artigo inédito
Utilização de sulfato de condroitina e sulfato de glicosamina nas
alterações degenerativas da ATM: uma revisão sistemática
Eduardo Machado1, Patricia Machado2, Paulo Afonso Cunali3
Introdução: as alterações degenerativas da Articulação Temporomandibular (ATM) têm aumentado em prevalência
e em severidade ao longo dos anos. Dentro desse contexto, surge a necessidade de se obter terapêuticas efetivas e
seguras para o controle e o manejo do paciente em situações de osteoartrite e osteoartrose da ATM. As opções terapêuticas variam desde protocolos de infiltrações articulares, dispositivos interoclusais, terapias farmacológicas e medidas fisioterápicas e educacionais. A alternativa de tratamento com agentes modificadores de estrutura — tais como
o sulfato de condroitina e o sulfato de glicosamina — apresenta resultados promissores e, principalmente, seguros.
Objetivo: através de uma revisão sistemática da literatura, este trabalho teve como objetivo analisar e discutir a
efetividade e a segurança da condroitina e da glicosamina nas alterações degenerativas da ATM.
Métodos: levantamento nas bases de dados MEDLINE, Cochrane, Embase, PubMed, LILACS e BBO, no período
compreendido entre 1966 e 2009, com enfoque em estudos clínicos randomizados (RCTs) e quase-randomizados, revisões sistemáticas e meta-análises.
Resultados: após a aplicação dos critérios de inclusão, chegou-se a dois artigos (estudos clínicos randomizados controlados e duplo-cegos), que avaliaram a efetividade da condroitina e da glicosamina nas alterações degenerativas da ATM.
Conclusão: existe a necessidade da realização de novos RCTs — com amostras representativas e tempo de acompanhamento longo — para a obtenção de relações causa-efeito mais precisas e para que se consiga um protocolo objetivo
e eficaz, envolvendo a condroitina e a glicosamina, em situações de alterações degenerativas da ATM.
Palavras-chave: Condroitina. Glicosamina. Articulação temporomandibular. Síndrome da disfunção da articulação temporomandibular. Transtornos da articulação temporomandibular. Osteoartrite.
1
Especialista em Disfunções Temporomandibulares (DTM) e Dor Orofacial pela UFPR.
2
Especialista em Prótese Dentária pela PUCRS.
3
Doutor em Ciências pela UNIFESP. Professor dos Cursos de Graduação e Pósgraduação em Odontologia da UFPR. Coordenador do Curso de Especialização em
DTM e Dor Orofacial da UFPR.
Como citar este artigo: Machado E, Machado P, Cunali PA. Use of chondroitin sulphate and glucosamine sulphate in degenerative changes in TMJ: A systematic review. Dental Press J Orthod. 2012 July-Aug;17(4):19-20.
Enviado em: 19 de janeiro de 2009 - Revisado e aceito: 16 de agosto de 2009
» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou
financeiros que representem conflito de interesse nos produtos e companhias descritos nesse artigo.
Endereço para correspondência: Eduardo Machado
Rua Francisco Trevisan, 20 – Santa Maria/RS
CEP: 97.050-230 – E-mail: [email protected]
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artigo inédito
Utilização de sulfato de condroitina e sulfato de glicosamina nas alterações degenerativas da ATM: uma revisão sistemática
INTRODUÇÃO
Na atualidade, as doenças muscoloesqueletais apresentam-se como um grande problema da saúde pública
devido à longevidade observada na população mundial2,8,9. Dentro desse contexto, a osteoartrose é uma situação frequente e importante de morbidade e incapacidade, sobretudo na segunda metade da vida humana2,
acometendo cada vez mais os pacientes jovens. A osteoartrose, ou osteoartrite, é uma doença degenerativa
que acomete os tecidos articulares, podendo acarretar
danos à cartilagem articular, gerando sintomatologia
dolorosa e limitações funcionais. Associada a essa condição, existem poucas terapias com resultados efetivos10.
As modalidades terapêuticas para controle e manejo da osteoartrose são variadas e estão relacionadas ao estágio da doença, envolvendo a educação do
paciente, exercícios físicos e fármacos (analgésicos
e anti-inflamatórios não-esteróides — “AINES”).
