são os sujeitos produtores desse co-
26
nhecimento e os autorizados a difundi-los.
Contudo, vale destacar que isso não
De acordo com essa premissa, os artefatos
significa negar ou depreciar o desenvolvi-
tecnológicos permitem diferentes práti-
mento de várias habilidades, competências
cas de leitura, escrita, fala e compreensão
e saberes, mas, ao contrário, assumir e va-
auditiva, de forma que ampliam conside-
lorizar a dimensão complexa da linguagem
ravelmente o próprio conceito de quatro
e dos multiletramentos, orientados por uma
habilidades (falar, ler, escrever e ouvir), tão
abordagem como a do letramento crítico,
apregoado no ensino de línguas.
que propõe a avaliação dos discursos produzidos na sociedade e a contextualização dos
Ora, as necessidades comunicativas
sentidos (BAPTISTA, 2010, p. 119).
e formativas requeridas pela sociedade contemporânea exigem dos sujeitos distintas
CONSIDERAÇÕES FINAIS
capacidades linguísticas, tecnológicas e de
significação. Essas competências implicam
É preciso que ampliemos as possi-
a capacidade de interpretar e de valer-se
bilidades de aprendizagem das línguas no
da diversidade de linguagens e domínios de
contexto escolar. Neste sentido, a inserção
habilidades discursivas necessárias para de-
das tecnologias pode contribuir para que
sempenhar-se em distintos contextos. Daí,
os alunos possam, a partir das informações
portanto, ser preciso promover ou favorecer
disponíveis, construír itinerários de leitura
no contexto escolar os multiletramentos, ou
crítica, selecionando e revendo informações
seja, a capacidade de compreender e produ-
acessíveis pela Rede e demais mídias.
zir textos de diferentes âmbitos de conhecimento e compostos por distintas lingua-
Dessa forma, a sociedade contempo-
gens, além da verbal.
rânea é uma sociedade de múltiplas oportunidades de aprendizagem e, consequente-
Assim, no que tange às competên-
mente, no âmbito escolar, conforme sugere
cias dos aprendizes de línguas no contexto
Gadotti (2006, p.8), é preciso “ensinar a pen-
escolar, é necessário avançar em direção a
sar, a saber comunicar-se, a saber pesqui-
uma perspectiva que considere os aspectos
sar, a ter raciocínio lógico, a fazer sínteses
multimodais da língua que se aprende, uma
e elaborações teóricas, a saber organizar o
vez que a ênfase unicamente na habilidade
próprio trabalho, a ter disciplina, a ser autô-
de leitura, como sinônimo de decodificação,
nomo e independente, a articular conheci-
parece não mais atender às necessidades
mento com prática”.
dos aprendizes de hoje, os chamados nativos digitais (PRENSKY, 2001, 2004).
Tendo em vista essa dimensão, o en-
sino de línguas pode e precisa estar orienta-
27
do para uma (trans)formação dos aprendizes
em sujeitos sociais de aprendizagem, capazes
de analisar criticamente a informação que
recebem e os diversos discursos que circulam nas distintas mídias e sociedades. Nesse
aspecto, a Rede pode favorecer a obtenção
de informação e o acesso a materiais reais,
fomentando a interação e a comunicação e
complementando o trabalho desenvolvido
na sala de aula.
Contudo, é preciso um uso crítico,
criterioso, com vistas a contribuir para a
formação dos aprendizes e para a sua aprendizagem, permitindo aos sujeitos que estabeleçam interações ricas e dialógicas, que
socializem pontos de vista e que construam
uma relação diferenciada com a alteridade.
28
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WHITE, R. W. The ELT curriculum. Design, Innovation and Management. Oxford: Basil Blackwell
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