86 A TUTELA DO ESTADO E A INFLUÊNCIA SOCIAL QUANTO AO PRECONCEITO AOS HOMOSSEXUAIS Lidiane Aparecida De Freitas – Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário Uniseb de Ribeirão Preto. Resumo A partir de uma análise das atuais e constantes abordagens dos temas relacionados à união homossexual, este trabalho visa analisar algumas concepções acerca das práticas homossexuais em seus aspectos históricos, sociais e jurídicos. A fundamentação utilizada foi sustentada nas discussões do tema na mídia, no Poder Judiciário, nas organizações religiosas e principalmente na própria sociedade. Essa abordagem traz reflexões acerca de elementos importantes que caracterizam o preconceito, a intolerância e o egocentrismo e atribui a eles o principal motivo da discriminação, do desrespeito, da desigualdade social e da não efetivação dos Direitos Humanos. Palavras-chave: Direito, Homofobia, Justiça, Preconceito, Desigualdade. Abstract From an analysis of current and constant approaches of issues related to homosexual unions, this work aims to analyze some conceptions of homosexual practices in their historical, social and legal aspects. The statement of reasons was sustained in discussions about this subject on the media, in the judicial branch, in the religious organizations and especially in society itself. This approach brings reflections on important elements that characterize the prejudice, intolerance, and selfishness and assign to them the main reason of discrimination, disrespect, social inequality and non-effectuation of human rights. Keywords: Law, Homophobia, Justice, Prejudice, Inequality. 1. Introdução Intolerante não nasce intolerante, tem como mudar. Preconceituoso não nasce preconceituoso, tem como mudar. Homofóbico não nasce homofóbico, foi criado para ser assim. Tenho fé que, um dia, as palavras “intolerante” e “preconceito” sejam abolidas do dicionário por não fazerem mais sentido. Já que - não importa a etnia, a cor da pele ou a orientação sexual – nascemos iguais em direitos perante a lei. (Leonardo Sakamoto) Neste trabalho, serão analisadas a visão e influência da sociedade na não efetivação dos Direitos do Homossexual, bem como a importância de uma mudança ideológica, religiosa e cultural para que a proteção desses direitos não seja apenas uma positivação escrita, mas uma materialização que envolva uma compreensão muito mais abrangente de respeito, tolerância e igualdade. Rev. Científica Eletrônica UNISEB, Ribeirão Preto, v.1, n.2, p. 86-92, ag/dez.2013 87 A polêmica que envolve este tema abre a possibilidade de uma análise ampla e considerações em diversos aspectos, sejam eles jurídico, religioso, moral e social. Esses temas serão abordados aqui de forma concisa e suficientemente clara, afim de ponderar a carência de tutela aos excluídos por parte do Poder Judiciário, bem como a influência da sociedade que dificulta ainda mais a igualdade e a inclusão social. 2. Evolução ou Conveniência? A intolerância e o preconceito acompanham a história da humanidade e com o passar do tempo a sociedade, sob a influência impositiva do capitalismo ou não, passou a rever algumas concepções que antigamente eram tidas como incabíveis, sejam elas a união homoafetiva, a liberdade religiosa, a igualdade dos sexos, entre outros. Essa quebra parcial de hegemonia nos permite a seguinte indagação: se a atual positivação dos direitos humanos garante aos indivíduos tratamento idêntico, como negar para o outro o reconhecimento dos direitos que pela lei deveriam ser iguais para todos? Como refere Bobbio: No estado de natureza de Locke, que foi o grande inspirador das Declarações de Direitos do Homem, os homens são todos iguais, onde por “igualdade” se entende que são iguais no gozo da liberdade, no sentido de que nenhum indivíduo pode ter mais liberdade do que outro. (BOBBIO, 2004, p. 65) O fato é que, a princípio, num olhar menos crítico ou alheio à realidade, essa aceitação parcial da sociedade poderá ser caracterizada como os primeiros passos para a evolução, quando na verdade, por trás desse comportamento, se reconhece uma sociedade ainda conservadora e egocêntrica que se manifesta apenas em defesa de suas conveniências, uma vez que a igualdade é uma luta dos “diferentes” e grande parte dos ditos “normais” somente tomarão partido dela quando houver algum meio de se beneficiar. Para elucidar essa afirmação, basta observar que a inclusão do homossexual como sujeito de direito está diretamente ligada à conveniência econômica, uma vez que reconhecendo esse grupo na sociedade, aumenta-se a produção de mercados e produtos voltados para eles, girando a economia e gerando capital. 