UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS Programa de Pós-graduação em Design Mestrado em Design Ana Paula Pereira Lage O BEBÊ E O DESENVOLVIMENTO DA MARCHA: Uma abordagem para o design de calçados Belo Horizonte 2014 b UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS Ana Paula Pereira Lage O BEBÊ E O DESENVOLVIMENTO DA MARCHA: Uma abordagem para o design de calçados Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Design da Universidade do Estado de Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção do título de mestrado em Design, na linha de pesquisa: Design, Materiais, Tecnologia e Processos. Orientadora: Dra. Eliane Ayres Coorientadora: Dra. Rita Aparecida Conceição Ribeiro Belo Horizonte 2014 c Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária Ilma Viana Gonçalves de Souza – CRB6/3065 L174b Lage, Ana Paula Pereira, 1985O bebê e o desenvolvimento da marcha: uma abordagem para o design de calçados / Ana Paula Pereira Lage. – 2014. 95 f. : il. Color. ; 30 cm. Dissertação (mestrado) - Universidade do Estado de Minas Gerais, 2014. Orientação: Dra. Eliane Ayres, Programa de Pós-Graduação em Design, Universidade do Estado de Minas Gerais. . Co-orientação: Dra. Rita Aparecida Conceição Ribeiro, Programa de Pós-Graduação em Design, Universidade do Estado de Minas Gerais. 1. Desenvolvimento motor – Aquisição da marcha - Calçado infantil. 2. Design de produto – maturação do pé - Microesferas poliméricas. I. Título CDU: 685.341.86:617.586 d e Ao João, meu querido e amado sobrinho e afilhado. Obrigada por direcionar o olhar da dindinha aos pesinhos, e por ser meu doce sujeito de estudo contínuo. f AGRADECIMENTOS Agradeço a todos que estiveram comigo e torceram por mim durante essa caminhada. À aqueles que contribuíram de alguma maneira para o meu crescimento e para que eu pudesse alcançar esse objetivo. À alguns, agradeço em especial, sem eles o caminho percorrido não teria sido o mesmo. Agradeço a Eliane Ayres, minha orientadora querida, que atravessou essa montanha russa de possíveis estudos comigo até nos encontrarmos nesse trabalho. Obrigada pela dedicação, pelas inúmeras trocas de mensagens com e sem hora pré-determinada, pela vivência de laboratório, pelo imenso aprendizado e pela acolhida sempre disposta. Agradeço a Rita Ribeiro, minha coorientadora muita querida, por me apoiar a buscar um caminho gratificante, pelas várias conversas e desabafos e pelo cuidado de sempre com o trabalho. Ao Tadeu, Arthur e Orlando, meus companheiros de laboratório, agradeço por terem me acompanhado e me ajudado nas minhas andanças pelo Laboratório de Polímeros e Compósitos da UFMG (LEPCOM). Agradeço também a toda equipe do LEPCOM por me acolher por lá durante esses dois anos. Ao Thiago que me acompanhou durante mais essa jornada e me ajudou a encontrar a “trilha” que resultou na proposta deste trabalho. Muito obrigada querido. À minha família pelo apoio de sempre e por acreditarem junto comigo que é sempre bom estudar mais e mais. Muito obrigada mãe, pai, Didi, Dani, João, Padrinho, Sá, Cacá e Ninoca, amo vocês. Agradeço também aos meus amigos queridos. Aos ortopedistas pediátricos, Rodrigo Galinari e Túlio Canella, por compartilharem comigo seus conhecimentos e opiniões. Ao “chicletes”, clube da Luluzinha mais que especial deste mestrado, obrigada por me acompanhar, me impulsionar e me mostrar que ganhei muito mais que um título. Agradeço também aos demais colegas pelas conversas descompromissadas mas sempre produtivas e aos colegas do Colóquio que me instigaram a encontrar um norte, em especial à Cris e ao Anderson. Aos professores Magda Rocha, Rosemary Bom Conselho e Jairo Camara, agradeço por contribuírem com esse trabalho com suas experiências e opiniões. A todos os professores do mestrado em Design por contribuir para meu aprendizado e conhecimento, pelas conversas de corredor e pelas acolhidas, em especial à Marcelina. Agradeço também ao Rodrigo, nosso secretario nota 10, obrigada pela dedicação. À todos o meu muitíssimo obrigada!!! Valeu!!! RESUMO g Há inúmeros fatores que interferem no desenvolvimento da marcha1 em bebês2. Este estudo baseou-se na relação entre o desenvolvimento motor e a maturação do pé infantil durante o início da marcha independente focando em como a superfície onde e como os bebês aprendem a andar afeta o desenvolvimento normal da estrutura mecânica dos pés. Os calçados são produtos de interface com os pés se portando como a superfície disponível para que um pé calçado se apoie. Assim, estes devem ser projetados através de parâmetros ergonômicos, antropométricos e fisiológicos para que não interfiram no desenvolvimento normal dos pés. Maus hábitos, adquiridos no período de aquisição da marcha, podem perdurar por toda a vida e, por serem os pés dos bebês estruturas frágeis e moldáveis, esses hábitos podem gerar danos não visíveis e/ou anormalidades futuras ocasionando incapacidades quando adultos. Assim, projetou-se um calçado, tendo como foco principal o design da palmilha interna, desenvolvida a partir de microesferas poliméricas com o propósito de auxiliar no desenvolvimento natural dos pés de bebês normais, a partir de princípios pertinentes aos benefícios fisiológicos da caminhada em solos naturais. Testaram-se as microesferas para verificar o produto proposto em relação aos produtos disponíveis no mercado e verificou-se um aumento na capacidade de amortecimento de impactos e na capacidade de absorção de suor. Palavras-chave: Desenvolvimento motor. Calçados. Design. Bebê. Marcha. ABSTRACT 1 Marchar, caminhar, deambular e andar são sinônimos. Para o presente trabalho delimitou-se que bebês são crianças dentro dos padrões normais de saúde e desenvolvimento entre 0 a 24 meses. 2 h There are numerous factors that affect the gait development the babies. The present study focused on factors that may outline actions so that the design may assist in the acquisition phase of gait. The research was based on the relationship between motor development and maturation of the infant foot during early independent walking and how the surface, the place and the way these babies learn to walk affects the normal development of the mechanical structure of the foot. Because the shoes are interface products with their feet and therefore the available space for the rest of a shod foot, they must be designed through ergonomic, anthropometric and physiological parameters in such way they not to interfere with the normal development of feet. Bad habits acquired during the acquisition of gait may persist throughout life, and because babies feet are fragile and moldable structures, such habits cannot generate visible damage, therefore, can generate future abnormalities causing disabilities in adult phase, as for example flat foot. Thus, it has developed a product from polymeric microspheres for the purpose of aiding the natural development of normal baby feet based on the principle of the physiological benefits of walking in natural soils. The materials were tested to verify the improvement of the proposed compared to product available in the market. It was found an increase in the capacity to absorb impact and sweat absorption in the propose product. Future prospects of this work are planned to be the study of product user relationship. Keywords: Motor development. Shoes. Design. Infant. Gait. i SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 8 1.1 1.2 Objetivo geral .....................................................................................................................10 Objetivos específicos ...........................................................................................................10 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA (ESTADO DA ARTE) .................................................................... 11 2.1 O Desenvolvimento Motor ..................................................................................................11 2.2 O pé ...................................................................................................................................14 2.3 O Desenvolvimento da Marcha ...........................................................................................25 2.4 O Calçado: função e uso ......................................................................................................29 2.4.1 Constituição do calçado ........................................................................................................ 29 2.4.2 Materiais utilizados para a produção de calçados ................................................................. 33 2.4.3 Etapas do processo Produtivo dos calçados.......................................................................... 37 2.5 Calçando o bebê .................................................................................................................40 2.5.1 Aspectos da caminhada ......................................................................................................... 40 2.5.2 Conforto e calce..................................................................................................................... 44 2.6 Procedimentos de análise de materiais ...............................................................................55 2.6.1 Espectroscopia no infravermelho por transformada de Fourier (FTIR) ................................ 55 2.6.2 Calorimetria exploratória Diferencial (DSC) .......................................................................... 57 2.6.3 Microscopia eletrônica de varredura (MEV) ......................................................................... 58 2.6.4 Propriedades mecânicas sob compressão ............................................................................ 59 2.6.5 Microscopia Óptica (MO) ...................................................................................................... 59 3. MATERIAIS E MÉTODOS ................................................................................................... 61 3.1 Materiais ............................................................................................................................63 3.2 Caracterização dos materiais ...............................................................................................64 3.2.1 Espectroscopia no infravermelho por transformada de Fourier (FTIR) ................................ 64 3.2.2 Calorimetria exploratória Diferencial (DSC) .......................................................................... 65 3.2.3 Microscopia eletrônica de varredura (MEV) ......................................................................... 65 3.2.4 Propriedades mecânicas sob compressão ............................................................................ 65 3.2.5 Microscopia Óptica (MO) ...................................................................................................... 66 3.2.6 Absorção de suor ................................................................................................................... 67 3.3 Resultado dos teste dos materiais .......................................................................................67 3.3.1 Espectroscopia no infravermelho por transformada de Fourier (FTIR) ................................ 68 3.3.2 Calorimetria Exploratória Diferencial .................................................................................... 69 3.3.3 Microscopia eletrônica de varredura (MEV) ......................................................................... 71 3.3.4 Propriedades mecânicas sob compressão ............................................................................ 71 3.3.5 Microscopia Óptica (MO) ...................................................................................................... 72 3.3.6 Absorção de suor ................................................................................................................... 74 j 3.4 Discussão dos resultados ....................................................................................................75 4. DESIGN DO PRODUTO PROPOSTO .................................................................................... 78 CONCLUSÕES ....................................................................................................................... 86 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 88 ANEXO A – TRABALHO SUBMETIDOS EM CONGRESSOS. ...................................................... 93 ANEXO B – TRABALHO APRESENTADO EM CONGRESSO....................................................... 93 ANEXO C – TRABALHOS INCLUÍDOS EM ANAIS DE CONGRESSO ........................................... 93 8 1. INTRODUÇÃO De acordo com um estudo realizado pelo Centro Tecnológico do Couro, Calçados e Afins, CTCCA, em 1998 (apud KOHLRAUSCH, 2009) é alarmante a quantidade de crianças que chegam a idade escolar (cerca de 7 anos) com algum tipo de anormalidade nos pés em comparação com a parcela mínima de crianças que nascem com anormalidades congênitas. Assim, este trabalho focou-se na relação entre a maturação normal dos pés, principalmente influenciado pela estimulação da musculatura no início da marcha independente e como as superfícies onde e como esses pés se desenvolvem podem influenciar na maturidade dos mesmos, enfocando em como as ferramentas do design podem auxiliar esse processo. A estrutura que suporta o desenvolvimento da marcha normal é o pé, uma base de apoio flexível consequente da evolução milenar do ser humano em terrenos naturais irregulares (há poucos séculos caminhamos em superfícies artificiais, construídas). Assim, entendemos que a aquisição da marcha em superfícies não naturais, (lisas, rígidas e niveladas) pode afetar a maturação normal dos pés, já que estes não foram evoluídos para tal. Os primeiros passos dos bebês são resultado de um funcionamento balanceado entre equilíbrio e propulsão. Deste modo, os primeiros meses da marcha independente são cruciais para a manutenção de um caminhar adequado pelo decorrer do ciclo da vida e os comportamentos adquiridos nessa fase não devem afetar o desenvolvimento morfológico fisiológico dos pés. Os calçados são produtos de interface com o pé. Interações entre produtos, seres humanos e o ambiente são tarefas essencialmente incumbidas ao designer, no entanto, modificações nos processos e produtos não dependem exclusivamente de design, mas sim de diferentes tipos de conhecimentos atuando conjuntamente. Destaca-se desse conjunto de conhecimentos, a ergonomia3. Segundo a Ergonomics Research Society, ergonomia é o estudo do relacionamento entre o homem e seu trabalho, equipamento e ambiente, e particularmente a aplicação dos conhecimentos de anatomia, fisiologia e psicologia na solução dos problemas surgidos a partir desse relacionamento. (apud IIDA, 2005). Em um sentido mais amplo, ergonomia é o estudo 3 De acordo com Filho (2010) a ergonomia objetiva sempre a melhor adaptação ou adequação possível do objeto aos seres vivos em geral. Sobretudo no diz respeito à segurança, ao conforto e à eficácia de uso ou de operacionalidade dos objetos, mais particularmente, nas atividades e tarefas humanas. 9 dos critérios necessários para adaptar o ambiente e os produtos às características humanas. Correlacionando diretamente com os calçados, é um fator de agregação de valor, uma vez que contribui para a concepção de melhores resultados nas soluções que se apresentam ao ser humano (BERWANGER; PACHECO, 2011). Portanto, qualquer calçado para bebê deve ser cuidadosamente projetado para não causar danos presentes (visíveis) e/ou futuros. Um reconhecimento processual e técnico dos calçados e seus componentes e das nomenclaturas que lhe são pertinentes foi apresentado para discutir de que maneira o design de calçados pode agregar conforto e proteção para o bebê, além da possibilidade de funcionar como ferramenta de auxílio para o desenvolvimento da marcha. A abordagem apresentada também divulga trabalhos realizados sob esse tema para que designers possam utilizar da teoria como ferramenta para projetar calçados de acordo com as demandas e deficiências do usuário e seu ambiente. Contudo, o presente trabalho objetiva discutir de que maneira o design de calçados pode auxiliar na maturação normal dos pés e no desenvolvimento da marcha. Não foram encontradas evidências de que haja calçados que possam auxiliar essa etapa do desenvolvimento motor. Contudo, acredita-se que o calçado possa funcionar como uma ferramenta de auxílio. Assim, a partir da literatura consultada, métodos projetuais de design foram utilizados para designar uma proposta que compreenda as demandas e possíveis inovações neste tipo de produto. Propôs-se a concepção de um calçado para bebês urbanos com foco principal no design da palmilha interna, baseada em princípios relativos as superfícies naturais, para auxiliar, de imediato, no aumento da estabilidade da marcha durante a deambulação dos mesmos e, a longo prazo, auxiliar no desenvolvimento da musculatura intrínseca do pé e, consequentemente, na ativação dos mecanorreceptores proprioceptivos. Foram feitos testes físicos e mecânicos para avaliar a viabilidade técnica de microesferas poliméricas (poliuretano, polietileno e poliestireno) utilizadas para confecção da palmilha. De acordo com os resultados sugere-se que a palmilha interna projetada obtenha benefícios em relação ao desenvolvimento muscular e à estimulação dos mecanoreceptores dos pés em comparação com as palmilhas internas comumente disponíveis no mercado calçadista infantil, já que as palmilhas existentes não tem o caráter dinâmico da palmilha proposta por esse estudo. O projeto do calçado em questão preocupa-se em diminuir ou eliminar a interferência negativa que o uso de um calçado pode causar em detrimento a caminhada descalça em superfícies naturais. Assim, propõe-se um novo design em calçado para bebês com a 10 possibilidade de proporcionar uma caminhada mais estável e favorecer o desenvolvimento dos mecanoreceptores proprioceptivos e da musculatura intrínseca dos pés. A inovação do calçado, como já foi dito, está, principalmente, na palmilha, mas também na combinação de forma, construção, espaço interno do calçado e materiais utilizados. 1.1 Objetivo geral Contextualizar as possíveis relações entre as superfícies de apoio em que se desenvolvem os pés no início da marcha independente e o desenvolvimento normal do pé infantil identificando características que designam um caminho para a projeção de um novo design na indústria calçadista e propor um calçado com foco na palmilha interna que auxilie o desenvolvimento normal dos pés propiciando a estabilidade da marcha a partir da ativação da musculatura intrínseca. 1.2 Objetivos específicos - Avaliar as possíveis relações existentes entre as superfícies em que os pés se apoiam e sua influência na maturação natural dos mesmos. - Analisar parâmetros ergonômicos, antropométricos e fisiológicos que influenciam na fabricação de calçados para bebês. - Testar microesferas poliméricas por meio de testes físicos e mecânicos buscando avaliar a viabilidade técnicas desses materiais. - Desenvolver uma palmilha a partir de microesferas poliméricas que possibilite a confecção de calçados baseando-se no princípio dos benefícios da caminhada em superfícies naturais. - Propor um calçado para bebês que auxilie a maturação normal dos pés. 11 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA (ESTADO DA ARTE) O presente trabalho abrange o processo de maturação da estrutura do pé e as possíveis relações entre as superfícies onde e como esses pés caminham e se desenvolvem. Portanto, para que o conteúdo da dissertação seja melhor compreendido, iniciamos a revisão da literatura com as questões relativas ao desenvolvimento motor, sistema responsável pela caminhada humana. 