Seminário Cavas de Mina: Uso para Disposição de Resíduos (Possibilidades e Restrições) Uso de Cavas para Disposição de Resíduos por: Antonio Carlos Girodo Prof. Departamento de Engenharia de Minas da UFMG Engenheiro de Minas / Consultor da Feam Belo Horizonte, MG - Outubro de 2008 Sumário 1. Apresentação: O Problema da Disposição de Resíduos Urbanos / Industriais em Cavas 2. Noções de Política Mineral 3. Impactos Ambientais Advindos da Mineração 4. Considerações sobre a Água na Mineração 5. Qualidade das Águas: Água Ácida de Mina 6. Sobre a Disposição de Resíduos em Cavas de Minas Abandonadas: os Bons Exemplos da Mutuca e da Copelmi O Problema da Disposição de Resíduos Urbanos e Industriais em Cavas Desativadas • O problema de disposição de resíduos sólidos (urbanos e industriais) é um importante tema discutido por séculos. No passado, acreditava-se que a lixívia destes resíduos purificava-se espontaneamente pela penetração e percolação no solo e em longo termo não se constituía em problema. Assim a prática geral era depositar os resíduos em áreas limítrofes dos centros populacionais. • Notadamente a partir dos anos 50, apercebeu-se que os depósitos de resíduos urbanos e eventualmente industriais efetivamente constituíram-se em enormes problemas, pois estão ligados à contaminação d’ água subterrânea, geração de gás metano pela decomposição da matéria orgânica, proliferação de animais daninhos (ratos,baratas) emissão de mau-cheiro etc. • Por razões óbvias,ninguém quer depósitos de resíduos perto de suas residências ou locais de convívio, cunhando-se, na América do Norte, o termo Síndrome NIMBY “Not in my Backyard”. Isto posto, a alocação de novos sítios para deposição de resíduos está se tornando muito difícil. Assim,os sítios tecnicamente apropriados para guardar resíduos v.g. acima do nível d’água subterrânea e fora do contacto de seres humanos tornaram-se alvos de imposições legais para estocagem de rejeitos. • Neste contexto,a alternativa lógica para a Sindrome NIMBY para a Síndrome NIMBY é o uso de cavas de minas desativadas,que oferecem diversas vantagens,entre elas: 1. 2. 3. 4. 5. 6. A existência de uma escavação prévia pode se constituir num volume apropriado para estocagem de resíduos, sem necessidade de haver maciços investimentos em obras civis; Muitas escavações mineiras ocorrem acima do nível d’ água subterrânea, minorando o eventual impacto no aqüífero; Normalmente encontram-se estéreis de mina ou rejeitos de usina nas adjacências o que permite cobrir os resíduos (urbanos ou industriais estocados; As grandes minas desativadas geralmente encontram-se ligadas à rede viária da região e que pode ser usada para o transporte dos resíduos; A maioria das minas desativadas (nem todas) situam-se longe de áreas residenciais; As velhas minas desativadas comumente dispõem de notáveis informações hidrológica / hidrogeológica; Inobstante às vantagens arroladas poderão subsistir entraves à estocagem de resíduos como por exemplo grandes cavas não devidamente preparadas ou impróprias para a recepção de resíduos,como por exemplo uma escavação abandonada em ambiente cárstico. De fato, cada caso é um caso individualizado. Tudo deve ser estudado com extremo cuidado, para não se fazer bobagens Noções de Política Mineral • Recursos e riquezas • Desenvolvimento sustentável: (1) recursos minerais (minérios e combustíveis fósseis); (2) recursos ambientais (ecossistemas) • Minérios exaurem-se (conservação); Ecossistemas trabalham de graça (reciclam nutrientes, provêem habitats, sequestram carbono etc.) • Sustenibilidade: (1) fluxo constante; (2) conservação ecossistemas • Políticas e programas: progresso social; conservação ambiental; competitividade "A mineração é uma atividade que é (e continuará sendo) a principal provedora de materiais para a humanidade. Os desafios técnicos, sociais e ambientais que se colocam para a indústria mineral, em nível mundial, requerem o aperfeiçoamento e o contínuo desenvolvimento de novos métodos de mineração e de processamento de minerais que permitam minimizar os impactos ao meio ambiente e, ao mesmo tempo, fornecer os recursos necessários para a economia." (www.mining.ubc.ca) O QUADRILÁTERO FERRÍFERO 0 20 Km BELO HORIZONTE N GRUPO ITACOLOMI OURO PRETO SUPERGRUPO