3. A Sociedade e a Mudança do Direito A norma jurídica é o reflexo da valoração que a sociedade faz dos fatos que ela mesma produz. É assim que nasce o direito, sendo este, portanto, um conjunto de valores da Rev. Científica Eletrônica UNISEB, Ribeirão Preto, v.1, n.2, p. 86-92, ag/dez.2013 88 sociedade. Dessa forma, o Estado tem como função organizar a sociedade, de modo que não existam conflitos de interesses, ou pelo menos que esses se reduzam ao máximo. Para que isso seja possível, é necessário que as normas jurídicas acompanhem o desenvolvimento da sociedade regulando as modificações de valores que ocorrem com o passar do tempo. As garantias fundamentais são alguns dos principais desafios que o Estado enfrenta nessa luta pela pacificação da sociedade. O artigo 5º da Constituição Federal do Brasil de 1988 garante a igualdade de todos os indivíduos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, entretanto, a positivação de um direito não é suficiente para que ele seja colocado em prática, trata-se muito mais da necessidade de uma mudança cultural, onde o individuo seja capaz de reconhecer as diferenças como algo benéfico, algo que possa acrescentar à sociedade novas abordagens e concepções capazes de implementar conteúdos significativos acerca de valores humanos almejados por todo individuo em sua singularidade. Nesse contexto Bobbio elucida que: A relação entre o nascimento e crescimento dos direitos sociais, por um lado, e a transformação da sociedade, por outro, é inteiramente evidente. Prova disso é que as exigências de direitos sociais tornaram-se tanto mais numerosas quanto mais rápida e profunda foi a transformação da sociedade. (BOBBIO, 2004, p. 65). Dessa forma, não se pode considerar que o Estado esteja garantindo a proteção desses direitos, uma vez que ao invés de prevenir a sua violação, ele age como punidor quando o mesmo já foi transgredido. 4. O Preconceito e a Justiça Em caráter histórico uma análise mais aprofundada dos Direitos Humanos, revela que a homossexualidade nem sempre foi repudiada. Nas duas grandes civilizações antigas a homossexualidade era amplamente aceita. Fazia parte do tecido social na Grécia antiga e era importante também no Império Romano. Era chamada de pederastia e ocupava lugar na estrutura social como ritual sagrado, não era considerada uma degradação moral, um acidente ou um vício. Na cidade de Esparta, onde a sociedade era voltada para o desenvolvimento militar, o amor entre homens era estimulado dentro do exército, fundamentado pela ideia de que ao ir para guerra o soldado não estaria lutando apenas pela sua cidade-Estado, mas também para proteger a vida de seu amado, o que obviamente aumentaria o grau de empenho do combatente (DIAS, 2011, p. 34). Rev. Científica Eletrônica UNISEB, Ribeirão Preto, v.1, n.2, p. 86-92, ag/dez.2013 89 Considerações históricas como essa abrem a possibilidade de reflexões importantes a qual é interessante analisar se é a prática homossexual de hoje que descaracteriza a essência do amor, ou é a agressão homofóbica que regride o homem à condição de bárbaro. Certamente o maior preconceito surgiu devido à grande influência da ordem religiosa que considera que o envolvimento sexual deve ter como única finalidade a procriação, sendo as relações entre indivíduos do mesmo sexo, mera perversão. Essa forte influência religiosa é o principal motivo de preconceito e exclusão desse grupo de Seres Humanos que mais parecem portadores de doença contagiosa do que irmãos oriundos de um mesmo Deus, repleto de amor e justiça, como essa mesma ordem religiosa propaga. Essa linha de pensamento excludente tornou-se tão vigorante que a grande massa preconceituosa provém da própria família do