2.1 O Desenvolvimento Motor De acordo com Hennessy e Dixon (1984), os padrões de desempenho de habilidades motoras de bebês são algumas das primeiras observações sistemáticas do desenvolvimento motor. O desenvolvimento motor baseia-se em alterações do comportamento motor no decorrer do ciclo da vida. Pode-se pensar em desenvolvimento motor como uma série de padrões de comportamento que tornam-se mais ou menos estáveis ao longo do tempo. Durante os períodos de estabilidade é de se esperar repetições de comportamentos eficientes. Mas, são mais suscetíveis de surgir novas habilidades e novos comportamentos durante os períodos de instabilidade (CLEARFIELD, 2011). Desse modo, pode-se pensar no corpo da criança em desenvolvimento como um sistema complexo composto de muitos elementos individuais inseridos em um contexto altamente informativo. Durante os períodos de estabilidade, todos os elementos do sistema trabalham em conjunto sem problemas. Durante os períodos de instabilidade, o sistema é aberto a múltiplas soluções flexíveis e à emergência de novas formas de ação. A transição para o andar independente parece ser um desses períodos de instabilidade. No entanto, segundo esta explicação, os processos tais como percepção, atenção, memória, cognição e comportamentos sociais dos bebês, se deslocarão para acomodar esse novo modo de mover-se através do mundo, e cada processo afeta e é afetado pelas mudanças nos outros processos. Assim, desde este ponto de vista dinâmico, aprender a andar torna-se muito mais do que simplesmente um marco motor, em vez disso, torna-se um núcleo de mudanças em todo o sistema em muitos domínios de desenvolvimento (CLEARFIELD, 2011). Portanto, o presente trabalho evidencia as mudanças de comportamento no desenvolvimento dos movimentos e pés dos bebês para aquisição da marcha a fim de abrir caminhos para que o design possa auxiliar essa fase de desenvolvimento. 12 Os bebês estão diariamente, bem como as crianças, adolescente e adultos, circundados por um processo permanente de aprendizado para movimentar-se com controle e habilidade em resposta as atividades diárias. É possível perceber mudanças no desenvolvimento do comportamento motor incitadas por fatores do próprio indivíduo (biologia), da tarefa em si (físicos e mecânicos) e do ambiente. (GALLAHUE; OZMUN; GOODWAY, 2013). De acordo com Gallahue, Ozmun e Goodway (2013) três categorias de movimentos podem ser observadas no desenvolvimento motor: movimentos estabilizadores, movimentos locomotores, movimentos manipulativos, ou uma junção desses três elementos citados. Movimentos estabilizadores são aqueles que requerem equilíbrio, que têm como objetivo manter o corpo em equilíbrio em relação à gravidade. Movimentos locomotores são aqueles que envolvem mudanças do corpo em relação ao espaço. E, movimentos manipulativos envolvem aplicação ou recepção de força em objetos. No entanto, a grande parte dos movimentos envolve a combinação desses três tipos descritos. Por exemplo, jogar futebol envolve habilidades locomotoras (correr e pular), estabilizadoras (esquivar-se, girar e virar-se) e manipulativas (driblar, chutar e cabecear). Em síntese, os movimentos portam-se como estandarte do desenvolvimento motor e o estudo desse processo se dá pela investigação da progressão sequencial das habilidades motoras ao longo da vida (GALLAHUE; OZMUN; GOODWAY, 2013). Gallahue, Ozmun e Goodway (2013) afirmam que os bebês começam a movimentarse a partir de movimentos involuntários (reflexivos) onde são obtidas informações sobre o ambiente, e realizam atividades consideradas mecanismos de sobrevivência primitivos (como sugar e agarrar). Os primeiros movimentos voluntários realizados pelos bebês são os movimentos rudimentares, observados desde o nascimento até por volta de 2 anos de idade. As habilidades motoras rudimentares apresentam formas básicas de movimentos voluntários imprescindíveis para a sobrevivência. Elas envolvem movimentos estabilizadores, como obter o controle da cabeça, pescoço e músculos do tronco; manipulativas de alcançar, agarrar e soltar; e os movimentos locomotores de arrastar, engatinhar e caminhar. (GALLAHUE; OZMUN; GOODWAY, 2013). O desenvolvimento da locomoção independente reflete avanços importantes no controle motor. Melhorias no equilíbrio, força e coordenação facilitam e, possibilitam, o engatinhar, a realização de manobras em uma posição sentada, a caminhada e as inúmeras outras maneiras que as crianças aprendem quando começam a se deslocar de um lugar para outro. (ADOLPH, 2002). 13 É bem reconhecido que a maioria das crianças adquire uma postura sentada, antes de engatinhar, engatinham antes de andar, e andam antes de assumir de forma independente a postura ereta (GALLAHUE; OZMUN; GOODWAY, 2013; MCGRAY, 1940). São muitos os comportamentos cognitivos4 e sociais que se transformam quando os bebês passam a ficar em pé com apoio e a engatinhar. Contudo, poucos meses depois do bebê ficar de pé apoiado e engatinhar, ele muda para outro modo de locomoção: ele começa a andar. E, o início da caminhada coloca um outro conjunto de desafios a serem transpostos, transformando novamente os comportamentos sociais e comportamentais dos bebê. Engatinhar e andar são acompanhados por diferentes relações entre corpo e ambiente; por diferentes pontos de vista em relação à superfície do solo e futuros obstáculos; por diferentes informações visuais, táteis e proprioceptivas5 que acompanham os movimentos e as respostas geradas por forças contra a superfície do solo; por diferentes partes do corpo utilizadas como suporte e propulsão em relação ao atrito, a rigidez, inclinação da superfície do solo, e assim por diante . (Gibson et al., 1987 apud ADOLPH, 2002). Andando, a visão do mundo é de uma posição ereta, o equilíbrio é um desafio maior e as mãos ficam livres para realizar ações (CLEARFIELD, 2011). Essas mudanças no desenvolvimento das habilidades motoras tornam as tarefas ainda mais desafiadoras para os bebês (ADOLPH, 2002). Portanto, antes da primeira tentativa de andar sem apoio, os bebês quase nunca experimentaram a necessidade do controle dinâmico da postura bípede e unipodal necessário para dominar a marcha. Caminhar confronta o novo caminhante com o duplo desafio de criar um desequilíbrio para avançar evitando que ele se torne grande demais causando a queda (LEDEBT; WIERINGEN; SAVELSBERGH; 2004). Assim, a solução usual adotada pelos bebês para dominar essa dupla tarefa no início da caminhada independente (por volta dos 12 meses) é ampliar a base de apoio, colocando os pés afastados e girando os dedos dos pés para fora. Dessa forma, exibem hiperflexão para as duas grandes articulações, dos quadris e dos joelhos, e pouca flexão na articulação do tornozelo (indicado principalmente pelo apoio plano da sola do pé com a superfície do solo). Os braços se apresentam em extensão e abdução6 auxiliando o equilíbrio. Logo, movem-se em 4 Em síntese, relativo ao comportamento que diz respeito à aquisição de conhecimentos. Esse termo será discutido e exemplificado a seguir 6 Denomina-se abdução o movimento de afastar médio lateralmente os membros do centro do corpo. 5 14 staccato (de forma isolada, não contínua) realizando passos curtos (MCGRAY, 1940; HERZMARK, 1953; LEDEBT; WIERINGEN; SAVELSBERGH, 2004). Porém, mudanças significativas ocorrem dentro de poucos meses. Os passos do bebê adquirem progressão rítmica e rolagem padrão “calcanhar ao dedo”7, a base já não é excessivamente larga, os braços oscilam em movimentos coordenados e os movimentos de diferentes partes do corpo funcionam em conjunto para a integração de uma marcha eficiente. As evoluções motoras da marcha podem ser evidenciadas pelo aumento da distância percorrida, pela manutenção do equilíbrio e pelo uso adequado da força (MCGRAY, 1940). Assim, os bebês aprendem a alcançar e a manter o equilíbrio, a manipular objetos e a locomover-se pelo ambiente com um considerável grau de habilidade e controle considerando-se o curto período em que desenvolvem essas habilidades (GALLAHUE; OZMUN; GOODWAY, 2013). No entanto, de acordo com McGray (1940), os primeiros passos do bebê não determinam um início, mas apresentam um marco em um processo longo e contínuo de desenvolvimento que vem acontecendo desde o início da vida, em um escopo mais amplo, desde o início do homem. 2.2 O pé O pé é uma estrutura tridimensional maleável, complexa, composta por ossos, músculos, ligamentos e articulações, que nos permite ficar de pé e caminhar. Foi adaptado ao longo de milhares de anos para se caminhar facilmente e rapidamente em terreno acidentado, irregular. O arranjo dos ossos e músculos evoluíram de tal forma que vários arcos foram desenvolvidos para reduzir a um mínimo o contato entre o pé e a superfície. Isto permite ficar em pé e andar sobre seixos e pedras, galhos e torrões ou rochas com pouco desconforto (HERZMARK, 1953). De acordo com Dorneles e outros (2011), ao apoiar o peso do corpo sobre os pés, dinâmica ou estaticamente, a força da gravidade ativa estímulos musculares que possibilitam com que o corpo humano fique em equilíbrio na pequena base de apoio que é o pé. Esse apresenta uma das maiores variações estruturais do corpo recebendo e distribuindo o peso 7 Padrão de apoio dos pés da caminhada adulta. O primeiro apoio do pé no chão é feito pelo calcanhar, passando pelos metatarsos e terminando no hálux (ver FIG. 1). 15 corporal, se adequando a superfícies irregulares e agindo como uma alavanca que o impulsiona durante a caminhada. A anatomia dos ossos dos pés dividem-se em três partes: antepé, mediopé e retropé (FIG.1). O ante pé, parte frontal, é formado por metatarsos e falanges. O médiopé, segmento central, é composto pelo navicular, o cubóide e três cuneiformes (medial, intermédio e lateral). Por fim, o retropé é a parte de trás do pé, constituída pelos ossos tálus e calcâneo, se articulam com os ossos da perna. Os metatarsos são um conjunto de ossos longos e finos em que denominam-se, do lado interno para a lateral, primeiro, segundo, terceiro, quarto e quinto metatarsianos. E, são 14 falanges que se dividem entre os dedos, três para cada, exceto o hálux (dedão) que tem somente duas. Os ligamentos são os grandes responsáveis pela união dos ossos possibilitando que se articulem (BRASIL, 2002). Figura 1 – Divisões dos grupos de ossos do pé. Os pés lidam com atuações de músculos, que são categorizados, de maneira simplista, entre intrínsecos e extrínsecos. Em síntese, os músculos extrínsecos tem origem acima do pé (abaixo dos joelhos) e são inseridos nele. São músculos extensos que apresentam força 16 representativa. São responsáveis por todos os movimentos do tornozelo, como dorsiflexão, plantiflexão, inversão e eversão, além de auxiliar na movimentação dos artelhos (dedos). Já os intrínsecos, são músculos menores que se originam no próprio pé (tornozelo). São responsáveis pela movimentação dos artelhos e são extremamente importantes na manutenção da postura e locomoção, bem como a manutenção dos arcos dos pés (BRASIL, 2002). Os arcos dos pés são estruturas evoluídas para a distribuição adequada do peso corporal ao longo do pé em três pontos principais: a extremidade frontal do primeiro e do quinto metatarso e a tuberosidade do calcâneo. Os pés possuem dois arcos que possibilitam esse apoio tripolar: o arco longitudinal (constituído por um arco medial e um lateral) e o arco transverso, como representado na Figura 2 (DORNELES et al., 2011). Figura 2 – Arcos do pé Fonte: DRAKE; VOGL; MITCHELL, 2005. Assim, baseando-se na estrutura formada pelo arco longitudinal medial, o pé pode ser classificado em três tipos: pé normal, pé plano8 e pé cavo (FIG. 3). De acordo com Fixsen 8 De acordo com Pérez (2010), deve-se diferenciar o conceito de pé plano flexível do pé plano rígido. O primeiro, é uma alteração não estruturada, passível de correções passivas fazendo com que seja suscetível a 17 (1998) não existe uma definição exata do pé plano. Basicamente, é uma observação clínica de que o arco longitudinal medial do pé ou repousa sobre o solo ou aparece mais perto do chão do que o aceito como normal. Segundo Pérez (2010), é resultado de uma deficiência, durante a infância, na formação fisiológica do arco longitudinal medial. Já o pé cavo, contrariamente, apresenta um aumento do arco longitudinal medial. Figura 3 – Tipos de pé baseados no arco longitudinal Fonte: Arquivo pessoal. Desse modo, todas as estruturas corporais são amparadas, direta ou indiretamente, pela região plantar e pelo arco longitudinal medial, se portando como um sistema elástico para absorção de choques, desempenhando funções fundamentais na biomecânica do pé. Assim, o arco longitudinal medial é uma das estruturas mais importantes do pé e que sofrem grandes alterações durante a marcha. A anatomia do pé da criança difere do pé adulto e caracteriza-se principalmente pela sua flexibilidade. Por volta de 1 ano de idade, quando bebês normalmente começam a andar, tratamentos conservadores. Ao contrário, o pé plano rígido não é redutível e em muitas ocasiões está associado a uma patologia subjacente que requer abordagens cirúrgicas específicas. 18 o esqueleto do pé é constituído por um certo número de centros ossificados parcialmente interligados por tecidos macios, macios cartilaginosos (FIG. 4). Figura 4 – Comparação do esqueleto ósseo de adulto (a) e crianças (b). Nas crianças, o esqueleto do pé consiste em vários centros de ossificação rodeadas por cartilagem. Fonte: HALLEMANS et al. 2006. Outra característica importante dos d pés dos bebês é a ausência de um arco longitudinal plantar visível no pé (FIG. 5) (HALLEMANS et al 2006; FIXSEN, 1998; KOHLRAUSCH, 2009). Figura 5 – Ausência de arco longitudinal nos pés de bebês. Fonte: FIXSEN, 1998. 19 O desenvolvimento da estrutura óssea do arco longitudinal só começa cerca de um ano após o nascimento, quando as crianças já aprenderam a ficar de pé e começam a caminhar de forma independente, e perdura, em média, até os 5 anos de idade (KOHLRAUSCH, 2009; HALLEMANS et al 2006). Para proteger esse tecido cartilaginoso frágil, existe nos pés dos bebês uma almofada de gordura na superfície plantar do pé. A ossificação e as alterações na forma do esqueleto do pé após o início da marcha independente coincide com a reabsorção desta almofada de gordura (HALLEMANS et al 2006). Coincidindo também, com o processo de maturação dos músculos e ligamentos (KOHLRAUSCH, 2009). Em outras palavras, os estímulos que os pés recebem durante a fase de crescimento são responsáveis pelo seu desenvolvimento. (KOHLRAUSCH, 2009). Ou seja, os pés se desenvolvem a medida que o sistema motor evolui. No entanto, é um processo gradativo e se desenvolve temporalmente de maneira distinta de criança para criança. Por exemplo, há bebês que caminham com 10 meses de idade e bebês que caminham com 14 meses de idade, sendo que nesse intervalo de tempo é considerado um período normal para que eles adquiram a marcha independente. Embora a maioria dos problemas nos pés clinicamente observados na primeira infância9 seja uma variante normal ou condição que se resolve espontaneamente, a sua gestão exige um conhecimento claro da história natural do desenvolvimento do pé e a variabilidade aceita como pé normal. (FIXSEN, 1998). Dentre as variações de normalidade, o pé plano gera inquietações dois pais especialmente em crianças que ainda não caminham ou que estão apenas começando a andar devido à falta de entendimento sobre a evolução normal do arco longitudinal medial. Quando uma criança nasce, a posição mais comum do pé, segundo Fixsen (1998), é valgus calcâneo, ou pronados (FIG. 6), sem arco medial aparente (FIG. 5). O arco longitudinal medial, até por volta de 2 a 3 anos de idade, normalmente não é visivelmente desenvolvido, assim, a aparência de pé plano nesta fase é considerado completamente normal. Por conseguinte, o desafio consiste em distinguir entre o que seria uma variante normal e o que seria considerado patologia. Em um importante estudo prospectivo durante 25 anos, Rose e outros citados por Fixsen (1998) afirmaram que as crianças progressivamente desenvolvem o arco medial na medida em que crescem, de modo 9 Crianças de até 5 anos de idade. 20 que, apresentar pés planos na primeira infância é considerado normal, independentemente de qualquer tratamento que possa ter. Estudos feitos por Sullivan (1999) e Ozlem et al (2006) também corroboraram dessa teoria. Figura 6 – Posição valgus calcâneo. Comum em pés dos bebês. Fonte: Pontes, 2014. Além da anatomia, os pés infantis também diferem pés dos adultos nos picos de pressão sob o calcanhar e metatarso (ver FIG. 2) os quais em bebês são reduzidos. Isto pode ser explicado, em parte, pela velocidade média lenta na caminhada dos mesmos. No entanto, o caráter suave do pé do bebê e o menor peso corporal em relação à área de contato do pé também são fatores importantes para essa redução dos picos de pressão. Por outro lado, as pressões são mais elevadas sob a região mediana do pé dos bebês devido à ausência do arco longitudinal (HALLEMANS et al 2006). O pé tem três importantes funções biomecânicas na marcha bípede. Em primeiro lugar, é importante para acomodar as irregularidades do chão e manter o equilíbrio (HALLEMANS et al., 2006; HERZMARK, 1953). Em segundo lugar, tem de suportar o peso e servir como absorção de choque e, em terceiro lugar, o pé tem que transmitir forças propulsoras para gerar o movimento para a frente. Além disso, a superfície plantar desempenha um papel muito importante na propriocepção (HALLEMANS et al 2006). A propriocepção é a percepção ou sensibilidade compreendida pelo próprio indivíduo da posição, deslocamento, equilíbrio, peso e distribuição do próprio corpo e das suas partes em relação a ele mesmo e em relação ao ambiente. De acordo com o dicionário da língua portuguesa, é sinônimo de sinestesia (PROPRIOCEPÇÃO, 2013). Relaciona-se com os sistemas receptores do corpo conforme será descrito a seguir. 21 A informação proprioceptiva mecânica mais sensível para a posição “em pé” e, consequentemente, para caminhar, é provável que provenha dos mecanorreceptores10 proprioceptivos das articulações do tornozelo (e dos músculos associados) e das solas dos pés (LEE; ARONSON, 1974). No entanto, em se tratando de bebês, esses mecanorreceptores são necessariamente sensíveis às alterações em comprimento e peso das partes do corpo devido ao crescimento, e assim, provavelmente, só podem ser mantidos precisamente calibrados por meio da prática contínua de determinadas atividades que os utiliza. A locomoção, no entanto, requer contínua adaptação dos movimentos das crianças em desenvolvimento (ADOLPH; AVOLIO, 2000). Mas poucas, se houver, são as atividades que um bebê se envolve antes de ficar de pé que auxiliam na maturação desses mecanorreceptores das extremidades dos membros inferiores. Sendo assim, no início da aquisição da postura “em pé” o sistema proprioceptivo mecânico proporcionará apenas informações rudimentares e imprecisas, estando ainda essencialmente em estado embrionário. Portanto, quando um bebê está aprendendo a ficar de pé, ele depende fortemente de propriocepção visual (mecanismo corporal já mais desenvolvido nos bebês nesse momento). Depois, a prática fará com que o seu sistema proprioceptivo mecânico aborde o mesmo grau de eficiência quanto ao seu sistema proprioceptivo visual (LEE; ARONSON, 1974). O parágrafo acima contesta a teoria clássica formulada por Sherrington (1906 apud LEE; ARONSON, 1974) na qual afirma que os sistemas receptores do corpo podem ser classificados como exteroceptores, proprioceptores, ou interoceptores e assume-se que cada sistema receptor facilita uma função única: exteroceptiva, proprioceptiva, ou interoceptiva. Os sistemas receptores do corpo são divididos em grupos de células sensoriais que são especializadas em captar estímulos provenientes do meio ambiente. Algumas células, as exteroceptoras, tem como função captar estímulos exteriores (como gosto, texturas, temperaturas, etc.) presente na língua, na pele, no nariz e etc. Outras células sensoriais tem como função a captação de estímulos internos do corpo, são os chamados proprioceptores e interoceptores. Os proprioceptores localizam-se nos músculos, tendões, articulações e órgãos internos, tendo como função informar o sistema nervoso central sobre a posição relativa de partes do corpo (braços, pernas, cabeça, etc.) em relação ao resto do corpo e ao ambiente, em outras palavras, grandes responsáveis pela manutenção do equilíbrio corporal. Já os 10 Receptores sensíveis à força mecânica. 