Grupos de geração de renda para mulheres e o desafio da conquista da
autonomia econômica: análise sob a perspectiva de gênero e da divisão
sexual do trabalho 1
Anne Grace Gomes2
[email protected]
Cássia Maria Carloto3
[email protected]
Modalidade de Trabalho:
Eixo do Trabalho:
Palavras-chave:
Resultado de investigações.
Classes, gênero, etnia e sociabilidade.
Geração de renda; autonomia econômica; gênero; divisão
sexual do trabalho.
Introdução
O presente trabalho tem como objetivo, refletir sobre os limites da proposta
dos grupos de geração de renda para mulheres no que se refere à conquista da
autonomia econômica, sob a perspectiva das relações de gênero e da divisão sexual do
trabalho. Parte-se da hipótese que os grupos de geração de renda vinculam ao seu
conteúdo a prática de atividades que se encontram circunscritas na divisão sexual do
trabalho, que na perspectiva histórica, tem (re) construído a desigualdade de gênero, à
medida que reforça e dicotomiza práticas consideradas femininas e masculinas, sendo as
primeiras invisibilizadas dentro da sociedade. Portanto, quando as atividades propostas
nos grupos remetem às funções de doceiras, costureiras, bordadeiras, entre outras ações
que claramente trazem à tona as funções que sempre foram desempenhadas no lar,
perguntamos se de fato, tais atividades – que por serem funções tipicamente domésticas,
ou seja, voltadas para reprodução social, por isso invisibilizadas, ao passo que não
apresenta “função direta” ao capital – conseguem oferecer autonomia econômica às
mulheres, um dos pressupostos para a existência desta política pública. Em que
proporção os trabalhos desempenhados pelas mulheres nos grupos de geração de renda
obtêm aceitação e espaço no mercado capitalista? São valorizados enquanto trabalho?
Estas questões são de fundamental importância para se compreender os limites e
possibilidades deste tipo de política pública – que vem crescendo em todo Brasil enquanto estratégia de promoção de autonomia econômica para mulheres pobres, sem
1
Ponencia presentada en el XIX Seminario Latinoamericano de Escuelas de Trabajo Social. El Trabajo Social en la
coyuntura latinoamericana: desafíos para su formación, articulación y acción profesional. Universidad Católica
Santiago de Guayaquil. Guayaquil, Ecuador. 4-8 de octubre 2009.
2
Estudante do Programa de Mestrado em Serviço Social e Política Social. Universidade Estadual de Londrina – Paraná –
Brasil.
3
Doutora em Serviço Social pela PUC-SP, professora do departamento de Serviço Social da Universidade Estadual de
Londrina – Paraná – Brasil.
1
perder de vista a contribuição da leitura sob a perspectiva de gênero, que traz os
elementos essenciais para uma discussão crítica acerca de tais proposições.
Relações de gênero e divisão sexual do trabalho
A definição de divisão sexual do trabalho expressa como categoria as
relações de poder entre homens e mulheres, poder que se distribui de forma desigual,
conformando historicamente a subordinação feminina e sua invisibilização no processo de
construção da história. De acordo com Kergoat (2003), a divisão sexual do trabalho é a
forma de divisão social do trabalho decorrente das relações sociais entre os sexos,
adaptadas historicamente e em cada sociedade. Isto equivale dizer que na perspectiva da
organização social, existem tarefas e funções de homens e mulheres, sendo as práticas
sociais dos primeiros de maior valor social que das últimas. Esta conformação também
refletiu um processo de separação dos espaços de pertencimento, vinculando as práticas
sociais masculinas à esfera produtiva, e às práticas femininas ao espaço da reprodução e
dos cuidados. Esta relação binária marcou não só as relações sociais entre os sexos,
como também marcou por anos a produção teórica, que dividiu estas relações em
espaços, sem pensar na fundamental articulação dos mesmos para a produção da
sociedade.
A divisão sexual do trabalho é a forma de divisão do trabalho social decorrente
das relações sociais de sexo; esta forma é adaptada historicamente e a cada
sociedade. [...] esta forma de divisão do trabalho tem dois princípios
organizadores: o princípio de separação (existem trabalhos de homens e
trabalhos de mulheres) e o princípio de hierarquização (um trabalho de homem
“vale” mais do que um trabalho de mulher. Eles são válidos para todas as
sociedades conhecidas, no tempo e no espaço (KERGOAT, 2003:21).
