41 2.2 Efeito fotoelétrico – V + fótons e− Corrente FIGURA 13 - Circuito esquemático do efeito fotoelétrico. sobre um deles luz ultravioleta. Ironicamente, o efeito fotoelétrico por ele descoberto e considerado como uma “observação de menor importância” levou a uma reformulação completa no conhecimento das ondas eletromagnéticas, demonstradas no mesmo experimento. O que é, afinal, o efeito fotoelétrico? É o fato de que energia eletromagnética, seja na forma de raios X, luz ultravioleta ou luz comum incidindo sobre metais, provoca a ejeção de elétrons de suas superfı́cies. Como a teoria clássica explica esse fenômeno? Ela sugere que a luz incidente chega na forma de uma onda eletromagnética. Se usarmos um feixe uniforme, sua energia estará contida em toda frente de onda (como ocorre com uma onda mecânica na água, por exemplo). Quanto mais intensa a ~ eB ~ em qualquer ponto da frente de luz, maior a amplitude dos campos E onda, e maior será a energia que a onda deposita no metal por segundo. Esses campos exercem forças sobre os elétrons do metal e, eventualmente, conseguem arrancá-los da superfı́cie. Vamos estimar, dentro desse contexto clássico, quanto tempo seria necessário para a liberação de um elétron. Para concretizar as idéias, consideremos uma radiação com intensidade de 1 mW/m2 , que incida num metal para o qual a energia necessária para libertar o elétron das forças que o prendem ao material (função trabalho, φ) seja 4 eV. Supondo uma distribuição contı́nua e uniforme de radiação, vamos estimar o tempo necessário para que o elétron absorva a energia necessária (4 eV) e escape. O diâmetro do átomo é da ordem de 0,3 nm. A energia por unidade de tempo, P , que incide num único átomo é 2 P = Id = (10 −3 Js = 6 × 10−4 eV/s. −1 2 m ) · (3 × 10 −10 2 m) × 1 eV 1, 6 × 10−19 J 42 2 Fenômenos que deram origem à mecânica quântica Então, o tempo necessário para absorver 4 eV será ∆t = 4 eV 4 eV = = 7 × 103 s, P 6 × 10−4 eV/s aproximadamente duas horas! No entanto, os experimentos feitos até hoje foram incapazes de detectar qualquer atraso entre a incidência da luz e a ejeção do elétron! O próximo fı́sico a investigar de forma mais sistemática o fenômeno foi Phillip Lenard (1862-1947), que trabalhara com Hertz. Lenard montou uma experiência esquematizada na Fig. 13: a luz arrancava cargas elétricas de uma placa emissora, e estas eram aceleradas por uma diferença de potencial e coletadas por outra placa. Um amperı́metro registrava a chegada das cargas, medindo uma corrente elétrica. As conclusões de Lenard foram as seguintes: 1. O efeito fotoelétrico só ocorre a partir de uma determinada freqüência νmin . Aumentar a intensidade da luz não altera esse fato. 2. A partir do momento em que o fenômeno começa a acontecer, a quantidade de cargas emitidas pela placa metálica é proporcional à intensidade da luz incidente. 3. Para outras freqüências abaixo do valor νmin , o efeito não ocorre, qualquer que seja a intensidade da luz incidente. Note que quando o potencial é gradualmente diminuı́do, o mesmo ocorre com a corrente. A partir do gráfico observado, podemos concluir que elétrons chegam à placa coletora mesmo se a diferença de potencial for nula, o que significa que ganharam energia mais do que suficiente para se libertarem do metal. O restante é transformado em energia cinética. Por isso, mesmo na ausência de uma diferença de potencial, a corrente medida não