22 interoceptores, tem como função a percepção das condições internas do corpo (a pressão osmótica, composição do sangue, temperatura corporal, o pH, etc.) nos permitindo sentir sede, fome, frio, náuseas e dor, por exemplo (LEE; ARONSON, 1974). Em outras palavras, Sherrington (1906 apud LEE; ARONSON, 1974) reportou que as informações sobre as oscilações do corpo usadas para que o indivíduo permaneça de pé e caminhe venham somente de receptores internos (proprioceptores mecanorrecepctores), ou seja, dos canais vestibulares11 e das articulações e músculos, em especial tornozelos, quadris e pés. Lee e Aronson (1974) confrontam essa teoria indicando que a propriocepção visual é parte integrante do sistema de controle postural nos estágios iniciais de desenvolvimento, em outras palavras, evidenciaram que a aprendizagem infantil utiliza a propriocepção visual como suporte para permanecer de pé e se locomover. O estudo feito por Moerchen e Saeed (2012) confirmou essa visão de Lee e Aronson (1974) em relação à conexão entre a propriocepção visual e mecânica em bebês. Os autores examinaram passos de bebês pré-locomotores12 sendo suportados para caminhar em esteiras lisas e padronizadas (xadrez) para examinar a resposta da caminhada em relação ao fluxo ótico terrestre. Concluíram que foram observados períodos mais longos de atenção visual à esteira padronizada e um aprimoramento da troca de passos dos bebês analisados em comparação a experimentos feitos em esteiras lisas. Sugeriram, no entanto, que a esteira padronizada aumentou o acoplamento visual e mecânico aprimorando a frequência e complexidade dos passos dos bebês pré-locomotores. Lee e Aronson (1974) afirmaram ainda que a propriocepção mecânica (comandada por músculos, tendões, etc.) e visual comparada por eles na aquisição e manutenção da posição “em pé” em bebês foi, na maioria dos casos, dominada pela propriocepção visual. A partir disso concluíram então que, em bebês, a informação proprioceptiva visual é mais significativa do que a informação proprioceptiva mecânica. Portanto, pode-se inferir que a criação de mecanismos para estimular a propriocepção mecânica dos pés, desde a primeira vez que os bebês se portam de pé mesmo com ajuda de apoio (por volta de 8 meses de idade), pode influenciar na qualidade e velocidade da 11 O aparelho vestibular é um órgão sensorial localizado na cavidade auditiva que capta sensações relacionadas ao equilíbrio. Funciona a partir da estimulação de células que enviam impulsos nervosos a fim de manter o corpo numa posição equilibrada. (GYUTON, 1992 apud KAVALCO, 1998). 12 De acordo com o estudo de Moerchen e Saeed (2012), bebês com idade inferior a 10 meses. 23 maturação mecânica dos bebês como apresentado no estudo de Herzmark (1953). É um indício de que o design pode atuar diretamente nesse processo. De acordo com Herzmark (1953), ancestralmente, o desenvolvimento do pé era simplesmente uma resposta fisiológica normal ao tipo de terreno. Os bebês não tinham superfícies pavimentadas rígidas e planas para andar. Os pisos que os bebês dispunham eram caminhos de cascalho, rampas pedregosas, areias e etc. Durante milhões de anos, a evolução do “design” dos pés respondeu aos estímulos da superfície natural e adaptaram-se as exigências que lhes foram colocadas. No entanto, atualmente, os bebês geralmente aprendem a andar em superfícies artificiais planas e lisas. Uma vez que não há superfícies irregularidades e móveis sob os pés para estimular os músculos intrínsecos dos mesmos, ou fazer da posição em pé principiante dos bebês (de base larga como já foi comentado) uma posição desconfortável e propensa ao desequilíbrio, essa postura e consequente marcha não fisiológica pode tornar-se um hábito muito difícil de mudar, podendo vir a ser uma fonte de incapacidades na vida adulta, gerando anormalidades nos próprios pés, bem como nos joelhos, quadris, coluna, etc. Em seu experimento, Herzmark (1953), certo de que os pés planos foram causados por uma superfície plana, e pés normais desenvolvidos sobre uma superfície irregular, desenvolveu um tapete granulado para o “cercadinho” de bebê simulando um solo natural visando estimular os músculos intrínsecos do pé, e, consequentemente a propriocepção. Em nenhum lugar do tapete havia superfícies planas grandes o suficiente para suportar o pé inteiro, e o tamanho e a disposição dos grânulos eram susceptíveis de estimular o espaço do arco longitudinal medial ainda em formação nos pés dos bebês. Assim, Herzmark (1953) afirmou que bebês que aprenderam a andar sobre o tapete desenvolvido, uma superfície elástica irregular, desenvolveram os músculos intrínsecos dos pés e pernas como faziam os povos primitivos, que não tinham superfícies pavimentadas para planificar seus pés garantindo a estimulação dos mecanorreceptores. O autor conclui dizendo que foi um excelente método para desenvolver hábitos adequados para ficar de pé e andar, favorecendo a formação normal do arco longitudinal. Em concordância com o estudo de Herzmark (1953), Rao e Joseph (1992) realizaram uma pesquisa para ver a relação entre o uso de calçados e a ocorrência de pés planos. Concluíram que o uso de calçados durante a primeira infância pode ser prejudicial para o desenvolvimento de um arco longitudinal normal devida à imaturação da musculatura do pé proporcionada pelo não desenvolvimento normal da musculatura intrínseca dos pés. Afirmaram que em regiões rurais, a incidência é mínima comparada a regiões mais 24 desenvolvidas economicamente, e diretamente proporcional ao uso constante de calçados. Sugeriram também que calçados fechados inibem mais o desenvolvimento do arco do que chinelos e sandálias, justificando essa afirmação pela atividade muscular intrínseca necessária para que o chinelo não saia do pé. Uma pesquisa realizada pelo Laboratório de biomecânica da Universidade de São Paulo também corrobora com a teoria de que pés que se desenvolvem em terrenos naturais têm o desenvolvimento do arco normal (EVOLUÇÃO..., 1998). Em outras palavras, quem anda descalço em superfície natural não tem pé plano. Essa pesquisa da Universidade de São Paulo está de acordo com o estudo de Herzmark (1953), que relacionou à ocorrência de pé, plano com a caminhada em solo plano. E, ao mesmo tempo, com o estudo de Rao e Joseph (1992), na qual vincularam o uso de calçados e a ocorrência de pés planos. Assim, analisando as três pesquisas citadas acima, podemos vincular o desenvolvimento imaturo do sistema mecânico dos pés (musculatura, tendões, arcos, etc.) com o crescimento dos mesmos apoiados em superfícies planas, aumentando a probabilidade da ocorrência de pés planos. Sendo que essa afirmação diz respeito aos fatores do ambiente que influenciam essa patologia, excluindo então os fatores do próprio indivíduo (biologia). Em síntese, de acordo com os autores mencionados acima, o desenvolvimento dos pés em superfícies planas ou continuamente calçados (o que suaviza em muito as irregularidades do solo) podem ser prejudiciais à progressão natural dos pés, incluindo assim, o desenvolvimento da propriocepção e da musculatura intrínseca, interferindo diretamente no desenvolvimento motor. Segundo Pérez (2010), intervenções fisioterápicas nos pés podem ser decisivas para a correção de anormalidades que possam vir a ocorrer durante a primeira década de vida, reestruturando o equilíbrio normal da musculatura intrínseca e extrínseca favorecendo a função estabilizadora do pé. Deste modo, a instabilidade é resultado de uma possível frouxidão/imaturidade da biomecânica dos pés durante seu desenvolvimento. Menezes e Paschoarelli (2009, p. 244) argumentam que o pé “é talvez um dos mecanismos vitais do corpo humano mais negligenciado, mas, ainda assim, capaz de cumprir sua tarefa, mesmo sob as mais adversas condições e pressões, graças a sua estrutura”. Condições e pressões essas, diretamente relacionadas ao conforto do indivíduo. Portanto, centralizar nos pés, (peça fundamental para a locomoção humana, sendo um elemento de apoio e equilíbrio do corpo sobre o solo mantendo-o ereto) para o desenvolvimento de produtos (englobando o funcionamento do mesmo, a importância desse 25 membro para a aquisição da marcha, e os possíveis desdobramentos que movimentos e usos inadequados podem inferir no indivíduo) pode ser um caminho para a projeção de um design focado nesta etapa de desenvolvimento dos bebês. 2.3 O Desenvolvimento da Marcha A caminhada humana é um modelo notavelmente consistente de comportamento coordenado. Os vários movimentos necessários para andar parecem ser em mesmo número tanto em bebês quanto em adultos (HENNESSY; DIXON, 1984). No entanto são duas as características marcantes na marcha que ajudam na determinação de um padrão dentro do qual podem ser feitas observações nas evoluções do desenvolvimento. Tem-se que, para a realização da caminhada independente, é necessário manter o equilíbrio na posição ereta e impulsionar o corpo para a frente (propulsão) por movimentos alternados dos membros inferiores (MCGRAY, 1940). Além desses fatores mecânicos, de acordo com Gallahue, Ozmun e Goodway (2013), mecanismos de encorajamento e instruções em um ambiente propício ao aprendizado, também aumenta a possibilidade aquisição de habilidade motoras em bebês e, mais tarde, em crianças, adolescente ou adultos. A ausência desses recursos ambientais (fatores de habilitação externo ao sujeito) poderá inibir a aquisição de habilidades motoras. Em outras palavras, se um bebê não tiver vários recursos em seu ambiente que favoreçam a ele a impulsão necessária para ficar de pé (como apoio em uma cadeira ou grade do berço, etc), ele terá que esperar até que tenha força suficiente e seu equilíbrio esteja totalmente desenvolvido para ficar de pé sem necessitar de apoio. No entanto, andar em posição ereta independente é uma ação altamente complexa durante a primeira infância, é um processo longo e árduo, que requer meses de experiência para alcançar um movimento contínuo e completamente adaptado (BONNEUIL; BRIL, 2012). Ficar de pé para posteriormente andar envolve ajustes compensatórios contínuos da musculatura. É um processo de controle a partir da aquisição de experiências (LEE; ARONSON, 1974; BONNEUIL; BRIL, 2012). De acordo com Lee e Aronson (1974) qualquer oscilação do corpo fora da vertical tem que ser registrado pelo indivíduo para que, consequentemente, ajustes de compensação muscular sejam feitos para que o equilíbrio não seja perdido. 26 Entretanto, os bebês não dispõem de um sistema corporal integrado maduro para que esses ajustes possam ser feitos de maneira eficiente, motivo pelo qual a caminhada nessa fase do desenvolvimento é tão complexa. Na medida em que vão adquirindo experiências, movimentos excessivos, inadequados ou exagerados vão se adequando (MCGRAY, 1940). Esse sistema adquire então padrões de marcha cada vez mais regulares juntamente com uma clara assimetria entre as funções dos pés, um pé de impulso e propulsão, e um pé regulador para ajuste de equilíbrio (BONNEUIL; BRIL, 2012; LEDEBT; WIERINGEN; SAVELSBERGH, 2004). Assim, uma perna preferencialmente contribui para o equilíbrio e controle da marcha e a outra perna move o corpo para frente. Isso pode ser observado, na análise da marcha, pela diferença na rotação distinta dos pés (pé regulador mais rotacionado para fora), bem como a diferença de comprimento dos passos (pé de impulso apresenta maior comprimento) entre as pernas (LEDEBT; WIERINGEN; SAVELSBERGH, 2004). A princípio então, a dinâmica da marcha do bebê é constituída por um sistema de pêndulo e quase-equilíbrio13. De acordo com Bonneuil e Bril (2012) o aspecto "cambaleante" da marcha precoce do bebê é explicado pelas oscilações das acelerações (dinâmica da caminhada) e pela função assimétrica dos pés, citada acima. Em outras palavras, as acelerações medio-lateral e antero-posterior14 se apresentam de maneira distinta entre os passos direito e esquerdo resultando nessa caminhada assimétrica. Isso se dá ao fato dos bebês delimitarem funções distintas para cada pé. Inicialmente, arriscam o passo à esquerda como impulso e o direito como resgate de equilíbrio (ou explora o contrário) e, gradualmente, são acostumados com uma caminhada aproximada do padrão no qual é mantida e repetida. No entanto, essas funções delimitadas para cada pé podem ainda ser invertidas durante o desenvolvimento da caminhada (quando a lateralidade do bebê ainda não está fixada) podendo dificultar a estratégia geral da aquisição da experiência de caminhar, feita de explorações e ajustes, tentativas arriscadas e busca por segurança (BONNEUIL; BRIL, 2012). 13 Nos bebês, o pé impulso proporciona uma forte aceleração, enquanto que o pé regulador estabiliza as oscilações até uma quase paralisação no meio do passo deixando vacilar o corpo com alguns cambaleios que normalmente não encontramos na marcha madura. 14 As acelerações antero-posterior (frente e trás) e medio-lateral (laterais) representam as forças em jogo no deslocamento do corpo para a frente e, portanto, as forças na dinâmica da caminhada (BONNEUIL; BRIL, 2012). 27 De acordo com Chodera e Levell (1973 apud LEDEBT; WIERINGEN; SAVELSBERGH, 2004) essa assimetria da marcha também pode ser observada naturalmente em adultos, embora seja mínima a diferença de rotação (menor que dez graus). No entanto, se a assimetria da marcha reflete uma diferença funcional entre os membros inferiores também em adultos, obviamente é mais pronunciada em crianças que, pela primeira vez, enfrentam o complexo problema de manter seu equilíbrio enquanto se move para frente. De fato, o giro dos dedos para fora de ambos os pés, mencionados anteriormente como a solução adotada pelas crianças para manter uma postura estável, pode dificultar a progressão para a frente pois as articulações do joelho, tornozelo e pé estão giradas. Por outro lado, uma posição paralela dos pés irá facilitar a progressão para a frente, mas pode dificultar o controle do equilíbrio. Uma posição assimétrica dos pés, então, reflete um compromisso entre as duas exigências complexas para o bebê que implica com que o pé mais para fora aumente o equilíbrio e crie condições para a transferência do peso do corpo, e o pé mais paralelo desloque o peso para frente podendo estar mais envolvido na condução da direção da caminhada (LEDEBT; WIERINGEN; SAVELSBERGH, 2004). No entanto, Ledebt, Wieringen e Savelsbergh (2004) afirmaram que essa base de apoio claramente e visivelmente assimétrica da marcha em crianças durante o desenvolvimento dos primeiros meses de caminhada parece ser uma característica normal. De acordo com Hallemans e outros (2006), a maturação da marcha é dividida em duas fases: uma primeira fase de rápido desenvolvimento que abrange os primeiros 3-5 meses após o surgimento da marcha independente e uma segunda fase de maturação, mais lenta, com duração de até 8 anos de idade. Porém, não se sabe se a maturação do pé (sistemas mecânicos e perceptivos) segue o mesmo curso de tempo da maturação da marcha. Hallemans e outros (2006) e McGray (1940) afirmaram que, a princípio, o apoio dos pés dos bebês na superfície é, geralmente, plantígrado (de forma inteiriça, chapada), o que dificulta a manutenção do equilíbrio e o uso da propulsão dos pés. Depois evoluem, com o aumento da experiência em andar, para um apoio de rolagem padrão (“calcanhar ao dedo”) visível na caminhada adulta. De acordo com Hallemans e outros (2006) há diferenças significativas nas formas de apoio dos pés e nas oscilações do centro de pressão15 na caminhada de bebês quando comparadas com adultos (FIG. 7). Os autores afirmaram que as melhorias no equilíbrio 15 Centro de pressão é o ponto resultante das forças verticais, internas e externas ao corpo, agindo sobre uma superfície. 28 refletidas na diminuição das oscilações do centro de pressão logo nos primeiros meses de caminhada coincidem com mudanças nos mecanismos de apoio dos pés, sugerindo que o desenvolvimento de uma dinâmica de apoio padrão (''calcanhar ao dedo''), já começa a ser experimentada logo após o início da caminhada. Isto sugere que as grandes alterações na dinâmica do pé ocorrem rapidamente após o início da caminhada independente e coincide com melhorias no controle do equilíbrio, confirmando a teoria do desenvolvimento rápido nos primeiros 3-5 meses de marcha. No entanto, tais autores ressaltaram que alterações morfológicas sutis do pé evoluem a um ritmo muito mais lento. Figura 7 – Escaneamento das dinâmicas de apoio dos pés. O painel superior mostra impressões de pressão subsequentes (gravado com aparelho de escaneamento dos pés por pressão) de uma rolagem padrão ''calcanhar ao dedo'' de um adulto (pé esquerdo), começando com o pé de contato feito pelo calcanhar e terminando com a propulsão do hálux (dedão). Áreas de alta pressão são mostrados em vermelho, baixas pressões em verde e azul. Os painéis inferiores mostram gravações de pressão similares dos três padrões distintos de contato dos pés que podem ser observados em bebês (IFC: contato inicial com o antepé, pé direito; FFC: contato inicial com o pé plano, pé esquerdo; IHC: contato inicial com o calcanhar, pé direito). Fonte: Adaptado de HALLEMANS et al., 2006. A diminuição dos cambaleios no andar está intimamente ligada com o aumento da idade e consequentemente do corpo, de acordo com Hennessy e Dixon (1984). No entanto, naturalmente, com a prática, as alterações na marcha, especialmente em detalhes individuais, continuam ao longo do tempo de vida, reafirmando a teoria do desenvolvimento motor ao longo do ciclo da vida evidenciado por Gallahue (2013). 29 Todavia, o que caracteriza a maturação da caminhada, segundo McGray (1940), é o balanço sincronizado dos braços em movimentos associados com o membro inferior oposto. No momento em que os movimentos se associam, ou seja, quando o balanço rítmico dos braços estão bem desenvolvidos, as características essenciais do comportamento da atividade de andar foram então estabelecidas. Contudo, pode-se afirmar que os primeiros meses da marcha independente são cruciais para a manutenção de um caminhar adequado pelo decorrer do ciclo da vida e os comportamentos adquiridos nessa fase não devem afetar o desenvolvimento morfológico fisiológico dos pés. Portanto, qualquer calçado utilizado pelo bebê nesta fase, deve ser cuidadosamente projetado para não causar danos visíveis (presentes) e/ou invisíveis (futuros). 2.4 O Calçado: função e uso Os calçados são complementos essenciais no modo de vida humano uma vez que, além de proteger as extremidades dos membros inferiores adquiriram, durante sua história, outros significados como desejo e poder. O calçado não é apenas restrito à sua função e utilização, mas também se relaciona com a satisfação, valores, realizações de desejos e experiências. Assim sendo, os calçados, fazem parte da subjetividade individual e coletiva de um povo, constituindo uma parte importante da estrutura econômica e retratando as condições de uma sociedade (MESACASA; CORONA; MELLO, 2010). O presente trabalho, no entanto, foca-se na funcionalidade dos calçados infantis e, portanto, não irá abordar fatores históricos e simbólicos que fazem dos calçados objetos subjetivos de desejo. A seguir, serão apresentadas bases processuais e técnicas para que o calçado, suas partes e seus componentes, possam ser melhor compreendidos e assim auxiliar para que possam ser projetados, principalmente, a partir de princípios ergonômicos. 