A organização das práticas sociais de homens e mulheres é construída sob a
perspectiva do sexo biológico, como forma de dar sentido e explicação à diferenciação
desigual entre os gêneros. De acordo com Kergoat (2003), este processo reduz as
práticas sociais a meros papéis sociais sexuados, (re) construído sob a ótica de uma
divisão “natural” da espécie. A interpretação das práticas na perspectiva da divisão sexual
do trabalho permite analisar este processo enquanto construção social e histórica, que se
configura nas bases materiais e simbólicas, e que se expressam nas relações sociais,
uma vez que as relações de gênero não podem ser dissociadas da dimensão das
relações sociais, visto que ambas se manifestam não separadamente, mas em
confluência na construção da vida cotidiana.
2
Conforme Kon (2005:2) a divisão do trabalho entre homens e mulheres surge
na família. “Desde a economia predominantemente rural ou pré-industrial, homem e
mulher desempenhavam dentro da família papéis relevantes distintos enquanto
produtores de bens e serviços à sociedade”. Ainda que a participação na produção se
desse na mesma medida – de formas qualitativamente diferentes – a mulher ainda
permanecia a figura central da vida doméstica, responsável pela reprodução da força de
trabalho, através das tarefas de cuidados e pela procriação. De acordo com Kon (idem):
A atividade econômica da mulher tem se originado de sua função prioritária de
reprodução da força de trabalho, desde que a teoria econômica veio se
delineando. Desta função se originam as diferentes formas que tem assumido a
subordinação feminina, em distintas sociedades. Dessa maneira, a participação
da mulher na produção, a natureza de seu trabalho e a divisão do trabalho entre
os sexos são considerados resultados de suas atividades de reprodução,
resultado este condicionado também pela natureza dos processos produtivos e
pelas exigências de um determinado sistema de crescimento e acumulação que
se transforma com o tempo.
As práticas sociais das mulheres, portanto, estruturaram-se em torno da
imagem materna e conjugal, assim como o trabalho feminino teve sua vinculação direta à
esfera doméstica, a família e a produção dos cuidados; funções que, na ordem patriarcal,
assumem um status inferior na construção da sociedade, e por isso, invisibilizados
enquanto atividades de relevância econômica. É importante salientar que os cuidados e a
reprodução são reconhecidos enquanto práticas essenciais a existência e sobrevivência
humana. A questão é que se tornou um papel “sexualizado”, no qual a mulher apresenta
uma habilidade natural, movida pelo afeto e amor, por isso não pode ser elevado à
categoria de trabalho ou de atividade fundamental a economia, visto que se trata de algo
quase que “instintivo”. Esta imagem construída do trabalho doméstico segmentou as
mulheres a uma esfera invisível, excluindo-as como sujeitos da história.
A divisão sexual do trabalho não é um fenômeno estático, tampouco
estrutural, é dialético, e deve ser problematizado conforme as formas que assume no
tempo e no espaço. Sobre isso Kergoat (2003:21) coloca:
Portanto, não mais que as outras formas de divisão do trabalho, a divisão sexual
do trabalho não é um dado rígido e imutável. Se seus princípios organizadores
permanecem os mesmos, suas modalidades (concepção de trabalho reprodutivo,
lugar das mulheres no trabalho mercantil, etc.) variam fortemente no tempo e no
espaço.
3
A crescente inserção das mulheres no mercado de trabalho, por exemplo, foi
um dos fatores que trouxe novos debates com relação ao trabalho feminino. O fato de
terem salários menores que os dos homens, ou até mesmo a dupla jornada, são
elementos que aparecem para discussão do lugar assumido pela mulher na sociedade.
Neste contexto é possível observar que, mesmo com todas as mudanças que permearam
não só as relações de gênero, mas as relações sociais em aspecto global, a subordinação
feminina ainda é um imperativo, e sua prática mantém como referência o trabalho
doméstico.
As mudanças operadas com o advento do capitalismo industrial, não fizeram
senão tornar evidentes as funções econômicas das mulheres que
desempenhavam atividades ocupacionais fora do lar, obscurecendo, portanto seu
papel nas indústrias domésticas, que antecederam o regime das fábricas
gigantescas e, simultaneamente, marginalizar um grande contingente feminino do
sistema dominante de produção de bens e serviços (SAFFIOTI, 1975, p.235 Apud
NOGUEIRA, 2006, p.52).