é nula. Evidentemente, se o sinal da diferença de potencial for invertido, surgirá uma força oposta à velocidade dos elétrons, levando a um decréscimo da corrente ainda maior. A uma dada diferença de potencial nessas condições, V0 – chamado de potencial de retardo e que depende de cada material – a corrente fotoelétrica cessa. A existência de um potencial mı́nimo, V0 , independente da intensidade da luz incidente, também era embaraçosa, uma vez que, classicamente, isso não deveria ocorrer. Infelizmente, os dados de Lenard não eram suficientemente precisos para medir a forma funcional do potencial V0 como função da freqüência. Como, então, interpretar esses resultados? 43 2.2 Efeito fotoelétrico Para frear um elétron com energia cinética 1 K = me v 2 2 (2.22) é preciso usar um potencial de freamento V0 , tal que K = eV0 . (2.23) Então, o potencial de freamento V0 deve estar associado a elétrons com direção de movimento perpendicular ao cátodo e com energia cinética máxima 1 2 = eV0 . Kmáx = m2 vmáx 2 (2.24) Por conservação de energia, essa energia cinética máxima deve corresponder à energia fornecida pela luz, descontada a função trabalho φ. Temos, então, 1 2 me vmáx = eV0 = E − φ. 2 (2.25) De acordo com a teoria clássica, E é proporcional à intensidade da onda e, portanto, esperarı́amos que, à medida que a intensidade aumentasse, E aumentasse simultaneamente e, por conseqüência, V0 . Não é o que se observa. Num trabalho publicado em 1905, Albert Einstein (1879-1955) propôs uma teoria do efeito fotoelétrico baseada no trabalho anterior de Planck – a radiação eletromagnética de freqüência ν consiste de quanta de energia E = hν. (2.26) Essa hipótese explicaria imediatamente o fato de que não se observava atraso na emissão dos fotoelétrons. Um quantum de luz (o fóton) transfere toda sua energia a um único elétron. Com essa hipótese, a Eq. (2.25) fica 1 2 me vmáx = eV0 = hν − φ. 2 (2.27) Esta é a equação de Einstein sobre o efeito fotoelétrico. Note que essa equação permite uma verificação independente daquela proveniente da radiação de corpo negro para o valor de h, uma vez que a inclinação do gráfico (linear) V0 × ν é simplesmente h/e. Em 1915, Robert Andrews Millikan (1868-1953) comprovou a equação de Einstein, medindo V0 como função da freqüência de corte (Fig. 14). Note 44 Energia cinética máxima (eV) 2 Fenômenos que deram origem à mecânica quântica ♦ 3 2.5 ♦ 2 ♦ 1.5 ♦ 1 0.5 ♦ ♦ Kmáx Equação da reta: = −1, 81 + 4, 12 × 10−15 ν 0 40 50 60 70 80 90 100 13 freqüência, ν (×10 Hz) 110 120 FIGURA 14 - Dados do efeito fotoelétrico para o sódio, obtidos por Millikan em 1916 (R. A. Millikan, “A direct photoelectric determination of Planck’s ‘h’ ”, Phys. Rev. 7, 355 (1916)) que a equação do efeito fotoelétrico não é uma demonstração da existência de fótons, apenas é compatı́vel com essa idéia. Em 1913, Einstein foi proposto como membro titular à Academia Prussiana de Fı́sica. Ele tinha, então, 34 anos. A proposta terminava da seguinte forma: “Pode-se afirmar que não há praticamente nenhum dos grandes problemas fı́sicos ao qual Einstein não tenha dado alguma notável contribuição. Que ele, às vezes, tenha errado o alvo em suas especulações, como por exemplo, em sua hipótese dos quanta de luz, não pode realmente ser tomado como uma acusação muito séria contra ele, pois não é possı́vel introduzir idéias verdadeiramente novas, mesmo nas circunstâncias mais exatas, sem