2.4.1 Constituição do calçado A construção e a composição dos calçados para bebês apresentam certas peculiaridades que diferem um pouco dos calçados de adultos. Por isso, a presente abordagem foca-se nas especificidades de um calçado confeccionado para bebês porém não se limita a 30 esse tipo de calçado abrangendo os processos da grande maioria dos calçados tradicionais16. A produção de calçados calçado baseia-se se em tecnologias simples e mão de obra intensa. Possui uma cadeia produtiva destinada a suprir as demandas do mercado em termos produtivos e mercadológicos adológicos contemplando desde a matéria prima às máquinas destinadas a esse setor. Basicamente, os calçados são constituídos de subconjuntos, sendo send uma parte superior (cabedal), uma parte inferior (solado) e uma parte parte mediana (palmilha), tendo como base estrutural a forma, indicando ndo a largura, a altura e a numeração do calçado. Segundo O’Keeffe (1996) e Kohlrausch (2009), o elemento básico mais importante na confecção de um calçado é a forma (FIG. 8), uma réplica estilizada do pé humano, que determina qual será a curvatura do calçado e como se distribuirá o peso do corpo sobre o pé, duas características fundamentais para o conforto do sapato. No entanto, cada parte montada sobre e sob a forma, se subdivide em uma série de outras, com características e funções bem específicas. Figura 8 – Forma confeccionada em madeira Fonte: Arquivo pessoal 2.4.1.1 O Cabedal O cabedal é toda a parte superior dos calçados. Destina-se a cobrir e proteger a parte superior do pé e divide-se se em gáspea (parte da frente), talão ou traseiro traseiro (parte de trás) e lateral (CALÇADOS..., 2010), podendo variar essas nomenclaturas de acordo com a região. 16 Não será abordado questões a cerca dos calçados plásticos injetados (full plastic) pois o processo produtivo se distingue demasiadamente do processo tradicional sendo altamente mecanizado e com pouco uso de mão de obra. 31 Normalmente, é constituído de várias peças e reforços utilizados para dar mais firmeza e proteção à parte superior do pé, fantasiados por elementos de estilo. Dentre os elementos de reforço estão o contraforte, a couraça, as fitas de reforço e a entretela. O contraforte é colocado na região do calcanhar, entre o cabedal e o forro. É destinado a estruturar essa parte do calçado mantendo o calcanhar firme dentro do sapato promovendo maior estabilidade e apoio ao usuário (CALÇADOS..., 2010). É um elemento importante para o calce17 e conforto. Alguns tipos de calçados, como sapatilhas muito flexíveis ou sandálias que deixam o calcanhar a mostra, não utilizam o contraforte. A couraça é alocada no bico do calçado, também entre o cabedal e o forro, destinado a proteger os dedos de possíveis danos e manter a formatação do bico, impedindo que seu formato original se altere mesmo durante o uso (ANDRADE; CORRÊA, 2001; ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EMPRESAS DE COMPONENTES PARA COURO, CALÇADOS E ARTEFATOS, 2014). A entretela é acoplada ao material do cabedal visando aumentar a resistência e sustentação quando necessário. Os tecidos, em sua grande maioria, são exemplos de materiais que necessitam de entretela. Por fim, as fitas de reforço, também dispostas entre o cabedal e o forro, são usadas para evitar que o material laceie com o uso, mantendo as características originais do calçado. Esses reforços são necessários para dar consistência e sustentação ao calçado impedindo que perca a formatação original da forma e, consequentemente, o calce. Dependendo do modelo do calçado, o cabedal pode ainda apresentar muitas outras partes, como biqueira (peça que recobre o bico do sapato, geralmente com função decorativa), lingueta (parte saliente sobre o peito do pé, utilizada em calçados de cadarço, destinada a proteger o dorso do pé) (MACHADO, 2007), banana (peça de espuma usada na borda interna do cabedal do calçado com a finalidade de proporcionar conforto) (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EMPRESAS DE COMPONENTES PARA COURO, CALÇADOS E ARTEFATOS, 2014), etc. 2.4.1.2 O Solado É o conjunto de partes/peças que formam a parte inferior do calçado e que se interpõem entre o pé e o solo. Tem como função prover conforto e estruturar a fixação das abas perimetrais do cabedal (CALÇADOS..., 2010). O solado infantil pode ser constituído de: 17 Ação de calçar e o invólucro de sensações/experiências que envolvem essa ação. 32 sola, entressola, salto e vira. De acordo com Andrade e Corrêa (2001), a sola é a parte externa inferior do solado, ou seja, aquela que está em contato direto com o solo. Em grande parte, as características de qualidade e desempenho do calçado estão diretamente ligadas às características da sola. O material do qual é fabricado e o seu perfil determinam suas propriedades: durabilidade, flexibilidade, resistência à umidade, leveza, uniformidade, resistência ao deslizamento, entre outros fatores. O salto é num suporte, fixado na região traseira com o objetivo de deslocar o centro de gravidade do sujeito em direção ao antepé, minimamente no caso do calçado infantil, e, em alguns casos, pode aumentar a percepção de conforto (ANDRADE; CORREA, 2001). Dependendo do calçado, duas outras peças podem fazer parte do solado: a entressola, uma camada intermediária colocada entre a palmilha e a sola, com função estética e/ou de conforto; e a vira, uma tira estreita de material solado (couro, borracha natural ou sintética), colada ou costurada em torno do calçado. Auxilia na fixação do cabedal ao solado sendo atualmente sua principal função meramente estética. 2.4.1.3 A Palmilha A palmilha se localiza entre o cabedal e o solado e subdivide-se, devido à função, em palmilha de montagem, palmilha interna, palmilha híbrida e palmilha ortopédica. A palmilha de montagem tem como função unir a parte, superior (cabedal) e inferior (solado), que constituem o calçado. É montada diretamente sobre a parte interna do solado e sobreposta às abas perimetrais do cabedal, consolidando a montagem e união definitiva desses componentes (CALÇADOS..., 2010). Pode ser de materiais têxteis, plásticos, elastoméricos ou celulósicos. Segundo Machado (2007) é um dos elementos mais importantes do calçado, pois se constitui de uma estrutura sobre a qual se alicerçam quase todas as partes que compõem o calçado servindo de ligação entre o cabedal e o solado. A palmilha interna, palmilha de conforto ou sobrepalmilha são, em sua maioria, espumas elastoméricas dispostas no interior do calçado, acima da palmilha de montagem, com a finalidade de dar conforto e maciez ao calçado. Tem grande importância por estar em contato direto com o pé fazendo a vez da superfície disponível dentro do calçado para que o pé se apoie. De acordo com Valente (2007), o uso de palmilhas internas podem aumentar a percepção de conforto do usuário, através de amortecimento do impacto e maior adequação dos sapatos ao pé aumentando também a percepção de calce, sendo geralmente utilizada em 33 calçados infantis, esportivos e/ou ortopédicos. Atualmente, muitas indústrias investem em tecnologia e ergonomia para o desenvolvimento desta peça, comumente fabricada em EVA, PU e PVC [Etileno Vinil Acetato, Poliuretano e Poli(cloreto de vinila), respectivamente]. A palmilha híbrida, como o próprio nome indica, se porta às duas funções apresentadas anteriormente em um único componente. As palmilhas ortopédicas são um tipo especial de palmilha projetadas e indicadas para corrigir ou aliviar as tensões de desequilíbrios estruturais ou posicionais dos pés, para aliviar pressões em determinadas áreas e evitar lesões esportivas. Salienta-se que as mesmas não corrigem anormalidades, apenas acomodam melhor o pé causando mais conforto (CALÇADOS..., 2011). A palmilha e as partes do solado dos calçados são os componentes em que mais se investe em emprego de novos materiais e tecnologias no mercado calçadista devido a possibilidade de agregar conforto através do clima interno, do amortecimento, da estimulação sensorial, agarre, dentre outras. O cabedal, solado e palmilha são fundamentalmente as partes que constituem um calçado. Entretanto, dependendo do modelo que será confeccionado, outras peças podem ser agregadas. Os calçados esportivos, por exemplo, podem ter enchimentos especiais, ilhoses, cadarços, entre outros. Essa grande quantidade de peças gerando muitas etapas de produção é que torna o processo produtivo intensivo em mão de obra. 2.4.2 Materiais utilizados para a produção de calçados Atualmente, uma grande variedade de materiais de diversas origens são utilizados na fabricação de calçados. Por vários séculos, a confecção de calçados tinha como matéria prima básica somente tecidos e couros, matérias de origem natural renovável. Em meados do século XIX com a invenção da vulcanização da borracha natural, o látex também passou a ser utilizado na confecção de calçados e até os anos 20 foi a única borracha aplicada ao setor calçadista (RUBBERPEDIA, 2013). Porém, com o desenvolvimento da petroquímica e o surgimento de materiais sintéticos, várias opções se abriram e os fabricantes de calçados começaram a utilizar essas matérias-primas como alternativas. Os novos materiais trouxeram novas possibilidades tanto em termos produtivos quanto estéticos e de conforto. 34 2.4.2.1 Couros Os couros são peles de origem animal curtidas. Produto tradicional e extremamente importante para a indústria calçadista. Representa um processo maduro de produção que, pelo manejo e estrutura original do material, garante alta qualidade a preços razoáveis. O couro bovino é o mais utilizado embora o uso de couros suínos, ovinos, caprinos e exóticos, como avestruz, peixes, crocodilos, arraias, etc., seja uma crescente na indústria calçadista (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EMPRESAS DE COMPONENTES PARA COURO, CALÇADOS E ARTEFATOS, 2014). Um couro é considerado de boa qualidade quando dispõe de fibras consistentes, elasticidade e facilidade de manipulação. É composto por duas partes: o carnal (parte interna fibrosa) e a flor (parte externa porosa). Além desses fatores técnicos que determinam a qualidade do couro, o acabamento (aplicação de cor e textura no wet blue18) também é um fator de grande importância para o consumo do couro. Atualmente, é utilizado no cabedal e em fachetes (capa) de salto. Em alguns calçados de alta qualidade costuma-se empregar o couro também no forro do cabedal e na superfície da palmilha interna. O couro por ser de pele, absorve humidade e permite troca de ar entre o lado externo e interno do calçado, garantindo conforto. Em contato com o pé, é o material que possibilita maior bem estar ao usuário. 2.4.2.2 Tecidos O tecido é uma material produzido a partir do entrelaçamento de fios de fibras naturais e/ou sintéticas. Tecidos naturais, como algodão, lona e brim, e tecidos sintéticos, como náilon e lycra, são utilizados no cabedal e, sobretudo, como forro (ANDRADE; CORREA, 2001). Além do preço mais atrativo, os calçados fabricados com tecidos são mais leves, porém podem ser menos duráveis dependendo da tecnologia aplicada ao material. Além dos tecidos podem ser empregados “não-tecidos”, materiais obtidos através de compressão e aglutinação (física e/ou química) de fibras naturais e/ou sintéticas. Os tecidos podem ser utilizados no cabedal, forro e também em fachetes de saltos e cepas (saltos plataformas) e superfícies de palmilhas internas. É um material relativamente 18 Wet Blue é o nome que dá para a pele semi-acabada, isto é, o couro já passou por todos os processos de beneficiamento do couro cru e está pronto para receber o acabamento final, seja ele de cor, textura, brilho, etc. 35 barato (em comparação ao couro) mas não muito resistente para utilização no cabedal. Quando fabricados com fibras de origem natural permitem mais conforto ao usuário devido a capacidade de absorção de umidade e troca de ar, porém quando de origem sintética precisase atentar para o tipo de fibra e entrelaçamentos dos fios para evitar com que cause algum desconforto ao usuário. 2.4.2.3 Laminados Sintéticos São materiais constituídos normalmente de um suporte (tecido, malha ou não-tecido) sobre o qual é aplicada uma camada de material polimérico, geralmente PVC (policloreto de vinila) ou PU (poliuretano). O PU apresenta melhores características em relação que o PVC em se tratando de conforto, visto que o PU é transpirável e absorvente e o PVC não é transpirável tampouco absorvente. Segundo Andrade e Correa (2001), um dos materiais mais utilizados pela indústria calçadista brasileira é o laminado de PVC (ou cover line). Isso porque o PVC é um material relativamente barato em substituição ao couro. São empregados em cabedais, forros, fachetes e como superfície de palmilha interna. Quando comparado com couro e/ou tecidos, os laminados possuem o menor índice de conforto e resistência do material. 2.4.2.4 Materiais pré-moldados Os materiais pré-moldados são polímeros utilizados pela indústria calçadista, obtidos por meio de injeção, compressão, sopro ou extrusão. Os materiais mais utilizados são: a) Policloreto de vinila (PVC) – material brilhante de fácil processamento, com custo relativamente baixo e com boas propriedades de adesão e resistência à abrasão, sendo hoje utilizado em calçados full plastic e também em solados de tênis e chuteiras (ANDRADE; CORREA, 2001). Dependendo da sua formulação e aditivos pode se apresentar rígido ou flexível, proporcionando resistência a grande parte dos reagentes químicos, bom isolamento térmico e elétrico além a alta durabilidade (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EMPRESAS COMPONENTES PARA COURO, CALÇADOS E ARTEFATOS, 2014) DE 36 b) Poliuretano (PU) – polímero versátil, pode ser um termoplástico ou termorrígido19 dependendo dos monômeros20 e do catalisador usado (MANO; MENDES, 2004). É um material semelhante ao PVC, porém antiderrapante e fosco, que permite várias utilizações por ser disponível sob diversas características físicas (densidades, dureza, etc.). Geralmente é empregado em solas e entressolas por possuir boas características de durabilidade, flexibilidade e leveza. c) TPU – elastômero termoplástico derivado do PU utilizado em peças que exigem alta performance. Apresenta alta resistência ao rasgamento e à fadiga por flexão, proporcionando melhores características ao solado. Reproduz moldes com perfeição garantindo um bom acabamento, é de fácil processamento e excelente propriedade de adesão (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EMPRESAS DE COMPONENTES PARA COURO, CALÇADOS E ARTEFATOS, 2014); d) Borracha termoplástica (TR) – composto termoplástico constituído por uma camada intermediária elastomérica de butadieno e uma camada termoplástica de estireno em cada extremidade, um SBS (estireno butadieno estireno). Utilizada na produção de solas e saltos baixos, apresenta boa aderência ao solo, mas é pouco resistente às intempéries e aos produtos químicos, como solventes. É um material antiderrapante, bastante flexível e facilmente deformado pelo calor. Os compostos de TR aliam as características da borracha vulcanizada com a facilidade de transformação dos termoplásticos. São materiais fáceis de processar assim como o PVC (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EMPRESAS DE COMPONENTES PARA COURO, CALÇADOS E ARTEFATOS, 2014); e) O EVA (etileno vinil acetato), é um copolímero21 termoplástico empregado em vários segmentos industriais. Possui boa adesividade, com propriedades mecânicas variáveis e bom desempenho a baixas temperaturas (MANO; MENDES, 2004). Chinelos, sandálias, solas e entressolas de EVA são largamente produzidos devido a sua leveza, custo relativamente baixo, resistência e fácil modelagem e pigmentação do material; 19 De um modo general, os termoplásticos são polímeros que escoam (derretem) quando aquecidos e solidificam quando resfriados. Os termofixos por sua vez, não escoam quando são aquecidos, solidificam. 20 Monômeros são moléculas pequenas em possibilidade de reação (estado líquido ou gasoso) que após submetido a temperatura, pressão, ativadores e/ou catalizadores, etc., sinterizam-se dando origem ao polímero (macromolécula). 21 Copolímeros são polímeros com mais de uma unidade química em sua composição. Exemplo: borracha SBR = estireno + butadieno. 37 f) O SBR (copolímero de estireno e butadieno) é uma borracha sintética termofixa vulcanizada com características de uso compatíveis à borracha natural (NR). No entanto, os vulcanizados obtidos a partir desta borracha exibem melhor resistência à abrasão do que a borracha natural, boa resistência a altas temperaturas e ao envelhecimento, mas menor flexibilidade e elasticidade a baixas temperaturas. Em temperaturas elevadas, os vulcanizados de SBR endurecem e não amolecem, como acontece com os vulcanizados de borracha natural. No setor calçadista é popularmente conhecido como microduro, neolite (borracha vulcanizada compacta), porolite (borracha vulcanizada expandida) ou crepe sintético. É comumente utilizado em solas de calçados e palmilhas de sandálias rasteiras populares. De acordo com a Assintecal (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EMPRESAS DE COMPONENTES PARA COURO, CALÇADOS E ARTEFATOS, 2014) apresenta excelente resistência à abrasão porém baixa resistência ao envelhecimento térmico, assim como ao meio ambiente, e aos produtos químicos. Além dos materiais citados, utiliza-se também na indústria calçadista, porém em menor quantidade, outros materiais utilizados para fabricação de partes do solado como saltos, cepas, solas, etc. Assim, utiliza-se o ABS, um copolímero rígido composto por acrilonitrila, butadieno e estireno; o acrílico (PMMA. polimetil-metacrilato), material termoplástico rígido; o látex (NR), borracha natural conhecida no mercado calçadista também como crepe, material que apresenta boa resistência à tração, boa elasticidade, resistência considerável ao calor e ao frio e boa flexibilidade; o Policarbonato (PCO), material de baixa cristalinidade, portanto, incolor; o Polipropileno (PP) material rígido e brilhante e de baixa densidade; e por fim o Nylon ou Poliamida (PA) material hidrofóbico também brilhante e rígido. Atualmente, os materiais utilizados na fabricação de solados e palmilhas, em sua maioria, são oriundos da petroquímica por serem matérias-primas que garantem qualidade a baixo custo em escala industrial. 2.4.3 Etapas do processo Produtivo dos calçados O processo de fabricação de um calçado está dividido em setores, os quais se formam de acordo com a diversidade e especificidade dos produtos, assim como pelo porte e a 38 estrutura da empresa. As principais etapas do processo produtivo podem ser definidas conforme descrito a seguir. 