■ RIR NO HOSPITAL A visita dos palhaços («Doutores da Alegria») tem efeitos terapêuticos nas crianças internadas SOCIEDADE Só em 25% dos casos vem cunhado no ADN. Para os outros, o optimismo implica um esforço quase épico, mas compensador. Acreditar, sempre, que o melhor pode acontecer é uma estratégia de vida – que previne doenças. Pesquisas e exemplos que comprovam ser possível dar a volta espiritual à mais medonha das crises CLARA SOARES ▲ INÁCIO LUDGERO A vida mostrou-lhes que a boa disposição também se aprende. Quando fazem dela uma âncora, alcançar metas torna-se muito mais fácil. Aos olhos dos outros, podem parecer optimistas natos, mas eles sabem que não é assim. E se não fossem os momentos dramáticos, talvez nem se atrevessem a construir formas de estar mais descontraídas, antídotos para o derrotismo. Seguem-se histórias exemplares de quem virou as costas ao cepticismo; de quem nunca colocaria Portugal entre os cinco países mais pessimistas do mundo, como surgimos numa grande sondagem que envolveu 60 nações (ver resultados a partir da pág. 74), por mais válidas que sejam as razões – a crise económica, o desemprego crescente, os conflitos internacionais. «Ou paro ou vou em frente.» Carlos Lopes decidiu-se pela segunda via. Quando, aos 14 anos, percebeu que a atrofia congénita do nervo óptico ia conduzi-lo à cegueira, aplicou-se afincadamente nos estudos até completar a faculdade, sem falhar um ano. Gravava as aulas, transcrevia o material das cassetes para braille, socorria-se da bengala. E mergulhou no atletismo – a sua paixão de infância – para pessoas com deficiência. Hoje, é um dos mais premiados recordistas mundiais. Apesar da imagem tradicionalmente associada à cultura portuguesa – fatalista, pouco empreendedora e com baixa autoestima (em 2002, por exemplo, o consumo de antidepressivos equivaleu ao custo de um estádio e meio de futebol) –, são 67 SOCIEDADE ■ COLECCIONADOR DE TÍTULOS Correr é viver Para Carlos Lopes, não há missões impossíveis. A perda da visão acabou por funcionar como estímulo para se superar a si mesmo. Com várias medalhas no currículo (participou já em três Jogos Paralímpicos, cinco Campeonatos do Mundo e oito Europeus), o actual presidente da Associação de Atletas Portadores de Deficiência garante: «O optimismo constrói-se com base em metas precisas e muito trabalho para que elas se concretizem.» Os treinos – com o seu atleta-guia, Nuno Alpiarça – são fonte de prazer e satisfação com a vida, independentemente de ganhar ou perder. ▲ OS SEGREDOS DOS OPTIMISTAS cada vez mais os que contrariam esse padrão de conduta, criando outras fórmulas de pensamento, bem distintas do espírito do «vai-se andando» ou do «vamos de mal a pior». Nunca se venderam, aliás, tantos livros de auto-ajuda e de comportamento como agora. Desde que foi lançada, há dois anos, a colecção da Oficina do Livro tem sido um sucesso (Laurinda Alves, Maria José Costa Félix e Eduardo Sá ocupam o top, totalizando mais de 100 mil exemplares vendidos), com temas que vão desde o poder da inteligência criativa até dicas para viver bem. «No seu melhor, estes livros funcionam, sem pretensões científicas, como guias para o quotidiano, um complemento para quem está motivado para reflectir», diz o editor, Gonçalo Bulhosa. Olhar para um copo e ver que está meio-cheio, em vez de meio-vazio, é um treino de percepção sem limite de idade. Isso mesmo foi debatido, recentemente, num congresso internacional de Psicologia Positiva, nos EUA. Martin Seligman, o fundador do conceito, baseou-se nas pesquisas da Universidade da Pensilvânia – que estabelecem a relação entre optimismo e estado de saúde – para lançar um desafio aos profissionais do sector: ir além do modelo médico, centrado na doença, ou seja, investir nas potencialidades dos pacientes (analisar o que funciona), não se focando, apenas, nas perturbações clínicas (o que não funciona). 