Melo (2005:9) complementa:
A questão é que estas atividades não são intermediadas pelo dinheiro, seu lócus
é fora do circuito mercantil, portanto, este é um trabalho invisível e as pessoas
que se ocupam destas tarefas são desvalorizadas socialmente. Ora, estas são
atribuições do sexo feminino no seu papel tradicional e como o dia tem 24 horas,
as longas jornadas de trabalho das mulheres tendem a ser menos intensas no
mercado de trabalho, comparativamente àquelas realizadas pelos homens. Esta
constatação é usada para explicar os diferenciais de rendimentos pelos sexos.
O tempo de trabalho, portanto, apresenta-se de forma mais extenuante para
mulheres, pois o trabalho doméstico não é determinado pelo mesmo tempo que rege o
trabalho assalariado. Conforme Hirata & Zarifian (2003) o trabalho doméstico, por manter
relação estreita com a noção de afeto, maternidade e família, pressupõe “disponibilidade”
integral de quem o exercita, no caso as mulheres, vistas como personagens centrais da
vida doméstica. Por não adequar-se a mensuração de tempo que dá a lógica do trabalho
assalariado, o trabalho doméstico passa a ser lócus de exploração, tão maior quando
vende sua força de trabalho ao capital.
O trabalho das mulheres na esfera produtiva assume uma dimensão
completamente diferente do trabalho masculino, uma vez que sua prática condiciona-se
ao espaço doméstico, à vida familiar, e a necessidade de suprir a falta ou a insuficiência
de renda – o que torna o trabalho assalariado uma necessidade, e não algo natural, como
para o homem – sendo este último uma expressão do desenvolvimento do capitalismo, e
que, mesmo que se considere como um fator que se expressa nas relações de classe,
não se pode negar a diferença do impacto em homens e mulheres. Por isso é necessário
4
que a leitura do conflito de classes, bem como das transformações no mundo do trabalho,
façam o devido recorte de gênero, na medida em que “as relações sociais de sexo são
transversais para toda a sociedade: dinamizam todos os campos do social. A dinamização
de uma esfera (classes sociais, produção) não pode deixar de ter efeito sobre a outra
(HIRATA & KERGOAT, 1994:96).
A invisibilidade feminina no contexto do trabalho, além de expressar as
diferenças em que o impacto do trabalho na égide do capitalismo afeta os sexos, também
manifesta como homens e mulheres vivenciam, diferentemente, as expressões geradas
no conflito entre capital e trabalho, tal como o desemprego, e em maior escala, a pobreza.
Pobreza feminina, geração de renda e autonomia econômica
Discutir a pobreza feminina requer, primeiramente, retomar o laço que une a
perspectiva de gênero às relações sociais. O conflito entre classes sempre foi discutido
sob a perspectiva de duas classes opostas e antagônicas, que protagonizam no cenário
social relações de dominação de um sobre o outro. Esta forma de encarar a (re) produção
das desigualdades sociais acaba por homogeneizar os sujeitos dentro das classes a que
pertencem, não colocando em evidência outras relações que perpassam e alimentam as
relações sociais, tais como as relações de gênero.
[...] Na realidade, relações de classe e de sexo organizam a totalidade das
práticas sociais, em qualquer lugar em que se exerçam. Em outras palavras: não
é só em casa que se é oprimida nem só na fábrica que se é explorado (a)! As
relações de classe devem, pois ser analisadas como inculcando conteúdos e
orientações concretas nas relações de sexo e, inversamente, as relações de sexo
devem ser analisadas como fornecendo conteúdos específicos às outras relações
sociais (HIRATA & KERGOAT, 1994:96).
Esta concepção permite, então, que se reflita a respeito da pobreza feminina.
Cabe lembrar que pobreza não é um fator que se manifesta apenas para mulheres. No
seu conjunto, reflete sobre homens e mulheres, o que nos faz pensar que se trata de um
problema estrutural, produto do conflito entre capital e trabalho e que atinge as classes
dominadas. Lavinas (Apud Novellino, 2004, p.5) afirma que “As mulheres pobres, tal como
os homens pobres, representam 25% da população do seu sexo. Numericamente,
portanto, a pobreza feminina, não tem maior expressão que a pobreza masculina”.
Entretanto as refrações da pobreza são sentidas de maneiras diferentes pelos sexos.