correr alguns riscos de vez em quando.” Em 1921, após a comprovação de sua teoria sobre o efeito fotoelétrico, através dos experimentos de Millikan, Einstein recebeu o prêmio Nobel de fı́sica4 4 Nota: A resistência dos fı́sicos em aceitar a idéia de que a luz era composta por fótons tinha sua razão de ser. Os fenômenos tı́picos da fı́sica ondulatória (interferência, difração etc) eram bem conhecidos e a idéia de associar a luz com partı́culas poderia não sobreviver a ter que explicar esses fenômenos também. 45 2.2 Efeito fotoelétrico (principalmente por essa teoria). Exemplo 2.5 : Na Fig. 14 estão os dados obtidos por Millikan para o sódio. Obtenha, a partir deles, o valor da constante de Planck em unidades de J·s. Da fórmula de Einstein, temos Kmáx = hν − φ. Usando a informação dada no gráfico, temos diretamente que h = 4, 12 × 10−15 eV · s, ou seja, h = 4, 12 × 10−15 V · s. e Sabendo que e = 1, 6 × 10−19 C, obtemos para a constante de Planck h = 6, 59 × 10−34 J · s. O valor hoje conhecido para h é h = 6, 6262 × 10−34 J · s. Podemos também ler diretamente a função trabalho do sódio. Ela vale φ = 1, 81 eV. Exemplo 2.6 : Fótons de comprimento de onda 220 nm incidem sobre um alvo metálico e liberam elétrons com energias cinéticas na faixa de 0 a 6, 1×10−19 J. Determine a freqüência mı́nima para a qual elétrons ainda são emitidos. Os elétrons que saem com maior energia são aqueles que se encontram na superfı́cie do metal e cuja energia necessária para serem liberados é igual à função trabalho do material. Logo, podemos encontrar a função trabalho através da equação φ = hν − Kmáx = hc − Kmáx = 2, 93 × 10−19 J. λ A freqüência mı́nima é dada pela energia mı́nima que o fóton deve ter para conseguir arrancar um elétron do metal e que é, portanto, igual à função trabalho. Assim νmin = φ = 4, 4 × 1014 Hz. h 46 2 Fenômenos que deram origem à mecânica quântica Área da imagem Invólucro metálico ou cerâmico Pinos de conexão Fios de ouro Contatos PSfrag replacements Amplificador Registrador serial FIGURA 15 - Desenho de um CCD. Sobre uma das aplicações do efeito fotoelétrico – detectores CCD A sigla CCD quer dizer “dispositivo de carga acoplada” (do inglês ChargeCoupled Device). O detector CCD é um aparelho extremamente sensı́vel para a detecção da luz. É um chip quadrado, formado por uma matriz de sensores fotoelétricos, feitos de material semicondutor, distribuı́dos em linhas e colunas. Cada um dos pontos da matriz na Fig. 15 é denominado pixel. Assim, cada sensor do CCD dará origem a um pixel da imagem digital final. Quando um fóton atinge um desses sensores, um elétron é liberado por meio do efeito fotoelétrico, e registrado como sendo proveniente daquele determinado pixel. Como acabamos de ver, quanto mais fótons atingirem um certo pixel, mais elétrons são liberados. Um sistema eletrônico registra os elétrons, somando a quantidade total deles, sensor por sensor. Depois de um certo tempo, o sistema tem informações armazenadas e um mapa que mostra como estão distribuı́das espacialmente as intensidades luminosas. Temos, assim, uma imagem digital. 