MINAS SUPERGRUPO RIO DAS VELHAS EMBASAMENTO 44°00' Fases da Mineração • Brasil e LGBs – Levantamentos Geológicos Básicos • Fases da Mineração (Peele, 1945 modificado) – – – – – Prospecção Pesquisa Mineral Desenvolvimento Lavra & Tratamento dos Minérios Recuperação de áreas degradadas Mina De Águas Claras, MBR, de 1971 a 2003 Mina de Córrego do Feijão Mineração e Impacto Ambiental Mineração pode ser definida como a remoção de minérios / minerais industriais da crosta terrestre para o serviço do Homem. Axioma: Toda atividade mineira impõe alguma mudança no meio ambiente, daí a causa do impacto ambiental. Exaustão das reservas As reservas minerais exaurem-se e assim, a mineração corresponde a um uso temporário dos terrenos. • Corolário: A mineração termina, o terreno fica. Vida Típica de uma Mina • • • • Descoberta do distrito – prospectos, tentativas de produção Sucessivas investigações por geólogos e engenheiros de minas Reconhecimento do potencial (maiores corpos de minério) Período de pré-produção - Estudos preliminares - Delineamento dos corpos de minério - Estudos de viabilidade / Projeto básico ( continuação ) • • • Implantação e Pré-operação Produção e expansões Declínio da Produção - Recuperação de pilares - Reaproveitamento de rejeitos, etc • Desativação Impactos Ambientais na Mineração • Destruição de habitats e biodiversidade no local da mina • Ecossistema / habitat / proteção biodiversidade terrenos adjacentes. • Paisagem / Impacto visual / perda de uso da terra • Estabilização e reabilitação do local • Estéril da mina e disposição de rejeitos • Ruptura de barragens de rejeitos • Abandono de equipamentos, rejeitos sólidos, infiltrações • Emissões aéreas • Poeiras (continua) • Consumo de energia • Assoreamento e mudança de regime de rios • Descargas de efluentes e drenagem ácida (sulfetos) • Alteração de aqüíferos • Geração de estéreis e rejeitos • Perigos do manuseio de substâncias químicas, segurança e exposição de trabalhadores • Ruídos • Radiações (minas de urânio) • Saúde e Segurança no local de trabalho • Valores arqueológicos e culturais • Comunidades urbanas e rurais nas proximidades da minerações. Bingham Canyon, Utah Chuquicamata, Chile Kirunavaara, Suécia Palabora, África do Sul Rheinbraun, Colnia Alemanha MIRNY, Sibéria Mirny Kimberlito de Canastra I, São Roque de Minas, MG Importância da Água Subterrânea Localização Oceanos Geleiras Lençóis Subterrâneos Atmosfera Lagos de Água Doce Lagos de Água Salgada Rios e Canais Volume 1012m³ (%) 1.317.260 29.100 8.397 13 125 104 1 97,2 2,15 0,625 0,001 0,009 0,008 0,0001 Driving Forces do Ciclo Hidrológico A água é mantida em circulação na superfície do planeta por duas forças motrizes (driving forces): – Gravidade: que leva a água, notadamente no estado líquido (mas também sólido) para as partes mais baixas do planeta; – Energia solar (radiante): que provoca a evaporação e, como o ar úmido é mais leve que o ar seco, ele ascende as camadas mais altas da troposfera. • Esses processos básicos são resumidamente descritos a seguir: – Condensação: ocorre quando o ar úmido se resfria, dando origem a pequenas gotículas de água. – Precipitação: o choque entre as gotículas em suspensão provoca o seu crescimento (coalescência) tornando-as suficientemente pesadas para se precipitarem sob a forma de chuva (neve, granizo ou orvalho). – Infiltração: parte da precipitação que atinge o solo inflitrase em subsuperfície constituindo os mananciais subterrâneos. – Escoamento superficial: parte da precipitação que atinge o solo pode escoar pela superfície ou ser recolhida diretamente por corpos ou cursos d’água. – Evapotranspiração: o ciclo hidrológico se completa com o retorno da água à atmosfera sob a forma de vapor d’água por evaporação (simples mudança de fase) ou por transpiração (notadamente dos vegetais). Esse fenômeno conjunto denomina-se evapo-transpiração. Balanço Hídrico Tomando-se como referência um trato de terreno (v.g. bacia hidrográfica) e aplicando-se convenientemente o princípio da conservação das massas (de água) pode-se para um dado intervalo de tempo ∆t, demonstrar a equação: Princípio: Conservação das massas P = (S + B) + (E + T) + ∆V P = D + ET + ∆V Para ∆t → ∞ ⇒ P = D + ET P é a precipitação D é o deflúvio, escoamento