Segundo Melo (2005) quando se trata de pobreza, é essencial o recorte de gênero, uma
vez que as condições objetivas de trabalho se apresentam de formas diferentes para
ambos, ou seja, a materialização das práticas femininas – historicamente invisíveis
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quando relacionadas com a esfera produtiva – permanecem subalternizadas, tornando-se
um elemento estrutural, o que dificulta ou até mesmo impede o acesso e permanência em
trabalho remunerado.
Para as mulheres esta realidade de carências é mais aguda, uma vez que elas
realizam uma gama enorme de atividades não remuneradas, seja no âmbito
mercantil, seja no seio da família, pela dedicação às atividades do lar que as
fazem serem majoritariamente dependentes da provisão masculina para o
sustento de suas famílias. [...] há uma nítida relação entre divisão do trabalho e a
pobreza das mulheres; a inserção feminina aconteceu em paralelo com o
crescimento das atividades informais, das atividades sem remuneração e
aumento das taxas de desemprego (MELO, 2005:14).
Castro (1999) alerta que a discussão sobre a “feminização” da pobreza deve
ser vista do prisma crítico, e não das leituras liberais. Reconhecer a vulnerabilidade das
mulheres exige a contemplação da discussão da desigualdade de classes, raça/cor/etnia
e geração. Agregar tais elementos se faz necessário em decorrência da prática de
políticas públicas focalistas de ações afirmativas, que fazem um recorte em públicos alvos
específicos, tal como mulheres pobres, sob a estratégia de minimizar as discriminações
por conta de “identidades político-culturais, como o ser mulher, ser negra, ser jovem ou
ser mais velha” (CASTRO, 1999:90). Outra situação é com relação às políticas destinadas
às famílias monoparentais, por entendê-las enquanto lócus da pobreza, por se tratar de
famílias chefiadas por mulheres. Castro (1999) afirma que as famílias monoparentais não
se tornam pobres porque passam a ser chefiadas por mulheres, mas porque, em um dado
momento, deixam de ter um provedor, e portanto, não encontram-se preparadas para
assumir esta função, visto que não fazem parte do mercado produtivo, ou então,
independente do estado conjugal, e mesmo que se dividam entre a vida produtiva e
reprodutiva, “as mulheres seriam vistas como esposa e mãe no mercado. Portanto,
mesmo quando únicas provedoras do núcleo familiar, teriam seu rendimento considerado
como complementar” (CASTRO, 1999:91).
Assiste-se na conjuntura brasileira um aumento considerável das políticas que
visam a geração de renda, tendo como público alvo mulheres pobres. A construção
dessas ações alimenta-se do mercado informal, na medida em que oferece o
“ensinamento” de valores como o empreendedorismo, enquanto meio para obtenção de
renda fora da lógica do trabalho assalariado. Sobre o assunto, Farah (2004, p. 64) coloca:
Os programas de geração de emprego e renda aqui analisados constituem
exemplos de focalização de políticas de combate à pobreza. Essa focalização
parece decorrer de diversos fatores: Em primeiro lugar, da influência da agenda
atual de reforma das políticas públicas e da tendência de focalização das políticas
de combate à pobreza; em segundo lugar, da influencia do âmbito local da
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agenda formulada por movimentos e entidades de mulheres que recomendam
que se privilegie o atendimento a mulheres nesse tipo de programa.
A centralidade das políticas de geração de renda para mulheres nas agendas
públicas vem se desenhando sobre o pressuposto da conquista da autonomia econômica
pelas mesmas, como meio para a superação da condição que as subalternizam. Neste
aspecto, entende-se autonomia econômica como a capacidade de gerar renda para o
próprio sustento e da família e/ou complementação da renda familiar. As atividades, na
sua maioria, são consideradas de baixo custo de produção, e se apóiam em funções
como cabeleireira, costureira, doceira, entre outras, que remetem as típicas atividades
consideradas pertencentes às práticas femininas.