47 2.3 O calor especı́fico dos sólidos 100 Eficiência (%) CCD 10 Olho humano 1 0 200 300 400 500 600 700 λ (nm) FIGURA 16 - Gráfico comparativo entre a eficiência de um CCD e do olho humano. A eficiência de uma aparelho como esse, se comparado à eficiência do olho humano é enorme (Fig. 16). Atualmente, as mais diversas câmeras fotográficas e filmadoras digitais utilizam os CCDs como detectores de luz. Também em astronomia, a vantagem de utilizar um CCD é que, mesmo em regiões “escuras”, ele consegue somar as contribuições de fóton por fóton ao longo do tempo. Assim, é possı́vel registrar imagens de objetos cuja radiação que chega à Terra é muito fraca. 2.3 O calor especı́fico dos sólidos Após a descoberta de Planck sobre propriedades não usuais da radiação, o próximo passo foi testar essa hipótese em outros fenômenos. Um dos passos decisivos para dar suporte às hipóteses de Planck, reforçando seu caráter fundamental, foi dado por Einstein em 1905 em sua teoria do efeito fotoelétrico. Um outro passo, também devido a Einstein, foi seu trabalho referente aos calores especı́ficos dos sólidos. Em 1907, Einstein supôs que a energia de um sólido a temperatura T fosse representada pela energia média de 3N osciladores de Planck unidimensionais com freqüência ν, para os quais vale hν hi = hν/kT , (2.28) e −1 48 2 Fenômenos que deram origem à mecânica quântica e a energia do sólido deve valer, portanto, hEi ≈ 3N hi . (2.29) Dessa hipótese resulta, imediatamente, que ∂hEi = 3N k cv = ∂T hν kT 2 ehν/kT ehν/kT −1 2 . (2.30) Para hν kT , essa expressão reproduz o resultado clássico 3N k (Lei de Dulong-Petit), mas difere do mesmo quando T → 0, pois cv −−−→ 0 6= 3N k !! (2.31) T →0 2.4 Bremsstrahlung A palavra Bremsstrahlung significa “radiação de freamento” (do alemão bremsen=frear + Strahlung=radiação). É um efeito, de uma certa forma, inverso ao efeito fotoelétrico: quando elétrons energéticos atingem um alvo denso, são rapidamente desacelerados e, portanto, irradiam. O espectro resultante é largo e contı́nuo, e está ilustrado na Fig. 17. Tanto o efeito fotoelétrico como o Bremsstrahlung só podem ocorrer na presença de alvos suficientemente pesados que possam receber energia e momento. Sabendo que a luz é composta por fótons, o que podemos dizer sobre essa curva? Usando a idéia sobre a natureza corpuscular da luz, comprovada pelo efeito fotoelétrico, Einstein previu que haveria um limite inferior para o comprimento de onda da radiação emitida. Imaginemos um elétron que, inicialmente, incide no alvo com uma energia da ordem de eV, após ser acelerado por uma diferença de potencial V . Enquanto vai sendo desacelerado dentro do alvo, ele irradia fótons. A freqüência máxima νmáx (comprimento de onda mı́nimo λmin ) ocorre quando toda a energia cinética do elétron é irradiada por um único fóton: E = hνmáx = eV eV h ch . = eV ⇒ νmáx = ∴ λmin 49 2.4 Bremsstrahlung Detetor Colimador Colimador Fonte de raios X PSfrag replacements Fenda divergente Suporte rotatório para amostras PSfrag replacements Detetor Colimador Colimador Fonte de raios X Fenda divergente Suporte rotatório para amostras Comprimento de onda, Å FIGURA 17 - Difratômetro θ − 2θ de raios X (acima) e gráfico Bremsstrahlung de um alvo de molibidênio (abaixo). Os picos da curva resultam da estrutura atômica do alvo especı́fico. 50 2 Fenômenos que deram origem à mecânica quântica Exemplo 2.7 : Determine o menor comprimento de onda de raios X que podem ser emitidos por um elétron quando ele atinge a máscara metálica na face frontal de um tubo de televisão em cores, que opera com uma voltagem de 20,0 kV. ch (2, 9979 × 108 m/s)(4, 13567 × 10−15 eV · s) = eV 20, 0 × 103 eV = 0, 0620 nm. λmin = A existência de uma freqüência máxima foi confirmada experimentalmente em 1915 por W. Duane e F. Hunt, em Harvard. Nessa experiência também, o valor de h pode ser determinado. Na ocasião, isso foi feito com uma precisão melhor do que 4%. 