2.4.3.1 Design e modelagem O projeto de design desenvolve e especifica o produto a partir de pesquisas qualitativas e quantitativas e conexões de informações. Determina o material a ser usado na fabricação, tecnologias e processos que serão utilizados, o tipo, o gênero e a finalidade do calçado e o projeto da forma (estilo e dimensões). Após projeto o design, a etapa prática a ser realizada é a modelagem (FIG.9). No setor calçadista, a etapa de modelagem é considerada uma das mais importantes da linha de produção, pois é nessa fase que determina-se as características de calce e estilo a partir da leitura do projeto técnico. Figura 9 - Mesa para modelagem e suas ferramentas 2.4.3.2 Corte O corte das partes que constituem o calçado é feito de acordo com as dimensões pré- 39 definidas na modelagem podendo ser manual (artesanal), com a utilização de navalhas e moldes de cartolina ou papelão timbó; mecânica, através de uma pequena prensa hidráulica operada manualmente denominada balancim, na qual é afixada ao cabeçote uma navalha de fita de aço, que também atende às determinações do molde; e digital, em empresas mais tecnológicas existem também os equipamentos informatizados para o corte a laser, a lâmina e a jato d’água, caracterizados por um processo rápido com pequenas margens de erro. Os processos informatizados apresentam rapidez produtiva, corte mais preciso e melhor aproveitamento do material. As máquinas de leitura digital, a partir do tamanho do material a ser cortado e o tamanho dos moldes, distribui os cortes de maneira que gere a menor quantidade possível de resíduo por rebarba de material. Dependendo do material a ser cortado também pode ser enfestado (várias camadas do material sobrepostas) para um corte simultâneo gerando alta produtividade e redução de consumo energético. 2.4.3.3 Pesponto Após o corte, as peças que fazem parte do cabedal são organizadas e encaminhadas à seção de pesponto (costura), passam por um processo de preparação (chanfros, dobras, picotes, colagens, etc.) e são pespontadas. Esse trabalho de preparação, na grande maioria das empresas, é realizado manualmente ou feito em máquinas elétricas simples. 2.4.3.4 Montagem A montagem do calçado é a última etapa construtiva, tem a finalidade de fixar o cabedal, a palmilha e o solado, com alguns procedimentos preparatórios que podem ser realizados simultaneamente ao corte e ao pesponto. De acordo com Andrade e Corrêa (2001), os materiais que compõem o solado (sola, vira e entressola) e a palmilha, são cortados, lixados, conformados, limpos e colados ou costurados quando necessários. Dois procedimentos de montagem são comumente utilizados: o processo de fixação por adesivo e o processo de costura. Em ambos os casos, podem ser utilizados cabedais dos mais diversos materiais e solados de couro, borracha natural, polímeros sintéticos, dentre outros, que podem ser peças injetadas ou placas. No caso dos pré-moldados por métodos de injeção, atualmente são utilizados somente materiais sintéticos. Para acoplar as partes de um calçado são utilizados adesivos para a fixação dos diferentes componentes entre si (NAIME; ROBINSON, 2009). Diversos adesivos estão 40 disponíveis no mercado, desde altamente tóxicos à ambientalmente responsáveis: adesivos em meio solvente, em meio aquoso, fílmicos, PSA (adesivos sensíveis à pressão) e hot melt (cola quente, sem solventes). O processo de costura que une o cabedal à palmilha e ao solado, de acordo com Andrade e Corrêa (2001), é o método mais antigo e largamente usado antes dos adesivos sintéticos na década de 60. Surgiu na idade média na busca por mais segurança e firmeza dos calçados e é empregado ainda hoje. Entre os métodos que utilizam a costura em sapatos infantis, estão o blaqueado/ensacado (para a fabricação de tênis e mocassins) e o ponteado (atualmente utilizado em alguns calçados de estilo casual e ortopédico). Cabe ressaltar que se trata de um processo misto, pois o cabedal é fixado à palmilha mediante costura, mas a sola é colada. Esses métodos de produção são mais complexos e onerosos e, portanto, utilizados normalmente em calçados de maior valor agregado e preços mais elevados. Após a montagem, onde as três partes fundamentais são unidas por costura e/ou adesivo, o calçado está praticamente finalizado, devendo passar ainda por pequenas operações, denominadas por alguns fabricantes de acabamento ou plancheamento. Tais operações consistem em limpeza, retoque de pequenos defeitos e controle de qualidade final. Por fim, o calçado é embalado e enviado à expedição da fábrica e está pronto para ser distribuído e vendido. 2.5 Calçando o bebê O pé de um bebê, como já foi dito, apresenta particularidades que os distinguem de um pé adulto. Portanto, qualquer produto destinado a tal, deve ser projetado respeitando certas características inerentes a esse pé em desenvolvimento. 2.5.1 Aspectos da caminhada O período em que o bebê começa a dar seus primeiros passos é muito crítico. Hábitos de se posicionar em pé (postura e apoio do pé) e caminhar (aspecto da marcha) adquiridos neste momento podem perdurar ao longo de toda a vida. Estes hábitos adquiridos enquanto bebê podem fazer a diferença em diversas atividades na vida adulta, levando à oportunidades, quando os hábitos foram adequados (fazer atividades de alto impacto por exemplo), ou quando não, à limitações devido a fraqueza, dor, etc. Esses hábitos imaturos dos pés (contrapondo à fisiologia normal) podem levar anos para se tornar sintomáticos ou muito 41 perceptíveis, assim, as tentativas de correção durante a primeira infância não são muito frequentes ou são ineficazes. Pés adultos pronados e planos, por exemplo, são resultados de pés imaturos estruturalmente. No entanto, a grande maioria das pessoas, quando crianças, tem a oportunidade de desenvolver os músculos de seus pés e pernas de acordo com princípios fisiológicos, respondendo com um desenvolvimento de pés maduros estruturalmente e bem equilibrados (HERZMARK, 1953). Fator esse diretamente influenciado pelo tipo de superfície onde e como os primeiros passos do bebê se apoiaram. Para Herzmark (1953), o momento favorável para uma criança adquirir hábitos adequados de se posicionar de pé e andar, é quando ela assume pela primeira vez a postura ereta. Durante este período, aconselha-se manter seus pés longe de superfícies planas e duras para que os pés se desenvolvam fisiologicamente a partir dos princípios da adaptação natural (evolução dos pés). Portanto, quando um bebê adquire pela primeira vez a posição ereta (por volta de 8 meses de idade), ou seja, quando começa a apoiar e equilibrar todo o peso do corpo sob os pés, com ajuda de apoios, torna-se necessário uma atenção especial ao tipo de superfície sobre a qual os pés dos bebês estão se apoiando e se desenvolvendo, incluindo o calçado. Entendemos que um calçado se porta para os pés como uma superfície de apoio de interface com o chão (sendo esse chão o cercadinho macio, o piso de madeira ou pedra, o solo natural, etc.). Assim, calçados para bebês devem ser projetado através de parâmetros fisiológicos para que não interfira no desenvolvimento normal dos pés. Essa especial atenção a relação entre o desenvolvimento dos pés e o tipo de superfície sobre a qual eles se desenvolvem foi evidenciada pela primeira vez, de acordo com a literatura revista, na década de 40 por Herzmark (1953). Este autor observou um número excessivo de jovens adultos com pés imaturos, incapazes de atender às demandas de treino militar, sendo um grande obstáculo durante as guerras que ocorriam naquela época. As instalações médicas militares tentaram vários métodos de correção habituais, tais como palmilhas ortopédicas de todos os tipos, sapatos modificados e/ou sapatos feitos especialmente para determinado indivíduo, exercícios fisioterápicos, etc., com resultados não satisfatórios. Com isso, um grande número de soldados, a maioria oriundos de áreas urbanas, foi dispensado, com alta médica, com o diagnóstico de pés planos sintomáticos. Observando a maturidade dos pés dos povos rurais, o autor começou a considerar algumas percepções sobre como e onde as crianças aprendem a andar, e como este aprendizado afeta o desenvolvimento mecânico e motor repercutindo na maturidade dos pés. 42 Contudo, mais de 60 anos se passaram dessa constatação de Herzmark (1953) e as pesquisas sobre as possíveis consequências que calçados projetados para o início da aquisição da marcha independente, fase tão importante para o desenvolvimento de um pé normal, pouco evoluíram. Como exemplo, por muitos anos, uma grande variedade de exercícios, órteses22 e calçados especiais eram prescritos para o tratamento de pé plano em bebês. No entanto, em um estudo prospectivo, Wenger e outros citado por Fixsen (1998), mostraram que, na grande maioria, pés planos flexíveis em bebês melhoram com o crescimento. Além disso, o tratamento de pés planos em bebês com sapatos corretivos, inserções ou palmilhas especialmente concebidas não alteram a história natural em pés normais. Pérez (2010) afirma que a literatura atual relata que tratamentos com sapatos especiais e órteses plantares (palmilhas) para pés planos não alteram o desenvolvimento normal dos pés infantis, mas podem influenciar na velocidade da maturação. Segundo a autora, existem teorias que afirmam que o tratamento com órteses não apresenta bases científicas e é tido como ineficaz e desnecessário, podendo até ser prejudicial, uma vez que sustenta passivamente a musculatura dos pés dos bebês podendo desenvolver uma debilidade ao longo do tempo. No entanto, Weiss (1981) constata a escassez de pesquisas científicas direcionada ao estudo da relação entre o desenvolvimento do pé infantil e os produtos destinados a tal. Em 1972, Dyment e Bogan (1972), já alertavam sobre a escassez de pesquisas nessa área: “há muito pouco no caminho de provas científicas para apoiar ou negar suas crenças”, se referindo ao calçado ideal para a primeira infância. No início deste século, Lavery e outros citado por Gosalez (2008) também afirmaram que “uma das desvantagens principais da literatura atual é que as especificações relativas à composição de sapatos terapêuticos e palmilhas não estão claramente definidas”. E mesmo assim, até hoje, raras são as pesquisas científicas acadêmicas que são destinadas para esse fim. Segundo um estudo realizado pelo Centro Tecnológico do Couro, Calçados e Afins, CTCCA, em 1998 (apud KOHLRAUSCH, 2009) apenas 2% dos bebês nascem com alguma anormalidade nos pés, porém 75% das crianças chegam à idade escolar (7 anos em média) com algum tipo de deformação. De acordo com o autor, essas deformações se devem, em parte, ao uso de calçados inadequados e, em diferentes graus, geram apoio incorreto dos pés, 22 Uma órtese, é um apoio ou dispositivo externo aplicado ao corpo para modificar os aspectos funcionais ou estruturais do sistema neuromusculoesquelético para obtenção de alguma vantagem mecânica ou ortopédica. Refere-se aos aparelhos ou dispositivos ortopédicos de uso provisório ou não, destinados a alinhar, prevenir ou corrigir deformidades ou melhorar a função das partes móveis do corpo (ZAMBUDIO, 2009). 43 podendo prejudicar a postura e, consequentemente, repercutir de maneira negativa na coluna vertebral. Entretanto, há de se preocupar com essas possíveis interferências, uma vez que produtos e superfícies não naturais (pavimentadas: niveladas e rígidas) podem interferir negativamente no desenvolvimento do pé infantil normal, evoluído para desenvolver-se em superfícies naturais. Um calçado inadequado, por exemplo, pode levar a consequências irreversíveis na idade adulta (KOHLRAUSCH, 2009). Oh Dong-Jae (WILDCAT..., 2013) afirma que calçados que não respeitam o tamanho e formato dos pés dos bebês (diferentes de pés de adultos) podem causar deformação ou desenvolvimento desequilibrado, além de, ao limitar a movimentação dos pés e dedos, dificultar a aquisição de um padrão normal de marcha. O pé restringido constantemente (de alguma maneira) pelo calçado pode causar prejuízo ao desenvolvimento do sistema cognitivo23 relacionado ao comportamento físico, tais como a movimentação dos pés, podendo se tornar um obstáculo no desenvolvimento intelectual dos bebês. Rao e Joseph (1992) são mais incisivos ao afirmar que o uso contínuo de calçados pode causar má formação nos pés. Atualmente a população mundial está cada vez mais se deslocando de áreas rurais para áreas urbanas e as próprias áreas rurais estão se urbanizando. As superfícies naturais, tidas como ideais para o desenvolvimento da marcha, estão cada vez mais escassas e quando há, não se sabe a qualidade desse solo para que se possa deixar um bebê exposto com os pés nus em detrimento à saúde do mesmo. Andar descalço é muito importante para o bom desenvolvimento dos pés, mas os médicos alertam que esse desenvolvimento ocorre apenas quando se caminha em terrenos irregulares, como terra, areia, grama e pedriscos, entre outras pequenas irregularidades, pois elas estimulam os reflexos dos pés, provocando sua musculatura intrínseca e extrínseca, com ótimos efeitos proprioceptivos em pés normais, e terapêuticos em pés debilitados (KOHLRAUSCH, 2009). Em vista disso, pergunta-se: é possível projetar um calçado tendo como princípio os benefícios que as superfícies naturais proporcionam para o desenvolvimento dos pés? É possível fazer com que um calçado resgate esses benefícios se portando como objeto de 23 Cognição: processo mental de aquisição de experiências que geram conhecimentos através da atenção, memória, pensamento, linguagem, juízo, imaginação e de percepções táteis, visuais, olfativas, palatáveis e audíveis. 44 adaptação à realidade atual, das superfícies pavimentadas? Segundo Herzmark (1953), profissionais conscientes da fisiologia do pé humano devem fazer uso dos princípios de adaptação natural para evitar o aumento alarmante de condições dolorosas e incapacitantes dos pés. Um estudo realizado por Weiss (1981) constatou que, popularmente, pouco se sabe sobre as características mínimas necessárias para um calçado de bebê. Poucos são os pais que têm consciência de que o uso de sapatos inadequados pode gerar problemas futuros aos pés. Assim, informações vinda de médicos e especialistas são importantes para gerar conceitos sobre o que seria um calçado ideal destinado a essas crianças, resultando no uso de produtos com características adequadas a essa fase da vida. Por exemplo, de acordo com o autor, embora a maioria dos ortopedistas pediátricos sugerirem sapatos de solado macio, a grande maioria dos pais adquire sapatos com solado rígido. Por ser o bebê um sistema complexo imaturo exposto a variações morfológicas em constante mudança, precisa adaptar-se continuamente as variações de tamanho, peso, equilíbrio, etc. No entanto, um calçado que se destine a eles precisa não ser só mais um fator de variação, mas que os auxilie de alguma maneira para um perfeito desenvolvimento. De acordo com o ortopedista Carvalho citado por Kohlrausch (2009) o calçado para bebê tem a função de proteger o pé de organismos indesejados e de possíveis moléstias. No entanto, acredita-se que ele pode ser melhor aproveitado e melhor projetado. 2.5.2 Conforto e calce Vários são os fatores que devem ser levados em consideração para se projetar um calçado para bebês. Há atributos básicos em torno do solado, talão e gáspea que precisam ser respeitados pois interferem diretamente na caminhada do bebê e no desenvolvimento dos pés. Cabe ressaltar que retrataremos características indicadas para calçar pés normais, diferentes de sapatos especiais com a finalidade de corrigir ou acomodar deformidades dos pés, os chamados ortopédicos. Por ser uma estrutura flexível os pés dos bebês adaptam-se com facilidade a calçados apertados ou formas inadequadas sem causar desconforto imediato (KOHLRAUSCH, 2009). Portanto, cabe aos pais que se atentem e se abasteçam de informações básicas para que essa criança não chegue à adolescência [segundo Fixsen (1998) por volta dos 13, 14 anos de idade, quando os pés param de crescer, quando a ossificação dos pés se completa], com deformações que possam afetar seus pés ou até mesmo, repercutir em seus joelhos, coluna, etc. 45 A partir disso, o presente trabalho transcorre com o objetivo de delimitar os parâmetros mínimos já desenvolvidos como princípios construtivos consolidados entre ortopedistas pediátricos, fabricantes de calçados e pesquisadores, nos quais afirmam ser benéficos a crianças menores de 2 anos de idade. O conceito de calçado fisiológico, comum no mercado infantil brasileiro, será aqui incorporado interpretando que este conceito se refere a aquele produto que não interfere, de maneira negativa, no desenvolvimento natural dos pés dos bebês, proporcionando uma maior aproximação aos estímulos dos solos naturais e estreitando o ideal do andar descalço com o benefício da proteção que os pés precisam, características fundamentais dos calçados desde seus primórdios, assim, “o calçado deve adaptar-se ao pé e não o pé ao calçado” (Kohlrausch, 2009, p.27). As formas são fundamentais para a formatação do calçado. Os pés infantis são mais largos proporcionalmente que os pés adultos e quanto menores, maior essa proporção (FIG.10), logo, quanto menor for o pé em crescimento, mais larga será a parte frontal da forma em comparação com a parte traseira. Figura 10 – Formatação dos pés Comparação entre o formato de um pé maduro (a) e de um pé de bebê (b). Fonte: WILDCAT CO LTD, (2013) Segundo Fixsen (1998) e Oh Dong-Jae (WILDCAT…, 2013), a forma ao conformar o calçado deve oferecer uma largura adequada a dar espaço para que o antepé se espalhe e os 46 dedos se movam dentro dele. dele De acordo com Kohlrausch (2009) e Oh Dong-Jae Dong (WILDCAT…, 2013) deve eve ser longa o suficiente para para ter um espaço de folga entre o final dos dedos e o final do calçado (para que, caso o pé se mova durante a caminhada, não cause compressão frontal), e uma altura que garanta também a liberdade de flexão e extensão dos dedos (FIG.11). Figura 11 – A forma e o pé do bebê Espaço de flexão e extensão dos dedos na figura superior e espaço para que o antepé se espalhe. Fonte: Adaptado de WILDCAT CO LTD, 2013. A parte posterior deve garantir um bom encaixe do calcanhar, segurando o pé durante a caminhada evitando fricções contínuas contínuas que podem machucar os pés. Em relação rel a planta da forma (FIGS. 12, 13), ), essa deve ser curva o bastante para que não trave o movimento de rolagem dos pés, possuindo uma ligeira elevação na região da falange24 (WILDCAT CO LTD, 2013; KOHLRAUSCH, 2009). 2009) 24 Dados de entrevista. Pesquisa uisa realizada realizada com o ortopedista pediátrico Rodrigo Galinari em 29 jan. 2014. 