Diferença na condição física entre os sexos da aranhapescadora Trechalea cf. manauensis (Araneae:
Trechaleidae)
Thiago Gonçalves-Souza, Letícia V. Graf, Maíra B. Souza & Rafael L. Assis
Introdução
em distâncias relativamente longas (Moya-
Existe uma diferença marcante entre os
Laraño et al., em preparação), enquanto as
sexos quanto ao investimento em gametas:
fêmeas precisam acumular maior quantidade de
fêmeas produzem poucos gametas grandes,
lipídeos para a produção de ovos (Kotiaho,
ricos em reservas alimentares e com alto custo
1998). Em ambos a alocação diferencial de
energético, enquanto machos produzem vários
energia, i.e. a condição física do indivíduo, pode
gametas pequenos e com baixo custo (Krebs &
ser inferida pela densidade física de partes do
Davies,
características
corpo que armazenam nutrientes (Moya-Laraño
geralmente diferentes entre os sexos são o
et al., em preparação). No caso das aranhas, é
investimento parental (mais comum em fêmeas),
no opistossoma que são encontrados grande
o grau de competição intra-sexual para ter
parte dos órgãos relacionados com a digestão
acesso ao sexo oposto e a seletividade na
de alimentos e armazenamento de reservas
escolha de parceiros para a cópula. Esses
nutricionais (Foelix, 1996).
1996).
Outras
fatores contribuem conjuntamente para uma
Um exemplo de alocação diferencial de
diferenciação morfológica entre os sexos
energia é encontrado na aranha Lycosa
(Trivers, 1985).
tarantula (Lycosidae), cujos machos, em época
Na maioria das espécies de aranhas
de recurso alimentar abundante, investem no
existe um dimorfismo sexual de tamanho, com
aumento do tamanho corpóreo até atingir a
fêmeas maiores que os machos (Costa &
idade adulta, enquanto as fêmeas não o fazem
Quirici,
são
(Moya-Laraño et al., em preparação). É possível
consideravelmente mais ativos que suas
que os machos subadultos adiantem seu
parceiras,
espécies
desenvolvimento comendo o máximo de presas
construtoras de teias (Costa & Quirici, 2007). Os
em resposta à procura e disputa por fêmeas no
machos
início da estação reprodutiva. Ao contrário,
2007;
Santos,
2007),
especialmente
necessitam
em
armazenar
que
grandes
quantidades de energia para procurar fêmeas
fêmeas
podem
devem
investir
no
1
armazenamento de uma grande quantidade de
Coleta de dados
proteínas, que serão alocadas na produção de
Coletamos ao azar todos os indivíduos
ovos. Fêmeas, portanto, devem ter densidades
adultos de T. cf. manauensis situados ao longo
mais elevadas do opistossoma do que os
da
machos, pois proteínas possuem maior peso
horas/coletor
molecular do que outros nutrientes, tais como
Armazenamos os indivíduos coletados em
lipídeos.
recipientes contendo éter sulfúrico 50% até o
margem
do
riacho,
de
totalizando
esforço
20
amostral.
Neste estudo medimos o tamanho e
momento de sua manipulação. Em laboratório
pesamos o opistossoma de machos e fêmeas
separamos os indivíduos por sexo através da
da
manauensis
identificação da genitália e dos pedipalpos.
(Trechaleidae) com o objetivo de testar se
Removemos o prossoma de cada indivíduo para
ocorrem diferenças na condição física entre
pesar separadamente o opistossoma de cada
machos e fêmeas. Mensurações baseadas em
indivíduo com uma balança analítica (GEM Pro-
dimensões do opistossoma são uma ferramenta
250; precisão de 0,001g). Em seguida, medimos
importante para diferenciar a plasticidade de
o comprimento do opistosoma com uma régua
condições corporais entre os sexos (Moya-
graduada (precisão de 0,1 mm) e uma lupa
Laraño et al., em preparação).
esteroscópica (OLYMPUS, aumento 4,0x). A
aranha
Trechalea
cf.
partir dessas medidas obtivemos a densidade
Material & métodos
de
cada
opistossoma
através
de
uma
modificação da equação proposta por Jakob et
Área de estudo
al. (1996):
Realizamos este trabalho na Fazenda
Dimona (02o 24’S, 59o 52’O) pertencente ao
d=
d=
Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos
P
(π.c3)/6
Florestais (PDBFF/INPA), na Amazônia Central.
Amostramos as aranhas em um riacho situado
onde d é a densidade do opistossoma, P é o
no interior da floresta, o qual apresenta
peso do opistossoma e c, seu comprimento.
ambientes de água parada em alguns locais de
Realizamos um teste t-Student, utilizando o sexo
seu curso. A profundidade varia entre 30 cm e 1
dos indivíduos como variável preditora e a
m, com largura máxima de 5 m.
densidade do opistossoma como variável
resposta.