2.5 Efeito Compton A próxima evidência da realidade dos fótons e o fato de que eles se comportam como partı́culas, possuindo também um momento bem definido, foi obtido por Arthur H. Compton (1892-1962) entre 1919 e 1923. Compton observou o espalhamento de raios X monocromáticos por um alvo de grafite. Esse alvo possui muitos elétrons pouco ligados, que podem ser considerados como essencialmente livres. De forma mais quantitativa, a energia dos raios X incidentes é muito maior do que a energia da ligação dos elétrons. O experimento foi o seguinte: raios X de comprimento de onda de 0,7 Å incidiam sobre a grafite, que espalhava essa radiação em todas as direções. Compton usou um espectrômetro de Bragg para raios X e fez uma análise da radiação espalhada para diversos ângulos. O resultado de seu experimento está mostrado na Fig. 18. A figura nos mostra que a intensidade dos raios X espalhados apresentava dois picos cuja distância é função do ângulo de observação. O primeiro pico aparece exatamente no comprimento de onda relativo à radiação incidente, e o outro tem um comprimento de onda maior. A variação do comprimento de onda, ∆λ, entre essas duas componentes pode ser escrita como função do ângulo de espalhamento de forma simples ∆λ = 2, 4 × 10−12 (1 − cos θ) m. (2.32) 2.5 Efeito Compton Câmara de ionização Cristal de calcita Alvo de carbono PSfrag replacements Tubo de raio X Molibidênio Kα FIGURA 18 - Experimento de espalhamento Compton. 51 52 2 Fenômenos que deram origem à mecânica quântica 8 7 λ (10−12 m) 6 5 4 3 2 1 0 0 0.5 1 1 − cos θ 1.5 2 FIGURA 19 - Em seu trabalho original, Compton fez o espalhamento de fótons de comprimento de onda λ = 2, 2 × 10−12 m por elétrons, e mediu os comprimentos de onda da radiação espalhada em ângulos de 0◦ , 45◦ , 90◦ e 135◦ . Os dados ajustam uma reta cuja inclinação é hc/me c2 (A. H. Compton, Phys. Rev. 21, 483 (1921)). A Fig. 19 mostra os primeiros dados obtidos por Compton. Ele usava fótons obtidos de decaimento nuclear e mediu o comprimento de luz espalhada a 0◦ , 45◦ , 90◦ e 135◦ . Os dados mostram que o comprimento de onda da luz espalhada varia linearmente com 1 − cos θ, e que a constante de proporcionalidade é 2, 4 × 10−12 m. Compton não apenas demonstrou a precisão da fórmula (2.32), como também que ela pode ser interpretada de maneira muito simples se a hipótese de Einstein for levada às últimas conseqüências. Uma conseqüência da teoria da relatividade restrita de Einstein é que partı́culas que viajam na velocidade da luz são partı́culas sem massa, cujo momento é dado por |~ p| = E , c (2.33) onde E é a energia total da partı́cula. Uma outra observação experimental foi importante para as hipóteses de Compton: o comprimento de onda da radiação espalhada era independente do material que constituı́a o alvo. Compton supôs que o espalhamento era devido a colisões entre os fótons e os elétrons do alvo – os átomos como um todo não participavam do processo a não ser para receber o recuo do elétron. 