47 Figura 12 – Projeto de forma para bebês 1 Fonte: Adaptado de WILDCAT CO LTD, (2013) Figura 13 – Projeto de formas para bebês 2 Fonte: adaptado de KOHLRAUSCH, 2009. Resumindo, a forma deve fazer com que o calçado seja suficientemente largo para que não cause compressão lateral dos dedos quando o pé avança para frente dentro do calçado e, suficientemente alta para que não comprima a parte superior do pé. Deve ter o traseiro que proporcione um encaixe no calcâneo e deve ter o bico ligeiramente elevado para que não trave a rolagem padrão da marcha. Os sapatos infantis como um todo, precisam ter a capacidade de torção do eixo longitudinal da sola para se acomodarem ao movimento constante de pronação e supinação durante o desenrolar da fase de apoio imaturo do pé do bebê (KOHLRAUSCH, 2009). A falta dessa característica faz com que haja compressão superior ao normal nos metatarsos ou dedos, podendo produzir lesões e/ou escoriações. Além de que, essa torção propicia a maturação da musculatura, tendões, ligamentos e demais fatores responsáveis pela biomecânica do pé e tornozelo. Detalhando as partes que constituem um calçado, as solas para crianças quando adquirem a posição ereta e quando iniciam a caminhada independente, devem ser flexíveis em 48 todos os planos principalmente na articulação entre o metatarso e os dedos. Essa flexibilidade garante uma boa extensão na fase de rolagem dos pés e é essencial para que não impeça a percepção tátil do solo nem a propriocepção através dos mecanorreceptores dos pés. Solas rígidas prejudicam a rolagem do pé sobre o chão, alterando o modo, a cadência e a estabilidade da caminhada, além de interferir no desenvolvimento da sensibilidade e na ativação da musculatura intrínseca dos pés. De acordo com Oh Dong-Jae (WILDCAT CO LTD, 2013) o uso de calçados desloca o centro de gravidade do sujeito para cima devido a altura do solado, portanto no período de aquisição da marcha, quanto maior a altura da sola, maior a dificuldade dos bebês em manter o equilíbrio. Assim o autor afirma que a altura da sola deve ter uma espessura única não superior a 5mm. Os bebês não necessitam de saltos, por mais baixos que sejam, eles influenciam na carga de peso corporal do indivíduo que é distribuído sobre os pés para mantê-lo de pé e caminhar. O salto desloca o eixo de equilíbrio natural do corpo para a frente do pé, assim, estando o bebê aprendendo a familiarizar-se com seu próprio eixo corporal, o uso de saltos pode alterar a percepção natural do eixo gerando outro padrão de equilíbrio. Nesse caso, a sola deve ser firme o bastante para proteger os pés dos bebês de possíveis moléstias causadas pelo contato direto com o solo, mas macia o bastante para que a criança possa sentir as irregularidades do mesmo. A percepção dessas irregularidades propicia o desenvolvimento da propriocepção, ativando a musculatura, melhorando o equilíbrio, a postura e o desempenho funcional dos pés (KOHLRAUSCH, 2009). Assim, pode-se pensar em diferentes gramaturas das solas de acordo com o peso da criança já que, a percepção das irregularidades do solo pode ser distinta de acordo com a pressão que o peso aplica sobre a palmilha e o solado. Além disso, ainda se tratando da sola, superfície do calçado que faz a conexão com o solo, essa deve ser de um material que se assemelhe ao atrito natural dos pés com o solo (KOHLRAUSH, 2009). Esse atrito percebido pela criança é de extrema importância para a locomoção. A cada passo da marcha recebem informações táteis sobre as condições do solo, como liso, rugoso, escorregadios, etc., permitindo com que as forças que atuam nos pés forneçam informações para o controle de ações futuras. Ou seja, essa informação tátil aumenta o reconhecimento e a confiabilidade preditiva de informação em relação ao atrito auxiliando a tomada de decisão do próximo passo (JOH et al., 2007). De acordo com Joh e outros (2007), o atrito é uma força de resistência que surge apenas quando duas superfícies entram em contato uma com a outra. Atividades diárias, como caminhar, seriam impossíveis sem forças de resistência suficientes. Segundo os autores, a 49 intensidade de força de atrito necessária para a locomoção diária depende diretamente dos materiais da sola do sapato e do chão, do ângulo dos corpos dos caminhantes, do uso e do desgaste da sola de sapato, da presença de contaminantes no solo e assim por diante. Assim, o gelo se torna escorregadio devido ao tipo particular de sola de sapato que entrou em contato com ele e por causa da maneira como o passo ocorreu. Portanto, aconselha-se que o material da sola dos calçados para os bebês se aproximem das propriedades de agarre da planta dos pés para que o entendimento das informações táteis seja facilitado à medida que eles vão adquirindo experiência no andar. Exemplificando de maneira explícita, é completamente diferente a caminhada de tênis e a caminhada de patins, sendo necessárias experiências distintas para compreendê-las. De acordo com Oh Dong-Jae (WILDCAT..., 2013) um calçado que respeita o tamanho e formato dos pés, possibilita a movimentação dos dedos e que ao mesmo tempo possua um solado que permita perceber as sensações do solo, como na caminhada descalça, favorece o desenvolvimento do sistema cognitivo e uma caminhada estável. A parte posterior do calçado (traseiro) é outro fator importante, é um ponto crucial no projeto de calçados para essa faixa etária. De acordo com o ortopedista pediátrico Rodrigo Galinari25 e Kohlrausch (2009) entre os vários inconvenientes dos calçados infantis presentes no mercado está a falta de um contraforte calcâneo realmente eficiente. O próprio movimento da marcha gera um desdobramento de forças de impacto no calcanhar, havendo componentes laterais e longitudinais dessa força. O uso contínuo de um sapato com o traseiro muito macio causa abaulamento/deformação dessa região modificando o ponto de apoio do pé dentro do calçado fazendo-o apoiar na borda externa da palmilha, podendo causar deformações futuras além de favorecer entorses devido ao apoio inadequado. Kohlrausch (2009, p.53) alega que os contrafortes “têm de ser tão resistentes que não se consiga comprimir lateralmente a região calcânea do sapato com a mão. Entretanto, devem ter uma certa elasticidade ou molejo” para que não machuque os calcanhares. “O traseiro do calçado deve ter tamanho e conformação adequada para manter o retropé dentro do calçado” (KOHLRAUSCH, 2009, p. 51). Kohlrausch (2009) afirma que bebês possuem os contornos dos calcanhares pouco definidos e que calçados baixos no calcâneo, tendem a sair do pé, sendo mais recomendado calçados com a parte posterior alta, incluindo os maléolos26, aumentando assim a estabilidade do retropé evitando torções. No 25 26 Dados de entrevista. Pesquisa realizada com especialista em 29 jan. 2014. Conjuntos de ossos que formam o tornozelo. Os ossos salientes da articulação do pé com a perna. 50 entanto, de acordo com a literatura revista para esse trabalho, não acordamos totalmente com essa afirmação, pois calçados com a parte superior alta podem até evitar torções mas diminuem a capacidade de resposta mecânica natural do retropé, retardando a maturação habitual e aquisição de força para que esse pé seja capaz de se acomodar as variações da superfície fazendo com que os próprios mecanismos do pé se incumbam dessa função. “A gáspea tem de ser cortada e costurada de tal maneira, que permita uma ajustagem do calçado de acordo com a altura do pé e, em grau menor, também com a largura, ao nível matatarsal.” (KOHLRAUSCH, 2009, p.56). E deve ter uma couraça mínima para proteger os dedos de possíveis lesões. A palmilha, como já mencionado, é um componente com alto valor em termos de agregação de conforto ao usuário e, por isso, há um enfoque maior em relação ao emprego de novas tecnologias e materiais. Pesquisas indicam que a palmilha interna de calçados para pés de bebês normais deve ser adaptável a anatomia do pé e não deve prejudicar a sensação tátil da planta do pé com os estímulos do solo (KOHLRAUSCH, 2009). Além disso, é um componente importante em relação à absorção de impacto e a proteção dos pés do frio e calor excessivos transmitidos do ambiente externo ao interior do calçado através do chão. Assim, os materiais devem ser escolhidos de acordo com o clima em combinação à finalidade de uso de cada calçado. O emprego de materiais que possibilitam a respiração (troca de ar) podem contribuir com a manutenção do clima interno27 favorecendo também a sensação de conforto. A grande maioria das palmilhas disponíveis no mercado, são feitas de espumas elastoméricas de PVC, PU ou EVA, sendo que a grande maioria, de acordo com a figura 16, são confeccionadas em EVA. Poucas são as palmilhas desenvolvidas com alguma tecnologia específica para bebês que estão em período de aquisição da marcha independente. De acordo com a pesquisa de campo feita para o presente trabalho, no qual analisou-se o material e a proposta tecnológica de palmilhas de 15 marcas infantis nacionais e internacionais, com numeração que compreende do número 18 ao 23 (numeração correspondente ao período citado) (FIG. 14), 67% das marcas utilizam espuma de EVA para fabricar as palmilhas sendo que, 80% dessas, utilizam o EVA em placa e os outros 20% expandem o EVA em formas, no entanto são lisas e sem nenhuma diferença de espessura em todo seu comprimento. 27 Entende-se como clima interno as condições de temperatura e grau de umidade que produzem sensação de conforto (KOHLRAUSCH, 2009). 51 Figura 14 – Quadro de marcas 52 Das palmilhas analisadas, apenas 3 marcas apresentaram palmilhas especiais para essa faixa etária, com o objetivo de estimular a percepção tátil contribuindo para a maturação dos pés, são elas: a) Bibi: onde Kohlrausch (CALÇADOS..., 2011) desenvolveu uma palmilha (FIGS. 15, 16) para crianças com objetivo de simular o andar descalço em um calçado através de um sistema de absorção de impacto, absorção da transpiração e distribuição da pressão plantar; Figura 15 – Projeto Palmilha Bibi Fonte: CALÇADOS..., 2011. 53 Figura 16 – Palmilha Bibi b) Chicco: palmilha (FIG. 17) com relevos com o objetivo de estimular a planta dos pés e sua musculatura; Figura 17 – Palmilha Chicco c) Ortopé: palmilha com o objetivo de não interferir no desenvolvimento dos pés e auxiliar no equilíbrio e postura (FIG. 18). 54 Figura 18 – Pamilha Ortopé Em pesquisa feita por patentes em base nacional, INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial), e em base internacional, internacional EPO (European Patent Office), Office) encontrou-se duas patentes destinadas a esse público, p a palmilha Bibi (FIG. 15, 16)) e uma palmilha palmil de uma marca chinesa.. Wang e outros (HEBEI..., 2012) projetaram uma palmilha destinada a bebês com o objetivo de promover o desenvolvimento do sistema sensorial através da estimulação tátil. A palmilha consiste em uma espuma irregular com uma “almofada” situada no lado interno da mesma disposta de uma camada de ar e partículas partíc las poliméricas rígidas rígi (FIG. 19). Os autores afirmam que além do objetivo principal descrito acima, a palmilha reduz o estresse e auxilia o desenvolvimento do arco longitudinal. Figura 19 – Projeto de palmilha para bebês Fonte: HEBEI… , 2013. 55 Concluindo, um calçado destinado à bebês deve proteger os pezinhos de possíveis lesões que o contato direto com o solo poderia provocar. Além disso, assegurar com que o calcâneo esteja bem apoiado e não privar a sensibilidade da sola do pé favorecendo o desenvolvimento do sistema motor. De acordo com Weiss e outros (1981), muitos pais acreditam que as crianças precisam de sapatos especiais para ajudá-los a aprender a andar. No entanto, de acordo com os autores, não foi possível encontrar evidência para apoiar tais suposições. Após mais de 20 anos do estudo citado, as evidências de que se busca um calçado que auxilie o bebê no período de aquisição da marcha, mostra apenas a existência de patentes específicas para produtos disponíveis no mercado, no entanto, não se tem conhecimento dos resultados do uso desses produtos, ou seja, da experiência com o usuário. Fica-se a dúvida em relação ao porquê que não são feitos e/ou divulgados estudos em relação ao uso dos produtos patenteados. Supõe-se que seja por motivos mercadológicos, já que a divulgação de tais resultados poderia suscitar a concorrência caso os resultados sejam positivos. Outra suposição é a dificuldade de se fazer pesquisas de análise de marcha e desenvolvimento e ativação da musculatura em bebês, já que eles não informam claramente questões de percepção de conforto e, o uso de eletrodos para estudar as informações nervosas nessa faixa etária é pouco indicado. Contudo, apesar de não terem sido encontrados na revisão de literatura estudos sobre os resultados dessa relação (calçado e desenvolvimento da marcha), acredita-se que ela possa ser benéfica, já que, o ideal para o desenvolvimento seria solos naturais não estáticos e um bebê urbano não tem acesso. Assim, um calçado bem projetado poderia ser melhor que o piso plano e rígido de uma casa, por exemplo. É o que propõe este trabalho. 2.6 Procedimentos de análise de materiais 2.6.1 Espectroscopia no infravermelho por transformada de Fourier (FTIR) Espectroscopia é o estudo da interação da radiação eletromagnética com a matéria. São dois os tipos os aparelhos utilizados para se obter o espectro infravermelho: espectrofotômetro dispersivo e espectrômetro por transformada de Fourier (FTIR). O espectrofotômetro dispersivo é um tipo de aparelho já em desuso, por ser lento, caro e depender de mecânica de alta precisão para varredura do espectro. O espectrômetro FTIR utiliza outro princípio de funcionamento, sendo mais rápido, preciso, reprodutível e mais 56 acessível. O espectrômetro FTIR obtém o interferograma e, a partir deste, pela operação matemática de transformada de Fourier feita pelo computador, obtém-se o espectro infravermelho (IR) natural, que é o perfil espectral de intensidade versus número de ondas. Desta operação advém o nome de espectroscopia no infravermelho por transformada de Fourier. A chamada radiação infravermelha (IR) corresponde aproximadamente à parte do espectro eletromagnético situada entre as regiões do visível e das micro-ondas. A espectroscopia de absorção no infravermelho pode ser dividida em três regiões distintas (FIG. 20): 10 - 400 cm-1 IR longínquo ou afastado 400 – 4000 cm-1 IR médio 4000 – 12820 cm-1 IR próximo Figura 20 – Espectro eletromagnético. Fonte: domínio público. A espectroscopia no IR médio é a mais utilizada em estudos de polímeros (Kawano, 2007). A identificação de estruturas baseia-se no fato que certos grupos de átomos dão origem a bandas que ocorrem mais ou menos na mesma frequência, independente da estrutura da molécula. É justamente a presença dessas bandas características de grupos que permite a obtenção, através do exame do espectro e consulta a tabelas, de informações estruturais úteis (Silverstein, 2000). As intensidades das bandas podem ser expressas como transmitância (T) ou absorbância (A), também chamada absorvância. A transmitância é a razão entre a energia radiante transmitida por uma amostra e a energia radiante que nela incide. A absorbância é o logarítimo decimal do inverso da transmitância, isto é, A= log10 (1/T) (Silverstein, 2000). 57 As moléculas apresentam vibrações normais. Estas vibrações podem ser do tipo estiramento de ligação, deformação angular e torção. A vibração normal de estiramento pode ser do tipo: simétrico, antissimétrico, degenerado, em fase, fora de fase e pulsação ou respiração de anel. Já a vibração normal de deformação angular pode ser do tipo simétrico, wagging, twisting, rocking, degenerado, no plano, fora do plano, deformação de anel e torção (Kawano, 2007). No espectrômetro FTIR pode-se efetuar várias varreduras e acumular os interferogramas correspondentes. Este processo é conhecido como coadição. A vantagem da coadição é que ela aumenta significativamente a razão sinal/ruído melhorando o espectro obtido (Kawano, 2007). Um parâmetro relevante a considerar ao se obter um espectro IR é a resolução. Resolução espectral é a capacidade do instrumento de distinguir o perfil espectral de duas bandas próximas. A resolução está relacionada ao número de pontos de aquisição em um espectro, durante a varredura do mesmo. Para aplicações em polímeros, que são sólidos ou líquidos, costuma-se usar a resolução de 4 a 8 cm-1 (Kawano, 2007). O acessório ATR (reflectância total atenuada) é usado para se obter espectros IR de boa qualidade de polímeros em forma de filme, chapa plana, entre outros (Kawano, 2007). No ATR, a amostra deve ficar em perfeito contato físico com a superfície do cristal, que é o elemento principal desse acessório (ZnSe, ZnS, KRS-5, Si, Ge ou safira) (Kawano, 2007). 2.6.2 Calorimetria exploratória Diferencial (DSC) O DSC é uma técnica de análise térmica na qual é medida a diferença de temperatura (no caso de DSC de fluxo de calor) entre a amostra e um material de referência, enquanto ambos são submetidos a uma programação rigorosamente controlada de temperatura. Os eventos térmicos geram modificações nas curvas de DSC. As transições de primeira ordem apresentam variação da entalpia (mede o conteúdo de energia térmica de um sistema) e dão origem a formação de picos. As transições de segunda ordem caracterizam-se pela variação da capacidade calorífica (quantidade de calor que deve ser fornecida a um material para elevar a sua temperatura de 1ºC), porém sem variação da entalpia. Assim, estas transições não geram picos nas curvas de DSC, apresentando-se como um deslocamento da linha base em forma de S. Os picos gerados na curva de DSC são ascendentes para eventos exotérmicos (eventos que ocorrem com liberação de calor) e descendentes para eventos endotérmicos (eventos que 58 ocorrem com absorção de calor) (Machado e Matos, 2007). A Tabela 1 ilustra como os eventos térmicos mais comuns em polímeros podem se manifestar em uma curva de DSC. Tabela 1 – Eventos mais comuns que ocorrem em curvas de DSC de polímeros Evento DSC Transição vítrea (Tg) Fusão Cristalização Evaporação Degradação Decomposição Endo Oxidação 2.6.3 Microscopia eletrônica de varredura (MEV) O microscópio eletrônico de varredura (MEV) é o microscópio eletrônico mais versátil. Diferentemente do microscópio óptico, que usa luz para a formação da imagem, os microscópios eletrônicos utilizam elétrons. É geralmente utilizado para o estudo de estruturas superficiais ou subsuperficiais de amostras com dimensões relativamente grandes. As imagens têm alta profundidade de foco, o que significa obter diferentes relevos da superfície da amostra simultaneamente em foco, são imagens tridimensionais de alta resolução, o que garante obter alta ampliação de detalhes próximos sem perda da nitidez (Gonçalves, 2007). Materiais não condutores, como a maioria dos polímeros, requerem revestimentos condutivos ou o uso de baixa voltagem de aceleração do feixe para evitar o acúmulo de carga negativa. Os metais mais utilizados são ouro, liga ouro-paládio, platina, alumínio além do carbono (não metal) (Gonçalves, 2007). 59 2.6.4 Propriedades mecânicas sob compressão Nos ensaios de compressão, os corpos de prova são dispostos entre duas bases com superfícies paralelas. Estas bases são acopladas à travessas fixa e móvel da Máquina Universal de Ensaios. A taxa de deformação de compressão é controlada pelo mecanismo de direcionamento, enquanto a tensão de compressão sustentada pela amostra é registrada pela célula de carga, ambos acoplados à travessa fixa (Canto e Pessan, 2007). Na Figura 21, é mostrado esquematicamente o dispositivo para os ensaios de compressão. Figura 21 – Esquema do dispositivo para os ensaios de compressão Fonte: (Canto e Pessan, 2007) 2.6.5 Microscopia Óptica (MO) Na microscopia óptica (OM) é explorada a interação que ocorre entre a luz e os objetos. A luz corresponde à faixa da radiação eletromagnética com comprimentos de onda entre 400 e 750 nm (FIG. 22) (Oliveira, 2007). A resolução máxima do microscópio óptico é de cerca de 0,1 µm. O desenvolvimento da microscopia eletrônica teve como principal desafio conseguir ultrapassar a barreira de resolução imposta pela luz visível. A resolução é definida como a menor distância entre dois pontos da amostra que podem ser visualizados como dois pontos distintos na imagem (Gonçalves, 2007). 60 Figura 22 – Espectro eletromagnético na faixa de radiação visível-luz. Fonte: domínio público. 61 3. MATERIAIS E MÉTODOS A partir da revisão da literatura, buscou-se uma proposta de um calçado afim de contribuir para o desenvolvimento da marcha e na maturação dos pés de bebês. Métodos projetuais de design foram utilizados para designar uma proposta que compreendesse as demandas e possíveis inovações do produto tendo como foco principal do projeto a palmilha interna, pois está em contato direto com a sola do pé. A partir de observações de como superfícies naturais não estáticas se comportam ao receber a força produzida pelos pés, foi projetada uma palmilha destinada à crianças durante os primeiros 5 meses de caminhada independente, ou seja, durante o período de rápido desenvolvimento da marcha de acordo com Hallemans e outros (2006). O desenvolvimento prático do produto está de acordo com o esquema da Figura 23. 62 Figura 23 – Fluxograma de desenvolvimento do produto São perspectivas futuras do presente trabalho as etapas em verde. 