Eventualmente, também as cirurgias ortopédicas são
indicadas8. Com relação às terapias farmacológicas,
especificamente, o tratamento é dividido em drogas
modificadoras de sintomas e substâncias modificadoras de estrutura1,23. Os fármacos modificadores de
sintomas têm sua atuação relacionada à melhora da
dor e da função, ao passo que as substâncias modificadoras de estrutura têm sua indicação associada a
mudanças estruturais nos espaços articulares7,11.
A utilização de AINES apresenta um efeito paliativo e pode ocasionar efeitos adversos em longo prazo.
Tornam-se necessários, portanto, tratamentos efetivos e seguros para o controle e manejo da osteoartrose
da articulação temporomandibular (ATM). Estudos
voltados para esse problema mostraram que agentes
modificadores de estrutura, como o sulfato de condroitina e o sulfato de glicosamina, apresentaram resultados positivos, e poucos ou inexistentes efeitos adversos no tratamento da osteoartrose da ATM, o que
vem despertando interesse crescente.
Assim, o objetivo dessa revisão sistemática da literatura é a discussão baseada em evidências científicas,
sobre a efetividade de nutracêuticos, como os sulfatos
de condroitina e glicosamina, no tratamento das alterações degenerativas da ATM.
Pubmed, Lilacs e BBO no período compreendido de
1966 a janeiro de 2009. Os descritores de pesquisa utilizados foram “chondroitin”, “glucosamine”,
“temporomandibular disorder”, “craniomandibular
disorder”, “temporomandibular joint”, “tmd”, “tmj”
e “osteoarthritis”, os quais foram cruzados nos mecanismos de busca. A lista inicial de artigos, que foram
avaliados por seu título e resumo, foi submetida a revisão por dois avaliadores que aplicaram critérios de
inclusão para determinar a amostra final de artigos.
Caso houvesse alguma discordância entre os revisores, um terceiro avaliador seria consultado através da
leitura da versão completa do artigo.
Os critérios de inclusão para a seleção dos artigos foram:
» Estudos que englobaram os efeitos das substâncias modificadoras de estrutura — sulfato
de condroitina e sulfato de glicosamina — em
situações de alterações degenerativas da ATM.
» Contexto de uma Odontologia Baseada em Evidências, sendo incluídos apenas estudos clínicos controlados randomizados (RCTs) e quase-randomizados duplo-cego, revisões sistemáticas e metanálises.
» Artigos publicados de janeiro de 1966 até janeiro de 2009.
» Artigos redigidos em língua inglesa, espanhola
e/ou portuguesa.
RESULTADOS
Após a aplicação dos critérios de inclusão, chegou-se a dois estudos clínicos randomizados duplo-cego,
que avaliaram a efetividade dos sulfatos de condroitina e glicosamina no tratamento das alterações degenerativas da Articulação Temporomandibular, conforme demonstra o Quadro 1. Ainda, o índice Kappa de
concordância entre os revisores foi de 1,00, não sendo
necessária a utilização de um terceiro revisor.
DISCUSSÃO
Considerações sobre o tema devem sempre ser tecidas a partir de uma leitura crítica do método utilizado pelos diversos autores. A utilização dos princípios
básicos de pesquisa permite aos pesquisadores tentarem controlar da melhor forma possível os vieses do
estudo, gerando maior grau de evidência Dessa forma, critérios metodológicos como cálculo amostral,
MATERIAL E MÉTODOS
Foi realizada uma busca computadorizada nas
bases de dados MEDLINE, Cochrane, EMBASE,
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Machado E, Machado P, Cunali PA
Delineamento
do estudo
Substância avaliada
Tamanho da
amostra (n)
Período de avaliação
Resultados
Nguyen et al.
RCT duplo-cego
e controlado
Condroitina
(400mg 3x ao dia) e
glicosamina (500mg 3x
ao dia) associados
14 tt ativos
20 controles
12 semanas em pacientes com
alterações internas na ATM
Melhora em relação à dor,
sensibilidade na ATM e sons
articulares
Thie et al.
RCT duplo-cego
e controlado
Glicosamina
(500mg 3x ao dia)
Ibuprofeno
(400mg 3x ao dia)
21 tt Glicosamina
18 tt Ibuprofeno
90 dias em pacientes com
osteoartrite na ATM
Glicosamina mais eficiente em
relação à redução de dor do que o
Ibuprofeno
Autores
19
31
Quadro 1 - Características dos estudos incluídos.