68 «Hoje, sabe-se que as ilusões positivas são benéficas do ponto de vista emocional, porque impedem que se fique preso ao medo, ao desespero aprendido», confirma Fátima Perloiro, docente da Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Setúbal. Acreditar que o melhor pode acontecer afigura-se, assim, uma estratégia de vida. Esta atitude inclui-se, de resto, na definição de inteligência emocional. Prazer sem amarras A sua filosofia é trabalhar para que as coisas aconteçam e acreditar que acabam bem. Acompanhado da Gucci, uma Golden Retriever treinada numa escola de cães-guia, Carlos Lopes prepara-se para mais uma sessão de treinos. Aos 35 anos, o atleta do Sporting é recordista de velocidade, tendo acumulado medalhas em três Jogos Paralímpicos, cinco Campeonatos do Mundo e oito Europeus. Na pista do Estádio Universitário, em Lisboa, Nuno Alpiarça, seu trei- ■ EM ALTA Nunca se venderam tantos livros de auto-ajuda e de comportamento como agora nador e guia, acompanha-o na passada e dá-lhe comandos de voz. Correr faz parte da história familiar de Carlos Lopes (é primo do vencedor da Maratona dos Jogos Olímpicos de 1984) e mostra-se remédio santo para combater as neuras. «Quando algo me corre mal, vou logo treinar», esclarece. «Controlo a impulsividade e depressa relativizo qualquer problema.» Porém, nem sempre foi assim. «Entrei nisto para vencer, mas, em 1996, tive uma lesão e perdi provas como nunca. Percebi, então, que o sucesso não se resume a ganhar – antes à consciência de ter conseguido o melhor, nas circunstâncias.» Carlos só vai parar quando deixar de ter prazer com o atletismo. O sorriso sai-lhe espontâneo, como se dissesse que vale a pena abraçar de corpo e alma o que SOCIEDADE ■ FORMAÇÃO INÁCIO LUDGERO JOSÉ ANTÓNIO RODRIGUES CONTÍNUA «Ser optimista é uma decisão que se pode tomar a qualquer momento.» José Pedro Reyes dedica-se a fazer cursos de desenvolvimento pessoal, que visam a redescoberta da felicidade pais. Depois de ter trabalhado em comércio internacional e turismo, dedicou-se a áreas que lhe agradassem, como as artes marciais. «A educação e a cultura levam as pessoas a não acreditarem em si mesmas», argumenta. «Por isso, vivem divididas entre o que fazem e o O optimismo pode ter que desejam fazer.» Aos 36 anos, ele tem um efeito protector uma empresa em (www.biona evolução de uma Cascais atividades.com), vodoença, do mesmo cacionada para o desenvolvimento pessoal. Nos cursos, modo que mostra como atraío pessimismo pode mos aquilo que nos desde o contribuir para acontece, salário (reflexo do ou desprazer a maior vulnerabilidade prazer que se tem) aos relacionamentos. E dos pacientes exemplifica: «A exSILVIA OUAKININE, pressão ‘Ri-te, ri-te, PSIQUIATRA que amanhã choras’ traduz na perfeição o padrão de muitos portugueses, que reflecte o medo de ser feliz, de estar bem com o mundo.» se quer, sobretudo nas horas de angústia. José Pedro Reyes, um brasileiro radicado em Portugal há 12 anos, testou a capacidade de ver o lado positivo das coisas após o divórcio – que implicou a separação de uma das suas filhas – e o falecimento do pai. «Podia sofrer eternamente essas perdas ou focar-me nos bons momentos que me levaram a ser o que hoje sou.» Agora, define-se como diplomado «em vida». No final da adolescência, pôs de parte a matriz «faculdade, emprego estável e carreira», tão cara aos irmãos e « Satisfação garantida Décadas de investigação em comportamento humano demonstraram a validade do senso comum, segundo o qual «mais vale rico e saudável do que pobre e doente». Porém, averiguações recentes sugerem que o optimismo é independente das ▲ INÁCIO LUDGERO » estruturas básicas de satisfação de necessidades (atesta-o a alegria dos povos da América do Sul ou do Brasil, que vivem abaixo do limiar da pobreza), funcionando como uma variável de peso na qualidade de vida. A pesquisa mais revolucionária neste domínio surgiu no ano 2002, com a chancela da prestigiada Mayo Clinic, sediada no estado norte-americano do Minnesota. Trata-se de um estudo longitudinal que, ao longo de 30 anos, envolveu mais de mil indivíduos, submetidos a testes de personalidade (escala de optimismo-pessimismo) e avaliação do estado de saúde. No final, os resultados dos exames foram conclusivos: os optimistas apresentavam um estado de saúde substancialmente melhor, relatando menos problemas laborais, menos queixas físicas e dificuldades emocionais e incorriam em menor risco de morte prematura. Além disso, mostravam-se mais resistentes à dor e apresentavam maior vigor e descontracção do que os restantes. Este trabalho veio, afinal, confirmar aquilo que o fundador da Psicologia Positiva havia descoberto nos anos 90. Seligman e