53 2.5 Efeito Compton Baseado nesses fatos e hipóteses, Compton formulou seu modelo: um fóton com energia E0 e momento p0 incide sobre um elétron estacionário, cuja energia é a sua massa de repouso, isto é, me c2 . y p00 , λ00 fóton elétron θ x E0 , p0 ϕ p~e depois antes A conservação de energia nos fornece p0 c + me c2 = p00 c + p p2e c2 + m2e c4 . (2.34) A conservação de momento, por outro lado, fornece p0 = p00 cos θ + pe cos ϕ, 0 = −p00 sen θ + pe sen ϕ. (2.35) (2.36) A Eq. (2.34) pode ser reescrita de forma mais conveniente, isolando-se o termo que contém a raiz quadrada p p2e c2 + m2e c4 = p0 c + me c2 − p00 c. (2.37) As outras duas equações, multiplicadas por c, fornecem pe c cos ϕ = p0 c − p00 c cos θ, pe c sen ϕ = p00 c sen θ. (2.38) (2.39) Elevando ao quadrado e somando as Eq. (2.38) e (2.39), temos 2 p2e c2 = (p0 c − p00 c cos θ)2 + p00 c2 sen2 θ. (2.40) Elevando a Eq. (2.37) ao quadrado e isolando m2e c4 , vem m2e c4 = (p0 c + me c2 − p00 c)2 − p2e c2 , (2.41) que, usando Eq. (2.40), se reduz a me c2 (p0 c − p00 c) = p0 p00 c2 (1 − cos θ). (2.42) 54 2 Fenômenos que deram origem à mecânica quântica Resolvendo, então, para p00 , o momento do fóton espalhado, teremos p00 c = me c 2 p 0 c . me c2 + p0 c(1 − cos θ) (2.43) Essa é a fórmula de Compton que fornece o momento do fóton espalhado, p00 , em termos do momento do fóton incidente, p0 , do ângulo de espalhamento, θ, e da massa do elétron. Agora vamos reescrever a fórmula de Compton em termos de comprimento de onda, usando a hipótese de Einstein: h p0 c = hν0 ⇒ p0 = . λ0 Analogamente, p00 = h/λ00 . Substituindo essas expressões na Eq. (2.42), obtemos hc λ00 − λ0 = (1 − cos θ) = λC (1 − cos θ), (2.44) me c 2 com λC (comprimento de onda Compton do elétron) igual a λC = 2, 426 × 10−12 m = 0, 02426 Å. (2.45) A expressão obtida por Compton comprova de maneira quase espetacular a fenomenologia (cf. Eq. (2.32)). Vamos, antes de prosseguir, estudar alguns limites da fórmula de Compton: 1. A energia do fóton incidente é muito menor que a energia de repouso do elétron. Matematicamente, isto significa que p0 c me c2 . Neste limite, a Eq. (2.43) dá p00 ≈ p0 , e a energia do fóton não se altera pelo espalhamento. A imagem que podemos fazer desse limite é que ele corresponde ao fóton sendo espalhado por uma parede. Momento é transferido, mas não energia. 2. Retro-espalhamento (θ = π). p00 c = me c 2 p 0 c me c2 + 2p0 c No caso de fótons incidentes muito energéticos, p0 c me c2 , teremos me c 2 = . 2 Vemos que neste limite, o fóton espalhado deve ter uma energia correspondente à metade da massa de repouso do elétron. p00 c 55 2.5 Efeito Compton 3. O que aconteceria se a massa do elétron fosse muito maior que h/c ? Neste caso, podemos aproximar o lado direito da Eq. (2.44) por zero, e obterı́amos um deslocamento nulo: λ00 = λ0 . Este limite explica o aparecimento do primeiro pico nas intensidades de raios X observadas: a observação desse pico é consistente com um espalhamento não por um elétron apenas, mas pelo átomo de carbono como um todo. Como a massa do carbono é quatro ordens de grandeza maior do que a massa do elétron, o deslocamento correspondente é desprezı́vel. A interpretação de Compton seria confirmada anos mais tarde quando foi feita a observação do elétron de recuo por G. N. Cross e N. F. Ramsey, em 1950; usando raios γ de comprimento de onda 2,6 MeV, eles mediram o ângulo de espalhamento do elétron, ϕ, obtendo completa concordância com os dados de Compton. Um outro experimento posterior (Z. Bay et al., 1955) mostra que o elétron e o fóton emergentes saem em coincidência, com uma precisão de 10−11 s. Confirma-se assim que o espalhamento Compton é completamente compatı́vel com o espalhamento entre duas partı́culas. A luz se comporta aqui, outra vez, como uma partı́cula, o fóton. 