63 3.1 Materiais Utilizou-se microesferas disponíveis no mercado, para fins diversos e experimentais (FIG. 24). Foram selecionadas as microesferas que pudessem ser passíveis de utilização como matéria prima para fabricação da palmilha. Foi utilizado parâmetros primários simples de seleção como tamanho28, resistência, densidade e disponibilidade. Selecionou-se três tipos de microesferas poliméricas de composições distintas. São elas: microesferas experimentais de poliuretano (ME-PU), microesferas de polietileno (PE) e microesferas de poliestireno (PS). As microesferas experimentais de poliuretano (ME-PU) tem como base o PEG 1000. O PEG é um dos materiais de mudança de fases (PCM) mais estudados (MENG, 2008). Os PCMs têm a função de regular as flutuações de temperatura. Eles absorvem ou liberam calor sem que sua temperatura sofra qualquer variação (LOSCHI, 2013). Assim, os PCMs que mudam de fase em uma faixa de temperatura ligeiramente acima e abaixo da temperatura da pele humana podem ser adequados para aplicação em produtos de interface com o usuário objetivando conforto térmico. Figura 24 – Microesferas experimentais de poliuretano (ME-PU). 28 Definiu-se uma média padrão de 700 microns. Esse tamanho foi estabelecido para garantir uma sensação tátil semelhante à areia e terra. 64 Desde os primórdios o uso de calçados, acessórios e vestuários, têm a finalidade de proteger a pele do usuário de aumentos ou quedas excessivas da temperatura e de possíveis lesões (BRAGA, 2004). A faixa de temperatura externa ao corpo confortável para o corpo humano compreende-se entre 3ºC acima ou abaixo da sua temperatura ideal, o que, na grande maioria das pessoas, varia de 36º a 37ºC. Quando a temperatura do corpo se afasta além desses 3ºC gera desconforto. Assim, realizou-se experimentos para obtenção de microesferas de poliuretano a base de PEG 1000 (ME-PU) para desenvolver um produto que em altas temperaturas corpóreas pudesse absorver e estocar o excesso de calor produzido pelo corpo e liberar esse mesmo excesso de calor estocado com o declínio da temperatura possibilitando uma constante de temperatura dentro da faixa de conforto. Buscou-se investigar e experimentar os procedimentos de obtenção das ME-PU para testá-lo como possível material. As microesferas de polietileno (PE) são comumente utilizadas na indústria farmacêutica em produtos de beleza. As microesferas de PE foram fornecidas pela EMFAL Especialidade Químicas, empresa representante da CIREBELLE Innovative Beauty Wax Solutions, instituição alemã responsável pelo desenvolvimento das microesferas utilizadas neste estudo. É um material hidrofóbico compatível com a utilização em produtos de interface constante com o usuário. De acordo com testes realizados pelo fabricante essas esferas de baixa massa molar (ceras) são também biodegradáveis. As microesferas de poliestireno expandido (PS) são facilmente encontradas no mercado e comumente utilizadas como enchimento de almofadas, puffs e brinquedos infantis. As microesferas foram fornecidas pela empresa FOM. De acordo com o fabricante é um material reciclável, inodoro, atóxico e antialérgico. O PS é extremamente leve e com características hidrofílicas. 3.2 Caracterização dos materiais As microesferas foram analisadas através de testes físicos e mecânicos para avaliar a viabilidade técnica dos materiais das mesmas. Para melhor compreensão dos testes realizados, apresenta-se os objetivos dos testes e as especificações técnicas dos mesmos. 3.2.1 Espectroscopia no infravermelho por transformada de Fourier (FTIR) A análise de espectroscopia no infravermelho foi realizada em um espectrofotômetro NICOLET 6700, pelo método de absorbância. Os espectros foram obtidos com resolução de 65 2cm-¹, sendo realizadas 16 varreduras, com número de onda de 4000 a 650 cm-¹ utilizando o acessório ATR (Attenuated total reflection). O FTIR foi realizado para identificar os materiais presentes nas microesferas comprovando a composição das mesmas. 3.2.2 Calorimetria exploratória Diferencial (DSC) Os experimentos de DSC foram realizados usando um equipamento Seiko-SII Nanotechnology Inc. modelo Exstar 7200. Amostras (10 mg) foram seladas em cadinho de alumínio e as medidas foram realizadas em atmosfera de nitrogênio (40 mL min-1) com uma razão de aquecimento de 10 0C min-1. Primeiramente a amostra foi previamente resfriada até 300C para depois ser aquecida até 70 0C. Na segunda varredura, a amostra foi resfriada a -20 0 C e aquecida a 70 0C. O objetivo do DSC foi reconhecer as faixas de temperatura com que os materiais mudam de estado/fase. 3.2.3 Microscopia eletrônica de varredura (MEV) A morfologia da superfície das amostras previamente recobertas com ouro foi investigada por microscopia eletrônica de varredura (MEV) utilizando um equipamento modelo JEOL JSM 5600 (Japan). Observou-se a morfologia das microesferas de ME-PU. 3.2.4 Propriedades mecânicas sob compressão As curvas tensão deformação em compressão foram obtidas a partir de uma máquina de ensaios universal EMIC DL 3000 equipada com uma célula de carga de 2000 N e usando uma velocidade de 10,0 mm/min-1. A força máxima para o ensaio foi fixada em 250 N que corresponde à massa de uma criança com 25 Kg. Os corpos de prova em forma de “almofada” circular com diâmetro de 4,5 cm foram confeccionados em tecido denominado viscolycra e uma espuma de policloreto de vinila (PVC) e neles foram inseridos um volume de 7,2 ml³ de polímero sob a forma de esferas. Os corpos de prova usados nesse ensaio estão dispostos na Figura 25 e a composição polimérica usada em cada corpo de prova está apresentada na Tabela 2. Cada ensaio foi realizado com três corpos de prova de mesma composição. 66 Utilizou-se esse método para verificar a deformação das microesferas sobre compressão. Figura 25 – Corpos de prova confeccionados para ensaio de compressão. Tabela 2 – Composições usadas nos corpos de prova ensaiados no teste de compressão Amostra Composição No 01 100% PE No 02 50% PE + 50% PS o 25% PE + 75% PS o N 04 75% PE + 25% PS No 05 100% PS N 03 Material experimental ME-PU 100% PEG PEG: polietileno glicol; PE: polietileno; PS: poliestireno. 3.2.5 Microscopia Óptica (MO) O aspecto visual das amostras foi observado através de microscopia óptica com auxílio de um microscópio LEICA DM 2500 acoplado a um computador. O objetivo deste teste foi analisar a deformação física das amostras antes e pós compressão. 67 3.2.6 Absorção de suor A capacidade de absorção de suor dos materiais (PS, PE e PU) foi avaliada através de ensaio gravimétrico. Neste procedimento amostras com massa aproximada de 1,0 g foram pesadas em balança analítica de laboratório e colocadas por 18 h em um becker contendo 50 ml de solução simulada de suor. Ao final desse tempo as amostras foram retiradas com auxílio de uma peneira e secas suavemente com lenço de papel. A absorção de suor foi calculada pela Equação 1. çã% = − 100 (1) Onde mi é a massa inicial da amostra e mf é a massa após a imersão da amostra na solução. A solução simulada de suor (pH=5,0) para o teste foi preparada de acordo com o anexo da Portaria Inmetro 209/2010 com a seguinte composição: 4,5 g de cloreto de sódio (NaCl) 0,3 g de cloreto de potássio (KCl) 0,3 g de sulfato de sódio (Na2SO4) 0,4 g de cloreto de amônio (NH4Cl) 3,0 g de ácido láctico (CH3-CH-(OH)-COOH) 0,2 g de ureia (NH2)2CO Água destilada ou deionizada para completar volume para 1000 mL. O teste de absorção de suor foi feito para verificar o resultado como um dos componentes responsável por agregar conforto térmico ao calçado. 3.3 Resultado dos teste dos materiais Os resultados dos testes realizados estão relatados abaixo e tiveram objetivo de traçar parâmetros para a seleção do material mais adequado para o produto e o usuário em questão. 68 3.3.1 Espectroscopia no infravermelho por transformada de Fourier (FTIR) A Figura 26 apresenta os espectros comparativos entre o PEG 1000 e ME-PU 1000. Figura 26 – Espectros FTIR: (a) PEG 1000 e (b) ME-PU. Absorbância (u.a) 2880 PEG 1000 (a) 3422 (b) 1703 1613 1536 3320 3534 4000 3500 3000 2500 2000 1500 1000 500 -1 Número de onda (cm ) Os grupos hidroxila do PEG geralmente são observados em absorções fortes em torno de 3440 cm-1 devido às fortes ligações de hidrogênio [6]. Essa banda foi visualizada em 3422 cm-1 no espectro do PEG 1000 (a). Outra banda em 3280 cm-1 é devido à vibração de estiramento do grupo do grupo N-H e junto com a banda em 1616 cm-1 é outra evidência da presença dos grupos N-H. As ligações N-H são decorrentes da reação de formação do uretano e não estão presentes no PEG (Alkan, 2012). No espectro da Figura 25 (b), tais bandas foram observadas em 3320 e 1613 cm-1 no espectro correspondente a ME-PU (b). O grupo carbonila é outro novo grupo formado e sua vibração em estiramento aparece em torno de 1712 cm-1. A intensidade da banda de CH2 (2880 cm-1) no espectro do PEG 1000 (a) é bem maior que aquela da banda de grupos O-H (3422 cm-1). De acordo com a literatura, essa é uma característica dos espectros do PEG puro (Alkan, 2012). Nos poliuretanos baseados em PEG esse comportamento é invertido e a intensidade da banda relativa aos grupos CH2 diminui em relação à intensidade da banda relativa aos grupos O-H (Alkan, 2012). O espectro correspondente a ME-PU (b) mostra que a intensidade da banda correspondente aos grupos CH2 ainda é maior do que a intensidade da banda correspondente ao estiramento dos grupos O-H, embora a diferença tenha se tornado menos acentuada. Este resultado indica que ME-PU conservou alguma similaridade com o PEG 1000 puro. Provavelmente isso ocorreu devido à presença de pequeno teor de PEG 1000 que não reagiu. 69 Os espectros apresentados nas Figuras 27 e 28 são relativos às microesferas de PE e PS, respectivamente, e mostram que as principais bandas atribuídas a esses materiais foram detectadas por meio da análise de FTIR (Silverstein, 2000). Figura 27 – Espectro FTIR do PE (amostra N0 01). 2914 2850 Absorbância (u.a) C-H estiramento PE C-H rocking 718 C-H dobramento 1462 4000 3500 3000 2500 2000 1500 1000 500 -1 Número de onda (cm ) Figura 28 – Espectro FTIR do PS (amostra N0 05). Absorbância (u.a) 693 PS 1450 4000 3500 1027 1598 1536 2850 3025 3000 750 1487 2920 2500 2000 1500 903 1000 500 -1 Número de onda (cm ) 3.3.2 Calorimetria Exploratória Diferencial O PEG possui temperatura de fusão que abrange uma faixa entre 3,2 0C e 68,7 0C (TABELA 3). 70 Tabela 3 – Comportamento térmico PEG T (0C) de Fusão PEG (massa T (0C) de molar) cristalização 400 3,2 -24 600 22,2 -7 1000 32,0 28 1500 46,5 39-40 2000 51,0 35 4000 59,7 22 6000 64,8 33 10000 66,0 38 20000 68,7 38 Fonte: Adaptado de Sarier e outros (2012). A Figura 29 apresenta as curvas DSC correspondentes ao resfriamento e segundo aquecimento das microesferas (ME-PU). Figura 29 – Curvas de DSC das ME-PU de: (a) resfriamento e (b) 2º aquecimento. 4 Endotherma (a) (b) 2.3 -20 0 20 40 60 0 Temperatura ( C) Nas curvas da Figura 29 pode ser visto que ambas as transições ocorreram em temperaturas bem mais baixas do que aquelas reportadas para o PEG 1000 (Tabela 3). Entretanto, a distância entre as temperaturas de transição no aquecimento e resfriamento é pequena indicando que não ocorreu sub-resfriamento (Sharma, 2009). As temperaturas de transição mais baixas foram atribuídas à redução da mobilidade das cadeias de PEG devido à presença dos segmentos rígidos de poliuretano. Este resultado também foi observado por Alkan e outros (ALKAN, 2012). 71 3.3.3 Microscopia eletrônica de varredura (MEV) A Figura 30 mostra imagens de MEV das microesferas de poliuretano. Conforme pode ser observado, as microesferas ainda não alcançaram a morfologia totalmente esférica. Ressalta-se que o procedimento para alcançar tal morfologia com bom rendimento de reação envolve o controle de muitos parâmetros e por isso encontram-se poucas pesquisas relatadas em literatura. O PCM de transição de fases sólido líquido precisa de alguma forma de encapsulamento para evitar o vazamento da forma líquida, por isso estão sendo realizados experimentos para obtenção de microesferas de poliuretano a base de PEG 1000. O processo em desenvolvimento está em fase de solicitação de patente pelo Laboratório de Polímeros e Compósitos da UFMG (Lepcom). Figura 30 – Imagens de MEV de ME-PU (aumentos de 100 x e 500 x). Fonte: Dados da pesquisa. 3.3.4 Propriedades mecânicas sob compressão O ensaio de compressão foi realizado com o objetivo de reconhecer ganhos ou perdas em relação às amostras dos materiais puros e conjugados em comparação com o material disponível e largamente utilizado pelo mercado buscando-se um maior ganho em relação ao conforto diretamente ligado ao amortecimento. De acordo com a análise dos testes realizados apresentados no gráfico (FIG.31) todas as amostras sofreram mais deformação à compressão do que a amostra controle (material comumente encontrado e utilizado pelo mercado calçadista infantil). Assim, para o presente 72 estudo, obteve-se resultado favorável já que se esperava com este teste mensurar a capacidade de absorção de impacto dos materiais. No entanto a amostra que obteve melhor desempenho foi a amostra 03. Esperava-se que a amostra 05 obtivesse maior deformação por ser composta por 100% PS e este ser o material mais deformável. Porém, acredita-se que como o PS é um material de densidade baixa, ao sofrer compressão as microesferas se compactaram gerando maior resistência. No entanto, como a amostra 03 contém 25% de PE e este não sofre deformação, acredita-se que impediu a compactação do PS garantindo uma maior deformação. Figura 31 – Gráficos de compressão 3.3.5 Microscopia Óptica (MO) Os materiais foram analisados através de microscopia óptica antes e depois de submetidos ao ensaio de compressão afim de observar a capacidade de recuperação da forma original objetivando compreender a capacidade de garantir a absorção de impacto e dinamismo (princípio funcional da palmilha) ao longo do uso. De acordo com a Figura 32, percebe-se que o ME-PU não sofreu alterações morfológicas consideráveis após a compressão. O mesmo acontece com o PE (FIG.33), salientando que a própria morfologia do mesmo apresenta-se bastante irregular e não totalmente esférico como pode ser observado nas imagens de fotografia macro. O PS (FIG.34) sofre achatamento e perda de sua morfologia inicial esférica após compressão. 73 Figura 32 – MO de ME-PU antes e após submetido a compressão Figura 33 – MO de PE antes e após submetido a compressão Figura 34 – MO de PS antes e após submetido a compressão 74 3.3.6 Absorção de suor O resultado do teste de absorção de suor está apresentado na Figura 35. As amostras de PS e ME-PU possuem grau de absorção elevado e bem próximo, em torno de 80% de absorção (82,62% e 78,23%, respectivamente). Já o PE é totalmente hidrofóbico, não absorvendo suor algum. Figura 35 – Absorção de suor. 75 3.4 Discussão dos resultados A sensação tátil dos materiais escolhidos, se mostram bem parecidos devido a semelhança de formato e tamanho entre eles. Visualmente se distinguem por cor, transparência e brilho. O efeito dinâmico, onde as microesferas se movem envoltos por uma malha, em um primeiro momento também é garantido em todos os materiais. Porém, possuem comportamentos físicos distintos. Segundo Shariatmadari, English e Rothwell (2012) o uso apropriado de calçados podem ajudar a reduzir a ocorrência de problemas nos pés, mantendo a marcha correta e proporcionando estabilidade para o indivíduo. Os autores enfocam que a influência da temperatura nos componentes dos calçados pode desempenhar um papel chave no desenvolvimento de problemas nos pés em determinadas circunstâncias e pode também afetar a marcha e a estabilidade. Afirmam que os materiais aplicados em calçados devem ser projetados levando-se em conta os efeitos da temperatura objetivando maximizar o efeito de amortecimento, estabilização e conforto dos materiais. O aumento da temperatura do calçado pode ocorrer devido à temperatura do corpo do indivíduo, por fricção repetitiva, compressão e alongamento do material devido à forças geradas no calcanhar, e devido às condições ambientais gerais. Fricção repetitiva e compressão entre o pé e calçado induz a elevação não homogênea da temperatura no pé. Essa elevação varia de acordo com a atividade e com a capacidade dos materiais do calçado de evacuar o calor. Em geral, o calor produzido é transferido para os componentes (entressola e palmilha) resultando em um aumento de temperatura. Segundo os autores, este aumento da temperatura pode chegar até 13ºC em calçados de corrida (tênis). Este grande aumento, acredita-se ser devido ao efeito da geração interna de calor resultante da compressão repetida das células de ar no interior do calçado, a partir da transferência de calor do próprio pé e a partir da transferência do calor do solo. Segundo Kohlrausch (2009), quando os materiais do cabedal e da palmilha possuem capacidade de absorver o excesso de umidade gerado e ir gradualmente liberando-o para o ar circundante, garante-se uma propriedade de “respiração” garantindo um clima interno mais confortável. De acordo com os testes realizados com ME-PU conclui-se que, teoricamente, apesar de possuir densidade um pouco elevada (0,42 g/ml³) para emprego em palmilhas de bebê, a possibilidade do material de absorver e liberar calor contribuindo para o conforto térmico, garantir o dinamismo mesmo após compressões, absorver o suor do usuário proporcionando maior conforto, e a elasticidade do material, seriam características ideais para o produto em 76 questão. Em relação ao controle de temperatura pela absorção e liberação de calor próximo a temperatura ideal do corpo, conclui-se que as ME-PU utilizadas obteve um comportamento na curva DSC distinta do PEG 1000 puro como discutido anteriormente. Assim, pretende-se utilizar PEG’s de maior massa molar (ver TABELA 3 pág. 70) visando aproximar os picos de transição das matérias a temperatura ideal do corpo humano. No entanto, a escolha de utilização das ME-PU como matéria-prima principal da palmilha foi devido, especialmente, ao conforto térmico e a capacidade de absorção de impacto proporcionada pela elasticidade do material, possibilitando a deformação seguida de recuperação imediata da sua forma inicial, após sofrer compressão. Porém, praticamente, o material ainda não está apto para utilização. Buscou-se aprimorar o processo de obtenção das microesferas para que fosse passível de utilização, portanto os experimentos desse material ainda se encontram em fase de teste, sendo esse, atualmente, incipiente para o produto em questão devido as incertezas do processo. No entanto, se prevê a melhora do mesmo para possível uso garantindo melhores características à palmilha e, consequentemente, a relação produto-usuário. A escolha do PS como possível matéria-prima se deu pela disponibilidade e preço de mercado, baixa densidade e atoxidade do material ao usuário. A análise dos testes conclui que o PS é um material que não suporta compressão causando deformação das microesferas. Ao sofrer compressão as partículas do material se achatam interferindo na capacidade dinâmica. Possui boa absorção de suor o que garante um conforto maior ao usuário absorvendo a umidade presente no calçado, porém ao absorver umidade as microesferas se aglomeram. A escolha do PE se deu pelo uso em artigos de beleza, reforçando a atoxidade devido ao uso contínuo próximo a pele, pela disponibilidade no mercado e por sua resistência. De acordo com os testes é um material super-hidrofóbico, ou seja, não absorve umidade, assim a umidade não altera suas características. É um material relativamente denso para a aplicação que se pretende e possui boa resistência a compressão não perdendo dinamismo do produto final. Assim, de acordo com testes realizados, concluiu-se que amostra que se mostrou mais adequada ao uso em questão seria a amostra 02 (50% PE + 50% PS). A escolha dessa amostra é devido a união de características do PE e do PS que resultam em uma boa interação entre o produto e o usuário, característica fundamental em um projeto de design de produto. A palmilha composta garante o dinamismo das esferas, a absorção de umidade gerando maior percepção de conforto, o amortecimento, a resistência e a leveza do material. Por serem as 77 esferas de PU e PS de dimensões compatíveis, ao sofrer compressão a resistência das microesferas de PE “protegem” as esferas de PS de se achatarem. A palmilha proposta tem como objetivo ser uma superfície dinâmica de apoio para os pés com a finalidade de proporcionar um desenvolvimento normal dos mesmos em detrimento ao desenvolvimento de certas deformidades ou condições oriundas do desenvolvimento dos pés em superfícies planas e rígidas, como foi relatado na revisão da literatura do presente trabalho. Pretende-se também auxiliar na estabilização da marcha, proporcionando um contorno específico da superfície de apoio da palmilha em contato com a planta do pé, de modo a acomodar uma maior área de contato do interior do calçado, quando comparada com as palmilhas presentes atualmente no mercado, evitando que haja grandes espaços vazios possibilitando que o pé deslize dentro do mesmo. Essa estabilização também será propiciada por meio da possível ativação da musculatura intrínseca, com a finalidade de acelerar a maturação do sistema proprioceptivo. Esse efeito de acomodar os pés está diretamente relacionado com o peso, o movimento realizado pelo indivíduo e o formato específico de cada pé, e é possível pelo princípio mutável da palmilha projetada com microesferas que se movem dentro de um colchão transpirável. 