a sua equipa, da Universidade da Pensilvânia, convidaram um grupo de estudantes pessimistas a frequentar um workshop de dois dias, onde aprendiam a controlar pensamentos negativos e técnicas para previnir a depressão (previamente diagnosticada). Ano e meio depois, melhoraram o seu estado de saúde, apresentando-se menos vulneráveis à 69 SOCIEDADE ■ ENSINAR A PENSAR POSITIVO Colégio diferente Até há um ano, era uma escola como as outras. Desde que Manuel e Maria do Carmo Oliveira tomaram contacto com os cursos sobre educação para o optimismo, nada ficou como dantes. No Colégio Sá de Miranda, em Lisboa, de que são donos, mudaram a decoração e projectaram actividades para estimular e manter um registo positivo nas crianças e com o pessoal da escola. «Pequenos detalhes produzem grandes resultados», garante o casal. ▲ OS SEGREDOS DOS OPTIMISTAS depressão e ansiedade. Confrontados com estas evidências, médicos ligados à Oncologia colocaram, pela primeira vez, a hipótese de os factores psicológicos terem um papel determinante na gestão das doenças crónicas, como o cancro e a sida. Mudar é preciso As surpresas surgiram, também, no campo da Imunologia. Na Universidade da Califórnia, a equipa de Suzanne Segerstrom e Shelley Taylor conseguiu demonstrar que os estudantes com crenças positivas tinham mais células T (associadas às defesas orgânicas), revelando-se mais protegidos face a infecções virais e certos tipos de cancro, além de encararem a vida como menos stressante. «O optimismo pode ter um efeito protector na evolução de uma doença, do mesmo modo que o ■ MARIA ANA FILIPE «Desligou» das tragédias dos telejornais e investe a energia dos seus 19 anos em actividades que a realizam – como o flamenco 70 INÁCIO LUDGERO pessimismo pode contribuir para a maior vulnerabilidade dos pacientes», explica a psiquiatra Silvia Ouakinine, autora de uma tese de doutoramento que relaciona factores psicossociais e imunológicos em doentes infectados com HIV1, financiada pela Comissão Nacional de Luta contra a Sida. A professora de Psicologia Médica na Faculdade de Medicina de Lisboa refere outras pesquisas efectuadas no estrangeiro, que corroboram a ligação entre factores pessoais e condição física nos casos de cancro, asma e hipertensão. Na sua prática clínica, Ouakinine defende o reforço das potencialidades de cada um, como via para reduzir o sofrimento e melhorar a capacidade de adaptação: «Numa situação difícil, é preciso encontrar o que há a mudar, em vez de perceber o que está errado, pois só assim se pode agir sobre o acontecimento, em lugar de nos limitarmos a reagir a ele.» Isto mesmo terá pensado o psicólogo norte-americano Ed Dunkenblau, que já foi presidente de uma associação para o humor terapêutico. No seu consultório, não hesitou em prescrever filmes para fazer rir os doentes que sofriam de comportamentos aditivos e de depressão, com resultados palpáveis. «Deixar ir e relaxar, em vez de tentar sair de um problema, pode ser a solução para lidar com ele», defende. Rir – algo que as crianças fazem com mais frequência do que os adultos – permite mudar de registo, quebrar defesas e entrar em contacto com as emoções e os recursos que todos temos em nós, mas que, por vezes, esquecemos, salienta Dunkenblau. Adeus, tristeza Na enfermaria do Hospital S. Francisco Xavier, em Lisboa, a «Dr.ª da Graça» abre a caixa dos cosméticos e lança mãos à obra. Sob o olhar atento das crianças, vai dando forma ao rosto de palhaço. Depois, tira do bolso da bata uma máquina fotográfica especial – uma sanita de plástico que faz «ecocografias» – e abre a mala de trabalho, recheada de acessórios, incluindo o imprescindível estetoscópio, com um desentupidor na ponta. A ela juntam-se o «Dr. Pipoca» e o «Dr. Feliz de Férias», outros dois «Doutores da Alegria», da Associação Nariz Vermelho, que ora cantam ora respondem aos miúdos de forma a que os distraiam, por momentos, do contexto da doença que os leva a estar ali. Contrariamente ao filme SOCIEDADE ■ HELENA MARUJO GONÇALO ROSA DA SILVA ANTÓNIO XAVIER E LUÍS MIGUEL NETO Com a colega Fátima Perloiro, o casal de psicólogos escreveu Educar para o Optimismo, livro que vai já na 10.