RCT: estudo clínico randomizado; tt: tratamentos
randomização, cegamento, controle de fatores envolvidos e calibragem intra e interexaminadores,
tornam-se ferramentas importantes para qualificar o
nível de evidência científica gerada30.
Dentro do contexto da Odontologia Baseada em Evidências, verifica-se que os tipos de estudos mais comuns
publicados em periódicos brasileiros correspondem a
estudos de baixo potencial de aplicação clínica direta
e baixo nível de evidência. O baixo número de estudos
com maior força de evidência ressalta a necessidade de
ampliação do conhecimento de métodos baseados em
evidências entre os pesquisadores21. Da mesma forma,
torna-se importante o conhecimento, tanto dos autores
quanto dos leitores, dos estudos que geram os maiores
níveis de evidência científica, ou seja, metanálises, revisões sistemáticas e estudos clínicos randomizados.
A glicosamina é um dos principais alicerces da matriz estrutural do tecido conjuntivo das articulações,
além de ser um substrato para a síntese de glicosaminoglicanos, estimulando sua síntese e inibindo sua
degradação. Ela também tem um efeito de proteção do
corpo contra o dano oxidativo28. Já a condroitina é um
glicosaminoglicano encontrado nos proteoglicanos da
cartilagem articular32. Ambos os compostos são sintetizados naturalmente em cada articulação29.
O exato mecanismo de ação do sulfato de condroitina32 e do sulfato de glicosamina24,32, no tratamento da
osteoartrite, ainda não foi completamente elucidado. Essas substâncias agem sinergicamente, a fim de estimular
a síntese de glicosaminoglicanos em condrócitos. Além
disso, juntamente com a ação antiprotease do sulfato de
condroitina, fornece maior eficácia no retardo do processo degenerativo. A glicosamina, por sua vez, apresenta
pequeno efeito na inibição da agrecanase ou colagenase,
enzimas responsáveis pela degradação da cartilagem14.
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Um dos critérios para a determinação de um fator
de risco é a existência de uma plausibilidade biológica, à
luz do conhecimento atual, que dê sentido à associação
estudada. As hipóteses que sustentam essa plausibilidade devem ser amparadas em estudos experimentais3.
Na medicina veterinária, os derivados da condroitina e
da glicosamina têm sido usados satisfatoriamente por
diversos anos, a fim de tratar os sintomas da artrite28.
O sulfato de condroitina de baixo peso molecular e o
hidrocloreto de glicosamina mostraram-se mais eficazes
quando combinados (do que isoladamente) na redução
da progressão de lesões da cartilagem articular em um
modelo de instabilidade de osteoartrite em coelho. Assim, consideram-se que sulfatos de condroitina e glicosamina possuem funções sobrepostas no manejo da cartilagem articular danificada14. Além disso, o tratamento
com condroitina 4-sulfato apresentou redução da severidade da artrite também em ratos, apresentando mínima
evidência de inflamação ou destruição articular. Ainda, a
administração de glicosaminoglicano também inibiu significativamente o aumento da citocina TNF-α4.
Por meio dessa revisão sistemática da literatura, pode-se constatar, na avaliação de suplementos alimentares como a condroitina e a glicosamina no tratamento
das alterações degenerativas da ATM, que existe um
número muito reduzido de estudos clínicos randomizados acerca dessa possibilidade terapêutica, e que não
existem metanálises nem revisões sistemáticas que
abordem essa questão. Dessa forma, com um reduzido
número de evidências científicas significativas acerca
da efetividade e segurança das terapias propostas, torna-se difícil obter conclusões definitivas e extrapolar os
resultados para a população em geral. Além disso, os estudos selecionados apresentavam amostras reduzidas
e um tempo de acompanhamento relativamente curto,
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Utilização de sulfato de condroitina e sulfato de glicosamina nas alterações degenerativas da ATM: uma revisão sistemática
demonstrando a necessidade de um acompanhamento
longitudinal maior para se avaliar a real eficiência e segurança dos tratamentos propostos.