78 4. DESIGN DO PRODUTO PROPOSTO A partir da literatura revista para o presente trabalho percebe-se que o desenvolvimento da palmilha em si requer um projeto do calçado como um todo, que compreenda características específicas para bebês para que o objetivo da proposta possa ser atingido, já que a palmilha apresenta-se como um componente do calçado. No entanto, a inovação do produto consiste no projeto da palmilha em conjunto com características essenciais de construção, materiais do cabedal e solado e dimensões da forma. De acordo com as questões apresentadas relativas ao desenvolvimento motor e dos pés, percebe-se a importância de se projetar calçados que não interrompam/afetem as alterações morfológicas e fisiológicas dos pés dos bebês ainda em fase de maturação quando essas crianças começam a andar e, consequentemente, a calçar sapatos. Contudo, pergunta-se: de que maneira um calçado pode auxiliar no desenvolvimento da marcha e na aquisição de uma postura ereta adequada? É possível interferir positivamente no desenvolvimento motor a partir de um calçado? Como foi apresentado, há inúmeros requisitos que este produto precisa respeitar para que o desenvolvimento motor da criança não seja dificultado, ou seja, não atrapalhe a aquisição do equilíbrio, o desenvolvimento do arco longitudinal, dentre outros. Por outro lado, tendo em vista que o design pode melhorar as interações entre o sujeito, o produto e o ambiente, e sendo o calçado um produto de interface com os pés, o redesign do calçado pode ser uma ferramenta fundamental para auxiliar esse desenvolvimento inicial da marcha. Como é um produto que se comporta como a superfície disponível para que o pé se apoie quando esse está calçado, pode funcionar como elemento ativador da propriocepção, como antiderrapante, como amortecedor de impacto, etc. Portanto, a partir da literatura revista nas seções anteriores e indo ao encontro do fundamento do “princípio da precaução”29 citado por Sevcenko (2001) no qual uma tecnologia ou produto precisam ser repensados quando comportam alguma ameaça de dano à saúde pública ou ao meio ambiente é que propomos um produto centrado no desenvolvimento fisiológico dos pés. 29 Três elementos-chave do “princípio da preocupação” (SEVCENKO, 2001, pág.103): 1. O reconhecimento de que determinada técnica ou produto envolve algum potencial de risco; 2. O reconhecimento de que pairam incertezas científicas sobre o impacto imediato ou as consequências futuras relacionados ao uso de determinado produto ou técnica; 3. A necessidade de agir preventivamente em relação aos riscos latentes em quaisquer situações desse tipo. 79 Assim, acredita-se que o design possa contribuir para a diminuição de ocorrências de anormalidades nos pés infantis, favorecendo o desenvolvimento normal dos pés, atuando principalmente no período de rápido desenvolvimento da aquisição da marcha, objetivando reduzir o aparecimento de possíveis anormalidades. Segundo Pérez (2010) a atuação nessa etapa de rápida evolução é mais vantajosa pois a aquisição de experiência e aprendizado ocorrem de maneira mais rápida. O calçado foi projetado de acordo com as especificidades apresentadas na revisão da literatura tendo essas informações como norteadora para a escolha de materiais, modelo e construção. A palmilha foi escolhida como componente essencial a ser redesenhado pois, como apresentando anteriormente, é um elemento estrutural de extrema importância tanto em termos de confecção do produto quanto em termos de calce e conforto. É onde a planta dos pés, base de apoio da marcha, fica em contato dentro do calçado, ou seja, é o “solo” disponível para que um pé calçado pise. Valente (2007) afirma que há a possibilidade de aumentar o conforto do calçado devido ao uso de palmilhas internas projetadas para tal. A Indústria de Calçados West Coast Ltda (2011) relata que palmilhas com áreas de amortecimento e absorção de impacto são ideais para uma melhor distribuição da carga de peso no apoio plantar e uma menor oscilação do equilíbrio corporal devido a uma melhor organização do tônus muscular e postural. Assim, são também motivos para a escolha deste componente como produto resultante dessa pesquisa. Além dos fatores musculares que influenciam diretamente na caminhada, ou seja, o controle postural, a estabilidade da marcha também está diretamente ligada com a percepção e a atenção (BOONYONG et al. 2012). Em situações de dupla tarefa, ultrapassar um obstáculo e responder à um comando de voz por exemplo, os mecanismos da marcha (velocidade, força, equilíbrio, etc.) precisam ser reestabelecidos para garantir a estabilidade da marcha e a realização da tarefa conjunta. Assim, a probabilidade de propiciar uma maior estabilidade biomecânica nos primeiros meses de caminhada possibilita que o bebê possa demandar mais atenção na realização de tarefas conjuntas à marcha, contribuindo para o desenvolvimento cognitivo. No entanto, tendo em vista o trabalho realizado por Herzmark (1940), a palmilha visando aproximação da sensação do andar descalço desenvolvida por Marlin José Kohlrausch (CALÇADOS..., 2011), a forma para bebês desenvolvida por Oh Dong-Jae (WILDCAT..., 2013) e a palmilha desenvolvida por Wang e outros (HEBEI..., 2012), para 80 estimulação tátil e, consequentemente, favorecimento de um desenvolvimento coordenado do sistema sensorial, o presente estudo sugere a concepção de palmilhas para bebês urbanos. Espera-se que um projeto de calçado centrado dessa forma, possa auxiliar um melhor desenvolvimento muscular dos pés, evitando fraquezas que podem gerar moléstias futuras, e uma melhor resposta sinestésica do corpo do bebê em relação ao ambiente, agilizando a maturação das informações rudimentares e imprecisas do sistema proprioceptivo mecânico, resultando em movimentos mais maduros e mais estáveis. A forma foi desenvolvida tendo como base as proporções antropométricas dos pés dos bebês (FIG.36). Em relação ao espaço interno, o calçado tem altura da biqueira suficiente para que os dedos possam ser fletidos e esticados e largura suficiente para que o pé se espalhe no calçado sem sofrer pressão, ou seja, sem ser contido pelos limites do mesmo. Essa possibilidade de movimentação (agarre, freno, etc.) favorece o equilíbrio da marcha (WILDCAT..., 2013). Figura 36 – Forma desenvolvida para bebês Fonte: Dados da pesquisa De modo a obter uma melhor compreensão das características do produto em questão, o conjuntos de imagens que se segue (FIG.37), representa, de maneira exemplificada, embora não limitativa, um esquema do projeto. Utilizou-se no cabedal e solado materiais consolidados no mercado calçadista infantil, como couro, poliéster, algodão, SBR, resina termoplástica, etc., além do adesivo de contato, ambos não passíveis de causar danos às crianças em geral, exceto em caso específicos de alergias, etc. São produtos facilmente encontrados no mercado local. 81 Figura 37 – Desenho técnico do produto. A disposição dos materiais utilizados para confecção do produto estão representados na Figura 38. O cabedal foi confeccionado em couro bovino pespontado com linha de poliéster (PES). O couro bovino é um material resistente consolidado no mercado, que permite a troca de ar e calor entre o espaço interno do calçado e o ambiente e absorve umidade da pele proporcionando conforto. A linha de poliéster garante resistência as junções dos cortes do couro. Para a banana utilizou-se uma espuma de PVC: fica localizada na parte superior traseira do calçado e tem como função proteger a fina camada de pele que reveste o tendão de Aquiles proporcionando conforto. Os reforços são as resinas termoplásticas: foram utilizadas para conformar o calçado impedindo que perca o formato original da forma garantindo a qualidade do calce. O forro foi confeccionado em tecido de poliéster entretelado com tecido de algodão. O poliéster garante durabilidade e resistência a fricção e rasgamento enquanto o algodão favorece o conforto térmico e tátil. A vira foi confeccionado em recouro 82 (couro reconstituído30) e tem como objetivo garantir um melhor resultado de acabamento no processo de montagem de calçado. A palmilha de montagem foi confeccionada a partir de um não tecido composto de poliéster e poliestireno com o objetivo de garantir uma montagem adequada agregando o mínimo de peso ao produto. A sola foi produzida a partir de placa de SBR garantindo flexibilidade e maleabilidade que a sola de um calçado de bebê necessita. Alguns detalhes, como laços, cadarços, vivos, etc., se apresentam variáveis de acordo com o estilo de cada modelo do produto e não interfere na funcionalidade do produto em questão. A palmilha desenvolvida é disposta no interior do calçado. Figura 38 – Camadas construtivas dos materiais do calçado proposto. A Figura 39 representa uma vista em perspectiva da palmilha com um corte que representa como os materiais que a compões estão dispostos. A palmilha é confeccionada em três camadas, sendo uma superior, de material têxtil composto de viscose (CV, 95%) e elastano (PUE, 5%), que fica em contato com a sola do pé do usuário. A CV é uma fibra artificial obtida quimicamente a partir da celulose. O PUE é uma fibra elastomérica também artificial obtida quimicamente a partir de polímeros sintéticos. O material composto de CV e PUE garante absorção da umidade do pé e flexibilidade e resistência do material. Uma 30 Resíduos de couro aglomerados e comprimidos sobre pressão, pode ter ou não aglutinantes. 83 camada inferior, confeccionada de espuma de policloreto de vinila (PVC) de células fechadas e base de malha de algodão, que se dispõe, após a montagem do calçado, em contato com a face interna (superior) da sola e se dispõe como uma base estática flexível garantindo um mínimo de amortecimento. E uma camada mediana composta por microesferas de PE e PS que dão a palmilha o caráter não estático, aumentando a absorção de impacto e umidade. Figura 39 – Esquema da palmilha proposta. O processo de fabricação de calçados foi descrito no item 2.4 do presente trabalho e aplica-se ao produto em questão. Foi projetado de acordo com as especificações técnicas presentes no item 2.5. Resumidamente, o calçado foi projetado, modelado, cortado, preparado, pespontado, aparado (FIG. 40), montado e acabado (FIG.42). A palmilha (FIG. 41) é fixada no interior do calçado após acabado. 84 Figura 40 – Processo de montagem e pesponto do calçado proposto. 1. Cortes sendo preparados para colagem e pesponto. 2. Cabedal pespontado. 3. Cabedal pespontado acabado. Figura 41 – Palmilha proposta 85 Figura 42 – Calçado finalizado. 86 CONCLUSÕES Contextualizou-se as relações entre as superfícies de apoio em que se desenvolvem os pés no início da marcha independente e o desenvolvimento normal do pé infantil. Assim, de acordo com os estudos pesquisados, observou-se que as superfícies onde as crianças pisam quando estão aprendendo a andar podem afetar o desenvolvimento normal dos pés. Os calçados se enquadram como uma possível superfície que pode interferir na maturação dos pés. Assim, destaca-se a importância de um design consciente da fisiologia dos pés na indústria calçadista pois, o pé infantil é uma estrutura frágil. Assim, uma interferência negativa no desenvolvimento dos pés dos bebês podem acarretar problemas futuros nos pés (estrutura responsável por suportar o corpo) e, consequentemente, nos joelhos, quadris e coluna. Observou-se que a aquisição da marcha independente representa um marco motor em um processo de desenvolvimento contínuo ao longo da vida. Concluiu-se que o pé e sua estrutura musculoesquelética está diretamente ligado à caminhada e que essa estrutura se desenvolve com o decorrer da caminhada até por volta dos 7 anos de idade. Assim, quando um bebê começa a andar possui uma estrutura imatura de apoio do corpo e essa maturação ocorre na medida em que essa estrutura vai sendo requisitada pelo sistema motor. O desenvolvimento da marcha é um sistema integrado sinestésico onde o bebê precisa ter domínio, mesmo que precário, de vários sistemas perceptivos para que possam fazer contínuos ajustes compensatórios para que a marcha possa ser alcançada. Concluiu-se que o calçado é um produto de interface com os pés e, portanto, deve ser projetado através de parâmetros ergonômicos, antropométricos e fisiológicos. Um calçado para bebê distinguem-se do calçado adulto basicamente devido as diferenças de proporção e estrutura dos pés. Porém, existem características específicas para construção de um calçado infantil para que esse não interfira no desenvolvimento normal dos pés podendo gerar anormalidades futuras. Assim, projetar somente um componente para calçados para bebê não basta para se redesenhar um produto destinado a tal. Dessa forma, desenvolveu-se um calçado com foco principal em uma palmilha a partir de microesferas poliméricas objetivando a aproximação dos efeitos benéficos da caminhada descalça em superfícies naturais não estáticas. Foram selecionados três tipos de microesferas: Poliuretano (ME-PU), Poliestireno(PS) e Polietileno(PE). Dentre essas, as microesferas de PE e PS são comumente encontradas do mercado e as microesferas de ME-PU foram desenvolvidas para esse projeto. Testou-se os 87 materiais físico e mecanicamente e concluiu-se que a palmilha composta por PS e PE era a melhor combinação atual para garantir qualidade e eficácia ao produto proposto. As ME-PU se mostraram como uma opção com características de conforto melhores, porém, devido à irregularidade da reprodutibilidade da fórmula dessas microesferas experimentais precisa-se de mais pesquisa em relação à fórmula para que elas possam ser utilizadas como matéria prima principal da palmilha proposta. Em comparação ao material comumente utilizado pela indústria calçadista para confecção de palmilha, a palmilha desenvolvida possui maior capacidade de absorção de impacto, e maior capacidade de absorção de suor. A morfologia e funcionalidade da palmilha desenvolvida apresenta-se como diferencial em relação as palmilhas presentes no mercado, pois permite um dinamismo na forma (mobilidade das esferas), irregularidade da superfície (a partir do movimento do pé) e maior área de contato com os pés, principalmente com a estrutura do pé no qual mais tarde irá formar o arco longitudinal. Este estudo apresenta algumas limitações quanto ao produto desenvolvido pois, o mesmo foi testado a partir dos princípios dos materiais utilizados e a partir de parâmetros visíveis de calce e conforto. Apesar dessas limitações identificadas, e de outras que podem ser apontadas, considera-se que o estudo realizado permitiu conhecer melhor as especificidades que contemplam o desenvolvimento de calçados para bebês. Pretende-se realizar investigações futuras para que o produto possa ser testado com o usuário através de análises do movimento da marcha para identificar o resultado imediato na deambulação da marcha e nos mecanoreceptores, auxiliando a estabilidade da marcha através da ativação da musculatura intrínseca. E também através do acompanhamento do desenvolvimento dos pés para identificar o resultado a longo prazo. Essas investigações futuras estão apontadas na Figura 22. Por fim, este estudo constitui-se como uma contribuição para o conhecimento da relação entre a superfície no qual andamos e como essa superfície pode afetar a estrutura do pé objetivando o desenvolvimento de projetos de calçados destinados ao público infantil. Verificou-se a escassa literatura que engloba esse tema, em contrapartida, verificou-se a importância do mesmo. Assim, considera-se que muito há ainda que percorrer no campo da investigação nesta área, sendo, portanto, um campo fértil de trabalho para nós e para outros investigadores. 88 REFERÊNCIAS ADOLPH, Karen E. Babies’ steps make giant strides toward a science of development. Infant Behavior & Development. V. 25, p 86-90, 2002. ADOLPH, Karen E.; AVOLIO, Anthony M. Walking Infants Adapt Locomotion to Changing Body Dimensions. Journal of Experimental Psychology: Human Perception and Performance. Vol. 26, No. 3, p. 1148-1166, 2000. ALKAN, C.; GUNTHER, E.; HIEBLER, S.; ENSARI, O.; KAHRAMAN, F. Polyurethanes as solid–solid phase change materials for thermal energy storage, Sol Energy, 86, p.1761 - 1769, 2012. ANDRADE, José Eduardo Pessoa; CORREA, Abidack Raposo. Panorama da Indústria Mundial de Calçados, com ênfase na América Latina. 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Rocha 1, Eliane Ayres1 1 Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). Belo Horizonte, Brasil Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG). Belo Horizonte, Brasil 2 XIV Latin American Symposium on Polymers / XII Ibero American Congress on Polymers 12 a 16 Outubro de 2014 – Porto de Galinhas, PE / Brasil. ANEXO B – TRABALHO APRESENTADO EM CONGRESSO 1. A indústria calçadista orientando-se para a sustentabilidade: o redesign de componentes com redução de consumo ambiental LAGE, Ana Paula; Mestranda; Universidade do Estado de Minas Gerais AYRES, Eliane; Doutora; Universidade do Estado de Minas Gerais; Simpósio Brasileiro de Design Sustentável (SBDS) + International Symposium on Sustainable Design (ISSD). A Insustentável Leveza do Ter - 12 a 14 Novembro de 2013 Porto Alegre, RS / Brasil. Anais SBDS + ISSD 2013 – p. 41 a 52. ANEXO C – TRABALHO INCLUÍDO EM ANAIS DE CONGRESSO 1. A indústria calçadista orientando-se para a sustentabilidade: o redesign de componentes com redução de consumo ambiental LAGE, Ana Paula; Mestranda; Universidade do Estado de Minas Gerais AYRES, Eliane; Doutora; Universidade do Estado de Minas Gerais; Simpósio Brasileiro de Design Sustentável (SBDS) + International Symposium on Sustainable Design (ISSD). A Insustentável Leveza do Ter - 12 a 14 Novembro de 2013 Porto Alegre, RS / Brasil. Anais SBDS + ISSD 2013 – p. 41 a 52. 2. Design of innovative insole to improve the stability in the walking of infants Lage APP.1, Lima TH2, Ayres E.1 94 1 Programa de Pós Graduação em Design (PPGD), Escola de Design, Universidade do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brazil 2 Dep. de Pós Graduação em Engenharia Metalúrgica e Materiais (DEMET), Escola de Engenharia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil 8vo COLAOB – Congreso Latinoamericano de Órganos Artíficiales, Biomateriales e Ingeniería de Tejidos - 20 a 23 Agosto de 2014 – Rosário / Argentina