ª edição Patch Adams, inspirado num caso real, em que um médico se valia do humor como remédio, aqui são os palhaços que fazem de especialistas. Os pais e os profissionais de saúde são os primeiros a aderir a estas sessões semanais, que abrangeram já mais de 30 mil crianças internadas em quatro hospitais lisboetas. «Na hora de mudar o soro ou dar uma injecção, lá vamos nós acudir à emergência; às vezes marcamos golo, outras não», afirma Beatriz Quintela, 40 anos, coordenadora da iniciativa. A actriz-palhaço brasileira, especializada em educação e teatro infantil, não precisa de saber que o grego Hipócrates, «pai da medicina», acreA alegria interior ditava no poder do riso para suprimir a conquista-se ao longo dor. A experiência o que a ciênda vida. Para mim, diz-lhe cia já admite: «A boa disposição favorece a significa circulação sanguíreconciliar-me com nea, melhora a oxigenação celular e proos momentos fáceis duz bem-estar.» A innão é fazer e difíceis, sem que me tenção com que a criança perturbem a paz hospitalizada ignore a sua condição, esclarece a enfermeira de espírito Rosário Lobo, que liLAURINDA ALVES, JORNALISTA dera uma unidade de Pediatria que acolhe este projecto. Importante, é que seja capaz de «dominar a angústia, expressar emoções e aumentar a sua auto-estima». « Quem sai aos seus... Por mais difícil que seja não pensar no dia de amanhã, há sempre quem tire partido do «aqui e agora», sem olhar a previsões sombrias, procurando a fórmula antipessimismo. Maria Ana Filipe, por exemplo, «desligou» das tragédias e vaticínios negros dos telejornais e investe a energia própria dos seus 19 anos em actividades que a realizam – como a dança (flamenco) e o teatro profissional –, mes- Lições felizes Se, em 2002, foi batido, em Portugal, o recorde de divórcios (registaram-se, en- ▲ D.R. » mo sabendo que o desemprego espreita e o mercado de trabalho não é animador. A viver em casa da mãe, frequenta agora o 1.º ano de Arquitectura: «Quando terminar, posso especializar-me em cenografia, figurinista ou designer, porque a vida de actor não é estável e não quero depender financeiramente de ninguém.» As crises existenciais não a vencem. Maria recorda os meses em que esteve parada, uma vez falhado o ingresso na faculdade. «Com muito tempo pela frente e alguma desmotivação, estabeleci logo um plano de autodisciplina para não me ir abaixo.» Inscreveu-se num ginásio, começou a pintar e a fabricar brincos, foi a castings e chegou a fazer figuração em novelas, tendo ganho o suficiente para viajar com amigos até ao Brasil. Hoje, com outra estrutura, concentra-se no presente e sente-se confiante: «Não tenho tempo nem feitio para me queixar, procuro sempre dar a volta sozinha.» A capacidade de perceber que o negativo não dura eternamente e que há sempre alternativas é típica do perfil do optimista. Nega-se a pensar que os momentos maus estejam relacionados, em exclusivo, com a sua pessoa. Ainda se desconhece a origem do optimismo, mas estima-se que, em 25% dos casos, possa ter uma base genética. O resto cultiva-se com a família, os amigos, em sociedade. 71 SOCIEDADE ▲ OS SEGREDOS DOS OPTIMISTAS tão, 27 708, mais 46% do que em 2001), uma investigação conduzida, e recentemente concluída, pela psicóloga Fátima Perloiro, docente do Instituto Politécnico de Setúbal, sobre padrões de optimismo numa amostra de 27 famílias, mostra que a maioria dos casais entende que a união lhes trouxe uma visão mais risonha do mundo (ver infografia). De surpresa em surpresa, a autora do estudo destaca este dado curioso: «Tanto mães como pais acham que o homem é um melhor modelo de optimismo para os filhos», o que remete para a importância da família na educação e desenvolvimento de uma atitude positiva. Com os colegas Helena Marujo e Luís Miguel Neto, Fátima Perloiro forma, aliás, o trio de autores do livro Educar para o Optimismo, que vai já na 10.