2.5.1 Distribuição de energia de fótons e elétrons Vamos retomar a expressão (2.44) e reescrevê-la da seguinte forma λ00 − λ0 = 4πh 2 θ 2 θ sen = 2λ sen . C me c 2 2 2 O comprimento de onda Compton, λC , pode ser usado para medir o tamanho de uma partı́cula. Vamos, primeiramente, calcular a energia cinética do elétron espalhado. ~c 1 1 0 T = hν0 − hν0 = − 2π λ 0 λ00 (2.46) 2λC sen2 θ/2 . = hν0 λ0 + 2λC sen2 θ/2 Da expressão acima, vemos que a energia do elétron espalhado é diretamente proporcional à energia do fóton. Portanto, o efeito Compton só pode ser 56 2 Fenômenos que deram origem à mecânica quântica observado no domı́nio de pequenos comprimentos de onda (raios X ou raios γ). Lembre-se que de acordo com a eletrodinâmica clássica não é permitida alteração de freqüência no espalhamento de luz; é apenas o fato de que a luz é feita de quanta com momento h/λ e energia hν, que torna isso possı́vel. Por isso, o efeito Compton confirma a hipótese “granular” da luz e também a validade da conservação da energia para interação entre a matéria e a luz. Questões Potencial de Freiamento (V) 2.1 O gráfico abaixo representa os dados obtidos em uma experiência de efeito fotoelétrico. 12 10 (100; 10) 8 6 (150; 6) 4 (200; 3,8) 2 0 100 (300; 1,9) (400; 0,5) 400 150 200 250 300 350 Comprimento de onda (nm) A partir desses dados, obtenha: (a) a função trabalho do material do cátodo; (b) a freqüência de corte; (c) o valor da constante de Planck (h) em unidades de eV· s . Exercı́cios Radiação de corpo negro 2.1 Suponha que você seja um corpo negro a 33◦ C (temperatura externa). Qual é o comprimento de onda no qual você irradia mais energia por unidade de comprimento de onda? 2.2 Um corpo negro irradia 180 J a 20,0◦ C em 8,00h; qual é a sua área superficial? 57 Exercı́cios 2.3 Imagine que você queira construir um circuito para operar à temperatura ambiente. Nesse circuito, há um resistor de 100 Ω, que carrega uma corrente de 1 mA. Estime o tamanho mı́nimo (área superficial) do resistor, se a sua temperatura não deve exceder 400 K. 2.4 Estime a temperatura do nosso planeta, supondo que a Terra seja um corpo negro ideal absorvendo energia do Sol. (Dica: Use o valor da constante solar dada no exemplo 2.3, e lembre-se que a área banhada pelo sol é dada pelo projeção no plano perpendicular à radiação incidente.) 2.5 Na lei de deslocamento de Wien, o comprimento de onda máximo é inversamente proporcional a T ; mas porque ν = c/λ, a freqüência máxima é diretamente proporcional a T . Como resultado, a versão em termos de freqüência dessa lei é νmax = (58, 8 × 109 Hz/K)T. O intervalo da unidade de freqüência não é igual a uma constante vezes o intervalo da unidade de comprimento de onda. Mostre que λmax νmax 6= c. 2.6 Determine a freqüência na qual um corpo negro à temperatura de 1000◦ C irradiará a maior quantidade de energia por unidade de freqüência. (Dica: Use a discussão do problema anterior.) 2.7 Um corpo negro está à temperatura de 6000 K. Em qual comprimento de onda ele irradiará a maior parte da energia por unidade de comprimento de onda? Em qual freqüência ele irradiará a maior parte da energia por unidade de freqüência? 