Os estudos clínicos randomizados incluídos nessa revisão sistemática da literatura, compararam a condroitina e/ou glicosamina a outras terapias como AINES e a
placebo em situações degenerativas da ATM, e encontraram resultados positivos na redução da dor e melhora da
função19,31. Porém, o que se verifica é que existem poucos
estudos que avaliam a ATM em situações de osteoartrose e a influência de agentes modificadores de estrutura
nessa situação. Portanto, fica comprovada a necessidade
da realização de estudos com amostras representativas e
tempo de acompanhamento longo, que se atenham a critérios metodológicos como randomização, cálculo amostral, cegamento, controle de fatores e calibragem.
Já em outras articulações, como joelhos e quadris,
verificou-se resultados encorajadores na utilização de
condroitina e/ou glicosamina. Metanálises16,26, revisões
sistemáticas33 e estudos clínicos randomizados duplo-cego6,12,18,20,22,24, apontam resultados positivos em situações de osteoartrose de articulações, tanto em melhora
da sintomatologia quanto da função, quando da terapia
com condroitina e/ou glicosamina. Já outros RCTs demonstraram que terapias envolvendo esses suplementos
alimentares não obtiveram resultados significativos ou
mais efetivos que placebo5,13,15,27. É importante salientar
que muitos desses estudos apresentavam limitações, tais
como amostragem pequena, problemas nos métodos de
alocação da amostra e vieses metodológicos, o que diminuiu o nível de evidência científica gerada16,25.
A condroitina e a glicosamina são suplementos alimentares vendidos sem receita médica e muitas vezes
sem regulamentação e controle sobre a qualidade das
substâncias. Dessa forma, sua indicação deve ser pautada em evidências científicas e de forma consciente.
A segurança dessas substâncias já foi demonstrada
em diversos estudos, sendo inexistentes ou mínimos
os efeitos adversos, tais como sintomas gastrointestinais12,24,27,31 e cefaleias13,17,24,27. Resultados semelhantes
também foram obtidos em grupos controle.
Devido à segurança desses agentes modificadores de
estrutura, sua indicação pode ser útil, mesmo que a eficácia seja modesta16. Em protocolos de tratamento para alterações degenerativas da ATM, a condroitina e a glicosamina podem ser alternativas seguras de tratamento, isentas
de efeitos adversos relacionados a terapias com AINES31.
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Dessa forma, associadas a protocolos com infiltrações
articulares com corticóide, viscossuplementação com
hialuronato de sódio, dispositivos interoclusais, terapias
farmacológicas, medidas fisioterápicas e educacionais,
entre outros, os agentes modificadores de estrutura se
somam, constituindo um arsenal no controle e manejo
das alterações degenerativas da ATM.
Com relação à dose recomendada de sulfato de
glicosamina, são utilizados protocolos variados. Uma
dose de 1500mg ao dia19,29, dividida em três doses
(500mg cada) é o protocolo de escolha em situações
de osteoartrose/osteoartrite. Já a dose recomendada
para uso em longo prazo de sulfato de condroitina é
de 80029 a 1200mg/dia19, também divididas em doses
fracionadas, sendo que associações entre as duas substâncias são bem toleradas pelos pacientes29.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
» Relativamente à utilização dos sulfatos de condroitina e de glicosamina no tratamento das
alterações degenerativas da ATM, devido ao
número reduzido de RCTs incluídos nessa revisão sistemática, faltam evidências científicas
que sustentem sua indicação como protocolo de
tratamento articular para a ATM. Porém, os estudos incluídos demonstram que a condroitina
e a glicosamina apresentaram resultados superiores a AINES e placebo no tratamento das alterações internas da ATM.
» Já em relação à utilização da condroitina e
glicosamina em outras articulações do corpo humano em situações de osteoartrose/
osteoartrite, como joelhos e quadris, estudos
com níveis de evidências fortes, tais como
metanálises, revisões sistemáticas e RCTs,
demonstram resultados positivos da utilização dos agentes modificadores de estrutura
na redução da dor e na melhora da função,
sendo os suplementos alimentares seguros e
com pouco ou nenhum efeito adverso.
» A análise da literatura mostrou que são necessários mais estudos clínicos randomizados,
com amostras representativas e com tempo de acompanhamento longo, para avaliar
a efetividade e a segurança dos tratamentos
propostos para o controle e manejo das alterações degenerativas da ATM.
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