ª edição e apresenta uma série de sugestões para conseguir um discurso interior positivo, com repercussões dentro (nas escolas, sobretudo) e fora do país (sessões formativas nos EUA e Bélgica). Manuel e Maria do Carmo Oliveira, casados há 15 anos, sentiram-se inspirados pelo modelo ali proposto e dizem ter ganho outra alegria de viver. No ano passado, decidiram passar o conceito à prática no Colégio Sá de Miranda, em Lisboa, que ele dirige. Mudaram as cores das paredes para tons mais claros e acolhedores, renovaram a decoração e fizeram um crachat com a mensagem O seu sorriso dei- 72 ■ NOVAS FORMAS DE FAZER Através de exercícios simples, Paula Tomás (ao centro) procura modificar padrões de pensamento nas empresas emoção positiva a um gesto ou palavra e «activá-los» num contexto em que é precisa calma, como num conflito com um(a) colega, por exemplo). Pioneira na aplicação da PNL ao ramo empresarial português (na sua bolsa de clientes contam-se marcas como a Nestlé, Philips, Fiat, Bial e Novartis), Paula Tomás dedica-se à formação de grupos, com os quais xa-me feliz, que todos os miúdos quiseram usar desde o primeiro dia de aulas. A estes detalhes, somaram explicações às crianças sobre o optimismo – e a sua ligação à auto-estima e confiança – e actividades (bilhetes-surpresa com elogios, exercícios para aprender a dizer o que está bem, em vez de apontar o dedo ao que correu mal). Satisfeita, Maria do Carmo Oliveira, professora do 1.º ciclo, garante que os resultados compensaram: «Há mais empenhamento de todos nas tarefas, menos conflitos e melhor relacionamento com os pais.» Um pouco de fé Luís Miguel Neto, um dos autores de Educar para o Optimismo, comenta: «Vale a pena formar pessoas para a feliVISÃO Paula Tomás, 43 anos, saiu de uma multinacional onde trabalhava há 16, para montar o seu próprio negócio de consultadoria. Amigos e colegas cunharam-na de doida. «Para mim, não era perder, porque o que aprendi está no meu disco rígido», brinca ela. «Quis aplicar o que sei a novas metas.» A viragem aconteceu após frequentar um curso de Programação Neurolinguística (PNL), que revolucionou a sua maneira de viver e trabalhar. O modelo comportamental, desenvolvido por um informático e um linguista norte-americanos, na década de 60, tem sido aplicado a atletas de alta competição e visa modificar padrões de pensamento. Entre as técnicas usadas, sobressaem a construção mental de cenários de sucesso, a substituição de memórias negativas, a dessensibilização de medos e a «instalação» de âncoras (associar uma ANTÓNIO XAVIER Revolução mental de anel Após o casamento, a maioria diz-se mais optimista e satisfeita com a vida. Apenas uma minoria (todas mulheres) se tornou mais pessimista Homens Mulheres TORNOU-SE 18,5 MAIS PESSIMISTA FICOU IGUAL AO QUE ERA TOTAL 9,4 46,2 29,6 37,7 TORNOU-SE MAIS OPTIMISTA 29,6 51,9 52,8 Fonte: Estudo de Fátima Perloiro, 2002 concretiza exercícios e jogos criativos. «A ideia é perceber que há outras formas de ver e de fazer, com melhores resultados.» Os obstáculos culturais – «o parecer mal, o medo de perder a face e o peso da autoridade» – estão na base do reduzido número de «empreendedores». Mas o importante é que «vamos sempre a tempo de mudar o programa de processamento». cidade e contribuir para acabar, entre outras coisas, com a ruminação pessimista.» No livro, chamam-lhe actividade bovina. Ser optimista é, afinal, uma questão de escolha e de empenho. E os portugueses parecem querer lidar melhor com as dificuldades e as desilusões. Numa cultura orientada para a competição e os objectivos, «é sempre bom lembrar que a viagem é mais importante que o destino», sublinha aquele psicólogo. Trocando por miúdos: viver o aqui e agora e aproveitar as mais-valias de cada dia, sem deixar que o passado ou o futuro nos aprisionem. Quando começou a escrever livros, Laurinda Alves não contava com tantos leitores (o mais recente, Ideias Xis, vendeu já mais de 50 mil exemplares). Aos 42 anos, a directora da revista Xis acredita que o espírito positivo não depende das circunstâncias: «Para mim, que sou católica, a alegria interior conquista-se ao longo da vida e vem de dentro.» A crença de que a situação não deve ser levada a sério, por mais desesperada que se apresente – pelo menos a ponto de tolher os passos e impedir a acção –, é talvez o que melhor define uma atitude optimista. Assumi-la é, segundo Laurinda Alves, «reconciliar-se com a vida, os dias fáceis e os difíceis, o sofrimento e a alegria». Vital, mesmo, é fazer da paz de espírito um seguro pessoal contra todos os riscos. ■ VISÃO 8 de Janeiro de 2004 SOCIEDADE SONDAGEM Depressão europeia Com efeito, os países da UE formam o bloco mais pessimista de todos os analisados. Aliás, faça ou não parte da União, nenhum país da Europa Ocidental figura no «top 10» dos mais optimistas. Aparentemente, os europeus lidam mal com o aumento da insegurança, com a precariedade no emprego, ou com a ameaça de falência da Segurança Social. Tudo dificuldades a que não estavam habituados, mas que outros, noutras latitudes, integram, naturalmente, no seu dia-a-dia. Por outro lado, a Europa não se mostra entusiasmada com o próprio projecto europeu, de que parece descrente. A começar 74 FRANÇA ESPANHA DINAMARCA BÉLGICA ÁUSTRIA FINLÂNDIA P ortugal é o 5.