2
Resultados
mg, com média de 17,13 mg, enquanto as
fêmeas apresentaram peso médio de 17,90 mg,
Coletamos 37 indivíduos de Trechalea
com amplitude de 5 a 60 mg. Cinco fêmeas
cf. manauensis ao longo do riacho, sendo 15
carregavam ooteca no momento da captura.
machos e 22 fêmeas. O comprimento do
Não houve diferença significativa quanto à
opistossoma entre os machos variou de 40 a 52
densidade do opistossoma entre fêmeas e
mm e entre as fêmeas, de 40 a 60 mm. O peso
machos de T. cf. manauensis (Figura 1).
0,4
0,3
0,2
3
Densidade
(mg/mm
Densidade
(mg/mm))
0,5
do opistossoma dos machos variou de 10 a 26
Fêmea
Macho
Sexo
Figura 1. Densidade do opistossoma de machos e fêmeas de Trechalea cf. manauensis (t= 0,009; p= 0,93). As linhas verticais representam a
amplitude, as caixas, a variância e a linha horizontal, a média.
Discussão
1998). Nossos dados, entretanto, mostraram
Diferenças de tamanho, longevidade e
que não existe diferença na densidade
esforço reprodutivo nas aranhas podem resultar
opistossomal entre machos e fêmeas da aranha
em diferenças de consumo energético entre
T. cf. manauensis. Uma explicação possível
machos e fêmeas e promover acúmulo de
para os nossos resultados é que, pelo fato de
nutrientes e crescimento diferenciados (Kotiaho,
estarem no período reprodutivo, as fêmeas
3
apresentaram maior relação proteína/gordura
contribuem para a condição corpórea (Moya-
em seus ovos, o que diminuiria a densidade do
Loraño et al., em preparação). Em trabalhos
opistossoma. Geralmente, o principal gasto
futuros, seria especialmente interessante avaliar
energético das fêmeas é direcionado para a
o padrão de atividades de cada sexo e os
produção de ovos e alguns trabalhos mostraram
conflitos sexuais existentes entre macho-macho
que o custo da oviposição resulta na perda de
e macho-fêmea que interferem nas taxas
nutrientes importantes como as proteínas, que
metabólicas de cada um deles. Além disso, a
são uma das responsáveis pela alta densidade
análise detalhada de quais nutrientes são
do opistosoma das fêmeas (e.g., Moya-Loraño
alocados por cada um dos sexos e quais partes
et al., em preparação). Presume-se que a alta
do corpo armazenam tais nutrientes podem
variação no peso das fêmeas (veja Figura 1)
trazer respostas mais específicas sobre a
esteja relacionada ao período de oviposição,
condição física e o investimento energético
fato observado em campo já que muitas fêmeas
direcionado de acordo com necessidades
possuíam ooteca. Portanto as fêmeas com ovos
fisiológicas e comportamentais.
teriam a densidade diferente das fêmeas com
ootecas, mas similares, ou inclusive superior
aos machos.
Agradecimentos
Agradecemos
a
Rogelio
Maciaz-
Outra possibilidade para explicar a
Ordóñez um “hermano” de poucas palavras e
semelhança na densidade do opistossoma entre
muita informação, e aos revisores Glauco
os sexos estaria relacionada com a atividade
Machado e José Luis Camargo pela sugestões
reprodutiva dos machos. No período reprodutivo
ao trabalho.
os machos gastam muita energia no cortejo e na
disputa pela fêmea (Eberhard, 2007). Este alto
Referências bibliográgicas
custo reprodutivo acarreta em um elevado gasto
Costa, F.G. & V. Quirici. 2007. Cortejo e
energético para os machos e uma possível
isolamento reprodutivo em aranhas, pp.
diminuição nos níveis de gordura estocada, o
89-114. In: Ecologia e comportamento de
que
aranhas (M.O. Gonzaga; A.J. Santos &
poderia
explicar
uma
densidade
opistossomal similar à densidade das fêmeas.
Entender os padrões morfométricos
H.F. Japyassú, eds.). Editora Interciência,
Rio de Janeiro.
entre sexos de artrópodes pode revelar padrões
Eberhard, W.G. 2007. Escolha críptica pela
sexo-específicos de alocação de nutrientes que
fêmea e fenômenos associados em
4
aranhas, pp. 115-136. In: Ecologia e
comportamento
de
aranhas
Santos, A.J. 2007. Evolução do dimorfismo
(M.O.
sexual de tamanho em aranhas, pp. 137-
Gonzaga; A.J. Santos & H.F. Japyassú,
164. In: Ecologia e comportamento de
eds.). Editora Interciência, Rio de Janeiro.
aranhas (M.O. Gonzaga, A.J. Santos &
Foelix, R.F. 1996. Biology of spiders. Oxford
University Press, London.
H.F. Japyassú, eds.). Editora Interciência,
Rio de Janeiro.
Kotiaho, J.S. 1998. Sexual diferences in
Trivers,
R.
1985.
Social
evolution.
The
metabolic rates of spiders. Journal of
Benjamin/Cushings Publishing Company,
Arachnology, 26: 401-404.
California.
Krebs, J.R. & N.B. Davies. 1996. Introdução à
ecologia
comportamental.
Atheneu
Editora, São Paulo.
Orientação: Rogelio Macías-Ordóñez
5
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