A conquista da autonomia econômica, neste sentido, encontra alguns
obstáculos. O primeiro deles refere-se ao desenvolvimento de atividades consideradas
“femininas” e, que de algum modo, sempre pertenceram ao universo do trabalho
doméstico - como já abordado aqui, práticas historicamente invisibilizadas e de baixo
valor social. Assim como coloca Barbosa (2007:119) quando diz que a cadeia produtiva
autônoma encontra-se subsumida ao ritmo e os ditames do mercado formal, deixando “a
margem de autonomia pequena ou inexistente nos casos em que o empreendimento tem
viabilidade econômica”, o trabalho desenvolvido a partir dos grupos de geração de renda,
além de já nascerem sob estas condições, ainda contam com um baixo valor agregado,
por não constarem como parte de uma unidade econômica, mas como responsabilidade
maternal e conjugal, comum na relação familiar. Outros problemas referem-se a obtenção
de micro créditos para início do negócio, na medida em que as garantias exigidas pelas
instituições financeiras muitas vezes extrapolam as possibilidades dessas mulheres, bem
como a insuficiente análise de viabilidade econômica, refratando as possibilidades de
sustentação no mercado.
É muita baixa a capacidade de sustentação econômica dessas atividades, com
conseqüente impacto sobre as pessoas que nela se envolvem. Entre as 19
experiências consideradas inovadoras pelos gestores do plano, constata-se que
nenhuma delas está referida a setores de ponta da economia, nenhuma está
diretamente relacionada a atividades cujos níveis de desemprego tenham
penalizado preferencialmente as mulheres (YANOULLAS, 2002:33).
As políticas de geração de renda que se pautam por esta perspectiva de
intervenção, além de, pouco provavelmente, conseguirem atingir o pressuposto da
conquista de autonomia econômica pelas mulheres, ainda, de acordo com Silveira
(2003:68) “consagram e reproduzem a tradicional divisão sexual do trabalho e ignoram
7
um processo de construção da cidadania “não regulada” que se assenta na visão de
sujeitos integrais que circulam nos espaços público e privado com autonomia”. A autora
ainda destaca que é preciso visualizar o contexto socioeconômico em que se opera a
inserção da mulher no mercado de trabalho, e seus agentes condicionantes, tal como a
precarização e os baixos salários, como uma forma de encarar os limites e as
possibilidades de se propor políticas que, de fato, tragam subsídios para a conquista da
autonomia econômica.
Para Godinho (2003) a responsabilidade de modificar as desigualdades
sociais decorrentes da assimetria das relações de poder entre os sexos, cabe ao poder
público, através de políticas que incorporem a perspectiva de gênero na sua agenda
política. A autonomia no campo econômico tem seu eixo estruturante no trabalho e
emprego, o que para a autora, fica restrito dentro das possibilidades do município,
entretanto, o mesmo é responsável por políticas que atravessam diretamente o cotidiano
destas mulheres, tais como escolas e creches, que dada a devida importância, podem
possibilitar a liberação do tempo, utilizado na vida doméstica, para o desenvolvimento
profissional e, consequentemente, a qualificação da presença da mulher no mercado de
trabalho.
Tais políticas, ao mesmo tempo, possibilitam não apenas reduzir a desigualdade
por meio da ampliação do acesso a serviços e direitos, mas também estender a
responsabilização pública pelo bem-estar dos indivíduos e, neste sentido,
rediscutir e colocar em cheque a responsabilidade atribuída às mulheres pela
reprodução cotidiana (GODINHO, 2003:60).
A concretização da conquista da autonomia econômica através das políticas
de geração de renda, neste contexto, precisa ser rediscutida, a fim de que se incorporem
os elementos essenciais que pertencem atualmente ao debate acerca das relações de
gênero, e em especial divisão sexual do trabalho, enquanto categoria essencial para a
compreensão da organização das práticas sociais na sociedade, bem como os aspectos
fundante que invisibilizam as mulheres no processo de construção da história.
Considerações Finais
É necessário considerar a dimensão sócio-histórica da divisão sexual do
trabalho, vinculado a dinâmica das relações de classe e o conflito entre capital e trabalho
e as práticas sociais estruturantes das relações entre homens e mulheres. A
compreensão destes fatores – que embora possuam categorias próprias, não deixam de
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estar imbricados na trama social – permitem a superação das políticas públicas de
geração de renda tal como se materializam atualmente: focalizadas, descontextualizadas
e vazias do conteúdo de gênero, classe, raça/cor e etnia. Nesta perspectiva, podem (re)
criar as possibilidades de se pensar em autonomia econômica para mulheres pobres, e
nesta trajetória assumir, enquanto poder público, a responsabilidade no rompimento com
os paradigmas que se encontram profundamente vinculados com as desigualdades
sociais entre os sexos.
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