º país mais pessimista, entre os 60 contemplados, em todos os continentes, pela sondagem da Gallup International. Interrogados sobre as expectativas que têm para o ano de 2004, mais de 60 mil cidadãos de todo o mundo pronunciaram-se sobre prosperidade económica, emprego e desemprego, conflitos laborais ou conflitos internacionais. De um modo geral, e salvo a única excepção da Nigéria, a população destes 60 países não acredita que 2004 seja um ano mais pacífico do que foi o de 2003. Mesmo assim, muitos respondem que, apesar de tudo, este será um ano melhor. Mas Portugal, acompanhado, neste «top 5» do pessimismo, por mais quatro países europeus, todos pertencentes ou em vias de pertencer à União Europeia (UE), é uma das nações que pinta o futuro a cores mais negras. ALEMANHA Portugal está entre os cinco países mais pessimistas do mundo, segundo uma sondagem da Gallup International e suas associadas, em todos os continentes: 2004 será pior, dizem os portugueses VISÃO O país dos velhos do Restelo 30 56 10 37 22 33 9 68 14 20 40 36 6 40 30 13 1 21 41 22 13 0 41 40 10 42 48 5 VALORES EM % O ano de 2004 será melhor ou pior que o de 2003? Melhor 30 12 29 52 45 Igual 41 44 45 39 27 Pior 24 30 23 8 15 Haverá prosperidade económica? Haverá prosperidade 11 4 17 22 22 A situação manter-se-á 45 49 37 58 43 Agravar-se-á a crise 44 36 41 18 23 O desemprego aumenta? Aumenta muito 16 14 17 13 10 Aumenta um pouco 41 46 43 41 24 Permanece igual 25 25 18 22 38 Diminui um pouco 14 6 18 21 15 Diminui muito 3 0 2 1 1 Em caso de desemprego: seria fácil arranjar novo emprego? Arranjaria rapidamente 36 31 47 62 39 Levaria algum tempo 57 47 40 33 54 Não procuraria 1 6 11 4 1 Aumentarão as greves e conflitos laborais? Aumentarão 51 45 47 24 24 Manter-se-ão 41 36 41 62 48 Diminuirão 7 6 8 10 11 O ano de 2004 será mais pacífico? Mais pacífico 8 4 9 6 20 Idêntico 46 43 41 42 22 Menos pacífico 43 40 45 50 44 pelos próprios Estados que agora entram para a UE. E esta é, precisamente, a conclusão mais surpreendente, e até chocante, de toda a sondagem: dos seis Estados que pertencem ao grupo do alargamento, e onde foi efectuada a sondagem, apenas os lituanos acredi- 33 47 46 8 3 40 5 56 25 16 44 32 tam, maioritariamente, que 2004 será, para eles, um ano melhor. Pior: entre os mais pessimistas do mundo estão os eslovacos (recordistas do pessimismo) e os polacos – países onde, pelos vistos, a entrada para o clube dos ricos em nada animou as populações. VISÃO 8 de Janeiro de 2004 ITÁLIA LUXEMBURGO PORTUGAL REINO UNIDO SUÍÇA ESLOVÁQUIA ESTÓNIA LETÓNIA LITUÂNIA POLÓNIA REPÚBLICA CHECA BULGÁRIA ROMÉNIA TURQUIA 30 20 46 23 35 36 26 38 22 29 61 7 27 32 38 40 56 27 36 35 28 22 7 41 45 29 19 39 41 15 16 28 50 36 35 24 36 40 16 40 32 23 15 32 43 16 44 34 19 26 30 39 30 24 53 12 21 12 26 59 18 40 38 14 41 32 15 62 15 13 42 42 26 43 29 12 50 31 32 32 32 10 27 55 7 51 39 15 43 33 19 43 32 3 35 50 9 46 39 9 31 36 21 45 43 16 28 24 36 27 28 51 15 9 15 10 1 1 16 7 35 25 26 42 9 19 1 1 15 33 34 14 2 16 3 58 32 16 29 8 34 1 1 13 38 27 14 1 15 41 22 19 1 11 32 29 20 3 12 39 30 13 0 9 36 32 15 0 8 27 28 31 2 21 34 24 10 3 16 39 31 8 0 9 26 29 14 1 18 37 19 18 1 15 28 18 23 4 22 73 4 47 40 6 33 47 4 58 30 0 33 53 5 46 47 4 54 32 65 13 40 62 29 64 4 2 3 17 30 57 3 36 59 4 42 52 2 31 62 4 12 57 4 24 63 5 12 71 3 30 60 2 29 56 6 52 54 31 38 6 5 34 47 5 49 38 6 51 31 37 63 6 4 30 53 61 29 6 10 49 40 4 48 43 5 43 37 7 38 45 7 25 49 10 28 43 12 47 29 8 30 52 8 33 26 4 37 34 13 29 20 23 13 37 42 6 46 34 16 3 53 22 22 72 7 7 18 43 58 22 47 34 52 6 40 48 6 33 58 8 42 35 9 49 34 19 47 19 19 40 31 5 5 35 58 35 28 6 24 46 27 31 31 16 29 31 3 46 45 NORUEGA ISLÂNDIA Só a Turquia se comporta como uma espécie de «economia emergente», a avaliar pelo estado de espírito (francamente optimista) da sua população IRLANDA Nenhum dos países que