indivíduo, que na maioria das vezes não aceita suas condições por medo de serem apontados como motivo de vergonha para a sociedade. Sendo assim, o homossexual por mais honesto e correto que seja, mesmo que cumpra seu papel de cidadão e sujeito de bem, deverá se esconder da sociedade, por não ter amparo suficiente nem ao menos de sua família, as quais se esquecem que a sexualidade é um direito natural, intrínseco ao homem desde o seu nascimento, portanto não deveria ser motivo de impressionabilidade a ninguém. Além disso, não há margem racional que dê respaldo para impedir as reinvindicações de um grupo que está excluído, afinal, só sabe o que é viver a experiência da exclusão quem faz parte dela. O termo homofobia só foi registrado oficialmente no final dos anos 1990 e designa dois aspectos de uma mesma realidade: “Uma dimensão pessoal de natureza afetiva, que se manifesta pela rejeição aos homossexuais, e uma dimensão cultural de natureza cognitiva, em que o objeto da rejeição não é o indivíduo homossexual, mas a homossexualidade como fenômeno psicológico e social”. (DIAS, 2011, p. 75) Essa prática agressiva traz ao homossexual o sentimento de autodiscriminação, fazendo com que ele mesmo não aceite sua condição e essa é a causa de diversos distúrbios emocionais e psíquicos principalmente entre os jovens, podendo levar até mesmo ao suicídio. Por esse motivo, Estados vem promovendo emendas às respectivas Constituições e inúmeros municípios estão alterando suas leis orgânicas com o objetivo de reprimir essas agressões. Após muita polêmica e discussão o Supremo Tribunal Federal reconheceu a união homoafetiva como tendo os mesmos efeitos jurídicos da união estável entre homem e mulher. Não se trata de uma solução para o fim da discriminação, mas pode se considerar uma conquista significativa, o primeiro passo para uma mudança de pensamentos e uma aceitação, Rev. Científica Eletrônica UNISEB, Ribeirão Preto, v.1, n.2, p. 86-92, ag/dez.2013 90 impositiva num primeiro momento, mas que com o passar do tempo se tornará mais comum entre aqueles que consideram isso uma transgressão à ordem natural. A Constituição Federal do Brasil de 1988, através do artigo 3º, inciso IV tem como objetivo fundamental, “promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, mas isso não é suficiente, pois ainda há uma grande deficiência cultural e normativa para esses casos de preconceito social, as quais afastam a realidade de se estar vivendo em um Estado Democrático de Direito. A ausência de leis, o conservadorismo da sociedade e do judiciário não podem levar a omissão do Estado em tutelar os direitos dos homossexuais, diferenciando-os dos heterossexuais. A união homoafetiva estável, por exemplo, gera relações de caráter pessoal e patrimonial, como qualquer outra, e merece além de respeito, a inserção no âmbito jurídico. Além do fato dos homossexuais não terem seus direitos resguardados diante da sociedade, outro ponto que impede a liberdade desse indivíduo é no âmbito profissional, o qual muitas vezes estes também sofrem graves preconceitos e exclusões. O artigo 7º da Constituição Federal do Brasil de 1988 também prevê o direito de igualdade aos trabalhadores em seu inciso XXX, o qual proíbe a diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil. Esse artigo não prevê expressamente a proibição da distinção de contratação por opção sexual, mas pode ser considerado como uma proteção implícita à discriminação. Recentemente o pastor Marco Antônio Feliciano, declarado racista e homofóbico, foi eleito presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, o que gerou grande polêmica e inúmeros protestos no país feitos inclusive por artistas conceituados que aproveitaram o momento para assumir as suas relações homoafetivas. A influência desses artistas e também da mídia, que atualmente tem grande influência na opinião comum, é importante, pois têm trazido discussões mais abertas à respeito desses grupos que lutam por aceitação, como a massa LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais). Toda essa manifestação demonstra que a sociedade está deixando de lado o preconceito e nutrindo, ainda que lentamente, uma