total ou “runoff”, composto pelos escoamentos superficial (S), subsuperficial e subterrâneo (B). ET é a evapotranspiração, composta pela evaporação (E) e transpiração (T). ∆V é a variação do volume armazenado na bacia hidrográfica em referência, considerando os reservatórios superficiais e subterrâneos. A equação geral do balanço hídrico pode ser simplificada quando aplicada para longos períodos de tempo e grandes áreas, desprezando-se a variação do volume armazenado: P = D + ET As unidades dos componentes das equações dos balanços hídricos costumam ser expressas em milímetros por mês ou por ano (mm/mês ou mm/ano) ou numa unidade de valor (m³/s). Distribuição das Águas Subterrâneas • A água ao se infiltrar no solo se sujeita às forças de atração molecular ou adesão, à tensão superficial ou efeitos de capilaridade e à atração gravitacional. • Abaixo da superfície e em função das ações dessas forças e da natureza do terreno, a água pode-se encontrar na zona de aeração ou na zona saturada. Na primeira, os interstícios do solo são parcialmente ocupados pelos espaços livres. Na segunda a água ocupa todos os vazios prevalecendo a pressão hidrostática. • A zona de aeração, próxima à superfície, costuma ser subdividida em três subzonas: – subzona de água do solo: mais próxima á superfície, com água higroscópica absorvida do ar e mantida em torno das partículas por adesão. – -subzona intermediária: com água pelicular e gravitacional, esta última, em trânsito para posições mais baixas, movidos pela força da gravidade. – água capilar: que ascende da zona saturada devido a fenômenos capilares ( lei de Jurin ) • Na zona de saturação encontra-se a água subterrânea possível de ser explotada por diversas técnicas especializados. Água do solo Zona intermediária Água pelicular e gravitacional Zona capilar Água capilar Zona de saturação Água subterânea Camada impermeável Água vadosa Zona de aeração Zona de saturação Zona de água do solo Aquíferos • O não-especialista chama toda água abaixo da superfície da Terra de água subterrânea, porém na Hidrologia esta denominação costuma ser restrita à água que circula na zona saturada. • Denomina-se aqüífero toda formação geológica capaz de conter água e ainda permitir que quantidades significativas deve água se movimentem em seu interior em condições naturais. As formações permeáveis como ar areia, arenitos e formações ferríferas parcialmente decompostas são excelentes aqüíferos. Princípios Básicos de Escoamento em Meios Porosos (Lei de Darcy) Em 1856 Henri Darcy publicou uma série de experiências sobre a relação entre o gradiente hidráulico e o fluxo d'água em meios porosos, mostrando que a vazão do fluido obedece à seguinte expressão: ∆H Q = K ⋅ A⋅ = K ⋅ A⋅ J ∆L Q V = = K ⋅ J , onde : A ou Escoamento em Regime Permanente - Lei de Darcy: q = −k . A. dh , ou ds vs = q dh = −k A ds Considerando o caso tridimensional e esquema isótropo, vem: vx = −k ⋅ Com, h=z+ ∂h , ∂x v y = −k ⋅ ∂h e ∂y vz = −k ⋅ ∂h ∂z p , potencial hidráulico (piezométrico). ρg Levando-se em conta a equação da continuidade dq=0, pode-se escrever: ∂v x ∂v y ∂v z + + = 0, ou ∂x ∂y ∂z ∂ ∂h ∂ ∂h ∂ ∂h − k ⋅ + − k ⋅ + − k ⋅ = 0 ∂x ∂x ∂y ∂y ∂z ∂z ∂2h ∂2h ∂ 2h + 2 + 2 = 0 ou 2 ∂x ∂y ∂z ∂2 ∂2 ∂2 2 + 2 + 2 ∂y ∂z ∂x ⋅ h = 0 A qual, simplificando, resulta: ou ainda: div (grad.h) = 0 ou ∇ 2 (h ) = 0 que é a equação geral de escoamento dos fluidos. Tipos de Aquífero Existem fundamentalmente três tipos primários de aqüíferos: - Aqüífero poroso - aquele no qual a água circula nos poros dos solos e grãos constituintes das rochas sedimentares ou sedimentos; - Aqüífero fissural - aquele no qual a água circula pelas fraturas, fendas e falhas nas rochas; - Aqüífero cárstico – aquele no qual a água circula pelas aberturas ou cavidades causadas pela dissolução de rochas, principalmente nos calcários; Hidrologia Cárstica Hidrologia Cárstica DOLINAS Rebaixamento do nível d'água em mineração Mina a céu aberto nascente Aqüífero superior Barreira hidráulica Aqüífero inferior Mina subterrânea Manuseio de Água na Mina de Vazante Notas sobre DAM – Drenagem Ácida de Minas 1. Como conseqüência da lavra de carvão, sulfetos polimetálicos, urânio etc., grandes quantidades de pirita ficam expostas à meteoração, ocorrendo a DAM / Drenagem Ácida de Minas. A DAM é decorrente da conjugação de quatro fatores, nomeadamente: ÁGUA, AR (Oxigênio), Enxofre (FeS2) e Thiobacillus Ferrooxidans. a) a água torna-se fortemente corrosiva (ácida); b) há a degradação do ecossistema aquático; c) ocorre a solubilização de metais pesados (veneno). 