entram este ano na União Europeia se mostra entusiasmado com a perspectiva. Dois deles, aliás, Polónia e Eslováquia, juntam-se a Portugal no top 5 dos mais pessimistas HOLANDA Para os europeus, não haverá grandes diferenças entre 2003 e 2004. A Europa é uma das menos optimistas das regiões do mundo analisadas. Ideias fortes, o desemprego vai aumentar e os conflitos internacionais também. Portugal é um dos países onde o futuro se perspectiva mais negro GRÉCIA Europa Ocidental pouco optimista Países do alargamento cépticos Turquia feliz entre os que pediram adesão à UE 17 15 67 27 14 53 19 40 16 16 5 VISÃO 8 de Janeiro de 2004 vam a respectiva... «medalha de prata». No estrito grupo de europeus que se mostra optimista estão apenas os nórdicos. Apenas? Não: um latino resiste ainda e sempre à invasão da «má onda»: trata-se da Espanha, que alinha com a Finlândia, a Dinamarca, a Islândia e a No- ruega entre os únicos povos verdadeiramente sorridentes do Velho Continente (sendo que os dois últimos não fazem parte da UE). Fruto do conhecido nacionalismo ferrenho de nuestros hermanos, da sua atitude positiva e até festiva perante a vida, de terem a melhor liga de fu- ▲ Mas há mais: se em Portugal o Euro 2004 não produz, para já, qualquer efeito psicológico positivo, na Grécia, que organiza os Jogos Olímpicos deste ano, a situação não é melhor. Pelo contrário, os gregos seguem de perto os eslovacos na onda de pessimismo e le- 75 SOCIEDADE Outros: a crise, a guerra e o futuro EUA ISRAEL 68 14 15 69 7 19 36 28 32 6 47 45 6 56 36 13 39 41 VALORES EM % O ano de 2004 será melhor ou pior que o de 2003? Melhor 72 73 30 31 38 66 Igual 10 10 47 32 32 20 Pior 7 4 14 22 24 8 O ano de 2004 será mais pacífico? Mais pacífico 42 54 23 25 8 16 Idêntico 23 10 37 38 41 39 Menos pacífico 20 22 25 6 39 31 ▲ O PAÍS DOS VELHOS DO RESTELO tebol do mundo ou de uma situação económica mais desafogada, o certo é que os espanhóis estão «numa boa». Jovens e pobres mais optimistas É muito curioso notar que as respostas mais optimistas surgem de países massacrados por guerras, carências, dificuldades económicas, conflitos sociais, desigualdades entre a população. À excepção dos já citados nórdicos, onde a crise parece nunca chegar, bem como da Austrália (68% de respostas que vaticinam um ano melhor), da Nova Zelândia (59%), dos EUA (69%) e do Canadá (60%), surgem campeões do optimismo de onde se menos espera: Geórgia (73%), Kosovo (76%), Azerbaijão (72%), Turquia (53%), Colômbia (52%), Argentina (66%), Venezuela (56%), Nigéria (65%)... Porquê? Uma das explicações pode ser psicológica. A outra, de carácter sociológico. Psicológica, pelo efeito do sofrimento já suportado pelas populações – e do capital de esperança em dias melhores que essa situação sempre provoca. Trata-se, afinal, da activação compensatória de uma espécie de instinto de sobrevivência. E sociológica pelo facto de serem países de população maioritariamente jovem (como os africanos onde, de entre os quatro Estados sondados, não se registaram pessimismos), e alguns com economias emergentes (como a Turquia ou o Vietname). Em resumo, se o factor idade dá outra confiança no futuro, o facto de não se ter nada a perder também ajuda ao espírito de conquista. Um contraste evidente com as envelhecidas e instaladas sociedades europeias RICHARD DREW/AP RICHARD VOGEL/AP Portugal-Turquia Os portugueses preconizam só desgraças: a crise agrava-se (53%), o desemprego aumenta (em maior ou menor grau, 59%), as greves propagam-se (53%) e as guerras alastram (52%). Mesmo assim, conseguem ser batidos pontualmente por outros países, na Europa: assim, 59% dos gregos afirma que a crise será pior e 78% dos holandeses não têm dúvida de que crescerá o número de desempregados. E são também os cidadãos dos Países Baixos que acreditam num recrudescimento da conflitualidade social. Neste campo, são os franceses os mais optimistas. Não admira: depois de, em 2003, terem visto o país quase em estado de sítio, devido às polémicas reformas na Seguranaça Social, a situação dificilmente piorará... Já os italianos são os campeões da guerra. Isto é, da previsão das guerras: 72% dizem que este será um ano menos pacífico. Curiosamente, são os turcos (um país muito optimista) quem afirma que as coisas poderão melhorar. Nada mau