prerrogativa da valorização dos direitos humanos, dando respaldo a uma luta que infelizmente ainda acontece por uma pequena parcela, mas que tende a se difundir cada vez mais com o objetivo de efetivar a proteção à liberdade de escolha, que é o mínimo que um indivíduo que vive em um Estado Democrático de Direito pode exigir. Rev. Científica Eletrônica UNISEB, Ribeirão Preto, v.1, n.2, p. 86-92, ag/dez.2013 91 Resta então ao Estado cumprir o seu papel principal de organizar a sociedade e estabelecer direitos e deveres a todos que nela vivem e aos indivíduos o dever de respeitar, incluir e efetivar os direitos uns dos outros, uma vez que não cabem a eles a responsabilidade de julgar o que é ou não direito do outro, já que ao praticar tal conduta, se abre espaço para que os seus direitos particulares também não sejam efetivados e nem ao menos respeitados, afinal negar para o outro reconhecimento de direitos que você já tem, é se posicionar como um conservador e se colocar de maneira contrária à luta dos Direitos Humanos, inclusive aos seus. 5. Considerações Finais Os direitos dos homossexuais vêm sendo reconhecido de forma gradativa ao longo do tempo. Verdade que parte da sociedade os reconhece de forma egoísta e interesseira, mas é através de lutas sociais realizadas pela massa que não tem medo do preconceito, da violência moral e da discriminação que esses direitos estão sendo efetivados e tutelados. A ABGLT – Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transexuais, por exemplo, foi criada em 1995 e atualmente é a maior rede LGBT da América Latina, conta com 286 organizações filiadas e tem como missão: Promover ações que garantam a cidadania e os direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, contribuindo para a construção de uma sociedade democrática, na qual nenhuma pessoa seja submetida a quaisquer formas de discriminação, coerção e violência, em razão de suas orientações sexuais e identidades de gênero. (ABGLT - acesso em: 16/06/2013 disponível em: < http://www.abglt.org.br/port/index.php >). O fato é que enquanto não houver uma mudança radical de ideologia por parte dos conservadores, os jovens que possuem essa característica continuarão crescendo com distúrbios psicológicos e emocionais, continuarão afastando-se de suas famílias e refugiandose em seu mundo como um Ser excluído e inferior àqueles que, para grande parte da sociedade e algumas religiões, são considerados normais. Essa conduta contribui para inúmeros problemas afetivos sejam eles por parte dos jovens ou de suas famílias, além disso, a carência de tutela por parte dos Poderes Legislativo e Judiciário fortalece ainda mais a intolerância, o preconceito e a injustiça por parte daqueles que não se sensibilizam com aqueles que sofrem com a discriminação. Para muitos homossexuais a oficialização do casamento, as manifestações favoráveis por parte da mídia e também por seus ídolos fazem parte de uma conquista que os faz se Rev. Científica Eletrônica UNISEB, Ribeirão Preto, v.1, n.2, p. 86-92, ag/dez.2013 92 sentirem inseridos na sociedade de forma digna e respeitada. Por outro lado, enquanto as atenções dos indivíduos estiverem voltadas muito mais à identidade sexual e à cor da pele do que às suas reais necessidades, a sociedade continuará sofrendo os reflexos desse egocentrismo convertidos em falaciosos discursos políticos e morais que desrespeitam a inteligência do povo. REFERÊNCIAS ABGLT. Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Disponível em: < http://www.abglt.org.br/port/index.php > acesso em: 16/06/2013. BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Nova edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988. DIAS, Maria Berenice. Direito Homoafetivo. Disponível em: <http://www.direitohomoafetivo.com.br/ > acesso em: 11/05/2013 DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva: O preconceito & a Justiça. 5º ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. SENADO FEDERAL. Projetos e Matérias Legislativas. Disponível em: < http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=102589 > acesso em: 11/05/2013. Rev. Científica Eletrônica UNISEB, Ribeirão Preto, v.1, n.2, p. 86-92, ag/dez.2013