2. A manutenção da água limpa pode ser levada a cabo de duas maneiras (não mutuamente exclusivas): a) Atuação preventiva: estudando a hidrogeologia das minas e impactos decorrentes; b) Forçando minerações cumprirem normas pertinentes. 3. Tratamento de DAM a) técnica ativa: tamponamento e inundação de mina; b) técnica passiva: neutralização química (cal, calcário) e purificação d’água com plantas (taboas). 4. Estudos de Casos: a) Minas de carvão na antiga R. D. Alemã (extrema poluição por DAM); b) Iron Mountain: Shasta County, Califórnia,USA. Operou no período de 1860 a 1962 e foi o maior produtor de Cu da california. Tornou-se depois o campeão mundial de água ácida despejando anualmente no Spring Creek 730 tpa de Cu, Zn,Zn e Cd; c) Bunker Hill: Zn, Coeur d’Alene, complexo sistema de DAM; d) Nuclebrás: Poços de Caldas, DAM ligada a antiga mina de urânio. Notas Preliminares sobre Disposição de Resíduos • O tema de disposição de resíduos é um assunto ligado à Engenharia Civil e especialmente à Engenharia Sanitária e Ambiental. Assume-se que o Brasil produza cerca de 300tpd lixo urbano. Isto corresponde a cerca de 110.000 tpa de lixo urbano. Os volumes de rocha (minério e estéril) movimentados anualmente pelas minerações são significativamente superiores aos valores citados. Não temos, no momento, quaisquer valores para avaliar o volume anual de resíduos industriais. • Uma vez que a disposição de resíduos é um assunto de Engenharia, há que haver estudos, projetos e cálculos para bem acomodar este material em cavas abandonadas. Com certeza um dos primeiros passos será a caracterização dos resíduos a serem estocados. • Através de uma rápida consulta à bibliografia imediatamente disponível, os resíduos urbanos industriais podem ser preliminarmente classificados nas seguintes categorias: – I. Resíduos Perigosos; – II. Resíduos não-especificados – III. Resíduos Urbanos • É muito difícil, numa primeira instância e sem estudos mais detalhados, delinear fatores técnicos e econômicos ligados à disposição de resíduos em cavas de minas desativadas. Todavia alguns destes fatores podem ser: – – – – – – – – – Características gerais da cava abandonada; Natureza do resíduo a ser estocado; Eventuais restrições ligado ao zoneamento da região; Condições climáticas; Hidrologia e Hidrogeologia; Geologia subjacente; Condições geotécnicas; Estabilidade das estruturas; Pressão imobiliária etc. • Alguns Exemplos: – Todos conhecem a história do acidente ecológico da Mineração Rio Verde que ocorreu no município de Nova Lima. A antiga cava da mina guardava rejeitos da mineração o que é interessante. No entanto houve rompimento das paredes da cava em função dos esforços solicitantes superarem os esforços resistentes. Estruturas rompem-se por serem mal-projetadas, mal-construídas, mal-mantidas ou mal-operadas. É fundamental se ter boa Engenharia (com E maiúsculo); – Imagine que se estoque lixo orgânico num domínio cárstico. Istoé um despautério, pois tal resíduo pode contaminar, irreversivelmente, todo o aqüífero do cárste; – Uma massa estéril piritosa (de mina de carvão, sulfetos polimetálicos, urânio etc. não pode ser largado a céu-aberto, pois as águas das chuvas percolando estes escombros produzem água ácida. Todavia este material poderia ser jogado num lago fundo de uma cava de minério de ferro,pois não havendo oxigênio disponível na água no há geração de água ácida. Alguns Bons Exemplos a Serem Seguidos Mutuca, MBR no QF e Carvão da Copelmi em Butiá, RS • Cava da Mutuca: concepção dos planejadores de minada MBR de guardar estéreis e rejeitos de novas minas abertas nas vizinhanças; • Lavra em tiras da COPELMI: o pasto, o lago e a sede da fazenda em Butiá, RS, tudo foi minerado, recuperado e provavelmente vendido ou trocado por outra área pela COPELMI. O aterro sanitário feito na cava da mina de carvão recebe cerca de 50 a 70% do lixo do Estado do Rio Grande do Sul. Cava da Mina da Mutuca COPELMI Butiá, RS