para uma nação que faz fronteira com o Iraque. E que foi vítima de dois atentados sangrentos. Pensando bem, 2004 dificilmente será pior... HADI MIZBAN/AP AUSTRÁLIA ARGENTINA ÁFRICA DO SUL UCRÂNIA RÚSSIA GEÓRGIA A «revolução da rosa», com a consequente queda de Chevardnazde, na Geórgia, espalhou um mar de optimismo no país. Os georgianos não têm dúvidas num ponto: 2004 será um ano de poucos conflitos laborais AZERBAIJÃO VISÃO Repúblicas ex-soviéticas em contraste A Argentina já não pode piorar mais e os seus cidadãos mostram-se esperançados em melhores dias. Os americanos e sul-africanos também estão optimistas. Os israelitas dividem-se, embora mantenham a tónica da crise económica. Numa coisa, estão todos de acordo: ainda não é desta que a paz chegará ao mundo... ■ VIETNAME, IRAQUE E BOLSA DE NOVA IORQUE Os vietnamitas são o povo mais optimista, apesar de o mundo estar pouco pacífico. Quanto à evolução da economia, americanos divergem de europeus... 76 VISÃO 8 de Janeiro de 2004 SOCIEDADE 3 5 1 4 3 2 5 ocidentais, transidas de medo pelo que aí vem, à luz dos termos comparativos de que dispõem. VISÃO 8 de Janeiro de 2004 4 VALORES EM % Os cinco mais OPTIMISTAS A região administrativa de Hong Kong, que viveu em cheio o pesadelo da epidemia da pneumonia atípica, em 2003, parece encarar, agora, o futuro com mais optimismo. A estabilização do Kosovo, que saiu de uma guerra sangrenta, dá os seus frutos. E a queda de Eduard Chevardnazde, na Geórgia, provocou uma onda de optimismo sem precedentes O ANO DE 2004 SERÁ MELHOR 1 Vietname 82 2 Hong Kong 76 3 Kosovo 76 4 Geórgia 73 5 Azerbaijão 72 VISÃO Medalhas também contam Mas nem só isto explica as surpresas da sondagem. Há curiosidades que, não sendo óbvias, podem ser decisivas. Por exemplo: o Vietname, que se revelou o país mais optimista dos 60, alia a juventude da sua população e a recuperação da sua economia ao facto de ter realizado, este ano, os Jogos Asiáticos. E de ter conquistado 158 medalhas, batendo um recorde que pertencia à Tailândia... Já a Geórgia conseguiu ver-se livre do seu detestado presidente, Edward Chevardnazde, e vive em pleno a sua «revolução das rosas». Os georgianos são taxativos: quase não haverá conflitos laborais ou greves em 2004... O Kosovo é outra das surpresas. Ou talvez não: o território, administrado pelas Nações Unidas, vai consolidando a estabilidade e a paz, depois de ter sido uma terra mártir, nos anos 90 do século XX. Hong Kong terá outros motivos. Sobreviveu à pneumonia atípica, consolida a sua autonomia de região administrativa especial, confirma-se como um leão asiático. Tem uma população ambiciosa, insuflada de sangue novo oriundo da República Popular da China, que ali chega com novos horizontes. A Argentina agarra-se à esperança de sair da crise que levou a fome e a miséria ao país. Não admira que Israel e o Egipto, o primeiro envolvido num conflito de décadas e o segundo vizinho desse conflito, estejam mais pessimistas. Mesmo assim, regista-se uma pequena vantagem, em Israel, dos que vaticinam um 2004 melhor… 36% contra 32 por cento. Nos Estados Unidos impera o optimismo, em ano de eleições presidenciais e na ressaca da intervenção no Iraque. O ano será de prosperidade económica (segundo a opinião de 39% dos inquiridos contra 15% de pessimistas), o desemprego diminui ou mantém-se como está (48% contra 39%), os conflitos laborais diminuirão. Já sobre a paz mundial, os americanos estão mais cépticos: só 6% dizem que 2004 será um ano mais pacífico... Neste particular, os portugueses são um pouco mais generosos: 18% acreditam na paz. O que não impede uma constatação: no que diz respeito ao futuro próximo, Portugal faz jus à sua costela de país de «velhos do Restelo». ■ F. L. 2 1 Os cinco mais PESSIMISTAS Dos cinco, dois já fazem parte da União Europeia e outros dois entram este ano. O Equador é o único país não europeu neste lote. Dá que pensar O ANO DE 2004 SERÁ PIOR 1 Eslováquia 2 Grécia 3 Polónia 4 Equador 5 Portugal 50 46 43 43 41 FICHA TÉCNICA Sondagem elaborada por empresas do Grupo Gallup International e outras contratadas para o efeito. As entrevistas, num total de 65 008, foram realizadas, por telefone ou pessoalmente, faseadamente, e consoante os países, entre os dias 17 de Outubro e 13 de Dezembro de 2003, em 60 países.