2.8 Suponha que a Terra fosse formada por rocha derretida a alguma temperatura muito alta. Estime o tempo para que a Terra resfrie até 300 K. (Nota: Este cálculo foi feito originalmente por Lord Kelvin. O tempo de resfriamento encontrado por Kelvin foi significativamente menor do que as evidências geológicas indicavam para a idade da Terra. Isto gerou um grande debate cientı́fico. O problema foi resolvido com a descoberta de elementos radioativos na Terra. A energia liberada em decaimentos radioativos aumenta o tempo de resfriamento.) 2.9 Use a lei de Stefan-Boltzmann para calcular a densidade de energia da radiação cósmica de fundo (T = 2, 74 K). 58 2 Fenômenos que deram origem à mecânica quântica Efeito fotoelétrico 2.10 Qual é o comprimento de onda de um fóton de energia igual a 2,50 eV? 2.11 Estime a energia tı́pica de fótons de (a) um estação de rádio FM, (b) um forno de micro-ondas (λ ≈ 0, 01 m), (c) do sol, (d) um pedaço de cerâmica aquecida a T ≈ 1000 K e (e) dos fótons cósmicos do universo primordial (T ≈ 3 K). 2.12 Um nı́vel de luz tı́pico para uma boa leitura corresponde a cerca de 2 × 1013 fótons por segundo por centı́metro quadrado. Se estes têm um comprimento de onda médio de 550 nm, qual é a irradiância correspondente? 2.13 A corrente num experimento de efeito fotoelétrico decresce a zero quando o potencial de retardo é aumentado para 1,25 V. Qual é a velocidade máxima dos elétrons? 2.14 Um alvo é iluminado com luz ultravioleta de 240 nm. Elétrons são emitidos e suas energias cinéticas variam desde próximo de zero até 12, 0 × 10−20 J. O experimento é então refeito, desta vez iniciando com uma luz incidente de 500 nm, e aumentando a freqüência até que a fotocorrente comece a fluir. Determine qual é esta freqüência inicial e o comprimento de onda correspondente. 2.15 O comprimento de onda correspondente ao limiar para que ocorra o efeito fotoelétrico no alumı́nio é de 2.954 Å. Qual é a função de trabalho do Al (em eV) e qual a energia cinética máxima dos elétrons ejetados do Al por luz ultravioleta de comprimento de onda de 1.500 Å? 2.16 A luz de uma fonte térmica (T = 6000 K) é filtrada de tal forma que apenas fótons na região do visı́vel atingem um fotocátodo, cuja função de trabalho é de 2,0 eV. Quando a intensidade da luz que chega ao fotocátodo é 1 mW, uma corrente de 1 µA é observada no circuito que detecta os fotoelétrons. Estime a eficiência quântica do fotocátodo. Espalhamento Compton 2.17 Um fóton de 100 MeV colide com um próton em repouso. Calcule a perda de energia máxima que o fóton pode sofrer. 2.18 Raios X com comprimento de onda de 110 pm são espalhados por elétrons livres a um ângulo de 20,0◦ . Encontre a variação de λ. Exercı́cios 2.19 Relacione a direção ϕ de desvio do elétron de recuo no efeito Compton com as freqüências ν0 e ν00 dos fótons incidentes e espalhado e o ângulo θ de espalhamento. 2.20 Um fóton de raios X de λ0 = 3 Å é espalhado por um elétron livre em repouso, sendo desviado de 90◦ . Qual é a energia cinética de recuo do elétron (em eV)? 2.21 Um pósitron (anti-partı́cula do elétron) de momento p~ colide com um elétron em repouso, levando o par a aniquilar-se em dois fótons, cujas direções de propagação formam um ângulo θ uma com a outra. Demonstre que a soma dos comprimentos de onda dos dois fótons é igual a λC (1 − cos θ), onde λC é o comprimento de onda Compton do elétron. (Dica: o cálculo é semelhante ao do efeito Compton.) 59 60 2 Fenômenos que deram origem à mecânica quântica